O CAPITAL HUMANO

Reter e atrair talentos tornou-se uma questão de vida ou morte para as empresas

Por Maria Amalia Bernardi

Você está concentrado, trabalhando na sua sala, quando a secretária entra e diz aquela frase fatídica: "Fulano de tal está aí fora e precisa muito falar com você". O tal "fulano", claro, é o seu melhor executivo. É o mais promissor. Está resolvendo uma porção de problemas. Você e a empresa já investiram e vêm investindo pesado nele. Fazer o quê? Você o recebe. E aí ouve exatamente aquilo que passou pela sua cabeça numa fração de segundo, quando a secretária o anunciou. "Não é nada pessoal, gosto muito de você e adoro a empresa", diz ele. "Mas recebi uma proposta irrecusável."

Notícia dura? Se é. Dura, séria, exasperante, custosa - e cada vez mais freqüente no mundo empresarial. Por mais atrativos materiais e perspectivas de crescimento que se ofereçam ao profissional, ninguém, ninguém mesmo, está a salvo de ter que encarar uma conversa dessa. No ambiente de trabalho de hoje a velha história da lealdade que o funcionário tinha que ter com a empresa foi para o espaço. Morto e sepultado está o tempo em que as empresas ofereciam aos seus empregados a garantia de uma carreira até a aposentadoria - e em troca tinham deles fidelidade também até a aposentadoria.

Reestruturações, reengenharias, downsizings, rightsizings - todos esses nomes, no fundo, são sinônimos sofisticados de uma única coisa: corte de custos, a começar por gente. Poucas empresas no Brasil e no mundo conseguiram se manter à margem disso nos últimos anos. De acordo com um artigo recente publicado no Wall Street Journal, a maioria das 500 maiores empresas americanas listadas anualmente na revista Fortune está sofrendo os efeitos da chamada "síndrome dos sobreviventes de demissões", na qual a desconfiança e a ansiedade substituem os sentimentos de lealdade e segurança. O outro lado dessa moeda é que também a lealdade do empregado em relação à empresa deixou de existir -- ao menos no seu modelo tradicional. "Hoje em dia, todas as organizações dizem que as pessoas são o seu maior ativo, mas poucas praticam o que pregam e um número ainda menor acredita realmente nisso", afirma Peter Drucker, talvez a maior autoridade mundial em administração. "A maioria das empresas ainda acredita, embora talvez inconscientemente, no que os empregadores do século passado acreditavam: as pessoas precisam mais de nós do que nós precisamos delas."

E a verdade é que, mais que nunca, as empresas precisam de talentos. Nestes tempos de competição acirrada, a qualidade da mão-de-obra é um fator decisivo para a vida das compa-nhias. Com o fim da era da lealdade, elas estão tendo que encontrar com urgência novas formas de manter e atrair talentos. Trata-se - nem mais, nem menos - de uma questão de vida ou morte. O chamado capital humano pode matar e pode salvar.

Muito pouca gente, se é que ainda existe alguém, entra numa empresa com a idéia de ali passar os próximos 20 ou 30 anos. Por mais entusiasmada e dedicada que a pessoa seja, e por mais que goste do que faz, seu compromisso termina no exato momento em que recebe uma proposta "irrecusável" (sob vários ou todos os pontos de vista) e se dirige à sala do chefe para ter aquela conversa citada atrás.

"A visão de que lealdade é coisa do passado está ganhando terreno", diz Frederick Reichheld, em seu livro A Estratégia da Lealdade. Reichheld é diretor da Bain & Company, a mais respeitada consultoria do mundo em estratégia de retenção de clientes e empregados. "Cada vez mais a idéia que prevalece é que os funcionários precisam assumir totalmente a responsabilidade por suas próprias carreiras." Essa onda, evidentemente, vai adquirir um volume tanto maior quanto mais aquecido estiver o mercado de trabalho. Em situações de desemprego, o problema permanece oculto. Quando a demanda por trabalho cresce - como ocorre atualmente nos Estados Unidos e, no caso do Brasil, em diversas categorias de talento executivo -, os bons funcionários não esquentam cadeira.

