Capitalismo, O Sepulcro Caiado, 2ª Parte

    A ordem natural das coisas, portanto, segundos os neoliberais, é o império do capitalismo, tendo como sede a potência do Norte. Sendo assim, já não é preciso mais da História enquanto processo humano de busca de uma sociedade mais justa, pois a História acabou, como gritou - e a "isenta" Revista Veja tanto badalou - o nipo-americano Francis Fukuyama: a luta determinou um vencedor entre  o capital e o social. Ao vencedor, portanto, toda a honra e toda a glória, bem como a apropriação dos despojos do vencido: sem a ameça marxista a barrar nossa ânsia, vamos transformar todo o planeta em um grande mercado global onde  o que deve ou não ser consumido possa ser estabelecido pelas grandes multinacionais, impreterivelmente em sua maioria com sede ou origem nos Estados Unidos. E se existem forças contrárias ou questionadoras, a lucrativa indústria da guerra pode dar uma mãozinha ao retorno da ordem e do progresso apropriados.

    Como diz o jornalista e escritor Arnaldo Antunes analisando o livro "A Vingança da História" de Emir Sader, em artigo para o jornal O Globo em 27 de setembro de 2003:

    1989: Fim da União Soviética.

    “There is no alternative”... esta foi a máxima de Thatcher, repetida por Gorbatchov, que parecia enfim se realizar. A apologética de Fukuyama também parecia finalizar-se: o admirável mundo do mercado, enfim, tornava-se o fim (máximo) da História.

   1999: a batalha de Seattle, nos EUA, mostrava um outro mundo em ebulição. No coração do mercado mundial, os americanos se rebelavam. Seguiram-se confrontos em Nice, Praga, Gênova, Florença, os encontros do Fórum Social Mundial. Dois anos depois, desmoronavam as torres do WTC. Não contavam, os apologetas, com aquilo que diz a letra de um mestre de nossa música popular, quando lembra que a vingança é a herança maior que meu pai me deixou. E, quando se trata de História, ela tem sido impiedosa.

    Mas e os atentados de 11 de setembro? Os Estados Unidos não foram vítimas inocentes? Vejamos este artigo de Paulo Paniago, sobre o extraordinário livro "11 de Setembro" do intelectual norte-amiricano LÚCIDO (algo bastante raro nso EUA dos dias de hoje) Noam Chomsky:

   Correio Braziliense / Data: 08/09/2002

    Contra o silêncio obediente

    Voz dissidente no contexto da própria América do Norte, o lingüista Noam Chomsky foi dos primeiros — e o mais contundente — intelectuais a se posicionar quanto aos atentados

    Paulo Paniago

   Não bastasse os aviões a eliminar as torres da linha do horizonte, os Estados Unidos se viram obrigados a lidar com um efeito colateral nada palatável e de longa duração. Enquanto a população exacerbou depois dos atentados o patriotismo, de resto canhestro, o governo enfrentou críticas, não menos exacerbadas e internas — mas de larga repercussão no exterior —, de Noam Chomsky.

    Se alguém tinha capacidade de compreender o que se passava com o país, de um ponto de vista crítico e, ainda melhor, sem poder ser acusado de rancoroso, esse alguém era e continua a ser Chomsky. E, de fato, ele mostrou que intelectual não deve, mesmo, ficar encastelado na universidade. O resultado foi o livro com o nome direto: 11 de Setembro. É como se todos os microfones se voltassem na direção de Chosmky, à espera de ouvir o que ele iria dizer a respeito dos ataques. O livro reproduz uma série de entrevistas concedidas no mês seguinte aos atentados a diferentes jornais e revistas.

    O país não era atacado desde a Guerra de 1812. Chomsky diz que o ataque japonês a Pearl Harbour na Segunda Guerra é um equívoco: o que se atacou foram bases militares, ‘‘não o território nacional’’. E depois dá um panorama das investidas norte-americanas: ‘‘Durante os últimos séculos, os Estados Unidos exterminaram as populações indígenas (milhões de pessoas), conquistaram metade do México (na verdade, territórios indígenas, mas isso é outra questão), intervieram com violência nas regiões vizinhas, conquistaram o Havaí e as Filipinas (matando centenas de milhares de filipinos) e, nos últimos 50 anos, particularmente, valeram-se da força para impor-se a boa parte do mundo’’. A conclusão é fácil, o mundo de algum modo decidiu revidar. Não está fazendo a defesa do terrorismo, mas explicando porque ele passou a ser factível.

