Nunca Ame Uma

ASSASSINA

 

 

PARTE 8

 

-Meu Deus... – Lana a olhou com lágrimas nos olhos, angustiada – Você ouviu isso mesmo? Dale matou meus pais... e Benson era amante de minha mãe?

 

        Jessie a olhou comovida. Aquelas verdades deviam estar atingindo Lana como uma paulada. Mas ela tinha que saber.

 

        -Sim , Lana... sinto muito, por você.

 

        Lana cobriu o rosto com as mãos. Jessie a abraçou, procurando confortá-la. Ela afastou-se e encarou-a.

 

        -Pode provar isso, Jessie? – Sua voz soou seca.

 

        -Por isso quero abrir o cofre. Para ver se consigo alguma prova. Cartas, fotos, alguma coisa.

 

        Lana ergueu-se.

 

        -Eu sei o segredo do cofre. Vi Benson abrí-lo várias vezes.

 

        Jessie a olhou surpresa.

 

        Lana foi até o cofre, girou o botão com rapidez e a porta abriu. Ela a puxou e Jessie aproximou-se.

 

        Lana a olhou calmamente.

 

        -Veja. Aqui há somente documentos.

 

        Jessie aproximou-se. Retirou tudo do cofre, olhando atentamente. Só havia documentos dos bens de Benson.

 

        Olhou para Lana, decepcionada.

 

        -Deve haver alguma prova!

 

        Meteu a mão e rebuscou o interior, apalpando. Nada.

 

        Desanimada, olhou para Lana. Ela a encarou séria e fechou o cofre, depois de recolocar os documentos. Fechou o painel e lhe falou com voz fria:

 

        -Tem certeza que ouviu mesmo essas revelações, Jessie?

 

        Jessie a olhou com profunda mágoa. Entendeu. Lana duvidava dela. Achava que havia inventado uma história para justificar seu ato de mexer no cofre.

 

        -Não acredita em mim, não é? Eu, uma ex-presidiária, lhe falar essas coisas, para encobrir uma tentativa minha de roubar o cofre – Disse, com amargura.

 

        Lana pestanejou. Olhou-a intensamente. Caiu em seus braços, abraçando-a fortemente.

 

        -Ah, Jessie! Quero acreditar em você! Mas, como posso aceitar o que me contou sem alguma coisa de concreto?

 

        Jessie a afastou de si. Olhou-a nos olhos.

 

        -Vou provar o que sei, Lana. Nem que leve anos. Eu vou conseguir essas provas. E também a arma que Dale usou para matar Mary. Não quero pagar por outro crime que não cometi.

 

        -Se tudo isso é verdade, é mais um motivo para continuármos com Benson e Dale. Eu perto dele, terei acesso à sua casa. Vou procurar alguma prova do que disse no quarto dele, no escritório, em todo lugar – disse Lana, com ar decidido – E você, investigue as coisas de Dale.

 

        -E terá coragem de ir para cama com o ex-amante  de sua mãe? Que a enganou esses anos todos?

 

        -Não. Saberei contornar isso. Mas vamos agir com naturalidade. Se eles desconfiarem do nosso jogo, corremos perigo. Venha, vamos jantar. Benson se recolheu, disse que está com uma tremenda dor de cabeça. Mas mandou-me chamá-la para jantar. Por isso vim procurá-la.

 

        Jessie acompanhou-a . Foram para a sala de jantar. A comida já estava servida, para duas pessoas.

 

        Lana sentou-se ao lado dela e colocou no prato creme de aspargos. Jessie serviu-se também, procurando comer, em meio à sua tensão.

 

        Lana comeu pouco, pensativa. Olhava-a de tempos e tempos, como que avaliando o que lhe dissera.

 

        Jessie comia também em silêncio. Estava magoada com Lana, ela duvidava de sua inocência.Como podia desejar uma mulher que duvidava de sua honestidade?Os seus pensamentos se digladiavam em sua cabeça, fazendo-a ficar confusa sobre o que sentia. Amava Lana, ou apenas estava atraída por ela sexualmente? E Dale? Ela a amava, ou apenas tinha uma fixação doentia?

 

        Lana terminou de comer e levantou-se, olhando-a calmamente.

 

        -Vou para meu quarto. Tenho que pensar sobre o que me contou. Boa noite, Jessie.

 

        -Boa noite, Lana. Devo esperá-la amanhã no lago?

 

        -Não. Você já descobriu o que eu ia contar-llhe.

