"Os sonetos que formam este livro foram sentidos e escritos nas vésperas dos quarenta e dois anos de minha vida. A serenidade e a nota de profunda melancolia que neles se encontram podem emprestar-lhes o título de poesia de decadência. Não me incomodo por isso. Escrevi estes sonetos, como tudo o que tenho feito na vida, com a máxima sinceridade e sob o impulso de uma necessidade quase orgânica. Não foi por acaso que escolhi o metro decassilabo, mais apropriado à poesia espontânea e sentida, sem intenções épicas. Pouco se me dá que os papões da poesia impecável encontrem nos sonetos de A MÃO NEVADA E FRIA DA SAUDADE impurezas de métrica ou de linguagem. Nunca me incomodei com eles, nem com essas ridículas ninharias de hemistíquios machos e fêmeas, de sonetos parnasianos e clássicos. Para não fazer um gesto condenado pela decência, ponho a língua de fora, como fazem os meninos malcriados, para esses apóstolos do impecável. Não duvido existam versos quebrados e rimas pobres nestes sonetos, dedicados a vinte pessoas que são e foram minhas amigas. Tenho, porém, a satisfação de confessar que eles foram arrancados do fundo de mim mesmo; foram escritos como chegaram, sem que eu tivesse o cuidado ridículo de bater-lhes o pó da estrada longa por onde vieram. Basta. C. de J. L." |
Livro todo de sonetos, foi publicado pelas "Edições MAR", e neste release traremos, além de dois dos poemas nele contidos (dedicados a amigos do poeta), palavras do próprio autor sobre ele: |
Release |
CAMILLO DE JESUS LIMA: A MÃO NEVADA E FRIA DA SAUDADE |
Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 |
As palavras do poeta remetem-no a uma esfera cosmopolita, mesmo quando diz desafiar a crítica - àquele tempo ainda policialesca quanto às questões de rima, métrica, etc. Camillo era, no dizer de Jorge Amado, "provinciano" - e parece-nos que o comentário fez-se pequeno... afinal, um mestre da Poesia seria "provinciano" ao por "a língua de fora" aos puristas das capitais? |
I - A JESUS GOMES DOS SANTOS |
Crepúsculo da vida... sol no poente Restos de flores murchas no caminho... Doçura de lembrar, de estar sozinho, Tendo o cadáver do passado em frente. Sinto os olhos molhados de repente. Vida! bebi teu capitoso vinho. Dancei no teu maluco torvelinho Sangrei o coração a tanta gente... Agora, que a velhice bate à porta, Eu transformo o passado num soluço _Triste elegia para a vida morta. _ E essa doçura de lembrar me invade Se em teu violáceo altar eu me debruço. Minha pura madona da Saudade... |
X - A CASTELAR SAMPAIO |
Que mago uniu, por sortilégio ou encanto, Esse destino ao meu, essa alma aflita À minha alma que tem sofrido tanto, A debater-se em dúvida maldita? Sua bondade angélica, infinita, Cobre minha saudade com seu manto; Esse amor é a ansiedade que palpita Na angústia dos meus versos, do meu pranto. Se da vida nos íngremes caminhos, Ferem-me a carne pérfidos espinhos _Peregrino infeliz, pobre viajor _ As suas mãos piedosas, comovidas, Ao tocá-las, esparzem nas feridas Um perfume suavíssimo de flor. |