Arte e Sociedade


Vanderlei Genro

Em boa medida reflexo de sua época, a produção das décadas de 1970 e 1980 apresentam uma formulação marcada por aqueles anos de crise. Na esteira daquela crise que se disseminou por todos os setores da socieda­de, a produção artística brasileira desenvolveu trabalhos de um tempo com restritas perspectivas. O caráter multifacetado desta crise também encontrou variadas formas de avaliação; produtos os mais variados foram elaborados, porém sem o desejo, a necessidade de pere­nidade.

De qual crise falamos? Como disse, a crise abarcou inúmeros setores da nossa sociedade. No início dos anos 80 o capitalismo adentrou numa fase de estagnação que até hoje perdura, e com dificultadas perspectivas de so­lução a curto e médio prazo. Mas não é somente a eco­nomia mundial que se encontra debilitada, são também os valores e projetos que se elaborou ao longo daqueles anos. Na tentativa de atingir a Modernidade, inúmeras utopias vieram à tona, concretizando-se em projetos que visavam andar a par com o avanço, o progresso social;

projeto este cuja concretização visualizava-se com facili­dade. Mas a esta Modernidade não chegamos. Frustra­ção. Falência dos projetos. A nível mundial constatou-se que os objetivos não foram atingidos. Por exemplo, o socialismo - ao menos aquele socialismo que até hoje se pôde construir - engendrou elementos negativos e frá­geis. Essa sensação de frustração refletiu-se nas Artes.

Na produção artística brasileira constatou-se um pe­ríodo de acentuada negação. Diante da constatação do fracasso de projetos utópicos e sistematizadores, as ar­tes fragmentaram-se e rechaçaram as noções formula­das no período anterior. Artistas partem para experiênci­as individuais, efémeras, adequadas à dinâmica do mer­cado e, em boa medida, produzem trabalhos de qualidade duvidosa, não tanto por causa da impossibilidade de criarem escola e da negação de recursos técnicos con­sagrados, mas principalmente como reflexo da precari­edade da situação social. Nesse sentido, elaborada na década de 70, época em que o regime militar acirra sua repressão, a Poesia Marginal propõe-se como um veí­culo cultural que corre paralelamente aos meios de co­municação, os quais são rigidamente controlados pelo impositivo regime militar. Diametralmente oposta à Po­esia Concreta no sentido de propostas para a coletivi-dade, a Poesia Marginal o que pareceu um paradoxo, conseguiu atingir um universo muito mais amplo de lei­tores que a Poesia Concreta.

Processada numa época de crítica e negação do es­tatuto das Artes, a Poesia Marginal engendrou-se a par­tir da negação de modelos consolidados qualitativamente pela tradição. Poetas de renome como João Cabral de Melo Neto, vêem seu trabalho e técnicas criticados e em boa medida rechaçados. Voltando-se para a problematização das experiências individuais, a Poesia Marginal adotou formas antiliterárias e adequou-se à dinâmica do mercado, produzindo trabalhos efémeros e de questionável qualidade: sinal dos tempos.

Descompromissada e propondo-se autónoma e nova a produção da Poesia Marginal redundou numa leitura pouco crítica do contexto no qual foi elaborada. Cien­tes da falência - ao menos momentânea, porém que por muitos anos era tido como perene - de projetos sistematizadores, os poetas marginais espelham uma adaptação ao seu tempo, no que resulta um conformis­mo e ausência de tentativas de reversão da precarieda­de da situação. Nesse sentido, o trabalho da Nova Poe­sia Feminina se encaminhou num sentido oposto à Po­esia Marginal. Enquanto nesta última ocorreu uma aco­modação aos tempos difíceis, na Nova Poesia Femini­na constatou-se uma crise e uma tentativa de supera­ção daqueles tempos ruins. Enquanto o poeta marginal mostrava uma grande capacidade de prazer e alegria em tempos tão adversos, a Nova Poesia Feminina tam­bém apresenta a possibilidade de gozo nesses tempos nada fáceis, porém acrescentas a inconformidade do poeta à sua época. Segundo Martha Medeiros, é possí­vel agir conforme as condições, "mas no fundo/eu me conformo".

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