Jesus
por
Carlos Antonio Fragoso Guimar�es
M�sica: Concerto para �rg�o, de Handel
A Mensagem do Cristo
Em dezembro de 1945, alguns fel�s (bedu�nos eg�pcios)
deslocavam-se com seus camelos por perto de um rochedo chamado Jabal al-Tarif,
que margeia o rio Nilo, no Alto Egito, n�o muito longe da moderna cidade de Nag
Hammadi. Eles estavam procurando um tipo de fertilizante natural na �rea,
chamado sabaque.
No sop� do Jabal al-Tarif come�aram a cavar em torno
de uma pedra que ca�ra no talude, e, sem esperarem, encontraram um jarro de
armazenagem com um recepiente selado na parte superior. Um dos fel�s, chamado
Muhammad Ali Samman, quebrou o jarro com uma picareta na esperan�a de encontrar
algo valioso, talv�z um pequeno tesouro. Deve ter ficado um tanto quanto
decepcionado ao ver que ao inv�s de ouro ou algum tipo de objeto de igual valor,
no jarro s� havia fragmentos de papiros.
Muhammad Ali Samman, sem querer ou se dar conta, havia
descoberto treze livros de papiro (c�dices), a que hoje chamamos de a
biblioteca copta de Nag Hammadi, dois anos antes de outra descoberta famosa,
a dos Manuscritos do Mar Morto, conjunto de documentos encontrados na
Palestina e que haviam pertencido a uma comunidade jud�ica que professavam uma
forma asc�tica diferente de juda�smo, conhecido como ess�nios. Por�m, apesar
destes �ltimos manuscritos terem tido maior divulga��o, serem mais famosos e
terem sido avlos de debates, os primeiros possuem, todavia, car�ter muito mais
revolucion�rio, em especial por estarem ligados diretamente ao
cristianismo.
Al�m de outras obras valiosas, entre estes papiros
estava algo muito interessante: o chamado Evangelho de Tom�, que � uma
colet�nea de senten�as de Jesus que teriam sido compiladas, segundo a primeira
frase deste Evangelho, por Judas Tom�, O G�meo.
Antes desta descoberta excepcional, os estudiosos dos
evangelhos j� tinham algumas refer�ncias dos pais da Igreja referentes a um
documento denominado Evangelho de Tom� (ou de Tom�s). Por�m, o conte�do deste
documento punha em xeque alguns posicionamentos dogm�ticos da Igreja. Cirilo de
Jerusal�m, em suas Catequeses 6.31 afirmava que o Tom� que escreveu este
Evangelho n�o era um seguidor de Jesus, mas um maniqueu - um manique�sta,
portanto, seguidor gn�stico e m�stico de Mani, mestre her�tico do s�culo
III. S� que, atualmente, � quase consenso de que o texto de Nag Hammadi
foi bem escrito antes do movimento manique�sta ter vindo � lume e, ainda mais,
tudo indica que a c�pia copta deste evangelho se baseia em um texto ainda mais
antigo, provavelmente escrito em grego e/ou aramaico, a l�ngua falada por
Cristo. Al�m dos testemunhos dos chamados padres da Igreja, temos fragmentos de
tr�s papiros gregos - encontrados num monte de lixo em Oxirronco, atual Behnesa,
no Egito -, publicados em 1897, e que cont�m senten�as de Jesus quase id�nticas
aos encontrados no Evangelho de Tom� de Nag Hammadi, escrito em l�ngua copta.
Estes fragmentos de papiros eram, portanto, representantes ou c�pias de edi��es
em grego do Evangelho de Tom�.
Ao contr�rio dos outros evangelhos conhecidos, quer
sejam can�nicos ou ap�crifos, o Evangelho de Tom� n�o exp�e em nada narrativas
sobre a vida de Jesus de Nazar�, mas at�m-se especificamente �s senten�as que
teriam sido proferidas por Jesus a seus disc�pulos. Entre elas, destaco as que
se seguem:
Jesus disse: "Se seus l�deres vos dizem: 'Vejam, o Reino est� no
c�u', ent�o saibam que os p�ssaros do c�u os preceder�o, pois j� vivem no c�u.
