"Esta nota tem o objetivo de estimular a discussão sobre esse assunto, apresentando algumas
“coincidências climáticas” observadas."
Luiz Carlos Baldicero Molion


AQUECIMENTO GLOBAL, MANCHAS SOLARES, EL NIÑOS, E OSCILAÇÃO DECADAL DO PACÍFICO

Luiz Carlos Baldicero Molion
Departamento de Meteorologia, UFAL
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As temperaturas da superfície do Oceano Pacífico (TSM) apresentam uma configuração semelhante ao fenômeno El Niño, porém com variações de prazo mais longo, denominada Oscilação Decadal do Pacífico (ODP) e descrita por Mantua et al. (1997). Os eventos ODP persistem por 20 a 30 anos, enquanto os El Niños por 6 a 18 meses. Da mesma forma que o El Niño, a ODP apresenta duas fases. A fase fria é caracterizada por anomalias negativas de TSM no Pacífico Tropical e, simultaneamente, anomalias de TSM positivas no Pacífico Extratropical, tanto Norte como Sul. A última fase fria ocorreu no período 1947-1976. Já a fase quente apresenta configuração contrária, com anomalias de TSM positivas no Pacífico Tropical e negativas no Pacífico Extratropical. A fase quente se estendeu de 1976 a 1998 (Figura 1). Não se sabe ainda qual é a causa da ODP, tampouco seus impactos sobre o clima. Porém, considerando que a atmosfera terrestre é aquecida por debaixo, os oceanos são a condição de contorno inferior mais importante para o clima e certamente o Pacífico, por ocupar um terço da superfície terrestre, deve ter um papel preponderante na variabilidade climática interdecadal. Esta nota tem o objetivo de estimular a discussão sobre esse assunto, apresentando algumas “coincidências climáticas” observadas.

A Figura 2 reproduz a variação, com o tempo, do Índice Multivariado de ENOS (IME) de 1950 até o presente , descrito e elaborado por Wolter e Timlin (1998). Os números positivos (negativos) mostram as intensidades dos El Niños (La Niñas). Observa-se a predominância de eventos La Niña no período 1950 a 1976, em contraste com a alta freqüência de eventos severos de El Niño entre 1976 e 1998.

Segundo Christy e Spencer (2004), as temperaturas médias globais, obtidas por meio do Microwave Sounding Units (MSU) a bordo de satélites desde 1979, aumentaram quando da ocorrência de eventos El Niño e diminuíram quando da ocorrência dos La Niñas (Figura 3). Por exemplo, no auge do último evento El Niño forte de 1997/98, a temperatura média global chegou a apresentar uma anomalia positiva de aproximadamente 0,75°C em abril de 1998, enquanto, no La Niña de 1984/85, as anomalias de setembro de 1984 chegaram a –0,50°C com relação á média do período. Nos El Niños de 1982/83 e 1992/93, as anomalias positivas não foram evidentes devido à presença dos aerossóis das erupções dos vulcões El Chichón (México, abril de 1982) e Monte Pinatubo (Filipinas, junho de 1991) que resfriaram o Planeta por 2 a 3 anos. A tendência da temperatura média global da troposfera nos últimos 25 anos foi de apenas +0,08°C de acordo com os dados de MSU. Uma possível causa para o aquecimento (resfriamento) durante um El Niño (La Niña) pode ser a alteração do balanço radiativo da Terra. Notou-se que, durante o evento El Niño de 1997/98, as anomalias de radiação de onda longa emitida para o espaço exterior (ROLE) foram negativas sobre uma grande extensão do Pacífico Equatorial, indicando que a Terra perdeu menos ROLE que a média do mês, por exemplo, em janeiro de 1998. As anomalias de ROLE chegaram a exceder –40W m-2 naquele mês. Em contraste, durante o evento La Niña, em janeiro de 2000, a mesma região apresentou anomalias positivas, indicando uma perda de ROLE superior à média do mês. Na Figura 4 (Molion e Bernardo, 2002), .foram apresentadas as diferenças das anomalias de ROLE entre janeiro de 1998 (El Niño) e janeiro de 2000 (La Niña). Nota-se que existem diferenças superiores a 120 Wm-2 e, em uma grande extensão do Pacífico, as diferenças foram superiores a 40 Wm-2. As anomalias negativas (menor perda) ocorrem devido à ìntensificação do efeito-estufa sobre o Pacífico durante os El Niños, em função da maior concentração de vapor d´água (umidade) nos níveis baixos e uma maior cobertura de nuvens sobre a região de águas anomalamente quentes. Durante os La Niñas, ocorre o contrário, e o efeito-estufa enfraquece, fazendo com que a região de águas frias perca mais ROLE. Ou seja, o sistema Terra-atmosfera sofre, naturalmente, uma variação de temperatura interanual de cerca de 1,5°C devido ao ENOS.