    Mais adiante, com todas as letras, Chomsky diz como os Estados Unidos são vistos por outros países: ‘‘Como um Estado líder do terrorismo, e por uma boa razão. Podemos considerar, por exemplo, que em 1986 os EUA foram condenados pela Corte Mundial por ‘uso ilegal da força’ (terrorismo internacional) e então vetou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que instava todos os países (referindo-se aos EUA) a aderir às leis internacionais’’.

    Diante dos ataques, como responder? Chomsky deu entrevista ao Hartford Courant no dia 20 de setembro, e para David Barsamian, no dia seguinte. Ele faz comparações: quando bombas do IRA explodiram em Londres, ninguém pensou em bombardear Belfast; quando uma bomba explodiu em Oklahoma, ninguém pensou em destruir Montana e Idaho. Ao contrário, providenciou-se a captura e julgamento dos responsáveis. Agora, no caso do ataque afegão... reagir com violência, adverte, é o caminho se o que se espera é ‘‘a escalada de violência que virá, dentro do mesmo ciclo, levando a futuras atrocidades similares a estas que estão instigando pessoas a pedirem vingança’’.

    A perspectiva, continua o raciocínio em outra entrevista o professor de lingüística do Massachusetts Institute of Technology, do país é a de ‘‘prosseguir em seu programa, já em curso, de silencioso genocídio, combinado com gestos humanitários que terão como objetivo levantar aplausos dos habituais coros dos contentes’’.

    Poucos os que mantiveram uma postura de total autonomia, de visão em escala macro, repleta de informações — a análise que Chomsky faz dos interesses em jogo na região (a maior reserva de energia do mundo no Oriente Médio, por exemplo, e as implicações disso no cenário político-econômico internacional, os mecanismos de controlar as reservas da Ásia central) — e ciosa do possível alcance. Claro, não altera o trator em movimento de destruição, mas não deixa de produzir mal-estar. Pelo menos, os Colin Powells e Bushs da vida não deitarão as cabeças com tranqüilidade no travesseiro, no silêncio da noite.

Ainda com relação à lucidez de Chomsky, diz-nos Robson Borges do Jornal Valor Econômico:

   Em sua perspectiva, o primeiro porém dessa guerra dos EUA é o fato de ela ser conhecida no mundo todo como uma ação contra o terror. De acordo com o professor Chomsky, diante das ações dos Estados Unidos nas últimas décadas "é difícil" chamar a operação militar em curso de "guerra contra o terrorismo".

    "Certamente não é uma guerra contra o terrorismo - a menos que nós usemos o termo terrorismo num senso muito especial: não como é definido na lei dos Estados Unidos e nos manuais militares, mas como é usado na prática. De acordo com esse uso, o terrorismo é o terrorismo que se faz somente contra os Estados Unidos", afirma Chomsky.

    A atitude americana de assumir o comando da guerra ao terrorismo seria uma ação hipócrita e levantar essa bandeira seria, assim, algo muito perigoso para os rumos da nova ordem mundial. "Os generais argentinos também estavam 'protegendo' a população contra o terrorismo, seus mentores nazistas estavam fazendo o mesmo e os generais brasileiros também."

    O autor considera que falar de guerra contra o terrorismo é inapropriado porque os próprios EUA teriam apoiado nações que promoviam ações terroristas havia décadas. Por essa razão, ele avalia que a política externa americana permanecerá praticamente a mesma depois dos atentados.

    "Não há razão para esperar que a política externa dos Estados Unidos vá mudar significativamente por causa dos atentados, porque, pela primeira vez na história da América, eles foram submetidos a um tipo de atrocidade que europeus e outros países vêm exeprimentando há séculos. Ou porque em resposta a essas atrocidades eles foram capazes de usar sua força avassaladora para esmagar um inimigo virtual indefeso", diz.

