O falar "errado" de nossa gente ganha o meio intelectual, com a "porteira" aberta pelo genial Catulo da Paixão Cearense (a quem Camillo dedica a obra, junto a outros, como "aquela tabaroinha morena dos olhos de conta"). São "apenas" 4 poemas no livro, mas todos eles épicos, contando uma história com começo, meio, fim e, acima de tudo, o lirismo que apenas Camillo empresta às palavras... É mesmo um crime fracionar estes poemas, mas para ilustrar o presente release traremos algumas pérolas ali contidas, mesmo que para isto o colar precioso seja quebrado, como a viola de João Macambira... |
No ano de 1945 lança Camillo "Viola Quebrada", pela mesma editora "O Combate" de seus livros anteriores. Desta feita a ruptura total com as formas e métrica que a sua poesia vinha obedecendo cedem lugar ao verso solto, livre, musical, do cordel nordestino. |
Release |
CAMILLO DE JESUS LIMA: VIOLA QUEBRADA |
Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 |
VIOLA QUEBRADA |
(...)Da viola pra muié É pequena a deferença. Ancê óia, escuta e pensa. Eu juro, esta fala é franca: A viola tem cabelo Nas dez corda que ela tem. Tale quale uma muié, Ela tem braço também E tem cintura e tem anca. |
BANZANDO... |
A viola faz chorá E chora a hora qui qué. Tale quale uma muié, Derrete toda na mão Da pessoa qui qué bem. Só inziste duas cousa Qui ela tem e muié não: É qui a viola de pinho Tem alma e tem coração... |
_"Seu môço, qui é qui eu lhe fiz Pra vancê fazê assim? Rebentou minha viola Bateu vinte vez em mim. Qui é qui a pobre da inocente Fez de male, minha gente? Esse falso testemunho Mas quem foi que alevantou? Quem bate numa viola Não tá bem certo da bola: Bati ni Nosso Sinhô. |
Escuta, seu delegado, Escuta o qui eu vou falá: Anceis aqui não tem alma, A parti do maiorá. Quem pega numa viola Cum mão de raiva, zangado, Dá tapa in cara de mãe, Chama o pai de excomungado. |
(...) |
(texto completo) |
...apois num samba Essa cabôca malvada, Mais bonita e percurada Pelos caibra do arredó, Oiô pra mim e me falou, Toda vremeia, qui queria Ficá na minha companhia, Morá mais eu, sê minha só. No céu escuro as estrelinha me espiava A sanfona não parava. E eu, apertando, doido, as mão dessa cabôca, Machucando a frô da boca Da marvada, da bandida, Roubei um beijo, o mais cheiroso, O mais mió, o mais gostoso Qui eu já dei na minha vida... Deixei a roça e a viola. Si tremia O só marvado qui nem brasa, Dando a vorta do mei dia, Na sombra da gameleira Qui tem na frente lá de casa, (Pois só pode tê preguiça o home qui tem muié,) No colo dela eu me deitava E ela dengosa me agradava, Me catando cafuné. Mas porém ela, _ o pai e a mãe da farsidade, _ Rumou a trouxa e me deixou Quessa infeliz dessa sodade! Ah! pistiada de cabôca! Ah! miserave de muié! Antes eu nunca te beijasse nessa boca, Antes tu nunca me catasse cafuné! Antes tu nunca me botasse esse feitiço, Pai e mãe da farsidade, Mode eu ficá chorando, triste, depois disso, Com essa infeliz dessa sodade! |