A Figura 5, modificada de Jones et al (1999), mostra as anomalias da temperatura média global em função do tempo. Observa-se que as anomalias apresentaram uma tendência positiva, de cerca de +0,32°C,  durante o período da fase quente da ODP (1925-46). Uma análise dos ciclos de 11 anos de manchas solares revelou que, simultaneamente, o número máximo de manchas aumentou entre 1920 e 1957, indicando que houve uma maior produção de energia solar durante esse período. No período subseqüente (1947-76), que coincidiu com a fase fria da ODP e maior freqüência de eventos La Niña (Figura 3), as anomalias da temperatura média global apresentaram uma tendência negativa, com um decréscimo aproximado de –0,15°C. A partir de 1977, as anomalias voltaram a apresentar tendência positiva, com um aumento de +0,30°C, atribuído à intensificação do efeito-estufa pelas atividades humanas. Coincidentemente, esse aumento da temperatura média global aconteceu quando a ODP estava em sua fase quente e a freqüência de eventos El Niño intensos foi grande (Figura 3). Um outro aspecto digno de nota é que os oceanos deixam de absorver cerca de 30 ppmv de dióxido de carbono (CO2) para cada grau centígrado que a temperatura de sua camada de mistura aumentar. Isto é, a solubilidade do CO2 nos oceanos varia inversamente à sua temperatura. Portanto, durante a fase quente da ODP, em que o Pacífico Tropical está mais quente e predominam os El Niños, espera-se que mais CO2 fique armazenado na atmosfera quando comparado com sua fase fria.

A ODP parece ter entrado novamente em sua fase negativa a partir de 1999 (Figura 1), na qual deve permanecer até cerca de 2025 possivelmente, ou seja, pelos próximos 20 anos, com um conseqüente aumento (redução) da freqüência de eventos La Niña (El Niño). Portanto, se o sistema Terra-oceanos-atmosfera se comportar como na fase fria anterior da ODP (1947-76)., até 2025, a temperatura média global deve diminuir, paulatinamente de cerca de 0,15°C pelo menos. Foi dito “pelo menos” porque existe um agravante, quando se compara à fase fria anterior. Desta vez, os próximos dois máximos de manchas solares, previstos para 2011 e 2022, devem apresentar número de manchas inferior aos anteriores. Ou seja, nos próximos 25 anos, a produção de energia solar deve ser reduzida. Mesmo com emissões crescentes, a taxa anual de aumento de concentração CO2 na atmosfera poderá ser inferior às observadas anteriormente, uma vez que sua absorção, pelo oceano Pacífico Tropical mais frio, poderá aumentar.