    Em sua opinião, os EUA estão usando a oportunidade da guerra contra o terrorismo para estabilizar sua presença militar na Ásia Central e para solidificar suas alianças com Estados repressivos e brutais da região. "No Oriente Médio, os Estados Unidos vão continuar sua política de rejeitar os direitos da Palestina como nação, com um isolamento virtual e oferecendo aos seus clientes israleneses apoio militar e diplomático para prosseguir a meta Estados Unidos-Israel de manter uma dependência neocolonialista permanente nos territórios ocupados."

    A globalização tem um lado perverso? Ora, como diz o neo-liberal e futuro membro do FMI Pedro Malan, que tenha, qual obra ou investimento de vulto que não algum custo? São custos humanos? Menos mal... pior seriam os custos se o atingido fosse o capital. Aliás, até que o desemprego não é algo tão ruim assim, pois força a especialização do desempregado na sua luta desesperada por um novo posto de trabalho temendo que outros, os sem-emprego, tomem seu lugar. É este o discurso cínico de mega-empresários e especuladores financeiros em suas filosofadas de gabinete.

    Quanto mais desempregados,  aumentando a reserva de trabalhadores, se pode usá-la para calar as reivindicações de quem tem o privilégio de ainda estar empregado.

"Até que o mundo esteja nas mãos de umas poucas multinacionais, majoritariamente americanas, e praticamente não haja necessidade de trabalhadores, senão uma elite cada vez mais competitiva de técnicos... o problema para o capitalismo será então o de encontrar consumidores fora desta elite e de seus acionistas... e de suportar a delinqüência nascida da miséria

"As devastações, no espaço de um século e meio, pelo colonialismo e o neocolonialismo, são incalculáveis, como impossível é calcular os milhões de mortos que lhes são imputáveis. Todos os grandes países europeus e os Estados Unidos são culpados. Escravatura, repressões impiedosas, torturas, expropriação. roubo de terras e dos recursos naturais pelas grandes companhias ocidentais, americanas ou transnacionais ou por potentados locais a seu serviço, criação ou desmembramento artificial de países, imposição de ditaduras, monoculturas de exportação substituindo as culturas de subsistência destruição dos modos de vida e das culturas ancestrais, desmatamento e desertificação, desastres ecológicos, fome, êxodo das populações rumo às megalópoles, onde as esperam o desemprego e a miséria

"As estruturas utilizadas pela comunidade internacional para regular o desenvolvimento das indústrias ou do comércio estão inteiramente nas mãos e ao serviço do capitalismo: o Banco Mundial, O FMI (...). Estes organismos serviram apenas para endividarem os países do Terceiro Mundo, através de uma elite corrupta que foi a única privilegiada neste jogo sujo, e para lhes impor e seduzir com seu credo liberal. Se por um lado permitiram o desenvolvimento de acintosas fortunas locais, por outro mais não fizeram do que aumentar a miséria física, moral e intelectual das populações. Ao mesmo tempo, os serviços essenciais relativos à educação, à saúde, ao ambiente, à cultura, à solidariedade, enfim, a tudo o que diz respeito ao social e ao humano, deixarão de ser assegurados porque não são suficientemente rentáveis e não interessam ao setor privado, a menos que se possam auferir lucros por meio da comercialização destes serviços. Ou então só podem ser prestados pelo Estado e pelos cidadãos, dos quais o liberalismo quer retirar todo o poder e todos os meios" (Maurice Cury, op. cit., p. 19).

