Para o capitalismo, o lucro é o único objetivo e para atingir este fim, a capitalista indústria farmacêutica freqüentemente se utiliza de qualquer meio, inclusive influenciando o comportamento clínico de médicos que têm seus cursos, congressos e clínicas pagos pela mesma. Mas não é disso que se trata o tema do excelente filme O Jardineiro Fiel. Neste, a denúncia é feita sobre uma prática muito mais desumana e cruel: a utilização de seres humanos, povos inteiros, como cobaias involuntárias para o teste de medicamentos e da força da industria farmacêutica multinacional sobre a vida e a morte de milhões de pessoas, sem dó nem piedade.

O filme, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, é direto na apresentação da temática, embora os primeiros quinze minutos do filme pareçam –e apenas parecem – meio confusos, como confuso está o personagem Justin, um diplomata interpretado por Ralph Fiennes, com relação às atividades de sua esposa, Tessa, interpretada pela bela Rachel Weisz, uma ativista social que tenta impedir que sua luta contra a indústria farmacêutica chegue aos ouvidos do marido.

O Jardineiro Fiel retrata a miséria colossal da África de maneira angustiante: com uma fotografia granulada que dá ênfase às cores mais quentes, o visual concebido por Meirelles e por César Charlone é suficientemente realista para evitar qualquer tipo de confusão com relação ao que significa viver naquele universo – e os planos realizados com a câmera na mão nos levam a mergulhar ainda mais naquela tragédia social (além disso, o filme retrata o enorme abismo entre ricos e pobres ao mostrar, através de um único e elegante movimento de câmera, a proximidade geográfica entre um campo de golfe restrito aos milionários e a colossal favela localizada ao lado).

Para uma indústria que movimenta bilhões de dólares, informa a máfia de branco, estabelece critérios de ensino nas faculdades de Medicina, promove a ideologia neoliberal na área da saúde (veja o filme Sicko de Michael Moore) quanto vale uma vida humana? Para os grandes laboratórios farmacêuticos multinacionais, desenvolver e comercializar um remédio pode significar um investimento de milhões mas que é capaz de gerar um retorno muito maior. Deste modo, pela ganância não é incomum que medicamentos ainda não totalmente testados recebam o selo de aprovação dos órgãos reguladores e cheguem aos mercados. Tal como ocorre com grandes bancos, é prática comum manipular as estatísticas de pesquisas laboratoriais, cujo risco é menor do que gastar outros tantos milhões a fim de corrigir possíveis efeitos indesejados. Casos como o do Vioxx, da Talidomida, do Celebra e do Bextra são exemplos de que nem sempre os remédios que chegam às farmácias foram testados com o rigor necessário.

Porém, ainda mais assustador do que este fato é saber que, se há uma falta de controle adequado na aprovação dos medicamentos, a fiscalização torna-se ainda mais falha durante o período de testes – e é isto que descobre Tessa Quayle, a ativista interpretada por Rachel Weisz em O Jardineiro Fiel. Esposa de um diplomata britânico do segundo escalão lotado no Quênia, ela decide investigar os procedimentos escusos de uma companhia que está testando um remédio contra a tuberculose na população local. Suspeitando de que os habitantes mais miseráveis do país estão servindo como cobaias de um experimento sem a menor segurança, Tessa se une ao médico Arnold Bluhm (Koundé) para denunciar as ações da ThreeBees (a empresa responsável pelos testes) para as autoridades britânicas. Sua luta chega ao fim de forma trágica: quando o filme começa, somos informados de que a moça foi brutalmente assassinada e passamos a acompanhar a trajetória de seu marido, Justin (Fiennes), em busca dos responsáveis pelo crime.

O Jardineiro Fiel é, assim, um filme que se sai admiravelmente bem em diversos campos: é tenso como um bom thriller deve ser; comove como um ótimo drama; e, o mais importante, provoca discussão em função das denúncias que faz e da realidade trágica que retrata. É impossível, depois de assistir a este filme, ignorar o desastre social de um continente cuja população miserável é submetida a todo tipo de abuso: fome, doenças, genocídios promovidos por milícias compostas por psicopatas e, ainda por cima, a exploração sistemática por parte de empresas do primeiro mundo – que ainda se dão ao luxo de racionalizar suas ações com a justificativa doentia de que, de uma forma ou de outra, aquelas pessoas 'morreriam de todo jeito'.

O Jardineiro Fiel é um filme que faz refletir, servindo como uma vacina que contém poderosos anticorpos que ajudam no combate a corrupção de valores e práticas do capitalismo desumano na área de saúde. Imunize-se! Assista já!

 

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