Desde Sempre
Paula Marinho
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Capítulo X
O
telefone tocava insistentemente.
O celular havia parado de chamar
quando fora bruscamente apresentado à parede dois dias antes. Havia três
dias que Liz não saía de casa, não atendia a ninguém
e mal se alimentava. A secretária eletrônica estava repleta de
recados e o porteiro tentara inutilmente avisá-la de qualquer coisa chamando-a
pelo interfone. Liz não queria ver ou falar com ninguém.
O crepúsculo já
cobria de penumbra o quarto que havia sido o refúgio de Liz nos últimos
dias quando a campainha do apartamento tocou com estridência. A loirinha
sequer se movimentou até ouvir a batida forte na porta e a voz alterada
de Taís.
- Liz, eu sei que você
está aí e eu não arredo o pé daqui antes de você
abrir esta porta.
Mais um série de pancadas
sonoras.
Liz levantou-se penosamente
e caminhou até a porta da frente como se tivesse bolas de ferro amarradas
aos tornozelos. Ela conhecia bem a Taís. Ela não sairia dali.
Mais fácil os vizinhos chamarem a polícia.
- Liz... - Taís ia gritar
de novo quando ouviu o som da chave girando.
A porta abriu. Taís
entrou. Liz caminhou até o sofá e desabou sobre ele.
- Você está horrível.
- Não enche, tá.
- É meu dever perpétuo
te encher quando você faz bobagem. Lembre-se: foi você mesma quem
me deu esta prerrogativa. Agora ela é imprescritível e irrenunciável.
Entendeu? À propósito, você está horrível.
Liz olhou para a amiga que
um dia fora a sua esposa e quase sorriu.
- Ahá! Melhorou um pouquinho,
cara-pálida. Agora, levante-se e vá tomar um bom banho. Eu vou
preparar algo para você comer. Depois você me conta o que aconteceu.
Liz ameaçou um protesto.
- Não me contradiga,
Liz, ou eu juro que jogo um balde de água fria em cima desta cara amassada.
Odeio vê-la assim, querida.
Liz suspirou, levantou-se e
seguiu para o banheiro. Taís foi para a cozinha. Logo o cheiro de ovos
mexidos tomou conta da casa. Taís encontrou um pacote de torradas e fez
um suco de uns maracujás que murchavam na fruteira. Liz chegou quando
ela já terminava de colocar a mesa.
- Sente-se e coma, Liz. Conversaremos
depois.
Sabendo que seria inútil
argumentar que não estava com fome, a loirinha tentou engolir os ovos
que o seu nariz dizia que cheiravam muito bem, mas que o seu estômago
teimava em repudiar.
Foram para a sala.
- Muito bem, Liz, o que foi
que Fabiana te fez?
Liz arregalou os olhos.
- Como...?
- Como eu sei que se trata
de Fabiana? Simples. E olha que eu não digo isso sem dar um duro golpe
em meu ego de ex-esposa. Ela é a única pessoa capaz de deixá-la
neste estado.
Liz abaixou os olhos tristemente
e nem precisou retrucar.
- Conte-me o que ela fez que
a deixou assim.
Sentindo-se subitamente cansada
de carregar aquele fardo sozinha, Liz começou a contar os acontecimentos
desde o dia em que reviu Fabiana até a hora do beijo. Quando Liz terminou
o relato, Taís assoviou.
- Caramba! Por esta eu não
esperava. Fabiana se declarou a você e a beijou em seguida. Tô pasma
- Taís comentou surpresa para em seguida quase gritar:
- Mas...�peraí�!
Não, não, não, não, não! Isso quer dizer
que ela pode ter se casado com o meu irmão tendo sentimentos por você.
Eu arrebento a cara dela! Liz, me conte esta história direito.
Liz se viu imprensada contra
a parede. Na verdade, nunca contara a Taís sobre a noite que passara
com Fabiana antes do casamento. À época, achara que tal revelação
teria conseqüências terríveis para o seu relacionamento e
muito mais, possivelmente, para o casamento de Fabiana com Caio.
Afinal de contas ele ainda era o irmão de Taís. Por isso, se calara.
Mas este era um segredo que sempre a incomodara.
De fato, naquela ocasião,
dissera apenas que tivera uma forte briga com Fabiana na véspera, o que
explicara não somente a sua falta ao casamento da então melhor
amiga como também os dias de tristeza e inapetência subseqüentes,
bem parecidos com a sua situação de agora.
Liz falou com cuidado:
- Não acredito que Fabiana
sentisse isso naquela época, Taís. Tenho certeza de que ela amava
ao Caio e queria realmente se casar com ele. �Pelo menos a última assertiva
era verdade�.
- Certo, Liz, mas isso tudo
é muito estranho. Esta revelação agora e depois de tanto
tempo sem vocês se verem.
- Não importa, Tá.
Eu não estou interessada.
- Desculpe-me, querida, e aí
vai mais um duro golpe em meu alquebrado ego de ex-esposa, mas o seu atual estado
de trapo ambulante não concorda com este seu alegado desinteresse.
Liz abriu a boca para responder
algo rápido e inteligente como era de seu feitio, de preferência
algo sarcástico e fugidio, mas nada lhe ocorreu. Olhou para o próprio
corpo alguns bons quilos mais magro, lembrou-se da imagem do rosto abatido que
vira no espelho do banheiro e respirou com força. Sentiu um aperto
no nariz prenunciando lágrimas quentes.
- E-eu...desculpe, Taís,
eu não deveria conversar isso com você. Nós fomos casadas.
- Não vou dizer que
esta sua história com Fabiana não me incomodou muito há
tempos atrás e que, mesmo agora, não me incomode um pouco, mas
eu já superei quaisquer resquícios de ciúmes ou despeito
que eu ainda tivesse de outra época. Você pode me contar o que
quiser. Bom...poupar-me de alguns detalhes sórdidos seria de bom tom
- Taís sorriu fracamente. <
- Pode deixar � Liz falou correspondendo
o sorriso com outro ainda mais débil. - E obrigada. A verdade é
que eu estou mesmo um trapo e eu não entendo como é que depois
de tanto tempo ela ainda consegue me deixar assim.
