Texo originalmente publicado no jornal Expressão Universitária N 10.

MUSICA

A MPB entre o revolucionário e o rebelde

Alexandre Lobo

Era do consenso e da apologia. As diferenças convivem sem a necessidade de conflito enquanto a critica é vista como ortodoxia do passado. As necessidades imediatas fazem das reflexões sobre o papel social de cada um virar mera retórica. No triunfo do individualismo e do fragmento, por ques­tões de sobrevivência, é possível trazer elementos do passado sem levar em consideração o contexto originário. Assim acontece com o Tropicalismo de Caetano Veloso. O Tropicalismo, hoje, é rec­onhecido como movimento que na década de 60 revolucionou a música popular bra­sileira ao incorporar instrumentos elétricos - na época, só o violão era reconhecido como instrumento de música brasileira. Concorrente deste movimento, a canção de protesto, com suas raízes no Centro Popular da União Nacional dos Estudantes e atualmente esquecida, pregava um outro tipo de revolução, não tanto preocupada com inovações estéticas quanto a derrubada da ditadura militar que subiu ao poder no golpe de 64.

Entre emissoras de rádio, televisão e gravadoras, os festivais eram uma das instâncias de consagração do nascente campo de produção musical no Brasil. Organizados inicialmente pela TV Excelsior (l 965,67 e 68), foram foco de disputa pela definição do papel da produção artística: de um lado, os partidários da música engajada, a canção . de protesto, representados por Geraldo Vandré, ex-integrante do CPC, de outro lado, os defensores da arte pela arte, representados por Caetano Veloso.

No Festival Da Record, de 1966, "Disparada", de Vandré, empatou com "A Banda", de Chico Buarque. Em 1967, "Alegria, Alegria", de Caetano, ficou com o 4° lugar no festival da Record. No III FIC, da Globo, em outubro de 1968, pouco mais de um mês antes do Ato Institucional n" 5, Caetano, em "E proibido proibir", falava em derrubar as prateleiras, as estátuas, as estantes, louças e livros, enquanto Vandré, em “Para não dizer que não falei de flores – Caminhando” convida a todos para a união em resistência ao poder autoritário dos canhões. O "Sabiá", a canção vencedora de Chico Buarque, uma sutil paródia a "Canção do exílio", de Gonçalves Dias, mostrava um pais anômalo e caótico em versos como: "Vau deitar a sombra de uma palmeira que já não há... Colher a flor que já não dá", "Alegria, Alegria", ao declarar a intenção de um sujeito em "cantar na televisão" e "caminhar sem lenço e sem documento", sem nenhuma identificação com alguma corrente política, foi uma provocação às patrulhas ideológicas, grupos de esquerda que exigiam dos artistas um engajamento político. O sujeito desta música de Caetano constata o caos no pais, as guerrilhas, os crimes, as bombas de terroristas de esquerda ou de direita, as fotos do jornal, mas ele está alheio a tudo e segue indiferente. Em "É proibido proibir", está presente a contestação da ordem social, a necessidade de derrubar Ídolos e a confrontação com o saber competente, mas não há nada para colocar no lugar, nenhum projeto. Em ambas as músicas, o individualismo inconseqüente sem nenhum conteúdo de classe. O rebelde, sujeito tropicalista, enquanto portador de ações descontinuas e sem um objetivo preciso, não é nenhuma ameaça ao sistema, ao contrário, pode até mesmo ser vendável.

A música de protesto também tinha seus equívocos. "Disparada" revelava uma visão romântica de um boiadeiro que ganha consciência política, o inimigo não é o capital, mas o latifúndio arcaico. “Caminhando” desloca o cenário do meio rural para as escolas, ruas, campos, construções e direciona-se para um inimigo claro: a ditadura militar. O projeto de igualdade era vago e a idéia das flores vencendo os canhões foi brutalmente desmentida pelo AI-5. Entretanto, a proposta de Vandré era mais conseqüente que a de Caetano, chamava para a união, a solidariedade na igualdade e não era indiferente ao contraste da fome "em grandes plantações".

Sob vaias, Caetano interrompeu apresentação de "É proibido proibir desclassificada, para dar um discurso r qual dizia ter passado por todas. estruturas e ter saído dela "Caminhando" ficou em segundo. Vandré, após o exílio no Chile, passou por um mês de "interrogatório" no exército em 1973 e nunca mais gravou uma música enquanto Caetano tem uma boa vendagem de seus discos, tanto aqui quanto no exterior,

A importância dos festivais, hoje

está em resgatar velhas questões como qual o nosso papel social. A luta cotidiana pela sobrevivência nos leva ao individualismo, mas como permanecer descomprometido, não engajado em nenhuma causa social ante o retrocesso dos direitos trabalhistas quando, para não perder o emprego, a classe trabalhadora aceita diminuir salários? Desemprego e a desigualdade moram lado. A ditadura militar da época dos festivais não existe mais, mas ainda persiste uma outra ditadura, não imediatamente visível e nem com um foco de poder tão claro. E por que não

protestar?

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