Se lhes disserem: 'Est� no mar, ent�o o peixe os preceder� pelo mesmo motivo.
Antes, descubram que o Reino est� dentro de voc�s, e tamb�m fora de voc�s.
Apenas quando voc�s se conhecerem, poder�o ser conhecidos, e ent�o compreender�o
que todos voc�s s�o filhos do Pai vivo. Mas se voc�s n�o se conhecerem a si
mesmos, ent�o voc�s vivem na pobreza e s�o a pobreza".
Evangelho de Tom�, logion 3.
Perguntaram-lhe os disc�pulos:
"Quando vir� o Reino?" Jesus respondeu: "N�o � pelo fato de algu�m estar � sua
espera que o ver� chegar. Nem ser� poss�vel dizer: Est� ali, ou est� aqui. O
Reino do Pai est� espalhado por toda a terra e os homens n�o o
v�em".
Evangelho de Tom�, logion 113
Jesus disse: "Eu sou
como a luz que est� sobre todos. Eu sou o Todo: o Todo saiu de mim e o Todo
retornou a mim. Rachem um peda�o de madeira: l� estou eu; levantem a pedra e me
encontrar�o ali".
Evangelho de Tom�, logion
77.
Passagens semelhantes a estas, ao menos no
conte�do que expressam, podem ser encontradas nos Evangelhos Can�nicos, ou seja,
nos Evangelhos reconhecidos pela Igreja, apesar do grande n�mero de
manipula��es, enxertos e cortes pelos quais estes textos reconhecidamente
passaram para se adaptar aos interesses que a Igreja, como institui��o, passou a
compor desde que Constatino a reconheceu como Institui��o Oficial (sobre a quest�o das tradu��es e distor��es dos textos b�blicos, ver o livro do Professor Severino Celestino, da UFPB, intitulado Analisando as Tradu��es B�blicas, Editora Id�ia, Jo�o Pessoa. O professor Celestino aprendeu grego e hebr�ico e teve a acessoria de rabinos e exegetas crist�os para apontar as distor��es "oficiosas" dos textos ditos sagrados. Ver tamb�m o volume I da s�rie Ap�crifos - Os proscritos da B�blia organizado por Maria Helena de Oliveira Tricca, editora Mercuryo, S�o Paulo).
Podemos
encontrar exemplos, como em Lucas 19,20, e que expressam a id�ia de Reino de
Deus n�o como um evento ou local espacial ou temporalmente determinado, mas uma
conquista do esp�rito ou mesmo uma tomada de consci�ncia de que, sem que se
perceba, o Reino j� existe dentro do homem, n�o sendo extrinsecamente necess�rio
a presen�a de intermedi�rios institucionais, ou doutores teol�gicos, que se
arvorem na presun��o de fazer a liga��o entre Deus e o homem, ou a dizer onde
est� a entrada para um exo-Para�so que as Igrejas fizeram cada vez mais longe do
homem:
Havendo-lhe perguntado os fariseus quando chegaria o Reino de
Deus, lhes respondeu Jesus: "- O Reino de Deus vem sem se deixar sentir. E n�o
dir�o: '- Vede-o aqui ou ali, porque o Reino de Deus j� est� dentro de v�s'
"
� not�vel a semelhan�a entre o
conte�do destas senten�a de Jesus com a m�xima adotada por S�crates, e que
foi emprestada do p�rtico do Templo de Apolo, em Delfos: "Homem, conhece-te a ti
mesmo e conhecer�s o universo". De igual forma, outro grande mestre do esp�rito
humano, Buda, dizia que s� o conhecimento de si levava � ilumina��o, do mesmo
modo que L�o-Ts�
dizia que apenas o conhecimento da ordem dentro de si levava � compreens�o do
Tao, do aspecto transcendente que a tudo engloba e vivifica. Da mesma
forma, os �rficos
falavam do processo evolutivo como uma tomada de consci�ncia de que somos
deuses por sermos filhos de Deus. Apenas n�o temos nem a percep��o, nem a
consci�ncia disto.