- Ai, meu Deus. Vou precisar
de vinte sessões de terapia para me recuperar. Bem, paciência.
Liz, querida, você nunca a esqueceu verdadeiramente.
- O que eu faço, Taís?
- Primeiro, você poderia
me deixar arrebentar a cara daquela mulher.
Liz olhou para o porte franzino
de Taís e fez uma cara incrédula.
- Ei, não duvide da
força da minha indignação � Taís falou sorrindo
mostrando o muque esquerdo.
Liz foi obrigada a rir um pouco.
- Falando sério agora,
Liz. Talvez fosse bom você tirar umas férias. Mesmo porque, você
merece. Quem sabe a Fabiana, neste ínterim, se enfastia do Brasil e vai
brincar de milionária benemérita em outro lugar.
- O trabalho dela é
muito sério, Taís.
- E você a defende.
- Eu estou falando do trabalho.
- Eu sei, eu sei, Liz. Mas
tudo tem ligação com ela e para tudo que tem ligação
com ela você é muito sensível. Veja bem, olhe para mim e
responda: o que você sente por Fabiana?
- Eu...Eu não sei ao
certo.
- Pois eu vou te dar uma pista.
Ela foi a sua tão considerada melhor amiga por quase toda a sua juventude
e mesmo assim, por causa de uma mera discussão � pelo menos eu acho que
foi somente isso � nunca mais sequer lhe mandou um cartão de natal. Ela
volta de repente, depois de mais de uma década, declara que te ama assim
do nada e te deixa arrebentada de dúvidas. Sim, porque metade deste sofrimento
é dúvida e a outra metade é este sentimento que você
nutre por ela e que nunca superou completamente.
Silêncio.
- Liz, eu gostaria de te aconselhar
a nunca mais falar com ela, mesmo porque eu acho que de alguma forma ela enganou
o meu irmão e a você também.
- Ela nunca... - Liz tentou
dizer.
- Não, não me
interrompa, Liz. Eu sei que ela pode ter tido as melhores intenções
no casamento com Caio e que jamais tenha tido a intenção de te
magoar, mas isso não quer dizer que ela não tenha feito e nem
retira a vontade que eu tenho de esganá-la.
Taís respirou fundo
e continuou.
- Eu acho que você deveria
viajar, espairecer, equilibrar-se primeiro e depois verificar se ainda quer
falar com Fabiana porque, querida, superar esta pessoa em sua vida você
tem que fazer de qualquer jeito. Olhe só para você!
Taís se levantou o olhou
com carinho para o seu antigo amor.
- Eu... vou pensar � Liz falou.
- A minha casa em Trancoso
está à sua disposição, você sabe.
- Obrigada, tá.
Depois da saída de Taís,
Liz foi para a sacada e aspirou o ar da noite sentindo-se mais disposta. Ela
já deveria ter enviado os retoques definitivos de seu livro para a editora.
Pois iria fazer isso agora e então pediria a Carlão, não,
exigiria umas boas semanas de férias. E Fabiana...Fabiana era algo a
se pensar depois que se sentisse menos fragilizada. Isso!
Foi direto para o computador.
Como era de se esperar a caixa
de mensagens estava repleta, mas uma única mensagem do dia anterior fez
o estômago de Liz gelar. Era da Hathaway Foundation. Liz pensou em apagá-la,
mas algo no que Taís havia lhe dito sob ter que superar Fabiana de qualquer
jeito fê-la corajosamente clicar no e-mail.
Era realmente uma mensagem
de Fabiana.
Cara Liz, perdoe-me por insistir em contatá-la após você ter me avisado enfaticamente para não mais procurá-la. Permita-me, contudo, apelar para o seu reconhecido profissionalismo. Como sabe, a série de entrevistas está quase pronta e embora seja possível e talvez desejável para você uma mudança no jornalista que conduz a matéria, este tipo de troca é sempre melindroso, portanto, é do interesse da fundação e meu também que seja você a jornalista responsável pela publicação da matéria. Obviamente, eu tive motivos pessoais para escolhê-la, mas também tive motivos profissionais contundentes dada à sua excelente reputação. Por conseguinte, permita-me mais uma vez fazer-lhe uma proposta: falemos por mensagens. Mande-me suas perguntas e eu as responderei da mesma forma.
Peço que considere a
minha sugestão.
Grata, Fabiana Couto Hathaway.
Liz
leu e releu uma dúzia de vezes a mensagem. Então, Fabiana gostaria
de continuar a entrevista na forma insípida e segura de perguntas e respostas
via internet. Quão típico! Uma raiva súbita ameaçou
dar-lhe ganas de jogar o monitor na parede junto com uma saraivada de
xingamentos digna de Leila Diniz, contudo, bem mais equilibrada após
a visita de Tais, a loirinha respirou fundo e ponderou sobre a proposta de Fabiana.
De fato, assinar sozinha esta
entrevista seria de suma importância para o seu currículo
profissional e como não haveria nem mesmo contato visual, esta poderia
ser uma boa solução para a sua disposição em não
se encontrar tão cedo com Fabiana e seus ardis. Assim, logo depois de
mandar a matéria para publicação, ela poderia tirar as
férias há muito merecidas e aguardar com calma a publicação
do seu livro tomando banhos de mar.
Liz suspirou com energia sentindo-se
calma como não ficava em muitos dias.
Sem maiores elucubrações
respondeu à mensagem aceitando friamente a proposta e perguntando quando
poderia enviar as perguntas e se Fabiana as queria todas ao mesmo tempo ou as
preferia em partes. Enviou. Trabalhou mais um par de horas na finalização
do livro e o remeteu à editora junto com o primeiro sorriso satisfeito
da semana.
Levantou-se e resolveu pedir
uma pizza. Caramba! Aquelas torradinhas não serviriam nem para forrar
o estômago de um grilo.
Capítulo
XI
Fabiana abriu a mensagem de
Liz ansiosamente. A resposta positiva a fez suspirar aliviada. A saída
de Liz na última vez em que se encontraram a havia realmente abatido.