 

        Lana voltou-se e se afastou. Jessie  a seguiu com os olhos, magoada. Ela só iria ao seu encontro para falar sobre Dale, nada mais que isso. Agora, não achava mais necessário. Lana estava sendo fria e distante.

 

        Jessie foi para o quarto, subindo as escadas lentamente. Diante da porta do quarto de Dale, parou uns instantes. Ficou indecisa. Mas acabou  abrindo a porta. Queria ver se acharia alguma coisa interessante no quarto dela.

 

        Um abajur ao lado da cama iluminava fracamente o ambiente. Dale aparentemente dormia. Aproximou-se silenciosamente. Olhou para Dale. Achou-a pálida e desprotegida, dormindo com a mão pousada no travesseiro e uma expressão inocente no rosto.

 

        Apertou os lábios com força. Ali estava uma assassina, dormindo como um anjo. Miserável! Se fosse também uma assassina, a mataria, sem nenhum remorso.

 

        Ia afastar-se quando Dale agitou-se, murmurando:

 

        -Não, Lana... não quero matar ninguém... papai... diga que não quero...

 

        Jessie paralizou-se. Voltou para perto de Dale e debruçou-se para ela. Dale transpirava. Gotas de suor escorriam pelo seu rosto. Achou esquisito. Pousou a mão na testa dela. Dale estava gelada.

 

        Lembrou de uma colega na prisão, que se dopara. Tivera o mesmo sintoma de Dale. Ficara suando frio, pálida, falando coisas. Sacudiu-a pelo braço, levemente.  Ela  continuou dormindo. Sacudiu-a com mais força.Nada. Nervosa e desconfiada, deu dois tapas no rosto dela. Dale continuou dormindo. Não, dormindo, não. Ela estava drogada!

 

        Esta descoberta a deixou abismada e confusa. Quem fizera aquilo com Dale? Ela mesmo não poderia, impossibilitada de locomover-se! Havia algo errado. E ia descobrir !

 

        Saiu do quarto e olhou em volta. Tudo silencioso. Ia procurar Lana, decidiu-se. Não podia ficar ali sozinha, pensando mil coisas. Iria falar como Dale estava. Foi até a porta do quarto dela. Abriu-a . Olhou em volta. A cama não estava desfeita. Lana ainda não havia se deitado.  

 

Risos abafados soaram em seus ouvidos. Vinham do banheiro anexo ao quarto. Risos de homem! Será que Lana estava no banheiro com Benson? Ela então havia  mentido, dizendo que ia dormir. Decepcionada, aproximou-se da porta, que estava entreaberta. Olhou cuidadosamente pela fresta.

 

        Lana e Benson estavam nus na banheira. Ele segurava os seios dela, sorrindo maliciosamente. Lana o olhava com um sorriso arrogante, recostada na banheira.

 

        Jessie afastou o rosto, escondendo-se atrás da porta.

 

        -Lana, você é diabólica! Seu plano é mesmo perfeito!

 

        A voz de    Benson traía admiração.

 

        Lana falou com arrogância:

 

        -Meu Q.I. é alto, Benson. Sabe disso.

 

        -Eu sei... mas será que Jessie engoliu mesmo aquela estória toda?

 

        -Engoliu, meu caro. Ela pensa que Dale realmente matou meus pais e a tal de Mary. Está morrendo de medo de Dale – Disse Lana, rindo – Precisava ter visto a cara dela, quando eu a preveni contra Dale.

 

        -Perfeito! Você é uma grande atriz, querida! O oscar não devia ser dado à outra, senão à você!

 

        -Imitei bem a voz de Dale, não? Meu curso de dublagem serviu perfeitamente! Jessie acreditou piamente na encenação!

 

        -Já tirou o microfone do quarto de Dale? Ela pode descobrir! E o gravador!

 

        -Já tirei, quando subi.

 

        -Acha que Jessie vai mesmo matar Dale?

 

        -É uma questão de tempo. Ela está com medo e ódio de Dale.

 

        -Perfeito, perfeito... e será acusada por nós. E como é uma ex-presidiária, será logo condenada. E ficaremos com todo o dinheiro de Dale, minha querida.

 

        -É isso aí, Benson... sua amada filhinha deixará de existir.

 

        -Amada filhinha! – Repetiu ele, com desdém – Sei que ela não é minha filha! Minha mulher traiu-me com o secretário, Dale é filha dele. Mas fui esperto. Reconheci-a como minha filha, sempre a tratei com muito carinho. Se Dale morrer, herdarei tudo. Meu pai foi um grande filho da puta! Deixou tudo para a neta, só me deixou migalhas. Dizia que eu era mulherengo e dissiparia a nossa fortuna. Mas Dale pensa que o dinheiro é meu. Ela nunca viu o testamento. Era um bebê, quando ele morreu. Eu sou o administrador oficial. Mas, chega de conversa. Venha aqui, Lana... assim... veja como estou excitado...

