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Doutrina Católica
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Mensagem do Cardeal D. Eugênio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

04/01/2002

A Igreja e os Índios

Os temas históricos oferecem aos adversários da Igreja de Cristo um material que é habilmente usado. A instituição fundada por Jesus, a sua própria estrutura, é divina mas composta de homens pecadores. Embora devam sempre buscar a santidade de vida, os relatos de sua passagem pelo mundo guardam as marcas das limitações. Em uma visão retrospectiva, as gerações atuais costumam julgar os antepassados à luz da mentalidade presente, cometendo assim graves injustiças. Sem dúvida, em decorrência do progresso, devemos dar apoio a tudo o que contribui para o aperfeiçoamento do modo de agir dos homens. E, assim, se opera um constante aperfeiçoamento. O estudo do passado pode ser de grande utilidade para o presente e, quando feito sem a devida cautela, conduzir a erros na avaliação. Essas considerações explicam a preferência de anti-clericais pelo ensino da História, como oportunidade de atacarem a Igreja de Deus.

Tal manipulação da verdade do passado para atingir a Comunidade Eclesial recebe, infelizmente, boa acolhida em alguns. Difundem acusações contra o extraordinário trabalho na evangelização de nossos índios. Assim, parece-me oportuno enfocar alguma luz sobre o tema. Trago a público o procedimento dos primeiros dirigentes de nossa Arquidiocese e o comportamento dos mesmos, em relação aos indígenas, na origem da colonização do Brasil.

Sem lançar mão do extraordinário patrimônio do magistério petrino em favor dos índios, merece uma reflexão o modo de agir dos Prelados do Rio de Janeiro após o desmembramento da diocese de São Salvador da Bahia e antes da chegada do primeiro Bispo que, aliás, fez frutificar sobremodo o trabalho evangelizador. É oportuno iluminar a posição desta circunscrição eclesiástica sobre o assunto, pois hoje, ao abordar a questão do indígena, cometem erros crassos. Isso ocorre por desconhecimento histórico da atitude da Igreja entre nós. Aliás, ela foi a voz decidida em favor desses irmãos desfavorecidos.

O primeiro Prelado, padre licenciado, Bartolomeu Simões Pereira, foi nomeado pelo alvará régio de 11 de maio de 1557. O clero era composto de sacerdotes seculares nas vilas e por jesuítas nos seus colégios. Estes estavam localizados no Rio de Janeiro, em São Paulo e São Vicente, o último transferido depois para Santos. Havia também residências da Companhia de Jesus no Espírito Santo, no Rio de Janeiro e, em estado precário, em Porto Seguro. Exerciam a catequese em aldeias, nos arredores. Dedicavam-se à cura das almas em outras localidades, ajudando os párocos.

O Prelado colocou-se firmemente ao lado dos jesuítas, como acérrimo defensor dos índios. Amigo do Padre José de Anchieta, que lhe dedicou a poesia: “Aonde vais tão apressado, periquito tangedor?”, pela prontidão do Prelado em atender as necessidades pastorais. Opôs-se tenazmente à escravidão dos silvícolas. Em conseqüência, foi duramente perseguido.Retirou-se para a Capitania do Espírito Santo onde morreu, talvez envenenado.

O segundo Prelado, Padre Doutor João da Costa, nomeado em fins de 1603, foi vítima de calúnia, levantada por escravocratas. Estes, com o apoio de comerciantes e autoridades, tentavam neutralizar a ação enérgica do novo Administrador. A firmeza na defesa dos índios custou-lhe muitos sofrimentos.

O terceiro Prelado do Rio de Janeiro foi o Padre Doutor Mateus da Costa. Nomeado a 24 de janeiro de 1606, confirmou, como Administrador, a fama de Prelado ativo e zeloso com o clero e os fiéis. Contou com a colaboração estreita de alguns padres, fazendo cumprir à risca a disciplina eclesiástica. Manifestou essa firmeza nas visitas pastorais. Criou paróquias e curatos, além de fundar alguns conventos. Defendeu os índios, atacou o tráfico escravagista e com isso, muito sofreu. Teve a honra de presidir o “Processo Informativo Diocesano” da Causa de Beatificação do Padre Anchieta.

O Padre Doutor Lourenço de Mendonça foi nomeado por Carta régia de 1631, Administrador do Rio de Janeiro. Em seu rico “curriculum vitae”.inclui-se, com destaque, o aguçado senso de justiça na defesa dos humildes, ainda quando Visitador da Província do Sul. Chegou em 1625 ao Paraguai, colocando-se sempre ao lado dos índios. Não hesitou em denunciar os bandeirantes paulistas, por seus atos barbarescos, em detrimento das Missões de Guaíra. Foi nomeado primeiro Bispo do Rio de Janeiro.

A Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro foi desmembrada da Arquidiocese de São Salvador da Bahia pela Bula Pontifícia de Ereção “Romani Pontificis Pastoralis Sollicitudo”, de 16 de novembro de 1676. Seu imenso território, cujos limites vinham desde o Rio Jequitinhonha, ao Norte, até ao estuário do Prata no Sul, ao longo do litoral do Oceano Atlântico a Leste e, a Oeste, as “terras desconhecidas” deu, até nossos dias, origem a 160 outras circunscrições eclesiásticas. Trata-se de um tronco fecundo.

Essas rápidas pinceladas sobre o período inicial, confiado a Prelados sem o caráter episcopal, são como um simples balbuciar do imenso bem realizado pela Igreja, expondo-se a grandes dificuldades, em favor dos índios e necessitados, mesmo com risco de vida de seus filhos. O heróico comportamento foi seguido por muitos Bispos do Rio de Janeiro e de tantas outras Dioceses, em tempos posteriores. Na preparação do Vº Centenário do Novo Mundo, João Paulo II prestou sua homenagem “aos religiosos que vieram anunciar Cristo Salvador, defender a dignidade dos indígenas” (Carta Apostólica aos Religiosos da América Latina, 29 de junho de 1990, nº 5). Louvemos esses heróis de nossa Fé.

Voltarei ao assunto...

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Mensagem do Cardeal D. Eugênio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro 11/01/2002

Em favor dos indígenas

Na semana passada tratei aqui da luta dos primeiros Prelados Administradores da Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, desmembrada de São Salvador da Bahia, em prol dos índios. Ao lado de sombras, conseqüência da estrutura social vigente nos séculos passados e fruto do pecado, os aspectos positivos nos impelem a agradecer a Deus, que conduz sua Igreja em meio às dificuldades. Qualquer julgamento do passado, para ser justo, deve tomar em consideração a mentalidade outrora existente e não ajuizar o ontem pelo progresso alcançado hoje. Além do mais, sempre ter em mente o objetivo primordial da Igreja, que é proclamar a mensagem de Cristo a todos os povos. Influenciados por ideologias e concepções contrárias à nossa Fé, não raro, leigos, e mesmo, sacerdotes, julgam a instituição fundada por Cristo como se fosse primordialmente uma entidade para defender o bem-estar temporal. A missão fundamental é anunciar Cristo e, como decorrência, resolver problemas sociais.

Assim, em nossos dias, ao tratar da causa indígena, precisam ser explicitadas em qualquer publicação católica sobre o tema, as normas dadas pelo Concílio Vaticano II, as diretrizes das Assembléias do CELAM no Rio de Janeiro, Medellín, Puebla, Santo Domingo e também no Sínodo da América, para falar apenas dos tempos modernos. Nós, brasileiros, não podemos estar ausentes às determinações do Santo Padre, em suas visitas ao Brasil e ao texto do Episcopado Nacional, em Porto Seguro, incluindo a palavra do Legado Pontifício. Para os católicos, qualquer documento, publicação, mesmo de autoria de eclesiásticos, que não respeite os critérios dados pelo Magistério ou que a eles se opõe, não pode ser tomado em consideração. Sem dúvida alguma, nossa fidelidade a Jesus Cristo nos leva a manter absoluta coerência com nossas atitudes, no que se refere ao assunto da promoção dos índios.

Em conseqüência, urge reafirmar: “O maior dom que a América recebeu do Senhor foi a Fé católica, que proporcionou sua identidade cristã. Já são mais de 500 anos que o nome de Cristo foi anunciado no Continente. Fruto da evangelização é a fisionomia religiosa americana, marcada por valores morais” (Exortação Apostólica “Ecclesia in América”, nº 14). Essa declaração, feita pelo Santo Padre, constitui-se em ponto de referência para nortear todo e qualquer trabalho da Igreja junto aos índios, inclusive na parte social. Jamais um católico ou movimento de Igreja poderá afirmar que os silvícolas devem preservar valores que estejam em contradição com a Boa Nova ou omitir o anúncio explícito do Evangelho, pelo qual os missionários, desde a descoberta do Continente Americano, empenharam sua própria vida.