Segundo Stephen Mitchell, cujo
livro "O Evangelho Segundo Jesus" recomendo, quando Jesus falava do Reino de
Deus, ele de fato n�o estava dizendo ou profetizando um evento que acontecer� de
repente e nem uma perfei��o f�cil e livre de perigos, como interpretaram ao seu
bel-prazer alguns doutores da teologia, ou como ainda o fazem alguns l�deres de
religi�es institucionalizadas, retirando a �nfase no presente e pondo-a num
futuro sempre mais ou menos distante. Ele estava falando de um estado de
esp�rito que, ao se fazer presente, muda o modo como o homem se comporta com
seu semelhante, como fica bem demonstrado em muitas de suas par�bolas, como, por
exemplo, a da mulher que perde uma moeda e revira a casa inteira em sua busca e,
quando a acha, sai a correr chamando os vizinhos e dizendo: alegrem-se comigo,
pois achei a moeda que havia perdido. Ela encontrou algo aparentemente muito
simples, algo que sempre esteve bem perto
dela...
Este estado de esp�rito pode ser t�o
simples e po�tico quanto a revoada de p�ssaros no c�u ou os l�rios no campo. Ele
n�o est� fora, mas fora e dentro de n�s. Tudo est� ligado a tudo. O homem � um
ser que depende da natureza e de outros homens para sobreviver. Tudo � um e
temos de passar por v�rias etapas para adquirir a consci�ncia disto:"Na casa
de meu Pai h� muitas moradas". Enfim, o Reino � o reconhecimento no cora��o
de que todos somos filhos de um mesmo Pai, portanto, irm�os e irm�s, cada um
refletindo o pr�prio Deus, portanto, a maior alegria � conviver com Deus que se
reflete na presen�a do irm�o. Por isso a cr�tica de Cristo � hipocrisia dos pretensos Doutores da Lei, que provavam claramente nada compreenderem (no sentido profundo e vivencial) a mensagem do Deus Pai, pois rejubilivam-se em se diferenciar dos "leigos" e determinar bem esta separa��o pela vida de luxo e opul�ncia, ou ao menos de distin��o social, que traz o poder. Eles eram (ou melhor, consideravam-se) o elo de liga��o entre Deus e seu povo. Jesus demonstrava a infantilidade desta distin��o na pr�tica e de v�rias
formas, em especial durante as refei��es, j� que ele fazia quest�o de unir na
mesma mesa tanto os s�bios e Doutores da Lei, quanto gente simples, publicanos,
pecadores e pessoas socialmente consideradas
impuras. Ademais, no Serm�o da Montanha, Jesus deixa claro que n�o � necess�rio se postar de p�, em atitude pretensamente pia, para entrar em contato com Deus, nem se por nos primeiros lugares das sinagogas (e Igrejas, poder�amso dizer hoje). Basta se isolar em seu quato e, fechada a porta, entrar em contato com Deus e Este, que sabe o que se passa no �ntimo, dar� o necess�rio ao esp�rito.
Todos nascemos, por�m com grau vari�vel de
pessoa para pessoa, com um pouco da percep��o feliz deste Reino e a mantemos
enquanto a cultura - o meio -, ou melhor, a cultura montada tendo em vista divis�es de classe ajuda a retirar de n�s a tend�ncia natural �
afetividade, corrompendo-nos. "Se vos fizerdes como uma crian�a, entrar�s
no Reino dos C�us". Os que se envolvem em demasia com as preocupa��es materiais
t�m certa dificuldade em entrar neste estado de esp�rito, pois s�o possu�dos por
suas posses que exigem um esfor�o consider�vel para serem mantidas e est�o t�o
encarcerados em seus poderes e em sua fantasia social, que, para eles, � quase
imposs�vel desapegarem-se delas e terem a liberdade de SEREM longe do peso de
demonstrar APARENTAR O TER.