 

        -Oh! Você é um cavalo, Benson... – riu Lana.

 

        -Você gosta disso, não é? Venha... mais...

 

        -Oh... você... está rasgando-me, Benson...

 

        Benson riu.

 

        -Você é masoquista, Lana... eu sei muito bem... você sempre gostou de sexo violento... peça para eu penetrar mais... peça!

 

        -Oh, Deus! Benson, não me torture, penetre-me de uma vez! – Gemeu Lana, com voz excitada.

 

        Jessie ouviu gemidos, barulho de água se movimentando. Não precisava olhar para saber o que estava acontecendo.

 

        Afastou-se devagar, os olhos cheios de ódio, o coração apertado. Lana, como era ordinária, cheia de maldade, fingida! Que plano diabólico engendrara! E ela acreditara em tudo! Achara que Dale era uma assassina! Pobre Dale! Nas mãos daqueles crápulas! E ela havia possuído aquela víbora!

 

        Saiu e fechou a porta com cuidado. Foi até o quarto de Dale. Ela continuava inconsciente. Beijou-a no rosto, nos cabelos, o coração cheio de remorso. Ela a amava tanto, e a havia traído com aquela ordinária! Deus, agora que havia conhecido a verdadeira personalidade de Lana, podia avaliar o seu erro! Como podia ter duvidado da doce, meiga Dale? Como podia ter se interessado por Lana, tendo uma mulher tão maravilhosa como Dale?

 

 Parecia que um clarão penetrara em sua mente, fazendo-a enxergar de repente a verdade: ela estava apenas atraída por Lana na ilusão de que ela era uma mulher especial e maravilhosa porque a havia ajudado a conseguir seu emprego. Havia olhado para Benson e ele representara para ela  o sucesso de tudo que alguém podia ter. E havia desejado tudo que ele possuía, desejando Lana como um troféu que podia tomar dele.

       

        A sua vergonhosa inveja de Benson  havia feito ela cometer uma série de erros. E o pior de todos havia sido não valorizar o amor de Dale, que era a  verdadeira mulher de sua vida. Ela não merecia o amor daquela garota. Mas agora iria tentar consertar seu engano e amá-la com toda sua alma, como merecia. Lana agora estava expulsa de sua mente, toda paixão que sentia se transformara em ódio e nojo.

 

 Iria tirar Dale daquele lugar. Levaria ela para longe de Benson e Lana. Iria protegê-la deles com sua vida, se fosse preciso! Como estava cega por uma paixão idiota! Mas agora iria fazer as coisas certas.

 

Contemplou Dale com carinho. Não podia levá-la dali drogada como estava. Tinha que esperar o efeito da droga passar. Puxou as cobertas e deitou ao lado dela. Abraçou-a e ficou olhando-a com ternura. Adormeceu sem sentir.

 

        Amanhecia quando acordou. Olhou em volta, sobressaltada.Dale dormia ressonando. O efeito da droga devia ter passado. Levantou-se e foi até o banheiro.Tomou um banho, escovou os dentes com a escova de Dale e vestiu-se, voltando ao quarto. Dale continuava dormindo. Sacudiu-a levemente. Ela abriu os olhos e sorriu ao vê-la.

 

        -Meu amor... veio dar-me bom dia? – Falou, com voz meio pastosa – Deus,  estou tão sonolenta...

 

        Jessie a puxou para si, erguendo-a .Abraçou-a e a beijou longamente na boca. Dale correspondeu de leve, o corpo amolecido em seus braços. Afastou-se e olhou-a . Dale sorriu com esforço.

 

        -Jessie... estou tão enjoada do estômago...

 

        -Dale, temos que sair daqui logo.

 

        Ela a olhou confusa. Os olhos estavam sonolentos.

 

        -Sair daqui?... por quê?

 

        -Dale, nós estamos correndo perigo...

 

        -Perigo?! De quê?

 

        -Dale, não posso explicar agora! Tente levantar-se!

 

        Dale sentou na cama, cambaleou e tornou a deitar-se.

 

        -Não posso... estou tonta...

 

        -Pelo amor de Deus, Dale! Tente ficar de pé!

 

        Puxou-a pelos braços, fazendo-a sentar-se novamente. Dale a olhou intrigada.