Qualquer atividade eclesial junto aos aborígines deve estar profundamente marcada pela proposta explícita do Evangelho de Jesus Cristo. Isto não significa ferir a liberdade de quem recebe, pois uma coisa é impor e outra, propor. A Doutrina da Igreja está claramente contida na Exortação Apostólica “Ecclesia in América”, quando diz (nº 13): “Toda a Igreja é missionária, porque a atividade missionária (...) é uma parte integrante de sua vocação”. E, ao tratar da inculturação,: “Há alguns valores culturais que devem ser transformados e purificados, se se deseja que encontrem lugar numa genuína cultura cristã” (nº 16)Não pregar explicitamente Jesus Cristo aos índios que ainda não O conhecem, é uma traição ao Evangelho, à Igreja, e ao próprio silvícola. Diz o “Ecclesia in Oceania” (nº 18): “Todos têm o direito de ouvir a Boa Nova, pelo que os cristãos têm a obrigação grave de a comunicar”. E adiante: “Cada cultura necessita de ser purificada e transformada pelos valores revelados pelo Mistério Pascal de Cristo” Por isso, uma doutrina, opinião e atitude que faça restrição a essa clara diretriz da Igreja, não pode ter guarida no ambiente católico. Qualquer que seja a tentativa de justificação, deve ser liminarmente rejeitada, sequer conservado o título de católico. O Concílio Vaticano II (“Nostra Aetate”, 2) é peremptório: A Igreja “anuncia e é obrigada a anunciar o Cristo, que é “caminho, verdade e vida” (Jo, 14,6), no qual os homens encontram a plenitude da vida religiosa e no qual Deus reconciliou em si todas as coisas”.

Todo o esforço realizado para corrigir graves distorções e injustiças, por que passam os primeiros habitantes do nosso País e seus descendentes, se for honesto, deve reconhecer o imenso trabalho dos missionários, como o Bem-aventurado José de Anchieta, o Padre Manuel da Nóbrega e tantos outros. Nós, cristãos, ao promover o índio, ao defendê-lo jamais poderemos deixar de dizer que, ao mesmo tempo, proclamamos o Amor infinito de Deus pelo insondável tesouro da Fé” (“Ecclesia in Oceania”, nº 52) que nos foi dado pela evangelização de nossa Pátria.

Ao indicar falhas ocorridas, é preciso proclamar igualmente os imensos benefícios proporcionados pela Igreja, nesses 500 anos. E, ao propor solução, o fiel integrante da instituição fundada por Jesus, deve estar em concordância com suas orientações e diretrizes. Isto significa rejeitar outras propostas que tenham origem em ideologias e doutrinas contrárias ao seu Magistério.

Diz o Papa João Paulo II (“Ecclesia in Oceania”, nº 41): “A Igreja serve melhor o mundo quando ela é precisamente o que deve ser: uma comunidade reconciliada e reconciliadora de discípulos de Cristo”. Assim, nossa obrigação de trabalhar pelos índios nos encaminha, evidentemente, a não acirrar ódios e divergências, mas a lutar pela reconciliação de irmãos. Essa norma prática é de grande importância e atualidade. Ela merece um exame dos métodos empregados na pastoral. Agir de modo diferente ou contrário, faz surgir obstáculos e dificulta a solução eficaz dos já existentes. Não ceder na legítima defesa dos direitos dos silvícolas e fazê-lo de acordo com os ensinamentos do Senhor Jesus.

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Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

25/06/1999

Os Jesuitas no Brasil

Ocupando lugar de destaque entre os preparativos para uma condigna celebração dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, está o aniversário da chegada dos primeiros jesuítas à nossa Pátria. Eram seis: padres Manuel da Nóbrega, superior, João Azpilcueta Navarro, Leonardo Nunes e Antonio Pires, com dois irmãos leigos. Partiram de Belém, Portugal, por ordem de El-Rei Dom João III e de Inácio de Loyola, a 1º de fevereiro de 1549. Viajavam em companhia do Primeiro Governador das terras recém-descobertas, Tomé de Souza. Desembarcaram a 29 de março no Porto da Barra, em Salvador, Bahia. Começou, então, uma grandiosa epopéia, que tem marcado profundamente toda a trajetória de nosso País. Foi o marco inicial de um trabalho hercúleo, prejudicado pela expulsão, determinada em 1759, pelo então poderoso Primeiro Ministro Marquês de Pombal.

