ACADEMIA   CAETITEENSE   DE   LETRAS
REVISTA  Selecta Acadêmica - Vol. 1
Jorge Araújo*
A CHUVA
        O tempo das águas já havia transformado a natureza. As serras, antes de um cinza feio e monótono, estavam cobertas com um manto verde. Aqui e ali, não raro, uma mancha roxa embelezava o cenário, denunciando a fertilidade dos ipês. Naquele ano, na pequena cidade, os esteios dos sinos da matriz cederam aos açoites das tempestades. Um estrondo inusitado despertou o povo. Segundo a lenda, todos os sinos caem por volta do segundo século. Duzentos anos era muito! Nem a vila tinha essa idade. No sertão, até os sinos acompanhavam a vida, que embora mais intensa, era mais breve. Aqueles sinos adolescentes já haviam anunciado muitas festas, solene e tristemente muitas despedidas. Desse caos nascera o ímpeto diocesano de consertar a velha igreja e recolocar os sinos nos seus lugares. Agora renascidos talvez pudessem atingir os dois séculos! E para não fugir a liturgia ouvia-se São João: "Em verdade vos digo, se o grão de trigo que cai na terra não morrer, fica infecundo, mas se morrer produz muito fruto!? Esse o mistério da morte do corpo, o segredo da transformação da vida, que ali se processava.

   Nos dias escuros e nublados a chuva ia emprenhando o chão seco. A cidade ficava impregnada com o cheiro dos vales molhados. Uma sedução, uma atração irresistível! Impossível não se apaixonar pela flor da terra! E essa paixão telúrica corroia os corações dos estudantes que sofriam de banzo na capital. Um dia, qual salmões enfeitiçados, voltariam ao antigo berço.

   Enquanto isso o broto de feijão catador assegurava a sobrevivência, renovando as esperanças. 
                                   
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Caetité, 21.12.00
*JORGE RIBEIRO ARAÚJO, médico, nasceu em Paramirim, Bahia, aos 23.12.56, ocupa a cadeira nº  02, João Antonio dos Santos Gumes.
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