 

        -Por que está tão nervosa, Jessie?

 

        -Não há tempo para explicações, Dale! Você confia em mim? – Perguntou, olhando-a nos olhos.

 

        Dale a olhou confusa.

 

        -Confio. Mas, por que esse mistério todo?

 

        -Vou explicar-lhe mais tarde. Vamos sair daqui! Apoie-se em mim. Veja se consegue andar.

 

        Dale pasou o braço pelo seu pescoço e Jessie rodeou a sua cintura. Pôs-se em pé, com a perna que tinha o pé enfaixado encolhida.

 

        Elas deram um passo e Dale deu um pulo, apoiando-se em Jessie. Parou, olhando-a desanimada.

 

        -Não vou conseguir, Jessie...

 

        -Vai, sim! Eu a ajudarei...

 

        -Jessie, como vou sair por aí de camisola?

 

        Jessie olhou-a, caindo em si. Tinha razão. Em sua afobação, nem notara esse detalhe.

 

        -Onde estão suas roupas? – Perguntou, nervosa.

 

        -No armário.

 

        Jessie colocou-a de novo na cama e foi até o armário, apanhando roupas para Dale vestir. Pegou outras mais, jogando-as em uma valise que encontrou no armário.Tirou a camisola de Dale e ajudou-a a vestir as roupas, afobada. Calçou um sapato baixo no pé esquerdo e deixou o outro apenas enfaixado. Apanhou a valise e ordenou:

 

        -Agora, vamos!

 

        Dale pendurou-se nela e foi pulando até a porta. Jessie abriu-a e olhou em volta. Ninguém à vista. Saiu com Dale, arrastando-a pelo corredor, com ela pulando.

 

        Na descida da escadaria, foi mais fácil. Dale se apoiou no corrimão e desceu pulando, entre pequenos intervalos. Chegaram ao andar térreo.

 

        Dale respirou ofegante, olhando-a com cara de dor.

 

        -Só mais um pouco, Dale. Faça um esforço.

 

        Prosseguiram devagar, atravessaram o imenso hall e chegaram até a porta de saída. Jessie abriu-a e saíram. O carro de Dale estava há poucos metros, ao lado do carro de Benson. Jessie percorreu a distância apoiando Dale, que ofegava cansada. Suspirou, apoiando Dale na porta.

 

        -As chaves estão aí? – Perguntou, ofegando.

 

        -Sim.

 

        Jessie afastou-a com cuidado, abriu a porta e ajudou Dale a entrar. Fechou a porta, rodeou o carro e entrou, sentando-se diante do volante. Jogou a valise atrás.

 

        -Dale, nunca dirigi um carro assim. Só um caminhão na fazenda de meus pais, há muitos anos. Que tenho de fazer?

 

        -A marcha é automática, e só engrenar e controlar a direção. Eu auxilio você.

 

        Jessie ligou o carro, que pegou logo. Apertou o acelerador suavemente e o carro arrancou, dando um salto.

 

        -Mais suave! Esse carro tem muita potência! – Gritou Dale.

 

        Jessie pressionou menos o acelerador, fazendo uma manobra. O carro saiu, numa velocidade mais moderada. Contornou o gramado que circundava a piscina e dirigiu-se para a saída. O carro avançou e percorreu a alameda, até alcançar a estrada principal.Jessie aumentou a velocidade, aliviada por sair dali.

 

        -Para onde vamos, Jessie? Pode agora dizer-me o que está acontecendo? – Perguntou Dale, olhando-a curiosa e preocupada.

 

        -Dale, tenho algo a lhe dizer muito grave. Só espero que realmente você confie em mim e acredite no que vou lhe contar – Disse Jessie, sem fitá-la.

 

        -Eu confio em você e vou acreditar, Jessie. Eu a amo.

 

        -Mesmo assim, é difícil de acreditar, Dale.

 

        -Fale, Jessie.

 

        -Vou contar desde o início. E antecipadamente, peço perdão por ter duvidado de você. Eu errei, Dale, em ter duvidado de uma mulher como você. E outras coisas. Mas não quero esconder mais  nada de você.

 

        -Jessie, já estou nervosa com seu rodeio para falar. O que foi que houve?

 

        Jessie contou. Sem omitir nada. Sua atração por Lana, a cena com ela no lago, o que ouvira na janela do quarto de Dale, sua reação, a conversa dela na biblioteca com Lana e por último, a conversa de Lana com Benson no quarto.

 

        O carro corria pela estrada e Dale não dizia nada. Jessie olhava para a frente, sem coragem de encará-la.