Mas ela também havia tido sua loirinha nos braços e sentido a
ânsia, a vontade e a saudade naquele abraço inevitável e
furioso. Não podia, não iria desistir. A idéia da comunicação
por mensagens veio como uma inspiração ante a vontade de invadir
a casa de Liz num ato de desespero. Portanto, Fabiana agarraria esta chance
de contato com unhas e dentes. Respondeu sem maiores explicações
que preferia duas ou no máximo três perguntas por vez.
No
dia seguinte Liz as enviou.
1)
Como você conheceu Eric Hathaway?
2) Qual sua primeira impressão
sobre ele?
3)
A senhora ainda estava casada?
Fabiana
a respondeu quase imediatamente.
1)
Na clínica em que meu ex-marido trabalhava em Boston.
2) A primeira impressão que tive de Eric não foi muito reveladora,
mas marcante. Ele já estava muito doente e na ocasião mal conseguia
falar. Contudo, em poucas palavras ele conseguiu me fazer retornar para vê-lo.
Ele falou tão baixo que eu quase não consegui ouvi-lo, mas me
disse delicadamente: � Dizem que a presença de deusas traz abundância
aos homens. Volte outra vez, jovem Ízis�.
3) Eu ainda estava casada com Caio, meu primeiro marido, mas nós já
havíamos conversado e decidido sobre a separação, somente
ainda não havíamos oficializado a nossa decisão. Na verdade,
Eric surgiu numa época dificílima da minha vida. Liz leu as respostas
diretas, mas um tanto lacônicas e mil outras questões surgiram
em sua mente. A idéia da entrevista por e-mail coadunava-se com sua vontade
de não mais ver Fabiana, mas restringia em muito o seu trabalho por falta
de interação. Foi até a cozinha e tomou um copo de água
enquanto pensava em uma forma de melhorar esta situação. Uma enorme
curiosidade que Liz gostaria de creditar tão somente à sua veia
jornalística começou a se imiscuir em sua mente gerando outras
muitas perguntas que gostaria de saber as respostas. Retornou ao computador
e outra mensagem de Fabiana a surpreendeu como se a morena pudesse ter lido
os seus pensamentos.
Cara Liz, sinto que a entrevista parece correr para um lado menos abrangente
do que poderia ter. Posso fazer uma outra sugestão? O que acharia de
conversarmos online? Podemos marcar uma hora que seja conveniente para ambas.
Aguardo resposta.
Conversa
online? Por que não? Liz enviou uma resposta positiva e sugeriu um horário
na manhã seguinte. Minutos depois recebeu um simples �Combinado�.
Liz sentiu um frio inesperado tomar-lhe o estômago como se tivesse acabado
de marcar um encontro.
********
Dez minutos
para as nove horas e Fabiana já estava na frente do computador. A morena
se sentia nervosa como se fosse encontrar Liz pessoalmente. É claro que
ela não estaria frente-a-frente com aqueles amados olhos verdes, mas,
de qualquer forma a sua Liz estaria conectada com ela. Presente. Contemporânea.
Participante.
Liz entrou online em
seguida. Fabiana sentiu o coração disparar e as mãos
suadas em expectativa. Segundos depois, Liz a contatou.
�Boa noite.�
�Boa noite.� - Fabiana respondeu rapidamente.
�Posso começar?� _ Liz perguntou sem delongas.
� Claro.�
� Mrs. Hathaway, a Sra disse que conheceu Eric Hathaway no Hospital em que trabalhava
o seu ex-marido. Como isso aconteceu?�
�Eric já estava fazendo o tratamento para a doença que o mataria
alguns anos depois. Caio fazia parte da equipe de médicos que o tratava.
Nós nos vimos por acaso numa das ocasiões em que fui me encontrar
com meu ex-marido no hospital. Conversamos brevemente na primeira vez, mas depois
disso nunca mais deixamos de nos falar. Eric era uma pessoa delicada e inteligente
e, sobretudo, uma pessoa sábia e generosa. Ele tomou a minha mão
quando eu me julgava perdida porque nada do que eu pensara para a minha vida
havia acontecido, embora eu imaginasse que tivesse feito todo o possível
para torná-la uma vida perfeita. Ao menos aos moldes do que se considera
tradicionalmente perfeito.�
�E o que é
tradicionalmente perfeito, Mrs. Hathaway?�
�Casar-se
com um bom homem, ter filhos, uma boa casa... �
�E a sua vida profissional?�
�Sim. Também uma carreira sólida, mas ao lado da família.�
�Me parece uma boa vida...�
�Deveria ser. Mas não foi para mim.�
�O que aconteceu?�
�Eu finalmente me dei conta de que aquela vida perfeita não servia para
mim. Fiquei imensamente triste e deprimida, meu casamento ruiu, meus sonhos
escorreram pelo ralo e eu não sabia mais o que fazer. Então Eric
surgiu.�
�Então,
ele foi antes um amigo?�
�Primordialmente, um amigo.�
�Como foi
que esta relação de amizade se transformou em uma proposta de
casamento?�
�Eric, embora tenha sido o melhor amigo que alguém possa desejar, sempre
deixou claro que sentia por mim mais do que uma simples amizade.�
�E a senhora,
decerto, tendo em vista o posterior casamento com Eric Hathaway, correspondeu
aos sentimentos dele?�
�Não
de início. Mesmo após a oficialização da minha separação,
eu ainda demorei a concordar com o pedido de casamento de Eric, mas ele foi
tão gentilmente perseverante, tão absolutamente encantador que,
por fim, a gratidão que eu sentia pelo homem que me apoiou numa das ocasiões
mais difíceis da minha vida se transformou em amor e, então, eu
aceitei o pedido.�
�E, então,
o reconhecimento se transformou em paixão?�
Fabiana
não respondeu de imediato. Na verdade, demorou bastante e quando Liz
já ia perguntar se ela ainda estava online, recebeu a resposta.
�Posso
te dizer algo e pedir que você não publique em memória de
meu marido?�
Surpresa e mais curiosa do que poderia admitir para si mesma Liz digitou:
�Sim.�
�Eu amava muito ao meu querido Eric, mas nunca fui apaixonada por ele.�
Liz teve a sensação de que a sua face estava em chamas, mas escreveu
laconicamente:
�Certo.