P>    Porém, as atrocidades humanas estimuladas pela busca do lucro fácil em cima da exploração do próprio homem começou há muito mais tempo, bem antes do século XIX, seguindo o rastro do mecanicismo iniciado pela Revolução Científica do Século XVII (veja-se o texto Paradigmas, Visão de Mundo e Comportamento Humano). Montesquieu já observava em 1721que na África "há duzentos anos os pequenos reis ou chefes das aldeias vendem seus súditos aos príncipes da Europa para os levarem para suas colônias na América". O mesmo autor em seu clássico O Espírito das Leis (1748) ele ironiza a preguiça dos povos da Europa que tendo exterminado os da América sob este pretexto, "tiveram de escravizar os da África, servindo-se deles para desbravar tantas terras".Na mesma obra observa que "O açúcar de cana seria muito caro se não fizéssemos trabalhar a planta que o produz através dos escravos". Outro iluminista conhecido, Voltaire, expressa sua revolta em seu romance Cândido, na voz de um escravo mutilado: "É a este preço que vocês comem açúcar na Europa". Os escravos, portanto, eram máquinas exploráveis, não assalariada, portanto fator de maximização plena dos lucros pela extorsão absurda e desumana da mais-valia produzida.  Isso fará o historiador Philippe Paraire desabafar em relação à prática da escravatura (que além de Portugal e Espanha foi também explorada em seu tráfico e em sua produção agrária pela Inglaterra - que traficou até 1812 -, e pela Holanda), na formação do capitalismo primitivo:

    "Parece inconcebível que vinte milhões de homens, mulheres e crianças tenham sido arrancados de seu lar e sua terra para responder a um problema de produtividade: tendo em conta os riscos do comércio transatlântico, era preciso reduzir a massa assalariada a zero para se obter um lucro satisfatório. Deste modo, o cálculo do custo da produção de café, do cacau, do açúcar e do algodão só podia ser favorável anulando os salários, a fim de extorquir uma mais-valia máxima; o trabalhador escravo, cujo custo total se limitava ao seu preço de venda e à alimentação estritamente necessária, constituía assim uma espécie de mina viva: produzindo ente cinco e dez vezes a mais-valia de um assalariado da Europa, o escravo contribuía para o enriquecimento dos colonos brancos, dos negreiros e dos comerciantes da metrópole.(...) Apesar dos historiadores tendenciosos que atribuem ao feudalismo africano a iniciativa do tráfico (...), apesar dos bajuladores do liberalismo que se recusam a contabilizar os lucros da economia servil e associá-los ao salvamento depois ao crescimento das economias européias, é preciso dizê-lo e não ter medo de repetir: um conjunto de fatos incontestáveis mostra que o capitalismo nascente não sangrou somente os povos da Europa. Ele baseou sua expansão sobre um ossário humano como a História, apesar de já sangrenta, jamais tinha visto: vinte milhões de ameríndios exterminados em três séculos e doze milhões de africanos - que sobreviveram à sua captura comércio e transporte - mortos de trabalhar no mesmo período. Dois continentes inteiros sacrificados para estabelecer um sistema criminoso e sem moral e sem outra lei além da lei do lucro. Mais de trinta milhões de seres humanos assassinados pelo capitalismo em sua primeira fase, de maneira direta e indiscutível" (Philippe Paraire, Ob. cit., p. 53 & 57-58).

    A cultura da violência, através do estudo das guerras no colégio e dos heróis militares fazem parte da modelagem do pensamento educacional oficial. Espaço pare generais (sempre esquecendo-se dos sacrifícios reais de seus soldados subordinados) do exército vencedor é o mesmo para heróis de fantasia (sempre ao lado do vencedor, pra variar) como os Rambos e os Capitães-América. Interessante que nunca se dá muito espaço ou valor aos "Heróis da Paz", como Ghandi, Martin Luther King, Madre Tereza de Calcutá, Mandela,  Leonardo Boff, Chico Xavier, Chico Mendes ou Dom Hélder Câmara, nem de seus trabalhos, escritos e ações nas escolas, talvez por representarem uma visão de mundo ou exibirem um comportamento que vai de encontro ao comércio dos que adotam os heróis da violência, por vestirem a roupagem da competitividade e da disputa feroz tão querida ao capitalismo... Fala-se muito em Paz, mas em paz armada, e não em Paz que, nascida do espírito através da educação e do amor, possa ser compartilhada e vivenciada, não da competitividade e da arrogância mercantilista de um mundo onde a competição virou regra e onde, se o PIB duplicou na década de 90, a pobreza foi multiplicada por dez vezes... A péssima distribuição de renda e a valorização das pessoas pela exibição de riquezas é, hoje em dia, a maior causa de violência. Veja aqui um documentário do site Paz pela Paz com algumas das fotos que demonstram a estupidez do comércio da Guerra, de qualquer guerra, e como nós, da sociedade civil do nordeste, estamos começando uma campanha que promete atingir todo o Brasil no desafio pela Paz..