Essa não é só a idéia que prevalece, como diz Reichheld. É também a mensagem que empregados do mundo todo têm recebido da mídia, dos consultores, dos gurus da administração e das próprias empresas. Uma mensagem que diz claramente "Cuide de você próprio", e exatamente assim é interpretada. O raciocínio de lealdade que permeia as atitudes dos profissionais atualmente é o seguinte: "Vou pensar muito mais em mim e na minha carreira do que na empresa. Vou me preocupar com as minhas habilidades e tratar de fazer com que elas sirvam para qualquer empresa. Vou me valorizar aqui para obter uma colocação melhor em outro lugar".

Um estudo feito recentemente pelo governo dos Estados Unidos retrata quanto anda em baixa o apego dos empregados americanos pelas empresas onde trabalham. No período de julho de 1996 a julho de 1997 o número de empregados que deixaram o emprego por vontade própria aumentou em quase 30%. Outro dado significativo: uma pesquisa feita pela Towers Perrin entre 2 500 funcionários de diversas empresas nos Estados Unidos mostra que 60% deles não recomendariam a seus amigos que procurassem emprego nas companhias em que trabalham. No Brasil, um levantamento feito recentemente pela Standard Ogilvy & Mather nos seis principais estados mostrou que mais da metade das pessoas considera muito mais atrativo ter o próprio negócio do que trabalhar numa empresa.

Todos esses dados reforçam a tese de que, no fundo, no fundo, os funcionários de forma geral estão cada vez mais convencidos de que cada um tem que cuidar de si. Por isso mesmo tornou-se normal, hoje em dia, um profissional competente passar por seis, sete ou mais empregos ao longo da sua vida profissional. Alguns headhunters já aconselham os executivos a agir assim. "Na opinião dos caçadores de talentos, mudar de emprego a cada três ou quatro anos tornou-se absolutamente necessário para o tipo de currículo que será considerado atraente pela empresa moderna", diz Reichheld. "Laços prolongados e ininterruptos com uma única corporação sinalizam experiência limitada e falta de ambição." Esse conselho é seguido mais que à risca, por exemplo, por executivos que saem do curso de administração de Harvard. Em média, eles mudam de emprego três ou quatro vezes só nos primeiros 10 anos de carreira.

Profissionais inquietos existem, cada vez mais, em todas as partes do mundo. A executiva Sílvia Maria Fugulin estava se sentindo assim. Ela entrou na General Electric, 10 anos atrás, como secretária executiva bilíngüe e chegou a gerente de recursos humanos, cargo que a colocava em contato direto com o presidente da empresa. Então foi para o Citibank como diretora de RH. "Eu precisava ter uma experiência em outra empresa, em outro setor", diz Sílvia (ela foi ganhando 60% mais em salário anual e benefícios, fora os bônus).

COISA DE 1 MILHÃO - Essa nova realidade acarreta às empresas inúmeros problemas. O primeiro deles é perder capital humano numa época em que pouca coisa é tão crucial para os negócios quanto ter gente talentosa cuidando deles. Na verdade, toda vez que um bom executivo vai embora a empresa perde uma parte daquilo que é hoje o maior diferencial competitivo de qualquer companhia que pretenda durar no mercado. Perde, também, tudo o que foi investido até então naquele profissional, do recrutamento aos cursos, seminários, viagens e benefícios. É uma perda que será dobrada quando se considera que é preciso formar outras pessoas para substituir as que saíram. De acordo com uma estimativa feita pela Hay Consultoria, essa perda pode custar hoje entre 300 000 e 600 000 reais, no caso de um profissional mediano. Com um executivo de primeira linha a conta é coisa de 1 milhão para cima.