Pode deixar que eu não publicarei esta declaração Mrs.
Hathaway. Continuemos com a entrevista.�
Se Liz pudesse ouvi-la, escutaria Fabiana suspirar.
�Bem,
Mrs. Hathaway, então na ocasião mais difícil da sua vida,
Eric Hathaway foi alicerce no qual você se apoiou?�
�Sim, Eric foi meu grande apoio, mas eu não disse que esta foi a ocasião
mais difícil da minha vida.�
�Não foi?�
�Não.�
Prevendo
novamente o perigo, Liz reformulou apressada:
�Numa das ocasiões
mais difíceis da sua vida...�
Liz ainda
estava digitando quando apareceu outra mensagem de Fabiana..
�Eric não foi somente um alicerce, ele foi o ser humano que surgiu para
me reerguer.�
Liz apagou
tudo e reescreveu rapidamente.
�Reerguê-la?�
�Um extraordinário
ser humano que me acolheu e me mostrou com carinho, mas com firmeza a extensão
dos meus medos, dos meus enganos, e as minhas auto-sabotagens.�
�Como alguém
tão extraordinariamente bonita, rica e admirada pode se auto-sabotar?�
�Quando,
por exemplo, deixa escapar o amor da sua vida por entre os dedos porque é
fraca e tola o suficiente para se convencer de que isso seria a coisa certa.�
Liz se levantou
da cadeira num salto. Caminhou pelo quarto passando a mão nervosamente
nos cabelos loiros e curtos. A sua cabeça e o seu coração
batiam em uníssono. Queria desligar o computador imediatamente e quebrá-lo
em mil pedaços. Queria matar Fabiana com as próprias mãos
e dissolver a sua morte na dela.
O computador
emitiu um som de alerta. Liz olhou para ele sem conseguir visualizar nada e
sem coragem de sentar-se novamente em frente à tela. Pouco tempo depois
uma grande mensagem surgiu na tela. Devagar, Liz sentou-se novamente na frente
do computador e leu.
�No dia em que eu me casei com Caio, eu tinha realmente o propósito de
ser uma boa esposa, formar um família aos moldes tradicionais, viver
uma vida prosaica e procurar ser feliz com o que eu julgava que deveria ser
aquilo a que todas deveríamos almejar. Liz...Caio, você o conheceu.
Ele é um homem maravilhoso e eu quis muito que desse certo. Eu quis lhe
dar filhos, mas após três abortos espontâneos admiti definitivamente
que não posso ter filhos. Mas, não foi este o motivo da nossa
separação. Não fui uma esposa companheira. Não poderia.
Porque eu não conseguia me entregar completamente àquela relação.
Porque só existia uma pessoa para quem eu me entregaria completamente
e eu sabia quem era, mas sequer admitia esta possibilidade.�
Liz se movimentou
na cadeira e quase desejou mandar Fabiana para o inferno com a sua vidinha perfeita.
Mas continuou a ler com atenção.
�Quando
Eric me pediu em casamento, a minha primeira resposta foi não. Mas então,
ele me convenceu com paciência e amor de que ambos precisávamos
fundamentalmente daquela união, embora eu acredite que era eu quem precisava
daquele homem extraordinário que mesmo doente possuía uma força
moral avassaladora e, principalmente, um amor profundo e desprendido por mim
sem que eu jamais o merecesse. Ele já estava terrivelmente doente quando
nos casamos. Convivemos cinco anos juntos, três dos quais meu querido
Eric passou a maior parte do tempo em hospitais até que resolvemos montar
uma UTI em casa para que ele passasse em seu lar, rodeado das pessoas que amava,
os seus últimos dias. Ele se foi dizendo sempre que eu era a pessoa certa
para levar a sua fundação à frente porque eu tinha uma
força surpreendente dentro de mim. Isso não te lembra alguém?�
Liz leu a última frase, reminiscência de uma outra época
da vida de ambas, não sem um aperto doído no peito, mas permaneceu
grudada na cadeira.
�Eric
também me ajudou enxergar algo mais importante ainda: que eu havia abdicado
da minha felicidade para não decepcionar a minha mãe, para ser
uma boa menina, ortodoxa e também tola. Voluntariamente infeliz para
preservar uma tradição sem sentido.�
Liz se enraiveceu de repente com a confissão. Reviveu em segundos a angústia
de quando leu o bilhete fatídico e a derrocada brutal de seus sonhos
mais caros. �Ela que fique com a merda da tradição com a droga
daquela mãe cheia de empáfia!�, pensou. Em seguida, escreveu irônica:
� Eu posso publicar
isso?�
� Liz, por
favor, deixe eu explicar.�
�Mrs. Hathoway,
acho que tenho subsídio o bastante para fazer a matéria e acredito
que a senhora e a Fundação ficarão satisfeitas com o meu
profissionalismo, do qual, aliás, a senhora fez tanta questão
e eu agradeço a confiança. No mais, se precisar de qualquer coisa
ou necessitar de qualquer esclarecimento, por favor, entre em contato com o
editor.�
�LIZ!!!!�
Liz viu seu nome em letras
garrafais plasmado na tela.
�Liz, são quase quinze anos, perto de dois minutos que eu solicito sua
atenção. Por favor, aceite o meu convite para uma conversa com
vídeo. Por favor...dois minutos.�
Liz pensou alguns segundos
e aceitou o convite. O surgimento da imagem difusa de alguém arrumando
a câmera provocou-lhe uma geada no estômago. Liz percebeu o azul
da blusa simples que Fabiana usava antes de qualquer coisa até que ela
foi se afastando e a imagem da morena em pé de frente à câmera
surgiu com nitidez. E como ela parecia naquele momento com a Fabi de outros
tempos. Uma calça jeans despojada, os cabelos amarrados num longo rabo
de cavalo, a franja marota caindo levemente sobre o rosto que ela retirou pra
trás da orelha num gesto peculiar e, sobretudo, o olhar tímido
e o jeito meio atrapalhado de segurar o microfone com se ele fosse a coisa mais
complicada do mundo de um modo tão Fabiana que fez o coração
de Liz doer de uma ternura incômoda.