 

        Ouviu os soluços dela. Olhou-a . Dale recostara a cabeça no banco do carro e soluçava, os olhos fechados, o rosto com uma máscara de sofrimento que comoveu Jessie. Mas não tinha coragem de parar o carro e abraçá-la, como queria fazer. Sentia-se uma canalha, por ter pensado tão mal dela, de tê-la traído com aquela víbora. Dale devia estar odiando-a agora. E isso lhe doía muito. Agora avaliava como estivera enganada por uma paixão insensata.

 

Ah, se pudesse voltar atrás! Agora que sentia que a perdera, é que lhe dava o devido valor, é que sentia que a amava! Por que as pessoas sempre só dão valor a algo depois que o que perdem? Dale era uma mulher bela, atraente, perfeita para amar. Lana só tinha beleza exterior. Por dentro, era uma serpente, uma vagabunda vulgar!

 

        No silêncio dentro do carro, só ouvia os soluços de Dale.Engoliu em seco. Seu coração se apertava, desesperado. Tinha vontade de chorar também, vendo o sofrimento de Dale. Não agüentou mais. Parou o carro no acostamento da estrada e voltou-se para ela. Hesitante, pousou a mão no ombro dela. Dale contraiu-se num gesto de recuo. Tirou a mão, arrasada.

 

        -Dale...

 

        -Não toque em mim! – Gritou ela, abrindo os olhos e a olhando com ira – Você não vale nada, Jessie!

 

        Os olhos de Jessie encheram-se de lágrimas. Olhou-a, humildemente.

 

        -Eu mereço isso, Dale – disse, sentidamente – Sei que fui uma canalha com você.

 

        Ela ergueu os punhos fechados e socou seu peito, esbofeteou-a várias vezes, gritando entre soluços:

 

        -Você me mentiu, me traiu, achou que eu era uma assassina! Acreditou em Lana! Eu a amei, Jessie! Me dei de corpo e alma à você! E você fez tudo isso comigo!

 

        Jessie não reagiu, recebendo os golpes achando que ela merecia isso e muito mais. Apenas gemia de dor, olhando-a , as lágrimas agora escorrendo pelo rosto.

 

        -Sua traidora, suja! – Ainda gritou Dale, afastando-se e se recostando no banco, ofegando – Você não é melhor que Lana ou meu pai! Meu Deus! As duas pessoas que mais amei me traíram! Estou só, completamente só!

 

        -Não, Dale! – Protestou, com voz embargada – Eu quero o seu bem! Quero ajudá-la a desmascarar seu falso pai, mesmo que pague caro por isso! Quero protegê-la deles, mesmo que você me odeie! Dale, estou arrependida de tudo! Eu estava louca, enganada, eu agora sei que é a você que amo verdadeiramente, mesmo sabendo que a perdi!

 

        Dale a encarou. Os olhos frios, vazios de emoção.

 

        -Não confio mais em você. Não acredito no que me diz. Você apenas descobriu o jogo de Lana, decepcionou-se com ela e quer consolar sua desilusão comigo! Mas eu não vou ser mais aquela garota boba que acreditava em seu amor, Jessie. Que acreditava que meu pai me amava. São todos uns falsos, uns miseráveis traidores!

 

        -Dale... sei que tem toda razão para pensar assim. Mas, por favor, acredite apenas então que quero protegê-la. Vamos para minha fazenda. Vamos ficar lá até resolver o que fazer para desmascarar Benson e Lana. Ele não a encontrará lá.

 

        Dale ficou olhando-a em silêncio alguns instantes. Depois suspirou e falou com voz fria:

 

        -Vou com você por que não tenho opção. Não tenho em quem confiar. E não quero conviver mais sob o mesmo teto que aquele canalha. Mas isso será por pouco tempo, até pensar em outra solução. Preciso primeiro colocar minhas idéias em ordem. E na minha casa de campo, ele me acharia.

 

        Jessie olhou-a emocionada.

 

        -Obrigada por aceitar ir comigo, Dale. Prometo que não a importunarei. Farei tudo para que se sinta bem.

 

        Ela desviou o olhar, olhando para fora.Jessie ligou o carro e voltou à estrada.

 

        Fizeram o resto do trajeto em silêncio. Dale com ar ausente, olhando para a paisagem que passava. Jessie sem coragem de puxar qualquer assunto.Quando parou diante da casa da fazenda, Bafly veio recebê-las sorridente.

 

        -Olá, garotas! Até que enfim voltaram!