Faça os cálculos. "Só com a contratação do substituto os headhunters levam de 30% a 35% da remuneração anual da pessoa", afirma Luiz Fernando Giorgi, gerente-geral da Hay no Brasil. "A isso se deve somar o tempo gasto para formar um novo profissional, nunca menos de um ano, podendo chegar a três." Há ainda os ativos que, dependendo do caso, os funcionários talentosos levam junto quando vão embora: clientes, fornecedores, contatos de parcerias e até - por mais éticos que sejam - projetos. O último e talvez o pior dos prejuízos é o fato de que, ao deixar a empresa, os talentos em geral vão fortalecer o concorrente. Há dúvidas de que é para lá que eles vão?

RETÓRICA - Considerando-se há quanto tempo esse problema está aí, as somas em dinheiro que já consumiu, as frustrações, inimizades e rancores e o desperdício de energia que ocasiona, é de admirar que cinco minutos depois de ler esta reportagem você continue correndo o risco de ter que enfrentá-lo mais uma vez na sua área. É verdade que as empresas vêm tomando consciência dele cada vez mais e até têm criado estratégias específicas para combatê-lo. Isso é um grande avanço, visto que antes o consideravam mais um entre os pertencentes à categoria das "coisas da vida". Muito bem, mas como enfrentá-lo? O primeiro passo é ter claro na cabeça o seguinte: no momento em que aquela conversa acontece, já é tarde demais para fazer alguma coisa. Quase sempre é inútil fazer uma contraproposta, dar um aumento ou tentar segurar a pessoa na retórica. É claro que há exceções. Dependendo de quem se trata e das circunstâncias, cabe até cobrir a proposta.

Mas essa solução tem limites - muitas vezes, simplesmente não há dinheiro para neutralizar o ataque - e inconvenientes. O primeiro é que quando a coisa chega a esse ponto dificilmente o relacionamento entre o superior (ou a empresa) e o subordinado ficará melhor dali para a frente. O segundo é que ela não pode ser aplicada com a mesma freqüência com que os talentos são seduzidos por ofertas da concorrência. O terceiro é que cobrir propostas de uns e não de outros, ou aumentar a remuneração de quem recebeu uma oferta e não dar aumento aos demais, sempre acaba amargando o clima do ambiente de trabalho. Conclusão: segurar os talentos é um trabalho que tem de ser realizado todos os dias, e previamente. Excelentes pistas de como fazer isso estão no Guia das Melhores Empresas do Brasil Para Você Trabalhar, suplemento especial que acompanha a presente edição de EXAME. Ali estão listadas as companhias que, pela avaliação dos funcionários e por uma série de fatores objetivos, têm as melhores práticas na criação e manutenção de atrativos para seus profissionais.

"Quando se trata de reter pessoas, não há ações corretivas", diz Maurizio Mauro, presidente da Booz-Allen no Brasil. "O mercado está agredindo as empresas o tempo todo e não adianta esperar que isso mude, porque não vai mudar." Celeiros de pessoal bem treinado, as grandes consultorias sempre foram vítimas do assédio ininterrupto do mercado. Na Booz-Allen, a maior parte dos consultores recebe, em média, uma proposta por ano. E aqueles altamente qualificados, que possuem grande potencial de desenvolvimento, recebem pelo menos cinco. No setor de tecnologia, o mais atingido atualmente pelo "roubo" de talentos, a situação está na base do salve-se-quem-puder.

"Se eu tivesse condições de bloquear todos os telefonemas de headhunters que os nossos funcionários recebem diariamente, acho que o número de ligações cairia 70%", diz Dario Boralli, gerente-geral no Brasil da Sun Microsystems, maior rival da Microsoft na Internet. Já que é impossível impedir que o concorrente vá caçar no seu território, o desafio que você tem pela frente é dificultar ao máximo a vida dele. "A solução tem que vir das empresas. Cabe a elas criar um ambiente em que as ofertas externas não sejam tão atraentes", afirma Mauro. "Toda empresa que está num mercado vivo e de concorrência acirrada tem que tomar providências práticas e efetivas para se defender dos ataques ao seu pessoal, porque headhunters batendo na sua porta você sempre vai ter", diz Boralli.