Fabiana falou.
- Você
me conhece tanto e sabe o quanto isso é difícil para mim, mas
apesar disso eu gostaria mesmo que estivéssemos de fato de frente uma
para outra. Enfim... Eu entendo que você não queira mais me ver.
Eu não quero e talvez no fundo não aceite o fato de você
não querer mais me ver, mas eu entendo.
Liz já
havia começado a chorar na primeira frase.
- Mesmo porque,
eu devo ser a última pessoa do mundo a exigir de você que me dê
uma chance de ser ouvida porque eu não te dei essa chance há catorze
anos atrás.
Liz já
soluçava com a mão na boca e os olhos fixos na tela.
Fabiana suspirou
fundo e continuou.
- Então,
essa pode ser a minha última chance de dizer o que eu preciso dizer desde
que voltei ao Brasil. Liz... Eu agora estou aqui tão insegura quanto
na primeira vez em que você me viu. Tremendo inteira para te dizer que
você é o amor da minha vida, foi e sempre será. Para te
pedir humildemente que me dê uma última chance, que me queira de
volta, que resgate em algum lugar um pouco do que restou daquele amor que você
me confessou naquele dia na praia e que está tatuado na minha pele como
uma marca inextinguível, que você aceite o meu amor do mesmo jeito
que o recebeu tão abertamente no único dia em que fizemos amor
e que está marcado a ferro em meu coração.
Fabiana parou
de falar erguendo os braços e olhando daquele jeito tão antigo
e inseguro de quando ela ainda era uma adolescente desengonçada de lentes
grossas e caminhar receoso. A respiração de Liz estava pesada
e irregular pelos soluços contínuos. Sem avisar e antes
que seu coração louco para acreditar no que Fabiana estava dizendo
lhe tirasse a firmeza de propósito, Liz se desconectou. Andou até
a cozinha para descobrir que não tinha o que fazer por lá. Olhou
para as paredes como se estivesse perdida e desabou no sofá chorando
copiosamente.
Conclusão
O som do
mar sempre fora algo tranqüilizante, quase hipnótico para Liz e
a tranqüilidade de Trancoso em pleno abril exacerbava ainda mais este efeito.
Liz sentou-se na areia, pegou um punhado de areia molhada e apertou até
formar um bolo compacto. Quase seis da tarde e ela se lembrou de que só
havia comido meio pão francês pela manhã e nada de fome.
Suspirou. Um ser pequeno e transparente passou correndo de lado e quase arrancou
um sorriso da loirinha.
- Engraçado
como eu sempre achei que conduzi a minha vida correndo de lado como um caranguejo
sem nunca encará-la de frente. Acho que já está na hora
de mudar.
O susto fez
o coração de Liz bater no meio da garganta. Fabiana estava parada
olhando para ela. A loirinha não conseguiu pensar em nada para dizer
a não ser...
- Como você
chegou aqui?
- Taís.
- Duvido.
Fabiana apenas
elevou os braços como a dizer: eu não estou aqui?
- Como?
- Eu liguei
para o Caio e pedi o telefone dela.
- Você
e Caio andam com tão boas relações assim?
- Não
tão boas quanto eu gostaria. Por culpa minha, eu acho, mas espero corrigir
isso. Como eu já disse, Caio é um homem maravilhoso e um estimado
amigo.
Liz ficou
calada e Fabiana continuou:
- Foi um
pouco mais difícil com Taís. Não, foi dificílimo.
De alguma forma eu sabia que ela sabia onde você estava. Ainda tenho a
impressão de que ela teria enorme prazer em me esganar, mas acho que
meus argumentos terminaram por convencê-la de que nós precisávamos
ter esta conversa. Tive ainda que convencê-la de minhas intenções,
não sem grande esforço. Ela é muito leal. Acho que nos
envolvemos com uma família mesmo especial.
Liz olhou
para ela, mas antes que pronunciasse qualquer palavra, Fabiana sentou-se ao
seu lado na areia.
- Você
terminou a nossa conversa sem comentar sobre o que eu disse. Na verdade, ao
interromper a conexão de uma forma tão abrupta e o posterior telefonema
do editor me informando delicadamente que se eu tivesse mais alguma coisa para
dizer ou alguma exigência de última hora que eu me reportasse diretamente
a ele, para muitos, poderia ser uma resposta mais do que contundente. Não
para mim. Há muito eu deixei de me contentar com aparências e mesmo
que o que você me diga hoje despedace as minhas mais acalentadas esperanças,
ainda assim, eu quero e preciso ouvir.
- Por que
isso agora, Fabiana? Digo, depois de tanto tempo e quando você e eu temos
toda uma vida apartada uma da outra.
- Exatamente
por isso. Porque nós construímos uma vida apartada uma da outra
e eu sinto com uma certeza profunda que nossas vidas não foram moldadas
para seguirem separadas.
Liz sorriu
em descrédito.
- É,
eu sei. Cafona, não é? Pois eu não me importo de parecer
cafona se eu fizer com que você compreenda que eu não vivo sem
você. Quero dizer, vivo, sim, mas não com a completude que só
sua presença é capaz de me proporcionar. Eu me transformo na rainha
do ridículo se isso te fizer enxergar que para mim a visão do
céu está eternizada nesses seus olhos claros, se eu te fizer entender
que a minha noção de lar, de conforto e de amor cabe na exata
envergadura dos seus braços.
Liz sentiu
que iria começar a chorar de novo e ela não queria mais isso.
Não! Definitivamente, bastava de chorar. Olhou para Fabiana com a mágoa
de anos.
- Por que
você voltou para destruir a calma que eu demorei tanto para edificar?
- Por que
eu achei que nós merecíamos isso.
- Nós?!!!!
- É.
Nós.
- Em que
exato instante você começou a pensar em nós e não
em você? Em sua vida mediana e vulgar? No que você sentia e temia?
Quando?
- Na verdade
mesmo, Liz, foi quando Eric me forçou a perceber que eu tinha abandonado
o grande amor da minha vida.
- Eric...
- É.