 

        Jessie saiu do carro e forçou um sorriso.

 

        -Olá, Bafly. Mas estamos com um problema.

 

        O sorriso dele desapareceu.

 

        -Problema? O que houve?

 

        -Dale torceu o pé e não pode andar.

 

        Ele voltou a sorrir.

 

        -Só isso? Deixe comigo! Conheço umas ervas que um índio me ensinou que resolverão isso em umas poucas horas! Vou levar ela para dentro da casa.

 

        Ele abriu as portas do carro desajeitadamente e sorriu para Dale, que o olhou tristemente.

 

        -Não fique assim, mocinha! Vou curá-la logo! Venha...

 

        Ela pendurou-se no pescoço dele e Bafly a rodeou pelas costas e sob as coxas, erguendo-a com facilidade.

 

        -Ah, é uma pluma, mocinha! Vamos lá, Jessie!

 

        Jessie o seguiu até a casa. Entraram e ele a colocou na sala, sentada em um banco. A sala havia sido arrumada e limpa, depois da visita anterior delas. Agora pelo menos dava para ser utilizada. A mesa fora lixada, tornando a ficar lisa e limpa, dois bancos lixados e com os pés repregados.

 

        Bafly sorriu de satisfação ao vê-la olhar esses detalhes.

 

        -Achei uns pregos no porão e uns pedaços de lixa. Não deu para fazer tudo que queria, mas já melhorou, não é?

 

        -Ficou ótimo, Bafly – sorriu Jessie, pousando a mão no ombro dele – E agora, ficarei aqui com você. Vou ter tempo de sobra para melhorar tudo.

 

        -Ficará aqui? À partir de hoje? – Surpreendeu-se ele.

 

        -Sim, Bafly. E Dale também, só que ela apenas por uns dias. Eu ficarei definitivamemte.

 

        -Mas... e as obras na fazenda? Já arranjou o dinheiro para iniciar?

 

        -Não, Bafly. Não consegui. Vamos fazer o que pudermos, aos poucos. Tenho apenas duzentos dólares no banco. Vou comprar apenas o material necessário para tornar essa casa habitável. Alguma madeira, pregos e lixa.

 

        -Hum... não se preocupe com comida. Fiz uma pequena plantação de batatas e trigo, temos algumas galinhas que pôem uma dúzia de ovos por dia, uma vaca que produz leite e há muitos coelhos por aí e peixe no rio.

 

        Jessie o olhou sorrindo.

 

        -Sei, vi isso na visita anterior. A vaca é Bessie, aquele bezerro que havia quando fui... para a prisão, não é?

 

        -Isso! Bessie agora é uma vaca gorda e feliz, Jessie! Mas vamos cuidar do pé da menina! Esperem, vou moer umas ervas que tenho! Ela vai ficar boa logo!

 

        Bafly foi para a cozinha e Jessie sentou em um dos bancos, olhando para Dale. Ela a olhava sem expressão.

 

        -Quer um copo d’água, Dale?

 

        -Sim. Por favor – aceitou, com voz formal.

 

        Jessie foi até a cozinha. Bafly esmagava em um pano umas ervas com forte cheiro e a olhou curioso.

 

        -Quer comer alguma coisa?

 

        -Não, mais tarde. Vou apanhar água para Dale.

 

        -Como ela torceu o pé?

 

        Jessie abriu a geladeira, tirando a jarra.

 

        -Saltando de um cavalo. Apoiou o pé no chão numa pedra, que deslizou, e torceu o pé.

 

        -Hum... onde foi isso?

 

        Jessie encheu um copo com água, olhando-o.

 

        -No rancho do pai dela. Bafly... devo dizer a você que viemos para cá nos esconder de duas pessoas que querem nos fazer mal. Não comente com ninguém que estamos aqui. Se alguém nos procurar, diga que você está sozinho e há muito tempo não nos vê.

 

        -Não se preocupe. Não tenho amigos e os vizinhos mais próximos estão há meia milha. Quando vou à loja mais próxima, vender alguns coelhos que caço, não converso nada além do necessário. Sou considerado um lobo solitário por aqui.

 

        -Ótimo, Bafly. Confio em você.

 

        Jessie sentou na sala com o copo d’água. Estendeu-o para Dale.

 

        -Tome. Quer comer alguma coisa? Ainda não tomamos café.

 

        Dale apanhou o copo sem olhá-la.

 

        -Não estou com fome.

 

        -Você está fraca. Eles a drogaram à noite.

 

        -Deixe-me em paz, Jessie – disse, friamente.