  Para quem, saltando as edições "oficiosas" devidamente montadas dos noticiários nacionais e internacionais das televisões comprometidas com o capital e que meramente pincela o assunto, observa os fatos, o fantasma do desemprego estrutural está patente ai para todos, inclusive no Primeiro Mundo: cerca de vinte milhões de desempregados na França, filas de pessoas que perdem seu trabalho no Japão e até mesmo nos Estados Unidos, paraíso e sede máxima do capitalismo, mas de 39 milhões de pessoas vivem ou estão pertos do limar da pobreza (em sua maioria pessoas de cor e hispânicos). Além disso o desvio de dinheiro da área produtiva para a área da especulação nas Bolsas de Valores - onde se trabalha, além da aposta em fatos que ainda nem ocorreram e talvez nem venham a acontecer, com dinheiro "virtual" - pode ajudar no incremento da riqueza pessoal de uma minoria insignificante de grandes acionistas, mas impede a produção de bens úteis a populações ou povos inteiros.

    Um outro aspecto que salta aos olhos é a racionalização extremada do capitalismo dissociada de aspectos éticos e emocionais, ao ponto do ridículo. Ciências como a Economia, a Estatística e a Contabilidade, por exemplo, gastam rios de tinta em tabelas cartesianas de Oferta x Procura, Lucros Líquidos e Lucros Brutos, gráficos de crescimento e otimização da produção, sempre, porém, sem levar em conta as conseqüências sociais e ambientais da espiral enlouquecida que é o sistema produtivo e financeiro de nossos dias. Ou, como fala a brilhante professor, escritora, editora e pesquisadora brasileira Rose Marie Muraro em seu livro "Textos da Fogueira", Editora Letraviva, Brasília, 2001:

    "A razão pura, como tudo que é exagero, é louca, a racionalidade é insana quando dissociada da emoção. Leva esse mundo a ser matemático, e a matemática é a mais pobre e a mais difícil das ciências. Porque ela é a ciência que vem dessa fase da evolução da psique que transforma os seres humanos em coisas e quantifica tudo. A matemática, tal como é utilizada hoje, é a suprema flor do sadismo anal de que fala Sigmund Freud. Dessa fase anal, que transforma tudo em fezes, em coisas, tudo, absolutamente, tudo em dinheiro ou meios de se fazer e/ou obter dinheiro, em ouro, tudo em números... Na fase anal, a criança começa a brincar com suas fezes pois nota que é algo que sai de dentro de seu corpo. Diz Freud em O Mal-Estar na Civilização que o sistema capitalista como um todo é fixado nesta fase, pois transforma tudo em coisas, e em coisas descartáveis, sob a forma de mercadoria que se transforma em dinheiro, ouro e números. A sublimação que se inicia nessa época da evolução da criança é a transformação do prazer anal em outra forma de prazer, por meio da educação e desvio da energia deste para outros interesses; não parece ser o caso, porém, dos mega-especuladores financeiros ou dos altos executivos das multinacionais.

"E são exatamente a hipertrofia da racionalidade  e objetividade aplicada à ânsia do dinheiro que criam a ciência sem ética e a tecnologia sem coração. Portanto a ciência e a tecnologia abstratas e objetivas também objetivam e tornam virtual aquilo que é humano e por isso destroem, matam esse humano. Lembro-me, por exemplo, da economia abstrata do FMI, que trata os países como num jogo de xadrez e assim trata como virtuais a posse, a pobreza de milhões de pessoas" (Muraro, Rose Marie, op. cit. pp. 46-17).