Eu nem sei como pude merecer outra pessoa assim tão extraordinária
em minha vida. Eric me fez contar coisas de minha vida de que não ousava
sequer me lembrar para não morrer de tristeza e vergonha e me fez enfrentar
a minha covardia. Também me fez exercitar a grande força que você
já havia percebido em mim quando ainda éramos meninas. E quando
eu desabrochei para a verdade simples de que eu era forte e capaz e de que eu
a a amaria irrevogavelmente para sempre ele apenas sorriu com orgulho e me deixou
cuidá-lo com carinho. Desde então, eu tenho preparado um jeito
de me aproximar de você.
- Para que?
Bastava ter chegado e dito tudo isso. Para que toda esta história de
uma série de reportagens?
- Não
bastava, não, Liz. Eu cheguei da forma mais natural que consegui e ainda
assim tive enorme dificuldade de me aproximar de você, para não
dizer que mesmo após toda a minha preparação você
ainda me deixou falando para as paredes por pelo menos duas vezes. Imagine o
que aconteceria se eu simplesmente aparecesse após tantos anos e te dissesse
tudo isso que eu estou te dizendo agora?
Silêncio.
- Isso mesmo.
- Fabiana,
me desculpe, mas eu não sei como processar isso. Eu te quis tanto e por
tanto tempo. Meu Deus! Acho que desde a primeira vez em que eu te vi. E depois,
a gente fez amor...e foi maravilhoso...e você some! Some! Fabiana, eu
nunca tive razões para confiar nas pessoas com as quais eu cresci, mas
também, graças a Deus, tive algumas outras pessoas que me resgataram
esta confiança e me ergueram na direção de uma vida digna.
Quando você foi embora, depois de horas de um amor profundo, de uma intimidade
inexprimível, eu senti como se tivesse levado umas dez surras de meu
pai, umas vinte cusparadas de meus irmãos, uns trinta olhares doloridos
e impotentes da minha mãe. Desamparada, desprotegida, desamada como eu
nunca pensei que me sentiria novamente. E muito pior. Porque contra você
eu não tinha defesa. Eu não podia desprezá-la sussurrando
insultos pelos cantos. Eu não podia vilipendiá-la com sonhos vingativos.
Eu te amava e você me machucou de uma forma inexprimível.
Fabiana abaixou
a cabeça tristemente.
- Taís
foi uma pessoa maravilhosa. Recolheu os cacos de minha auto-estima pelo chão
e me amou de uma forma tão carinhosa que eu me reergui mais forte e mais
disposta a amar e acho que, felizmente, eu pude devolver a ela todo o bem que
ela me fez porque nós realmente tivemos um relacionamento invejável
durante todos os anos de nossa convivência. Eu amo e respeito profundamente
aquela mulher.
- Tudo o
que você não sente por mim, não é mesmo, Liz?
- Não
sei. Eu não sei mesmo. Eu me sinto um pouco fora de mim. É como
se algo pelo que eu ansiasse desde sempre acontecesse de uma forma estranha
e tão fora do tempo que eu não mais reconhecesse - Liz pousou
os olhos verdes límpidos em Fabiana. - Entende?
- Acho que
sim. Posso ao menos te contar uma coisa?
Liz apenas
assentiu com a cabeça.
- Naquele
dia em que eu me deitei na sua cama, eu sabia exatamente o que eu queria. Exatamente.
Era sólido, profundo, irrecusável. Quando eu senti a sua pele
na minha, foi como se nada no mundo pudesse ser mais perfeito. Senhor! Eu acho
que poderia gozar só de você colocar as coxas no meio das minhas
coxas. Eu pressenti que talvez eu nunca mais tivesse uma sensação
daquelas e estava certa. Mas, ainda assim eu te deixei. Eu fui embora atrás
de um modelo de vida que eu julgava ser o correto...tão boba...levando
comigo a lembrança de uma noite de felicidade completa que eu iria guardar
como um tesouro para todo o sempre dentro da vida que eu havia escolhido para
mim.
Liz olhou
para o mar, respirou com força e perguntou:
- E quando
você achou que tinha o direito de retornar e me falar essas coisas sem
se importar se eu gostaria de ouvir, sem se perguntar se eu poderia estar bem
melhor sem você?
- Desculpe,
Liz, mas desta vez eu não pensei. Pela primeira vez eu não enchi
a minha cabeça de elucubrações vãs e dúvidas
incessantes. Eu provoquei, sim, o nosso reencontro. Eu planejei e fiz acontecer,
porque, repito, nós merecíamos e ainda acho que merecemos uma
nova chance. E não venha me dizer que está melhor sem mim. Eu
acho que você realmente seguiria com a sua vida perfeitamente, mas não
depois que eu tive você novamente nos meus braços, Liz, e sorvi
a verdade da sua boca. E a verdade é que nós nos amamos desde
sempre, Liz.
E de repente,
ambas estavam naquela praia no Guarujá na noite do reveillon em que Liz
se declarou para Fabiana. Mas, desta vez, foi Fabi que num gesto inesperado
atirou-se sobre a loirinha deitando-a sobre a areia e capturando-lhe os lábios
com toda a força de anos de um amor adiado. Liz não esboçou
reação a não ser passar as mãos pelo pescoço
do grande amor da sua vida e entremear os dedos no cabelo escuro.
Rendeu-se.
Beijou-a com ardor e doçura. Deixou-se conduzir pelo prazer de algo mil
vezes desejado e tantas vezes negado. Permitiu fluir as incríveis sensações
que nos concedem os lábios que são o princípio da delícia
de se devorar quem se quer.
Os lábios
são o princípio do sabor.
Fabiana se
levantou e estendeu a mão. Calmamente, Liz abraçou a mão
estendida e caminharam juntas aspirando o ar salgado e quente da tarde nordestina.
Entraram na casa. Mas, quando Liz fechou a porta atrás de si e olhou
para o amor da sua vida...Sabe aquelas coisas irreais? Aquela sensação
de sonho como se nada daquilo estivesse realmente acontecendo com você?
Pois é! Liz parou. Parou com um medo ancestral. Tão antigo quanto
as marcas do chicote do pai que, no entanto, já não a incomodavam
há muito tempo. E, no entanto, Fabiana...Ah, Fabiana era capaz de deixá-la
despida, desarmada, indefesa. Tão capaz de ser ferida quanto um filhote
de passarinho.