Aceitando a hipótese que o Pacífico e sua oscilação Decadal sejam um controlador importante do clima global, pode se arriscar a fazer as previsões qualitativas. Que se seguem. O clima global deve experimentar um resfriamento com a permanência da ODP em sua fase fria nos próximos 20 anos. O Brasil também deve sofrer mudanças climáticas. Em média, a amplitude térmica diária deve aumentar, com temperaturas máximas diárias maiores e mínimas diárias menores, em face do enfraquecimento do efeito-estufa pela redução da concentração de vapor d´água, o principal gás de efeito-estufa, na atmosfera global. Os invernos no Sul e Sudeste do País devem ser mais intensos, com aumento da freqüência de geadas, como observado nos 5 últimos anos já dentro da fase fria da ODP possivelmente. Os totais pluviométricos poderão se reduzir no País como um todo, pois uma atmosfera mais fria e mais seca é mais estável e produz menos chuva. Porém, os totais pluviométricos seriam mais bem distribuídos no ciclo anual e a freqüência de anos de secas severas no Nordeste e na Amazônia seria menor que entre 1976 e1998, devido à predominância de eventos La Niña no período atual que durará até 2025 aproximadamente. Finalmente, sugere-se aos estudiosos que, para pesquisa,  não usem os períodos adotados pela Organização Meteorológica Mundial (1931-60 e 1961-90) para cálculo das normais climáticas, pois essa procedimento pode mascarar as mudanças ou variabilidades climáticas naturais de prazo longo. Por exemplo, no período 1961-90 das últimas normais climáticas, 16 anos estiveram dentro da fase fria da ODP enquanto os 14 restantes dentro de sua fase quente, ou seja, praticamente meio-a-meio. Se os efeitos das duas fases sobre o clima forem contrários um ao outro, então ter-se-ia uma média perfeita no período, em que o estado do clima da primeira metade do período cancelaria o da segunda metade. E isso não dá informação sobre as tendências de longo prazo do clima, que não segue o calendário civil de maneira alguma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHRISTY, J and R. SPENCER, 2004. MSU Globally Averaged Atmospheric Temperature, Global Warming Debate continues…, em  http://www.ghcc. msfc.nasa. gov/MSU/msusci.html

JONES, P.D., M. NEW, D.E.PARKER, S.MARTIN and I.G.RIGOR, 1999. Surface air temperature and its changes over the past 150 years. Rev. Geophys. 37: 173-199.

MANTUA, N.J., S.R. HARE, Y. ZHANG, J.M. WALLACE, and R.C. FRANCIS 1997: A Pacific interdecadal climate oscillation with impacts on salmon production. Bulletin of the American Meteorological Society, 78, pp. 1069-1079.

MOLION, L.C.B. e S.O.O BERNARDO, 2002. Comparação de perdas de radiação de onda longa entre eventos El Niño e La Niña (não publicado)

WOLTER, K and M.S. TIMLIN, 1998: Measuring the strength of ENSO - how does 1997/98 rank? Weather, 53, 315-324, http://www.cdc.noaa.gov/people/klaus.wolter/MEI/mei.html

FIGURAS

FIGURA 1. Série temporal do Índice da Oscilação Decadal do Pacífico (Mantua et al, 1997)

http://tao.atmos.washington.edu/pdo/

FIGURA 2. Serie temporal do Índice Multivariado de El Niño-Oscilação Sul (Wolter e Timlin, 1998) http://www.cdc.noaa.gov/people/klaus.wolter/MEI/mei.html

 

 

FIGURA 3. Desvios de temperatura média global da troposfera obtidos pelo MSU a bordo de satélites (Christy e Spencer, 2004) http://www.ghcc. msfc.nasa. gov/MSU/msusci.html

FIGURA 4. Diferença entres os fluxos de radiação de onda longa emitida para o espaço exterior (ROLE) entre um ano de el Niño (1998) e um de La Niña (2000). Valores negativos (positivos) representam menor (maior) perda de ROLE (Molion e Bernardo, 2002)

FIGURA 5. Desvios da temperatura média global, com relação á média do período 1961-90, obtidos em estações meteorológicas de superfície (Jones et al., 1999).


http://geocities.yahoo.com.br/zuritageo

 

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