Como se proteger da artilharia da concorrência? Todas as empresas de ponta já incorporaram às suas estratégias de negócios programas voltados exclusivamente para segurar as pessoas com grande potencial. A primeira e mais importante arma desses programas é o dinheiro? Alguns especialistas vão afirmar que sim, e, de fato, muitas vezes o dinheiro funciona como uma algema. Mas há um enorme problema com essa algema: a qualquer momento o seu concorrente pode vir e oferecer mais. Portanto, esses programas não se baseiam numa única arma principal, e sim num tripé formado por perspectivas de carreira, pacote de remuneração e ambiente de trabalho.

Cada uma dessas coisas, aplicada isoladamente, não surte efeito. É preciso que se somem e formem um conjunto coerente, ligado pelo princípio fundamental de criar interesses concretos para a permanência a longo prazo dos talentos que se pretende conservar. Em outras palavras: estará mais protegida a empresa capaz de dar motivos para os bons profissionais compreenderem claramente que, quanto mais tempo ficarem nela, mais irão se beneficiar pessoalmente. Vamos começar falando da carreira, a perna do tripé em que os talentos se mostram mais exigentes. Retê-los, hoje em dia, sem lhes dar perspectivas reais de progresso é impossível.

Pessoas talentosas querem saber onde estão pisando, querem planos de carreira objetivos, querem sentir que estão se desenvolvendo e aprendendo, na prática e com treinamentos. Querem sentir que a empresa está apostando nelas e no seu crescimento profissional. Querem poder exercer toda a sua criatividade. Dez meses atrás, Alexandre Pombo, 30 anos, saiu da IBM e foi para a Microsoft, onde é gerente de uma área de negócios. A razão? "A estrutura monolítica da IBM não permitia que eu exercesse a minha criatividade", diz ele. "Basicamente, eu tinha que cumprir ordens, e isso me frustrava." Os talentos querem, também, possibilidades concretas de realizações continuadas. "Aqueles executivos de alto desempenho que já cumpriram missões de grande responsabilidade e passaram por experiências diversas ficam mais sujeitos ao mercado", diz Guilherme Dale, vice-presidente da Spencer Stuart, empresa de headhunting voltada para o top management. "É preciso mantê-los envolvidos em projetos novos, em desafios constantes."

SEM GANHAR NADA - Reter talentos consagrados pode implicar ações mais complexas, mas eles são minoria no mercado. Muito mais trabalhoso é reter os talentos iminentes e os que têm futuro. Gente como, por exemplo, Eduardo Cocozza, gerente da Motorola. Dois anos atrás, Cocozza, um engenheiro eletrônico de 28 anos que ainda está cursando pós-graduação em marketing, trocou a empresa em que estava pela concorrente direta. E sem ganhar um real a mais. O motivo? Falta de perspectivas. "A companhia tinha uma estrutura hierárquica rígida. Eu estava lá fazia seis anos e não via chance de mudanças a não ser a longo prazo", diz ele. Em seis meses de Motorola, Cocozza passou de técnico a gerente de negócios na área de desenvolvimento de soluções para os consórcios da banda B.

Só no quesito treinamento, a Motorola oferece um mínimo de 40 horas por ano para todos os funcionários (com exceção dos engenheiros, cuja carga é dobrada). "Apostei na Motorola porque senti que ela estava apostando em mim", afirma Cocozza. Talentos jovens e promissores como Cocozza existem numa escala muito maior. Por isso mesmo, exigem das empresas mais atenção e disponibilidade de recursos. "Estamos sentindo uma grande pressão sobre gerentes novos e pessoas próximas do nível gerencial", afirma Carlos Siffert, diretor-presidente da Promon. Para fortalecer a resistência deles à pressão externa, o arsenal retentor da Promon inclui valorizar ao máximo a atualização e o desenvolvimento.

A empresa gasta 7 milhões de dólares por ano só na capacitação profissional de seu contingente, o que significa 60 horas por ano para cada funcionário. Parte do treinamento é técnico, parte comportamental (negociação, atitudes etc.).