 

        Jessie olhou-a em silêncio. Afastou-se e recostou-se na janela, olhando para fora. Estava arrasada com a frieza de Dale, mas tinha que conformar-se. Ela tinha razão em estar assim. Havia traído e magoado o amor sincero que ela lhe dedicava.

 

        Bafly veio da cozinha com um pano e um pote.

 

        -Agora vocês vão ver como um remédio indígena é muito melhor que essas drogas receitadas por médicos! Jessie, ajude-me. Segure a perna da menina.

 

        Jessie aproximou-se hesitante, olhando para Dale. Ela olhou para Bafly vermelha.

 

        -É necessário que ela segure minha perna?

 

        -É melhor. Jessie, segure. E tire essas faixas.

 

        Jessie abaixou-se ao lado de Dale e pegou na perna dela, segurando-a por trás. Com rapidez, desenrolou a faixa de gaze. Olhou para a perna. Estava perfeita, somente o tornozelo continuava inchado. Tocou na perna, pensando que agora era o único contato que podia ter com Dale.

 

        Ergueu o olhar. Dale a olhava com indiferença. Virou o rosto, olhando para Bafly, que havia se ajoelhado e pegara a faixa que Dale usava e a embebia no líquido verde do pote.

 

        Ele pegou o pano, colocou sob o calcanhar de Dale e despejou parte do líquido sobre ele. Dale estremeceu e tentou puxar a perna, mas Jessie a segurou.

 

        -Isto arde! – Reclamou Dale.

 

        -É assim mesmo, menina. Mas esse ardor é a ação da erva agindo nos tecidos.

 

        Pegou a faixa embebida e enrolou no pé e tornozelo de Dale. Deu um nó no final, cortando a gaze no meio.

 

        -Pronto! Fique descansando o pé na horizontal. Dentro de cinco horas estará boa.

 

        Dale o olhou em dúvida.

 

        -Tem certeza disso?

 

        -Claro! Já apliquei isso em mim! –Disse Bafly, erguendo-se – Aposto o que quiser, confie no que digo!

 

        -Eu nunca mais vou confiar em nada que alguém me disser, Bafly. Desculpe, mas é o que penso. Confiei em uma pessoa que traiu-me.Uma não, duas! – Disse amargamente, puxando a perna das mãos de Jessie.

 

        Bafly sorriu, sem ligar para essa declaração.

 

        -Todo mundo se desilude com alguma coisa ou com alguém, mocinha. Eu quando era jovem, fui traído por uma mulher. Corri o mundo e muitos anos depois a encontrei, quando regressei à cidade. A danada continuava linda, mesmo aos quarentas anos. Deixara de ser dançarina e trabalhava em um hospital. Casei com ela e vivemos felizes vinte anos, até ela morrer.

 

        Dale o encarou, séria.

 

        -Mas ela mudou. Aprendeu com a vida.

 

        -Todos aprendem com a vida, mocinha. Uns mais, outros menos. Uns levam anos para mudar, outros mudam em um instante, quando abrem os olhos sobre determinada coisa.

 

        -Você é um filósofo nato, Bafly – Disse Dale – Mas penso diferente de você.

 

        Ele deu de ombros, apanhando o pote e dirigindo-se para a cozinha. Falou já fora da sala:

 

        -É um direito seu. Mas você também vai aprender que uma pessoa pode errar, reconhecer o erro e mudar.

 

        Jessie voltou à janela. Como Bafly era inteligente e sagaz! Ele dissera coisas profundas e verdadeiras com sua simplicidade de homem caipira. Não conhecia essa faceta dele.

 

        -Gostaria de recostar-me. Esse banco não tem recosto e estou cansada. – Disse Dale, sem olhá-la.

 

        Jessie aproximou-se, olhando-a com um sorriso.

 

        -Quer que a leve para o quarto?

 

        -Se não houver problema, sim – Disse, de olhos baixos.

 

        -Um momento. Vou aprontar a cama.

 

        Foi até a cozinha. Bafly fumava um cachimbo sentado em um banco, pensativo. Sorriu ao vê-la chegar.

 

        -Estava pensando o que fazer para vocês comerem. Acho que vou caçar um coelho ou um pato selvagem.

 

        -Bafly, Dale quer deitar. Ela pode deitar em sua cama?

 

        Bafly riu.

 

        -Cama? Há muito tempo não sei o que é isso. Eu durmo sobre uma pele de búfalo que comprei de um índio. Uma raridade, nesses tempos.

 

        -Ela pode deitar na pele, então?