    As principais táticas de expansão, domínio, previsão e controle do sistema capitalista são basicamente seis, conforme cita Maurice Cury: a guerra (ou a proteção paga ou apadrinhamento, segundo o  modelo da máfia), a repressão (em varias formas), a espoliação, a exploração, a usura, a corrupção e a propaganda (veja aqui o papel da mídia corporativa ligada ao poder):

" A guerra contra os países rebeldes, desobedientes, que não respeitam os interesses do ocidente industrializado. Aquilo que foi apanágio da Inglaterra e da França, na África e na Ásia (...) é hoje em dia dos Estados Unidos, nação que pretender reger o mundo. Os Estados Unidos não pararam, para tal, de praticar uma política ostentatória de acumulação de armas (que, de resto, proíbem aos outros). Assistimos ao exercício deste imperialismo em todas as intervenções diretas ou indiretas dos Estados Unidos na América Latina e particularmente, de forma mais direta e mais recente, na América Central (Nicarágua, Guatemala, El Salvador, Honduras, Panamá), na Ásia, no Vietnã, na Indonésia, em Timor (com um genocídio proporcionalmente muito maior que o dos Khmers Vermelhos no Camboja - cerca de dois terços da população -, e perpetrado com a indiferença - quando não com a cumplicidade do ocidente para com o Tio Sam), nos golpes militares na América do Sul (Brasil, Argentina, Chile), na Guerra do Golfo, etc.

"A guerra não se faz só pelas armas, ela pode ser mais eficaz e sutil, assumindo formas inéditas:  por exemplo, os Estados Unidos ajudaram Saddam Hussein quando este guerreava com o Iraque, onde morava um inimigo odiado pelos Estados Unidos, o Aiatolá Khomeyni; também não hesitaram em ajudar a seita fanática do reverendo Moon na Coréia para lutar contra o comunismo, não hesitaram em armar os fundamentalistas islâmicos do Talibã contra a ex União Soviética. A guerra pode também tomar a forma de embargos comerciais contra Estados indóceis (Cuba, Iraque) que são mortíferos para as populações (vários milhares de mortos no Iraque).

"As práticas do capitalismo são próximas das da máfia; deve ser por isso que esta prolifera tão bem em seu terreno.

"Tal como a máfia, o capitalismo protege os dirigentes dóceis, que desarvegonhadamente permitem que seus países sejam explorados pelas grandes associações transnacionais. Deste modo, ele consolida - quando não é ele próprio quem as instala - as ditaduras, mais eficazes na proteção de empresas do que a democracia.

"As suas armas são indistintamente a democracia ou a ditadura, o negócio ou o gangsterismo ou o assassinato. Assim, a CIA é, sem dúvida, a maior organização criminal em escala mundial (...).

"A propaganda. Para impor o seu credo e justificar a corrida armamentista, os seus delitos e os seus crimes sangrentos, o capitalismo sempre invoca ideais generosos: defesa da democracia. da liberdade, luta contra as ditaduras e defesa dos valores do Ocidente, quando na verdade, ele apenas defende, na maioria das vezes, os interesses de uma classe poderosa, ou quer apoderar-se das matérias-primas, comandas a produção do petróleo ou controlar regiões estratégicas. Esta propaganda é bem difundida por autoridades econômicas, por uma imprensa e por meios de comunicação servis. São os 'cães de guarda' já denunciados por Nizam (...)" (Maurice Cury, op. cit, pp. 20-22).

    É esta uma parte do quadro atual da atuação do capitalismo. Em sua frente, constituída pelos países do primeiro mundo, em especial os EUA, o verniz da tecnologia e do padrão de consumo fascina, mas o resto do mundo, constituindo o quintal, demonstra que existem ossos e rostos descarnados mendigando e pagando sem culpa alguma pela exploração dos primeiros. Se pela propaganda e pela superfície a casa parece perfeita, por dentro está minada, ou como, diz Cristo nos evangelhos, "por fora são limpos e caiados, mas por dentro está cheia de podridão e corrupção"....