Os talentos-alvo-do-mercado, além de sedentos de conhecimento, são irrequietos. Não têm paciência de esperar até a empresa considerar o momento adequado para começar a galgar degraus montanha acima. Querem queimar etapas, querem autonomia. Segundo Siffert, a Promon procura dar tudo isso aos seus profissionais. O que querem é adquirir a propagada "experiência diversificada"? Eles têm essa chance dentro das próprias unidades de negócios da empresa. No ano passado, 27% das vagas que surgiram nas unidades de negócios da Promon foram preenchidas pelo pessoal interno. "Quem quer ficar pulando de galho em galho não precisa sair da empresa. Aqui também temos os galhos", diz Siffert.

O atrativo financeiro, sem dúvida, é importante - não há, simplesmente, como fugir disso. É claro que sempre se discutirá muito quanto o dinheiro, por si só, segura de fato alguém em algum lugar. Alguns analistas acreditam que seu peso não ultrapassa 20% entre os fatores que contribuem para a satisfação dos profissionais. Pode até ser, sobretudo a partir de um certo conjunto de circunstâncias - nível de remuneração já alto, muitos anos de casa, amizades pessoais. Mas, no geral, dinheiro no bolso pesa muito, e isso faz do pacote de remuneração a segunda perna do tripé sobre o qual se baseiam os programas de retenção das empresas de ponta. "É fundamental adotar políticas salariais agressivas", afirma Guilherme Dale. Empresas como a Sun, Motorola, Booz-Allen, Promon e muitas outras entendem que "agressividade" é manter os salários no terceiro quartil da escala vigente no mercado. É nessa faixa que elas pagam a maior parte de seus funcionários.

Tal qual qualquer produto, o profissional vale aquilo que o mercado está disposto a pagar. E, tratando-se de talentos, ele está disposto a pagar muito. Sobretudo aos especialistas em alguma das áreas mais carentes naquele momento - como é o caso atual do varejo, por exemplo. "Depois que as margens de lucro praticadas no Brasil despencaram do patamar absurdo para o real, e logo ficou claro quem é bom mesmo no ramo, achar um bom profissional de varejo tem sido dificílimo", afirma o headhunter Simon Franco, diretor da Simon Franco Recursos Humanos. De acordo com Franco, o salário anual na área de varejo de um gerente sênior, de um diretor regional ou de um diretor de loja está na base dos 160 000 a 200 000 reais, fora bônus e benefícios. Enfrentar a concorrência hoje, como se vê, é coisa para quem não tem dó de pôr a mão no bolso.

Política de remuneração agressiva não significa salário fixo estratosférico. Ao contrário, a tendência das empresas é centrar forças sobretudo no variável e atrelá-lo ao desempenho das pessoas e da companhia. O banco Bozano, Simonsen, entre muitos outros exemplos, faz isso. O salário mensal dos seus diretores está na casa dos 9 000 reais (o mercado paga entre 12 000 e 20 000 reais). Em compensação, como o Bozano distribui 25% do seu lucro anual, eles levam para casa diversos salários extras. No primeiro semestre deste ano, sobre um lucro de 90 milhões de reais, foram distribuídos 22,5 milhões entre os 350 funcionários do banco - o que deu, a grosso modo, mais de 64 000 reais por pessoa. Como a distribuição, naturalmente, não é igual para todos, pode-se imaginar as belas quantias extras que os executivos mais graduados levaram para casa.

