E pra onde vai a escola?

Alexandre Lobo1

Houve um tempo em que a Escola era vista como um instrumento ideológico nas mãos da classe dominante. Para a esquerda, o papel do educador consistia em salvar as massas dos chamados aparelhos ideológicos de Estado nos moldes de Althusser. Era necessário esclarecer as massas através da educação sobre a urgência de transformação social. Mas, nestes anos, contata-se que os projetos de educação revolucionária mostraram-se uma pretensão. Na verdade, a escola está falida, sobrevive em alguma UTI de um hospital do SUS de um município do interior.

Dos anos sessenta aos dias de hoje, os aparelhos ideológicos, ou o que quer que seja o nome dos instrumentos de educação de massa, mudaram de forma. Muito mais que a escola, é a televisão que fornece formação aos cidadãos. É ela que está mais próxima do cotidiano, do mundo prático e da diversão atingindo o imaginário (também conhecido como universo simbólico) da população. O que a escola tem de significativo para ser aprendido? Lembro-me do meu primeiro ano em sala de aula como professor. Alguns alunos se referiam a determinados professores como os “quen quen”. Não entendia bem o que isso queria dizer até que uma certa vez, quanto corria os canais da televisão com o controle remoto, deparei com um programa de auditório em que os calouros, quando não agradavam, recebiam os tais “quen quen’s”, e aparecia a imagem de um pato.

O sistema de ensino público está podre e é arcaico. Para começar, basta olhar a estrutura física. Muito já se falou sobre a influência do espaço físico sobre a mentalidade ou mesmo sobre o “estado de espírito”, do espaço como questão estratégica. As escolas, por sua vez, parecem que foram construídas sem nenhum planejamento, novos prédios são construídos onde há espaço vago. Espaços vazios, inaproveitados, talvez esperando mais um pavilhão. Já trabalhei em uma escola onde a cancha de esportes dividia uma parede com as salas de aula. É possível que uma revolução na escola tenha que começar pela marreta. Destruir estes prédios que foram construídos aparentemente de forma aleatória para poder serem construídos outros, novos e de forma planejada, pensada em acordo com a idéia de educação.

Quanto à questão técnica, em plena era da informática e da velocidade, ainda estamos nos arcaicos giz e quadro negro. O tempo parou. Algumas escolas ainda tem o saudoso mimeografa. A linguagem mudou, a imagem se impôs, mas ainda perdemos tempo escrevendo textos no quadro, sem recursos, sem textos impressos, como se o mundo não tivesse mudado nada nos últimos 30 anos.

Infelizmente, a questão vai bem mais longe do problema físico. Quanto mais afastada a escola do centro da cidade, mais seu pessoal é desqualificado. Professores sem formação na disciplina que regem ou ainda em formação dão aulas até mesmo no ensino médio. Pior ainda é pensar na cultura de prática de ensino que se cria. Professores dão aulas em turnos de 60 ou mais horas. È uma questão de salário e de necessidade, mas também uma questão de valorização. O professor que se subordina, como se fosse a coisa mais natural do mundo, a trabalhar mais que 40 horas por semana, está sem saber justificando seu parco salário, pois acaba trabalhando pelo que vale, se aceita trabalhar tanto por tão pouco, porque deveria ganhar mais? Além disto, parece fácil dar aula, se não o fosse, como conseguir estar três turnos em sala de aula? Depois de um certo tempo, os esquemas já estão prontos, basta copiá-los no quadro. Ano após ano, tudo fica decorado, a matéria fica morta, não reage, não evolui. O conhecimento fica congelado.

De fato, a cultura nas escolas tem sido a de fingir que se ensina e fingir que se aprende. Se um professor que não aprende nada de novo, porque não lê, não vai ao cinema e nem ao teatro, como querer que o aluno aprenda? Na aula, o que ocorre é a degustação de um cadáver – o saber morto. A questão é a falta de tempo, 60 horas na escola não dá tempo para aprender nada de novo. E que acompanhamento do aluno é possível com tantas turmas? O mais trágico talvez esteja nas escolas de ensino fundamental. Muito se fala da violência nas escolas, mas a violência inicia na própria estrutura de ensino. Os pais não sabem como manter ocupado o tempo dos filhos e os colocam na escola. Turmas cheias, enormes, fazem da escola um depósito de crianças. De certa forma, a escola se assemelha a uma fábrica, os conteúdos tem que serem dados, os alunos tem que passar de ano. O conteúdo padronizado tem que ser dado a um numero determinado de alunos. Há casos em que o livro é mais inteligente que o mestre, pois é ele que define o conteúdo programático a ser cumprido.

Em termos de ensino-aprendizado, há uma verdadeira inversão de valores. A direção se preocupa com o controle de turma que o professor tem. Bom professor é aquele que consegue o bom comportamento dos alunos. Os alunos, por outro lado, estão preocupados com a nota, quanto vale determinada atividade. O que menos interessa é o conhecimento, o aprender algo novo. O espaço de transmissão e produção do saber foi pro espaço. Em termos oficiais, os índices escolares podem até estarem melhorando, há mais crianças na escola do que a vinte anos atrás, porém, há mais crianças na quinta série ou mesmo adolescentes no primeiro ano do segundo grau com dificuldades de interpretação de texto. O que parece é que pela questão numérica, vale passar os alunos sem exigência, com médias baixas, num verdadeiro esconder poeira de baixo do tapete.

O problema é pensar que a escola é a salvação, focus de luta ideológica ou de transformação social. Mas isso é esquecer que a escola é uma parte da sociedade, é reflexo da estrutura social e mesmo parte dela, não adianta pensar em mudar tudo a partir da sala de aula, nem mesmo pensar em mudar a educação a partir somente dela própria apenas. Pode-se até pensar em mudar a sociedade iniciando pela educação, mas não vai funcionar nada se a mudança se restringir ao espaço físico, tem que ir além, buscar novas culturas que valorizem de fato o saber, que rompa com velhas práticas comodistas dos professores, que faça os pais e os meios de comunicação se sentirem responsáveis pelo aprendizado dos alunos e parte de uma comunidade escolar. E não vai adiantar uma reforma, é preciso demolir a escola que existe para se criar uma outra.





1Mestre em História, licenciado em história e sociologia e professor da rede estadual. Correio eletrônico: [email protected]

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