"N�o que seja f�cil para qualquer um de
n�s. " Escreve Stephen Mitchell. "Mas, se precisarmos avivar a mem�ria,
sempre poderemos nos sentar ao p� de nossas criancinhas. Elas, como ainda n�o
desenvolveram uma no��o muito firme do passado e do futuro, sabem aceitar de
peito aberto e com plena confian�a a infinita abund�ncia do presente". Para
elas, o tempo corre de forma diferente que para o adulto, e isso se d� porque a alma se maravilha com a observa��o do mundo natural, e n�o est� ainda enclausurada em normas, conven��es e imposi��es que secam a sensilidade dos adultos, ou seja, ainda n�o comeram do fruto do "conhecimento do bem e do mal" e se mant�m em certo sentido no Jardim do �dem.
Nossa realidade
� moldada pelas nossas cren�as. Normalmente vemos aquilo que esperamos ver e
outras coisas escapam simplesmente ao nosso olhar por n�o levarmos outras
possibilidades em considera��o. Se tememos ao rel�gio, se nos apegamos ao
passado e se nos apavoramos com o futuro, nunca poderemos viver o presente. De
certa forma, entrar no Reino de Deus significa sentir que existe
algo que cuida de n�s a cada instante, da mesma forma como alimenta as
aves do c�u e veste os l�rios do campo, com infinito amor. Algo que Jesus
chamava de Abba - Papai. Um pai bem diferente do patriarcal e vingativo
Deus dos Ex�rcitos do Antigo Testamento, ainda muito presente em algumas das
igrejas crist�s atuais. Talvez Abba seja uma maneira carinhosa de Jesus
de se referir a um Deus Pai-M�e... "Qual de v�s, se vosso filho vos
pedir p�o, lhe dar� uma serpente, ou um escopi�o se vos pedir peixe? Pois se
v�s, que sois imperfeitos sabeis o que dar de bom para vossos filhos, quanto mas
vosso Pai, que est� nos c�us!"
Todos os Mestres da humanidade, em
todas as �pocas e lugares, sempre apontaram para a necessidade de voltarmos a
viver o presente como �nica realidade concreta da alma no mundo: "N�o vos
preocupeis com o dia de amanh�, pois a cada dia basta a sua pr�pria
preocupa��o....", disse Jesus.
As passagens do
Evangelho em que Jesus fala de um Reino dos C�us no futuro n�o podem ser
aut�nticas transcri��es do pensamento do Cristo, e sim interpreta��es de pessoas
ainda muito ligadas ao pensamento jud�ico da �poca, a n�o ser, como fala Stephen
Mitchell, que Jesus tivesse dupla personalidade, como se fossem torneiras de
�gua quente e fria. O problema � que Jesus usava uma linguagem figurada, mais pr�xima do imagin�rio m�tico que da raz�o discursiva,
freq�entemente composta por imagens fortes, mais prop�cias a impressionar a
mente simples do povo igualmente simples que o ouvia, fazendo-os refletir seus
atos de cada dia. Esta forma de discurso soa esquisita para n�s, hoje. Estas palavras, contudo, podiam ser interpretadas de modo t�o
diferente -e, por isso, apropriadamente - quanto o n�mero de ouvidos que as ouviam.