Reter talentos por meio da remuneração variável não é pagar a eles dois salários suplementares no começo de cada ano. "É preciso que o bom profissional tenha a possibilidade de dobrar o ganho anual", afirma Dale. "Hoje você tem que se manter empregável, e para isso ter uma reserva financeira é essencial." Uma boa reserva, por si só, não garante um emprego novo, mas a sua falta manda lá para as alturas o grau de ansiedade de qualquer cidadão. (Nada como estar com as contas em dia para manter o pensamento positivo, transmitir equilíbrio nas entrevistas de seleção e fazer uma pedida alta.) Ao menos para os mortais comuns, fazer uma reserva financeira, atualmente, só é possível com uma boa remuneração variável. Nesse quesito, o Bozano, Simonsen não deve estar tendo dificuldades de segurar seu pessoal. O banco não divulga quantos salários, em média, cada funcionário recebe por ano, mas sabe-se que ali há jovens de 24 anos de idade ganhando 150 000 reais. Muitas empresas lançam mão, além disso, de programas de remuneração diferida, com incentivo à permanência de longo prazo. A mensagem é clara: se você sair agora, deixará de ganhar um dinheiro que o espera lá na frente.

O instrumento mais utilizado nesses programas, sobretudo entre as multinacionais, é a stock option - basicamente, um pacote de ações que o executivo recebe para vender dentro de um determinado prazo no futuro, lucrando a diferença entre o preço da ação no momento em que a recebe e no momento em que a vende. Empresas que não têm ações cotadas em bolsa, aqui ou no exterior, aplicam programas em que o incentivo ao ganho futuro está na valorização patrimonial da companhia ou do negócio tocado pelo executivo.

Um ponto importante do pacote de compensação são os benefícios. Ouve-se falar que a tendência é que eles desapareçam com o tempo e sejam substituídos pelo mesmo valor em salário. A idéia é que os próprios funcionários administrem o montante a que têm direito da forma que bem entenderem. Esse sistema tem sido adotado mais pelos bancos de investimento. No Brasil, o Garantia, Pactual, Icatu e Bozano, Simonsen são alguns dos que aderiram. Enquanto essa nova prática não se espalha, as companhias fazem o possível, cada uma à sua maneira, para adequar os benefícios às necessidades dos empregados, porque o que importa mesmo é que eles sejam úteis.

AMBIENTE HOSTIL - Nesse sentido, os executivos têm sido mais favorecidos que os outros funcionários. Diversas empresas oferecem a eles um leque de opções diversificado em termos de previdência privada - outro poderoso incentivo à permanência de longo prazo - e de planos de saúde. Permitem, também, que escolham o automóvel que quiserem dentro do limite fixado ou que completem o capital se optarem por algum que ultrapasse o valor.

"São atitudes simples e que às vezes nem requerem investimento por parte da empresa, mas que fazem uma enorme diferença para as pessoas no cômputo geral", diz Alberto Golbert, diretor de RH da Hewllet-Packard. A HP introduziu um programa de benefícios flexíveis interessante. Cada funcionário tem liberdade de escolher aquilo que lhe interessa dentro da verba mensal determinada. A empresa continua pagando 70% das despesas com saúde, estudos e creche. Mas há um montante adicional em que podem ser jogados os 30% restantes desses gastos. A verba pode ser acumulada caso não seja usada completamente num determinado mês.

Pagar bons salários e proporcionar crescimento na carreira pode até segurar os talentos. Só que não por um tempo muito longo. Poucos profissionais se dispõem, atualmente, a suportar um ambiente de trabalho hostil, autoritário e marcado por disputas não-éticas, em nome do crescimento e de uma remuneração interessante. Sobretudo os mais jovens, com potencial de futuro. As novas gerações são mais exigentes em relação à qualidade de vida. E ambiente de trabalho saudável tem tudo a ver com qualidade de vida. "O nível de infelicidade no ambiente da empresa está muito alto. Atualmente, mais da metade das mudanças de emprego se deve a isso", afirma Bernt Entschev, diretor da De Bernt Entschev-Executive Search.