Fabiana também
parou. Também de medo. Medo de Liz ter se arrependido. Medo dela nunca
mais a perdoar. De não querê-la de volta. De não amá-la
mais. Um sabre longo e gelado pareceu trespassar-lhe o peito. Um aperto. Um
não sei quê de agonia a paralisou.
Liz olhou
para Fabiana com os olhos turvos de amor e dúvida e nesse momento Fabiana
soube que deveria agir ou então o seu pequeno amor a deixaria. Avançou
com a coragem que não tinha. Olhou para a sua amada com uma certeza que
no fundo era a de um equilibrista e disse vagarosamente:
- Liz, eu
te amo profundamente. Acredite em mim.
Olhos azuis
ansiosos.
Liz suspirou,
enlaçou o pescoço tão alto, aspirou o hálito inesquecível
tão próximo e trouxe a boca adorada para si. Se isso era um sonho?
Foda-se! Pois iria vivê-lo até a última gota.
Liz beijou-a
mansamente apenas roçando os lábios e Fabi riu baixinho porque
ela estava na ponta dos pés e por isso ganhou uma mordida no lábio
somente para rir mais largamente ainda com aquele sorriso perfeito que só
Fabiana tinha. Desafiada, Liz a agarrou com força e deu-lhe um beijo
de tirar o fôlego, Fabiana gemeu e abraçou a cintura do seu pequeno
amor trazendo-a para junto de si. Foi a vez de Liz rir por entre um beijo sôfrego.
Liz passou
as mãos por dentro da blusa de Fabiana e tocou a pele morena e macia
passando a mão pelas costas e para cima arrancando um suspiro da morena
no meio de um beijo interminável.
Repentinamente
ousada, Fabiana afastou-se um pouco, tirou a blusa e o sutiã e a visão
dos seios fartos cor de caramelo deixou Liz tonta de desejo. Aparentemente desprovida
de sua antiga timidez, Fabiana avançou tirando gentilmente o vestido
de Liz e desamarrando-lhe a parte de cima do biquíni. Foi a vez de Fabiana
respirar forte à visão de um par de seios perfeitos e rosados.
Tocou-os com cuidado. Liz suspirou e colocou a mão sobre a mão
de Fabiana fazendo-a apertar-lhe o seio enquanto a loirinha fechava os olhos
com um gemido. Beijaram-se novamente sentindo desta vez o calor e a maciez únicos
dos seios nus da mulher amada em meio a um longo abraço.
Liz deu a
mão para Fabiana e puxou-a sem pressa para o quarto. Delicadamente, fez
com que a morena deitasse sobre a cama e sem tirar os olhos dos olhos claros
de sua amante retirou a calcinha do biquíni e surgiu na frente de uma
Fabiana enfeitiçada com toda a sua encantadora nudez. Então, ajudou
Fabiana a livrar-se das calças leves de verão e com um sorriso
indecifrável deitou-se sobre ela.
Inexplicável
a sensação de deitar-se sobre a mulher amada e nua. Um encontro
nada casual de delícia, enlevo e tesão. Beijaram-se com paixão.
Desses beijos que não se preocupam com perícia ou sensações
delicadas. Desses beijos de pura gula: sôfregos, molhados, loucos,
antropofágicos.
Fabiana rebolava
por baixo da sua pequena amada, procurando contato, implorando por ele.
Liz começou
a massagear-lhe o torso em movimentos cadenciados e circulares, descendo e subindo
o corpo sobre o corpo de Fabiana, estabelecendo um contato íntimo e abrangente
entre seios, barrigas e sexos e de tal forma que chegava os bicos rosadas junto
aos lábios de uma Fabiana boquiaberta e sedenta e escorregava serpenteando
sensações até roçá-los no sexo palpitante
que, nesse momento, faltava explodir em pulsações quase dolorosas.
Sem mais
suportar, Fabiana agarrou a sua loirinha com as pernas forçando-a a parar
sobre ela. Liz, então, posicionou os quadris em cima do sexo palpitante
que se lhe oferecia encharcado e quente e começou um rebolado ritmado
e lascivo por entre as pernas abertas que lhe enlaçavam a cintura. O
atrito maravilhoso deste contato voluptuoso, a umidade abundante fazendo entreabrir
os grandes lábios e expondo os clitóris aos movimentos frenéticos
daquela dança sensual, o tesão acumulado de anos de sonhos inconfessáveis
fez com que ambas explodissem num orgasmo rápido e intenso.
Respirações
difíceis, suor e sensações antigas tomaram conta do quarto.
Ignorando
o coração ainda com batimentos de velocista, Fabiana rolou sobre
Liz posicionando-se sobre ela. Com os olhos azuis quase acinzentados,
embaciados de desejo, começou a beijar o corpo pequeno e perfeito, descendo
pelo pescoço, passeando os lábios, a língua e os dentes
pela pele clara, aspirando e provando sem pudor cada pedaço quente de
epiderme. Parou de frente a um dos seios e abocanhou-os. Liz expirou forte
como num susto. Fabiana prosseguiu mordiscando de leve o biquinho rígido,
passando a língua sobre ele em movimentos cada vez mais fortes até
que Liz começasse a elevar os quadris involuntariamente. Impassível,
Fabiana prestou as mesmas homenagens ao outro seio e quando, por fim, os gemidos
de Liz tornaram-se mais urgentes, Fabiana desceu o rosto roçando os lábios
pela barriga dividida, respirando bem perto do sexo latejante que Liz
erguia sem se conter em direção ao rosto moreno. Devagar, Fabiana
passou a língua levemente sobre o clitóris vermelho e túrgido.
Liz gemeu longamente de olhos fechados e os lábios premidos de expectativa.
Sedutoramente, Fabiana se aproximou e finalmente deitou a língua quente
sobre a feminilidade pulsante de sua pequena amante em lambidas cadenciadas
de baixo para cima fazendo Liz verter sons quase soluçantes e entrecortados.
Devagar, penetrou-a com dois dedos entrando e saindo ritmadamente enquanto a
língua trabalhava incessante e na mesma cadência.