O
que chegou � n�s, em formas de textos evang�licos, n�o s�o mais do que
interpreta��es sobre os dizeres do Cristo feito por disc�pulos. Algumas
passagens s�o t�o opostas � doce doutrina de amor e compreens�o de Jesus que
dificilmente n�o nos deixam de chocar. Estas est�o muito impregnadas de um
esp�rito de vingan�a e de uma agressividade apocal�ptica de mesmo aspecto como
encontrado nos textos dos profetas do Antigo Testamento, e cabem muito bem aos
judeus que vivenciaram os terr�veis acontecimentos da Revolta Jud�ica do ano 66
d. C. que terminaria com a destrui��o de Jerusal�m pelos romanos e com a
dispers�o dos judeus por todo o mundo. Cristo desejava mudan�as sociais sim, e foi sua proposta radical de um socialismo real que lhe custou a vida ap�s sua a��o contra os cambistas do Templo, mas mais que mera cr�tica o que ele queria era que a transforma��o partisse
a partir da mudan�a �ntima das pessoas que encontrasse a intui��o, em si, de que todos
s�o filhos de Deus e, portanto, que todas as demais criaturas s�o irm�os e irm�s
que merecem respeito. Estas passagens de um reino externo por vir, muito
provavelmente, poderiam ter sido inseridas no Evangelho por disc�pulos que
interpretaram os acontecimentos como um in�cio da materializa��o do Reino que
Jesus pregava, sem atinarem que este Reino � de uma profunidade maior do eles
pensavam. Eles viveram estes acontecimentos e tentaram ver neles uma
concretiza��o da mudan�a social que Jesus aspirava a implantar na Terra, ou
ainda, por interpreta��es feitas por disc�pulos de disc�pulos. J� que Jesus n�o
deixou nada escrito, tudo o que dele sabemos � de segunda ou terceira m�o, sendo
o primeiro evangelho sin�tico, o de Marcos, sido escrito provavelmente por volta
do ano 60, ainda que baseado - segundo experts - em um texto anterior, chamado
de quelle - fonte, em alem�o, e que muitos pensam estar contido em grande
parte no Evangelho de Tom�. Fora isso, a dist�ncia ajudou a acomodar os ensinos
de Cristo ao que viviam seus seguidores (veja a Home Page O Cristianismo depois
de Jesus).
Estes disc�pulos ainda estavam
cheios da tradi��o jud�ica. Passagens que falam do Reino de Deus como algo que
vir� no futuro existem aos borbot�es nos profetas e nos escritos apocal�pticos
jud�icos redigidos sob o jugo romano dos primeiros s�culos de nossa era, bem
como na maioria dos textos geralmente muito partiarcais e calcados mais na figura mitologizada de Jesus que em sua mensagem, atribu�dos a Paulo pela
Igreja primitiva. Elas s�o repletas de uma esperan�a passional, exclusivista, e,
como apontou Nietzsche, de um amargurado ressentimento contra "eles" (os
poderosos pol�ticos e econ�micos, os �mpios), sem questionar o porqu� que leva � exist�ncia da divis�o de classes e a figura do explorador social. Certamente, a mensagem original acabou por ser reduzida �s interpreta��es mais concordes com a mentalidade m�dia. Mas tudo isso � fruto de uma
interpreta��o intelectual e passional das reformas sociais propostas por Jesus,
que, em toda a sua vida, aboliu todo tipo de distin��o de castas e de origens,
devido � sua consci�ncia de irmandade entre todos. Os disc�pulos dos disc�pulos
tiveram uma no��o apenas intelectual disto e n�o da viv�ncia do estado de
esp�rito ou da consci�ncia
c�smica vivenciada por Jesus. Uma viv�ncia que foi plenamente vivida por um
Francisco de Assis ou por um Mahatman Gandhi, e que � profundamente
revolucion�ria, na verdade t�o revolucion�ria que seus propositores impreterivelmente s�o assassinados.
Stephen Mitchell fala, com muita propriedade, que o Reino
de Deus "n�o � algo que ir� acontecer, porque n�o � algo que, temporalmente
falando, possa acontecer. N�o pode surgir num mundo" como se fosse uma
invas�o externa - "O meu Reino n�o � deste mundo" - "� uma condi��o que
n�o tem plural, mas apenas infinitos singulares. Jesus falava das pessoas
'entrando' no Reino, e que as crian�as j� estavam nele (...). Se pararmos de
olhar para frente e para tr�s, foi o que ele nos disse, poderemos nos dedicar a
buscar o Reino que est� bem debaixo de nosso p�s, bem diante de nosso nariz; e,
quando o encotrarmos, alimentos, roupas e outras coisas necess�rias tamb�m nos
ser�o dados, tal como o s�o �s aves e aos l�rios. (...) Este reino � como um
tesouro enterrado num campo que � nossa alma; � como uma p�rola de grande valor;
� como voltar para casa. Quando o encontramos, encontramos a n�s mesmos,
tornamo-nos donos de uma riqueza infinita (...)", � por isto que todos os
m�sticos falam em perderem-se em Deus. "Eu e o Pai somo um", pois nossa
personalidade � apenas uma m�scara mut�vel, mas o self, como diria Jung, � a parte mais
pr�xima do divino, em n�s. Vivenciando o Deus que h� em n�s, poderemos
reconehcer o Deus que h� no outro e, assim, poderemos viver, naturalmente,
devido � nosso grau de consci�ncia, a Liberdade, a Igualdade e a
Fraternidade.