Segundo Entschev, nas trocas de emprego, executivos talentosos têm aumentos de 30% a 40%, em média, o que não é suficiente para tirar ninguém de lugar nenhum, a não ser que a pessoa esteja suscetível. "A verdade é que cada vez mais pessoas estão", afirma ele. Uma pesquisa realizada pelo headhunter Antonio Carlos Cabrera, da PMC Amrop International, pode dar algumas pistas dos novos vínculos que ligam os profissionais às empresas. Cabrera entrevistou 61 executivos e fez a eles a mesma pergunta: por que você trabalha nessa empresa? A oferta de desafios foi a resposta predominante. Não precisa ser desafio de crescimento. Às vezes, é apenas uma meta ambiciosa de participação de mercado, de lucratividade ou o projeto de um novo produto ou serviço.

"As pessoas querem ser desafiadas, pois é assim que se julgam importantes, se sentem seguras mesmo que a empresa não ofereça segurança", diz Cabrera. A segunda conclusão: o vínculo com o emprego está virando um vínculo com as pessoas. "As empresas estão deixando de ser organizações de cargos para ser organizações de pessoas", diz ele. Ou seja, o ambiente de trabalho e o clima interno nunca foram tão importantes. Por fim, Cabrera concluiu que as pessoas gostam das empresas transparentes. Essas companhias não escondem informações, difundem sua missão e seus valores e, por tabela, fazem com que os funcionários se sintam comprometidos com eles. A gestão de uma companhia assim não pode mais ser uma gestão da mão-de-obra. "As companhias estão buscando o homem inteiro, aquele que leva para o emprego mais do que sua capacidade física de trabalho. Esse homem vem com coração, com sentimentos", diz.

GESTÃO ESPIRITUAL - O problema, continua Cabrera, é que as companhias precisam aprender a administrar os sentimentos das pessoas. Só assim estarão também administrando o vínculo delas com a empresa. Essa nova gestão independe da lógica. Segundo ele, agora estamos falando daquilo que os americanos já batizaram de gestão espiritual. "O vínculo não está mais no contrato de trabalho. Ele é sustentado, é eterno enquanto dura", diz. Promover um ambiente de trabalho sadio, estimulante e impregnado de uma camaradagem verdadeira, portanto, é fundamental para não perder os talentos. Provavelmente, a mais fundamental de todas as armas de retenção. Para ser sadio, o ambiente tem que ser permeado pela comunicação aberta e pela prática permanente dos princípios éticos. Funcionários de empresas que conseguem vencer esses desafios pensam dez vezes antes de sair - e na décima primeira costumam ficar.

Três meses atrás, Rodrigo Diago, gerente especializado em processos para a área de varejo, recebeu uma belíssima proposta para deixar a Andersen Consulting, onde está há oito anos. Seu salário, de imediato, iria dobrar. Mas Diago, 30 anos, recusou. "Houve empenho da empresa para que eu ficasse e realizasse, aqui dentro mesmo, tudo o que me motivava a sair", diz ele. De acordo com Diago, vários fatores pesaram na sua decisão. O primeiro, admite, foi o fato de poder, efetivamente, se tornar um dos sócios da Andersen dentro de quatro ou cinco anos. Mas não foi só isso que o segurou. "O carinho com que fui tratado e a liberdade de poder conversar abertamente sobre minhas dúvidas com vários dos sócios foram essenciais", diz Diago. Isso é política de comunicação aberta.

Outro bom exemplo da força de uma competente política de comunicação é o caso de Denise Viana, 34 anos, especialista na área de salários da Xerox. Há pouco tempo, ela recebeu proposta de uma empresa menor que a Xerox, na qual ganharia 45% a mais e teria o cargo de gerente. Não foi. "Aqui dentro tenho muito mais a médio prazo, mesmo sem ser gerente", diz ela. "Além de estar me desenvolvendo, tenho a maior liberdade para entrar na sala do meu chefe, quando quero, para falar o que quiser. Onde mais vou ter isso?"

Igualmente importante, para evitar a perda de talentos, é a empresa ter a prática de conversar com as pessoas que estão saindo para saber quais os seus motivos. "Sempre que alguém deixar a casa por vontade própria, a empresa deve fazer uma entrevista de saída", diz Robert Wong, diretor da Korn/Ferry International. "A entrevista de demissão é quase tão importante quanto a de admissão." De fato, essa é uma ótima oportunidade para as empresas verificarem no que podem estar errando.

