UMA SIMPLES FORMALIDADE

Vanderlei Nunes Genro

Esta obra de Giuseppe Tomatore constitui-se numa metáfora sobre a morte. Um escritor (Gérard Depardieu) pego à noite num cerco policial adentra a delegacia onde diversas personagens sem vida envolvem-se burocraticamente com sua pessoa. Longa e cansativamente indagado pelo
comissário (Roman Polanski) sobre um assassinato sem corpo, o escritor mostra-se incapaz de responder sobre o que aconteceu após às dezenove horas daquele dia - certamente a hora em que matou-se.

No ambiente precário da delegacia tudo ocorre de maneira simulada. Muito kafkiano, o universo é quase totalmente dominado pela ação mecânica. Os envolvidos não têm consciência do que acontece, mas nem por isso deixam de cumprir tarefas. Os acontecimentos seguem um ritual que induz o espectador a pensar a partir da lógica de uma certa normalidade, o que o final da trama apontará como uma perspectiva equivocada. O escrivão datilografa em folhas que permanecem em branco; a ratoeira desarma sem reter qualquer rato; a agressão violenta sofrida pelo acusado não se registra em sua face; o tiro que se dera não afetara a testa de Onoff\ - nome cuja metáfora explicita
a ambivalência da junção de termos antagónicos.

Movimentando-se entre construção subjetiva e realidade, vida e morte, o escritor é o nexo entre estes dois universos, cuja separação dar-se-à ao longo daquela noite chuvosa: um ritual de passagem tão insano quanto necessário, dada a virulência inerente ao processo de decisão sobre a finalização da própria vida. Mesmo metafórico, o ato de morrer congrega uma ruptura inescapável ao seus agentes. Ao nascer mais um dia, a trama é concluída com o escritor se despedindo.
Certamente irá retirar-se da vida, após ter cumprido a formalidade necessária de esclarecimento sobre o caso de uma morte sem rosto. A sua.

Mestrando História.
1 Segundo resenha de Videoteca Folha, este nome é a contração dos termos on e off.

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