    E quanto à fracassada experiência "comunista"? Não seria ela prova suficiente de que estas belas idéias socialistas não passam de fantasia a encobrir regimes totalitários e criminosos? Ora vejamos o que nos fala Gilles Perrault:

    "Aqueles que anunciam o amanhã cantando por mais justiça expõem-se à acusação de fraude quando a tentativa soçobra numa terrível cacofonia. O capitalismo, no entanto, conjuga-se prudentemente no presente. Ele é. Nada de manifestos, nada de declarações, nem pontos programando a 'felicidade de pronta entrega'. Ele o esmaga, ele o estripa, o escraviza, o martiriza, o enche de dívidas - enfim, o decepciona? Você tem o direito de se sentir infeliz mas não decepcionado, pois a decepção supõe um compromisso traído. O futuro? Entrega-o de livre vontade aos sonhadores, aos ideólogos, aos religiosos humanistas e aos ecologistas. Também seus crimes (do capitalismo) são quase perfeitos. Nenhum vestígio deve comprovar a premeditação. O golpe de 1964 no Brasil ou o Terror de 1973 no Chile - ora, é fácil para aqueles que não gostam de revoluções imaginar os reais responsáveis: o ideal humanista do iluminismo e essa irrazoável e não útil vontade de ordenar a sociedade segundo a razão razoável. No caso do comunismo, as bibliotecas estão abarrotadas de obras que o incriminam. Nada disso para o capitalismo (...) Este não aceita ser julgado senão sobre o que desde sempre o motivou: a procura do máximo de lucro no mínimo de tempo (...). Falar de crimes é não ser pertinente. Não se mexa, o capitalismo se mexe por você, pensa por você, decide por você. Mas, é claro, como a natureza tem suas catástrofes, o capitalismo também tem.Quem se lembraria  de procurar responsáveis por um tremor de terra ou para um maremoto? O crime implica, antes de mais nada, a existência de criminosos discerníveis. Para o comunismo, as fichas antropométricas incriminatórias são fáceis de fazer: dois barbudos (Marx e Engels), um de barbicha (Lênin), um de óculos (Trotsky), um que atravessa o Yang-Tsé-Kiang a nado (Mao), um apaixonado por charutos (Fidel), etc. Mais facilmente, podemos odiar estes rostos. São de carne e osso e são localizáveis em uma região.  Tratando-se do capitalismo, só existem índices: Dow Jones,. Nasdaq, CAC, Nikkei, etc. Experimente, só para ver, testar um índice impessoal, sem rosto. O Império do Mal [a projeção da contraparte negativa do próprio capitalismo] tem sempre uma área geográfica, capitais (Pequim, Havana), é localizável. O capitalismo, ao contrário, é o Grande Irmão que está em toda parte e em parte alguma. A quem endereçar as intimações para um eventual tribunal de Nuremberg?

"Capitalismo? Que arcaísmo mais obsoleto! Atualize-se com a palavra adequada: neoliberalsimo. O dicionário define "liberal" como "o que é digno de um homem livre". Não soa bem? E oferece-nos uma lista convincente de antônimos: "avaro, autocrata, ditatorial, dirigista, fascista, totalitário". Você encontraria possivelmente várias desculpas para se definir como anticapitalista, mas confesse que iria precisar de muita astúcia para se proclamar antiliberal" (Gilles Perrault, op. cit, pp 11-12).

Para concluir, nada melhor que o desabafo de um poeta diante dos desmandos de um sistema econômico que vê o cisco nos olhos dos que o questionam, mas camufla e se cala diante da trave enorme e podre em seus próprios olhos:

"Partidários do liberalismo, arautos dos Estados Unidos, não ouvi a vossa voz elevar-se contra a destruição do Vietnã, o genocídio indonésio, as atrocidades e golpes perpetradas em nome do liberalismo na América Latina, contra a ajuda americana ao golpe de Estado de Pinochet, um dos mais sangrentos da História, a execução dos sindicalistas turcos (ou dos intelectuais de esquerda no Brasil); a vossa indignação era um pouco seletiva: (...) Budapeste mas não a Argélia, Praga, mas não Santiago do Chile, o Afeganistão mas não Timor; não vos ouvi indignarem-se quando se matavam comunistas ou simplesmente aqueles que queria dar o poder ao povo ou defender os pobres. Pela vossa cumplicidade ou pelo vosso silêncio, não vos ouço pedir perdão" (Maurice Cury, op. cit. p. 22).

 

João Pessoa, 31/01/2002

Revisto em 25 de março de 2004

   

 

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