Todas essas técnicas de recursos humanos para reter talentos não vão funcionar se não houver o que o professor da Universidade de Stanford Jeffrey Pfeffer chama de filosofia abrangente. "Só por meio de uma filosofia abrangente será possível conectar, de forma coerente, as diferentes práticas individuais com o todo", diz ele. "Se não houver uma profunda compreensão, por parte de todos, sobretudo das lideranças, do que elas representam e de porquê são importantes para a organização, não agregarão nada além de resultados medíocres."

Convém prestar atenção a tais palavras. O que está em jogo, ao fim e ao cabo, não é apenas o destino de cada funcionário, de cada executivo. O que está em jogo, acima de tudo, é o destino da empresa. O capital humano - formado pelos talentos que a empresa consegue reter e mais aqueles que atrai - tem, hoje, o poder formidável de matar (pela escassez) ou salvar e empurrar para a frente (pelo excesso).

.

CRESCE QUEM ROUBA MAIS

A estratégia da Cisco Systems para contratar gente boa

Encontrar talentos não é nada, nada fácil. Encontrar talentos e atraí-los, então, requer toda a competência possível. No Vale do Silício (Estados Unidos), palco da maior concentração de indústrias de ponta do planeta, a demanda é tanta que só existe uma coisa mais valiosa do que uma idéia brilhante: uma boa contratação. Para conseguir fazer uma boa contratação num ambiente ultracompetitivo como o daquela região, as empresas lançam mão da tática (milenar) de ataque aos talentos alheios. Hoje, no Vale do Silício, usa-se qualquer arma - desde que se consiga furar as defesas dos concorrentes e raptar bons profissionais.

Veja o exemplo da Cisco Systems, uma das companhias de equipamentos para comunicação de dados do local. No ano fiscal de 1997, ela faturou 6,4 bilhões de dólares, 53% a mais do que no ano anterior. Para sustentar esse crescimento, a força de trabalho da Cisco dobrou nos últimos 18 meses. Foram feitas mais de 1 000 contratações em cada trimestre de 1996. Como ela conseguiu? Empregando uma belíssima estratégia (que provavelmente foi bolada por um de seus talentos). Em primeiro lugar, comprando empresas, um recurso que vem sendo cada vez mais utilizado no mundo dos negócios, para aumentar rapidamente o contingente de pessoal treinado. "A ampliação do nosso quadro de profissionais qualificados é uma das principais razões para comprarmos uma empresa", diz Barbara Beck, vice-presidente de recursos humanos.

A Cisco aproveita, ao máximo, o pessoal das companhias que compra. Um acompanhamento cuidadoso dos trabalhadores integrados é feito nos três meses seguintes a qualquer fusão, para poder extrair o que de melhor eles possam dar. A Cisco explica que recorre, também, aos "candidatos passivos" - uma maneira elegante de dizer que procura e tenta atrair, seduzir e finalmente contratar funcionários de outras companhias. Eles são abordados em feiras de arte, em festivais de cerveja ou em qualquer evento social, por gente cuja função principal é coletar cartões e ficar conversando sobre as carreiras dos interlocutores.

Para amenizar o desconforto dos processos de seleção, a Cisco adotou um programa do tipo "faça um amigo na nossa empresa". Mais de 1 000 empregados são voluntários do programa, estimulados por um prêmio de 500 dólares por contratação que tenha sido indicada por eles. A função dos "amigos" é falar sobre a Cisco, o ambiente de trabalho, as possibilidades de ascensão etc. A estratégia de conquistar profissionais de outras empresas está desenvolvida a tal ponto que a página da Internet da Cisco tem um "botão de escape" que, em um segundo, cobre a tela do computador com uma página de sugestões de presentes. Isso é feito para o caso de o chefe do funcionário passar no momento em que ele estiver se informando sobre o emprego na Cisco durante seu horário de trabalho.

Hosted by www.Geocities.ws

1