O verdairo Jesus � o Jesus do Serm�o da Montanha, o
Jesus entre as crian�as, o Jesus que admitia mulheres, publicanos e leprosos
entre seus seguidores, um homem que se esvaziou dos desejos mundanos comuns,
esvaziou-se de doutrinas e regras - todos os in�teis aparatos intelectuais - e
se deixou preencher pela vida, como o demonstram as suas par�bolas, onde o reino
� o campo, � a festa de n�pcias, � a rede lan�ada ao mar... Porque se desapegou
de tudo o que � eg�ico e passou a sentir o TODO - o Tao, como diria Lao-Ts� -,
ele deixou de ser meramente algu�m, para ser tamb�m todos, todo o mundo:
"Tudo isso que fizeres a um destes pequeninos, fareis a mim". Porque
admitiu Deus em s�, sua personalidade � como um �m� que atrai a todos. Quanto
mais se aproximam dele, mais sentem a pureza de seu cora��o. Um cora��o que �
como um quarto claro e espa�oso: "Vinde a mim todos v�is que estais aflitos e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei". As pessoas ou as possibilidades abrem
a porta e entram. O quarto recebe a todas o tempo que quiserem, sem impor regras
al�m da do amor. � bem diferente de um cora��o cheio de pertences, de cren�as e
de certezas, cujo dono senta-se atr�s da porta trancada com uma arma em punho,
como o fazem as Igrejas de todas as denomina��es.
Jesus tamb�m reconhecia
as verdades espirituais que foram ditas pelos outros Grandes Mestres da
humanidade, em todas as �pocas. � assim que se explica as grandes similaridades
entre seus ensinamentos e os de Buda, por exemplo, que
nasceu mais de 500 anos antes de Cristo.
Jesus enfatizava a import�ncia
da evolu��o e da transforma��o pessoal: "N�o te maravilhes de eu ter dito:
Necess�rio vos � nascer de novo (Jo�o, 3. 3-7)". Reconhecia a imortalidade
da alma: "De fato, Elias h� de vir e restabeler todas as coisas. Eu por�m vos
digo: Elias j� veio e fizeram dele o que quiseram! E os disc�pulos compreenderam
que era de Jo�o Batista de quem ele falava" (Mateus, 17, 11-13; Marcos, 9,
11-13). Bem, como Elias n�o voltou numa carruagem celeste ao tempo de Jesus,
e como "os disc�pulos compreenderam que era de Jo�o Batista de quem ele lhes
falava", Elias e Jo�o t�m de ser a mesma pessoa... Ora, todos
conheciam a hist�ria do nascimento de Jo�o - ali�s, o anjo que aparece a
Zacarias diz que o menino "ir� adiante do Senhor no esp�rito e no poder de
Elias (Lucas, 1. 17)".
Sendo assim, a �nica possibilidade real de
Elias ter retornado � terra como Jo�o era a de que ele reencarnou como
Jo�o, conhecido como O Batista, primo de Jesus... Esta id�ia na reencarna��o,
conhecida ao tempo e na regi�o de Jesus com o nome confuso de
ressurrei��o (Mateus, 16.13-15), era familiar a in�meros sistemas
filos�ficos da era helen�stica, e � encontrado em Pit�goras, S�crates e Plat�o,
sendo retomado por Am�nio Sacas e por seu disc�pulo Plotino e, j� na era crist�,
por Or�genes de
Alexandria, um dos pais da Igreja. Esta cren�a permaneceu mais ou menos
atuante durante os primeiros s�culos do cristianismo at� que os interesses
temporais e pol�ticos a tornaram numa cren�a her�tica. Cristo tamb�m solapou a
proibi��o de Mois�s de n�o invocar os mortos, pois sabemos de seu encontro
vis�vel com dois mortos (Mateus, 17. 14-21; Lucas 9. 37-43) - o pr�prio
Mois�s, e Elias (Jo�o j� havia sido degolado a esta �poca) -, no fen�meno da
transfigura��o, isso sem falar nas apari��es p�stumas durante os quarenta dias
ap�s a cruxifica��o, j� que Cristo podia aparecer e desaparecer de repente,
tanto em Ema�s ("ent�o se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele
desapareceu da presen�a deles." Lucas, 24, 31), como em Jerusal�m "estando
as portas fechadas" ("Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana,
estando trancadas as portas da casa onde estavam os disc�pulos com medo dos
judeus, veio Jesus, p�s-se no meio e disselhes: Paz seja convosco! Jo�o, 20,
19; "Finalmente apareceu Jesus aos onze, quando estavam em casa..."