Em 1553, aportou, também em Salvador, o novo Governador Geral, Duarte da Costa e, com ele, o jovem jesuíta José de Anchieta. Teve um papel importante na fundação das maiores cidades de nosso País: o Rio de Janeiro e São Paulo. Aqui, no então Morro do Castelo, foram construídas a igreja, o colégio, o convento, o início da Santa Casa de Misericórdia e o cemitério. Esse núcleo abrange a vida, em seus diferentes aspectos, e a morte. Na atuação dos filhos de Santo Inácio estava a Igreja, a mesma que se faz presente em nossos dias, sem solução de continuidade. Nos centros que emergiram em diversas partes do país recém-descoberto, os jesuítas abriam seus colégios e proporcionavam educação ao nosso povo. Além deles, também nesse campo, trabalhavam outros obreiros do Evangelho. A cultura no Brasil-colônia, até o Marquês de Pombal, `muito deve à Companhia de Jesus. O colégio do Rio de Janeiro, informa o Padre Arlindo Rubert em "A Igreja no Brasil", foi provavelmente o que mais prosperou. Em 1638 introduziu o curso de Filosofia, freqüentado por clérigos e leigos e o de Teologia, com professores de renome. O ensino público praticamente foi a eles confiado pelo Governo. Em conseqüência, muitas pessoas que desempenharam posição de destaque na sociedade civil e na Igreja, lhes devem a educação.

Pouco conhecida a real contribuição da Igreja no campo das Ciências Naturais. Lembro a obra do Padre João Antonino Andreoni, SJ, sob o pseudônimo de André João Antonil – publicado em Lisboa, no ano 1711 e intitulado: "Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas", em que se trata, também, da agricultura.

Já em 1573, expulsos do Rio de Janeiro os franceses, com a contribuição valiosa e decisiva dos jesuítas, particularmente do Padre Anchieta, teve início, aqui, o Curso de Humanidades, também chamado de Gramática, com 19 alunos. E após a vinda ao Rio do Prelado Bartolomeu Simões Pereira, em 1578, foi aberto para clérigos o estudo da Teologia Moral. Há um trecho da obra do Padre Arlindo Rubert que bem merece ser citado como síntese da contribuição da Igreja no século XVI: "Tal ensino livrou a Colônia da barbárie, da ignorância e do crasso analfabetismo, preparou intérpretes e catequistas para a conversão dos gentios, estimulou o ensino da língua indígena, ajudou os próprios jesuítas a se prepararem cientificamente melhor, dotou a Igreja do Brasil de clérigos mais instruídos, enriqueceu o País de homens mais capazes, mais polidos e mais cristãos (...) É justo reconhecer que também no campo do ensino, a Igreja no século XVI trouxe decisiva colaboração, formando elevado número de próceres das populações coloniais (...) os quais contribuíram para o melhoramento social e as obras de apostolado católico" ("A Igreja no Brasil", vol I, pag 251).

O teatro no Brasil nasceu em ambiente eclesiástico e a serviço da transmissão do Evangelho, especialmente, aos silvícolas. Na realidade, admiráveis esses primeiros passos dirigidos por Anchieta. Causa emoção ter nas mãos, hoje, obras que foram elaboradas nos albores da cultura do nosso meio, visando, de modo particular, os índios. O mesmo se diga do campo da saúde e da assistência. As extraordinárias obras de arte, toda a beleza da arquitetura religiosa que chegou a nossos dias, são reveladores de um elevado nível cultural que se deve à Fé cristã.

O maior historiador brasileiro sobre o Brasil-Colônia, Capistrano de Abreu, já afirmara que seria presunçoso quem pretendesse escrever a história do Brasil, sem aludir antes à história da Companhia de Jesus.

O papel da Igreja é pouco conhecido e, em conseqüência, não devidamente reconhecido. Por exemplo, poucos sabem que eclesiasticamente estivemos sob a jurisdição de um Bispo negro. Pelo Breve "Exponi nobis", de 12 de junho de 1518, o Papa Leão X autorizou a Ordenação Sacerdotal de nativos nas novas descobertas. Em decorrência, foi ordenado o Bispo negro Dom Henrique, filho de Dom Afonso Ribeiro, rei do Congo, como Vigário Geral da Diocese de Funchal, cujos limites iam até à África Portuguesa e ao Brasil. Assim, sua jurisdição, ao menos teoricamente, se estendia às nossas terras.

Apesar das sombras, já se fazia ouvir a voz da Igreja na defesa dos direitos humanos. A Bula "Veritas ipsa" de 29 de maio de 1537, declarava os ameríndios criaturas humanas, não podendo ser escravizados nem forçados a abraçar o cristianismo, sob pena de excomunhão. Dada a resistência que suscitou, outras intervenções da Santa Sé se fizeram ouvir.

Às vésperas das comemorações dos 500 anos é de justiça recordar o extraordinário papel da Igreja Católica, que se estende até nossos dias. Nada reivindico, além de ser ela reconhecida como elemento que está no âmago da nacionalidade. E isso, para que no V Centenário da Descoberta deste grande País sejam dadas graças a Deus pelo que somos.

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