O documentário mais recente e bem aceito de Michael Moore - após seus trabalhos Tiros em Columbine, Roger e Eu e Farenheit 9/11 - faz uma biópsia perfeita em uma
área doentia na América.
Desta vez o foco é o Sistema Nacional de Saúde
Norte-Americano, sistema este submetido não às regras de um sistema de governo voltado ao
bem social do povo americano, mas ao bem financeiro das Seguradoras de Saúde e da poderosa
Indústria Farmacêutica. Michael Moore investiga
inteligentemente as origens e conseqüências do sistema aprovado por Richard Nixon
mas totalmente baseado em lobbies das seguradores e
grandes laboratórios farmacêuticos, há quarenta anos.
Para
os desavisados espectadores da Rede Globo que pensem que talvez o assunto não
tenha interesse, é bom lembrar que – inicialmente com os militares, mas
principalmente com o neoliberalismo de Collor e FHC – o governo brasileiro, e
boa parte da elite médica - ironicamente, formados em Universidades Federais ou Estaduais Públicas pagas pelo povo que depois é desprezado por parte dos médicos - do país, espelham-se no modelo americano, diminuindo
os investimentos e desacreditandoo os sistemas públicos de saúde para incentivar e propegar o sistema privado, com parafernálias
técnicas e contas impossíveis de serem pagas pela maior parte da população.
Michel Moore utiliza da câmera e do microfone como um bisturi
eficazmente usado ao desvelar os tecidos que encobrem a
perversidade deste sistema de saúde, assentado no total controle privado das
seguradoras de saúde e da indústria farmacêutica. Como podem ser eficazes e para todos os
hospitais privados se o acesso aos cuidados médicos se assenta numa visão
economicista, de busca de lucro a todo custo e em que os cidadãos necessitam de
ter seguros de saúde para poderem pagar as contas astronômicas, onde as
seguradoras têm por fim o lucro e não o auxílio?
No
documentário, vemos que a gênese do atual Sistema Nacional de Saúde Americano
esteve nas mãos do republicano presidente Nixon, mais conhecido pelo escândalo Watergate, escândaldo provavelmente ocorrido antes que ele
prejudicasse ainda mais o povo que o elegeu. Podemos ouvir a gravação de uma
conversa telefónica de Nixon com os seus conselheiros
(que até concluem que a idéia era má para os americanos, mas excelentes para as
seguradoras de saúde) e a conferência de imprensa que se segue (onde exalta o
novo Sistema Nacional de Saúde de 1973). A inevitável e bem-vinda parte cômica do documentário, ou
parcela dela, mais uma vez fica a cargo do presidente George W. Bush e suas
pérolas político-fantasistas.
As HMO (Health Maintenance
Organizations) são seguradoras dedicadas ao negócio
da Saúde. Têm médicos e hospitais contratados, aos quais recorrem os seus
segurados. Mas, como em qualquer negócio de seguros, a indústria dos cuidados
médicos prospera na ordem inversa do número de tratamentos que paga àqueles que
devia proteger. Tem, assim, equipes inteiras com o objetivo de recusar o
pagamento de tratamentos, sendo recompensados os funcionários que rejeitarem o
maior número de pedidos de doentes. E é assim a América, onde 250 milhões
pessoas pagam caros seguros e planos de saúde e podem, mesmo assim, ficar sem tratamento.
Mas Michael Moore vai além dos EUA
para apontar a hipocrisia da sua “democracia”. Depois de apontar o dedo ao que
está mal em sua terra, vai investigar outros países, para ver se não há um
método melhor. Começa, obviamente, pelo Canadá, tão perto dos EUA e completamente
diferente. Aí, a saúde é de graça para a população, e nem por isso a fatia dos
impostos os deixa na bancarrota. Concorrem também ao título de exemplo as organizações de
saúde britânica e francesa, também gratuitas, como o apoio do Estado na
Saúde, subsídios de doença e o tempo que quem precisa tem de baixa (pós-parto e
pós-operatório geral). Por fim, Moore dá o seu golpe de misericódia,
levando três heróis do 11 de Setembro a Cuba, onde, após serem desprezados pela base de Guantânamo, são tratados sem quaisquer
custos pelo governo socialista de Castro e quando nos EUA não podiam comportar as despesas de saúde por não haver comparticipação das suas seguradoras (um inalador que custa
centenas de dólares nos EUA, em Cuba custa 5 cêntimos
numa farmácia). Por conta desta ousadia de Moore, a vingança do governo Bush não se demorou a fazer sentir e o diretor está agora respondendo a processo por ter violado o embargo dos EUA a Cuba, transportando "ilegalmente" os heróis do 11 de setembro que o próprio governo abandonou para serem tratados humanamente na ilha de Fidel Castro
Michael Moore não apresenta
soluções diretas para a América, mas deixa bem claro o exemplo do Canadá, da
França, da Inglaterra e – pasmem os desavisados e ignorantes – de Cuba! Também mostra como os políticos aparentemente
mais inteligentes da América podem ser comprados pela indústria, como no caso
de Hillary Clinton que passou de uma militante pela saúde socializada para uma
senadora com apoio de seguradoras da área da Saúde. Como os americanos rejeitam
a solução de um sistema de saúde socializado, dizendo que ser anti-americano, porque obriga que
uns paguem pelos outros, o ex ministro inglês Tony Benn
contrapõe o “EU” americano com a eficácia do “NÓS”: a palavra chave é,
obviamente, solidariedade.
Irônico até quando é altruísta, Moore pagou anonimamente o caríssimo tratamento ao câncer da esposa
de um dos seus mais violentos opositores na Internet (cujo custo não coberto pelo governo que tanto defendia obrigou a
fechar o seu site anti-Michael Moore), apenas para
ironizar o fato de que seus críticos são vítimas do próprio sistema neoliberal que defendem. Claro, o "inimigo" de Moore, sem saber de quem recebeu o dinheiro deve ter achado que foi uma
bênção caída do Céu da Democracia Americana.