Marcos, 16,14). Tal fen�meno se explica perfeitamente pelo processo da
materializa��o do nobre e poderoso esp�rito de Jesus. � interessante notar,
nesse ponto, o comportamento de algumas seitas de base fundamentalista que
aceitam tudo ao p� da letra que est� escrito na B�blia mas, quando chegam nestas
partes dos Evangelhos, INTERPRETAM o que est� escrito da forma que mais
lhes convenha para negar a realidade destes fatos, isso quando n�o invocam o
suposto ser que acaba por se tranformar em seu maior aliado em quest�es que os
embara�am, ou seja, o "dem�nio", para dizer que est�o errados os outros, os que
aceitam a reencarna��o ou a vida ap�s a morte e que est�o possuidos do esp�rito
do mal, e n�o eles, detentores de todo o saber sobre o absoluto.... "Ai de
v�s, doutores da lei..." pois est�o plenos de orgulho, e s�o como "Cegos
a guiar outros cegos".
Enfim, ainda citando Mitchell, Jesus foi o
maior exemplo de qu�o longe pode o homem chegar. Ele soube viver plenamente
entre os dois mundos: o material e o espiritual. Soube dar a C�sar o que � de
C�sar e a Deus o que � de Deus. Ele foi uma �rvore. Como fala Mitchell, a �rvore
n�o tenta arrancar da terra as suas ra�zes e plantar-se no c�u, nem tampouco
estende suas folhas para baixo, junto � lama. Ela precisa tanto do solo quanto
da luz, e sabe a dire��o de cada coisa. Exatamente porque enterra as suas ra�zes
na terra escura, � que pode sutentar suas folhas no alto para receber a luz do
sol... � pena que Jesus de Nazar� seja frequentemente incompreentendido pelos
Crist�os.
Bibliografia sugerida
Da Silva, Severino Celestino. "Analisando as Tradu��es B�blicas", editora Id�ia, Jo�o Pessoa, 1999.
Mateus, Marcos, Lucas e Jo�o. "O Novo Testamento : Os 4 Evangelhos",
diversas editoras.
Meyer, Marvin. "O Evangelho de Tom�". Ed. Imago, Cole��o
Bereshit, Rio de Janeiro, 1993.
Miranda, Herm�nio Correia. "O Evangelho de Tom� - Texto e
Contexto". Ed. Arte e Cultura, Niter�i, 1992.
Miranda, Herm�nio Correia. "O Evangelho Gn�stico de Tom�".
Publica��es Lachatre, Niter�i, 1995.
Mitchell, Stephen. "O Evangelho Segundo Jesus". Ed. Imago,
Cole��o Bereshit, Rio de Janeiro, 1994.
Ben�tez, J.J. "Opera��o Cavalo de Tr�ia" Editora Mercuryo, S�o
Paulo, 1988.
Leloup, Jean-Yves. "O Evangelho de Tom�". Editora Vozes,
Petr�polis, 1998.
Tricca, Maria Helena de Oliveira (Org.) "Ap�crifos - Os Proscritos da
B�blia". Editora Mercuryo, S�o Paulo, 1989.
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Voc� � o visitante de n�mero
Jo�o Pessoa, 29/12/1996
Revisto em 30/01/2003
Copyright (C) 1996 by Carlos Guimar�es