 

        Bafly ficou vermelho.

 

        -Olha, a pele já pegou o meu cheiro. Durmo nela há anos. Mas vou arranjar uma cama para vocês.

 

        -Como?

 

        -Há bastante palha no velho celeiro. Vou fazer uma cama no quarto. Coloco palha e duas peles de vaca, que estão guardadas. É só escová-las e colocar no sol. Eu posso dormir aqui na sala.

 

        -Dê-me as peles. Vou cuidar disso.

 

        -Ok, e eu vou atrás de nosso almoço!

 

        Bafly foi para o campo caçar com seu velho rifle e Jessie dedicou-se à tarefa de aprontar as camas. Dale a olhava passar por ela com a palha, curiosa. Quando trouxe as peles, ela não se conteve mais e indagou, olhando-a:

 

        -Para quê é isso?

 

        Jessie parou, com as peles nos braços.

 

        -Para fazer nossas camas. Não há cama pronta.

 

        Ela pareceu surpresa.

 

        -Vamos dormir juntas?!

 

        Jessie suspirou.

 

        -Não, Dale. Farei camas separadas.

 

        -Mas... no mesmo quarto?

 

        Jessie sentiu o receio na voz de Dale. Olhou-a magoada.

 

        -Fique sossegada. Não tentarei nada com você, se está com medo disso.

 

        Afastou-se sem querer ouvir mais nada. O que Dale pensava? Que ia atacá-la? Pois ia mostrar à ela que nem a olharia siquer! Mesmo arrependida, sentindo que a amava, não faria isso!

 

        Procurou fazer as camas o mais afastado uma da outra. Quando acabou, olhou-as satisfeita. A palha era macia, as peles estavam limpas. Só não havia cobertas, mas isso não era nescessário, com o calor que fazia.

 

        Voltou à sala. Dale a olhou com indiferença.

 

        -A cama está pronta – Anunciou Jessie.

 

        -Obrigada.

 

        Jessie irritou-se com o tom formal. Aproximou-se e a pegou pela cintura e sob os joelhos, erguendo-a do banco. Dale a olhou assustada.

 

        -Para onde está me levando?

 

        Jessie foi para o quarto em passadas largas. Depositou-a sobre uma das camas com cuidado e endireitou o corpo, fitando-a com raiva. A indiferença de Dale machucava.

 

        -Pronto, lady Dale! Está feita a sua vontade – Disse em tom debochado, para provocá-la.

 

        Mas Dale apenas virou-se de costas para ela e ficou imóvel. Jessie suspirou e saiu do quarto.

 

        Bafly trouxe um pato abatido, sorrindo orgulhosamente. Contou como o acertara, como fora esperto na tocaia. Jessie o ouvia sorrindo, depenando o bicho, que era grande e gordo. O assou no forno com batatas e ficou satisfeita em verificar que ainda não esquecera a receita de sua mãe.

 

        Bafly ria de contentamento.

 

        -Depois de anos, uma comida decente! Meu estômago vai até estranhar! Jessie Berlot, você cozinha tão bem como sua mãe!

 

        Jessie sorriu e estendeu um prato feito para ele.

 

        -Leve para Dale. Ela deve estar com fome.

 

        Ele a olhou surpreso, pegando o prato.

 

        -Ora, porque não leva você mesma, Jessie? Ela é sua amiga! Não vai gostar de me ver entrar lá no quarto...

 

        -Garanto que ela não vai ligar para isso, Bafly...

 

        Bafly saiu resmungando que ela era cabeça-dura.Ele voltou momentos depois com ar triunfante.

 

        -Puxa! Ela me agradeceu, até deu umas palmadinhas em meu ombro! É mesmo uma moça muito fina! Só perguntou porque você não mandou também uma faca.

 

        -Oh! Esqueci que ela é fina e só come de garfo e faca, Bafly! Mas deixe ela se acostumar com nossos modos. Vamos comer – Disse, irritada com o comentário de Dale. Ela queria ferí-la, mostrar que não se importava se ela mandara Bafly, em vez dela própria, levar a comida.

 

        A tarde se arrastou. Dale continuava no quarto. Jessie já perambulara por toda a fazenda, com seus sombrios pensamentos. Perdera Dale! Como fora idiota, que raiva sentia de si própria, por ter se enganado com uma vagabunda como Lana! Agora, só lhe restava sofrer.

 

         

 

Continua na parte 9

 

 

 

Feedback: [email protected]

 

 

 

Leth       Uber      Home

 

 

 

           

Hosted by www.Geocities.ws

1