Liz pensou
que fosse desfalecer.
Um rubor
intenso tomou-lhe o rosto e o pescoço, o ventre contraiu-se e ela arqueou
o corpo gemendo longamente num gozo poderoso como jamais havia sentido. Sem
forças, deixou-se abraçar por Fabiana que a acalentou com beijos
suaves no rosto e nos cabelos loiros.
- On-onde
você aprendeu a fazer isso? - Liz perguntou ainda vacilante.
Fabiana riu
daquele seu jeito particular.
- Ciúmes,
meu amor?
- Curiosidade.
- Bom, esta
é realmente uma de suas companheiras mais contantes. Pois bem, pequena
curiosa, digamos que não se deve subestimar a força substanciosa
de anos de sonhos inconfessáveis e avassaladoramente impuros com
a mesma pessoa.
- Impuros?
- Liz perguntou com um meio sorriso marooto.
Fabi deu
uma risada.
- Impuríssimos
� respondeu.
- Bem, já
estamos ambas perdidas mesmo � Liz disse e pulou sobre Fabiana como uma gata.
- Minha vez, Mrs. Hathaway.
Epílogo
- Anda logo, amor. Nós
vamos chegar atrasadas.
- Caramba, Fabi. Eu gostaria
de ver você se movimentar com esta barriga.
- Eu nunca terei esta sorte,
pequena.
- E não precisa, porque
este bebê é nosso e você pode ter certeza de que farei você
sentir cada minuto do meu desconforto.
- Ái, Jesus. Eu não
duvido.
- Fabi...
- Diga.
- É o nosso filho. Mesmo
que você não o tenha gerado, é nosso filho.
- Eu sei, amor.
- Talvez saiba, mas está
com dificuldade de compreendê-lo no coração. Eu te conheço,
Fabiana.
Fabiana suspirou com força.
- E o que eu faço, minha
amada?
- Bom... � Liz a enlaçou
pelo pescoço e sorriu. � Pode começar olhando carinhosamente para
ele no dia em que nascer com estes seus lindos olhos azuis e uma certa expressão
compenetrada demais para um bebê. Eu sei que ele terá a sua cara.
- Ceeerto, e me diga como,
Liz? � Fabiana roçou o nariz no nariz de sua mulher já com um
enorme sorriso no rosto.
- Porque ele só pode
nascer com o rosto que está gravado na minha alma.
Fabiana colocou o queixo em
cima da cabeça loira num gesto comum entre elas.
Liz perguntou baixinho:
- Nós temos mesmo que
almoçar com ela?
- Aham.
- Ai, meus sais. Eu estou grávida.
Não deveria passar por este suplício.
- Eu entendo, amor. Mas, veja
só, ela melhorou muito.
- Claro! Agora, ela é
apenas uma megera e não mais uma torturadora das masmorras medievais.
- Você vai agüentar,
amor. É somente por um par de horas.
- E se ela me perguntar de
novo sobre a linhagem do pai da criança?
- Diga que é brasileira.
- Grande!
- Ok. Diga que é sua
e minha.
- E, então, ela vai
perguntar em que dia entre hoje e a concepção virginal de Maria,
a ciência conseguiu esta façanha. Fabi, eu te imploro...
- Ela está velha.
- E continua um porre.
- Ela é minha mãe.
- É a única qualidade
que ela tem.
- Eu te amo.
- É a maior qualidade
que você tem.
- Liz!
- Tá bom, tá
bom. Vou passar por esta provação com a fleuma dos mártires.
- Ela gosta de você.
- Claro. Eu entendi isso da
última vez em que ela me lembrou de que eu me visto como uma mendiga.
- Pelo menos, ela nunca tocou
no assunto de que eu vivo maritalmente com você.
- Maritalmente? De onde veio
este vocabulário? É a influência epidêmica da proximidade
da sua mãe. Tem certeza de que ela não comanda uma horda de seres
soturnos e maléficos que sussurram palavras como maritalmente em nossas
mentes incautas?
- Bem, a única coisa
de que eu tenho certeza é a de que eu te protegerei com todas as minhas
forças de modo a não existir nada no mundo que possa te alcançar
sob o meu cuidado.
- Eu sei...
- Sabe mesmo?
- Eu sei que você é
a mulher da minha vida. Eu sei que vou querer morrer a cada minuto desse fatídico
almoço, mas vou suportá-lo bravamente por você. Só
por você.
- Obrigada.
- Não. Obrigada a você
por existir, por ter voltado para mim, por me fazer uma pessoa imensamente feliz.
1987
- Anda logo, Fabiana. Você
vai perder o espetáculo.
- Já vou, já
vou. Olha aqui a pipoca.
- Deita aí. Poxa vida,
eu nunca vi um eclipse solar na minha vida.
- Nem eu.
- Me dá um pouco de
pipoca. A irmã Maria falou que apesar dos eclipses ocorrerem em algum
lugar da Terra a cada dezoito meses, é estimado que eles recaiam duas
vezes em um dado lugar apenas a cada trezentos ou quatrocentos anos...
- Liz, vê se não
atrapalha o momento dizendo qualquer coisa bem científica e chata, tá?
- Ô, ignorância.
Liz levou um peteleco na cabeça
loira.
- Ái, Fabi.
Fabiana deu uma risada sonora
e colocou um punhado de pipoca na boca.
- Liz...
- Hum.
- Será que a gente vai
ver um próximo eclipse juntas novamente?
- Se depender de mim, eu vou
ver todos os eclipses daqui para depois do próximo milênio ao seu
lado, Fabi.
Fabiana levantou o tronco do
chão e falou olhando para a melhor amiga.
- Jura?
- Juro.
O sorriso que Fabiana deu pareceu
mais luminoso que o sol que começava a ser coberto por uma ponta de unha
negra.
- Olha só, Fabi. Vai
começar. Cadê o meu pedaço de filme?
- Tá aqui. Toma.
- Liz...
- Hum.
- Você é a minha
melhor amiga.
- Sou?
- É. A melhor.
- Então, tá.
E foi a primeira vez que Fabiana
falou sem dizer e Liz ouviu sem ouvir um eu te amo.
Fim