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Dicionário/dictionary; gramática/grammar; índio/indian

 

 

Vocabulário "chicriabá"

 

sol		- stacró
lua		- ua
estrelas	- uaítemuri
terra		- tica
água		- ku

     (O u se assemelha um pouco ao eu francês.)

homem		- ambá

     (O a final tem um som bastante gutural.)

mulher		- picon
criança		- aícuté
moça		- debá
rapaz		- aímaman
homem branco	- oradjoíca
negro		- oradjura
índio		- oípredé
cabeça		- dacran

     (O an final, nessa palavra e nas outras, tem um som surdo, intermediário entre o a e o an francês.)

cabelos		- dajahi
olhos		- datoman
nariz		- dascri
boca		- daídaua
orelhas		- daípocri
peito		- daputu
ventre		- dadu
braço		- dapá
pé		- daprá
mãos		- dajipcra
cavalo		- soujari
veado		- pó

     (O o muito aberto.)

anta		- cutó

     (O o bastante gutural.)

bicho-de-pé	- cracuti
peixe		- tupe
pena		- sidarpi
carne		- ponnhi
árvore		- odé

     (O e fechado, como o é francês.)

folha		- deçu
fruto		- decran
casca de árvore	- odéu

     (O e fechado e o eu longo.)

grande		- aímoapté
pequeno		- aícuté
bonito		- dapside
vermelho	- oípredé

          Depois de ter anotado essas palavras ditadas por Dona Maria Rosa, li-as em voz alta diante dela, pedindo-lhe que me indicasse o seu significado em português, e como registrei exatamente o que ela me disse não tenho nenhuma dúvida quanto à exatidão do que transcrevi acima.(*)
          Como em todos os vocabulários que publiquei até o presente, uso aqui a ortografia portuguesa, mais simples que a nossa e mais de acordo com a pronúncia, e que melhor registra certos sons pertencentes aos dialetos indígenas, tais como as vogais nasais representadas, em português, por im, um, ão, etc.
          A língua dos Chicriabás, assim como a dos Coiapós [caiapós] e todas as outras línguas indígenas, é pronunciada com os sons saindo da garganta, a boca quase fechada e os lábios mal se movendo. É notável que tantos idiomas totalmente diferentes uns dos outros sejam pronunciados, pelo menos em seu conjunto, de uma maneira uniforme. Uma série de circunstâncias pode ter determinado as diferenças existentes entre as línguas das diversas tribos indígenas, e se essas circunstâncias não influenciaram igualmente a sua pronúncia isso se deve, sem dúvida, ao fato de que nesse caso a uniformidade é conseqüência de ligeiras diferenças na estrutura dos órgãos da voz, na raça indígena, da mesma forma que há, de um modo geral, traços típicos que caracterizam a fisionomia de toda essa raça.
          Não se pode julgar uma língua tomando como base apenas um punhado de palavras. Entretanto, o pequeno vocabulário chicriabá que transcrevi acima parece provar que se trata de um idioma sistematizado. Com efeito, as expressões que representam idéias da mesma ordem começam ou terminam sempre da mesma maneira. As palavras aícuté e aímoapté, que indicam tamanho, começam por e terminam por ; as que expressam a beleza ou a feiúra terminam por ; as que indicam as partes do corpo começam todas por da.(**)  As sílabas orad estão no início das duas palavras que designam o homem branco e o negro, e a sílaba , encontrada na palavra odé, árvore, reaparece em todos os termos que indicam as diversas partes da árvore. Uaítemuri, estrela, é evidentemente um composto de ua, lua; a sílaba ku aparece no final de duas palavras, kuptaku e uku, as quais, no vocabulário de Eschwege, designam animais grandes, a primeira um boi, a segunda uma onça; finalmente, as palavras amiotsché e notsché, registradas pelo autor alemão (provavelmente amiotjé e notjé), que terminam igualmente por otsché, ou melhor, otjé, designam dois vegetais comestíveis, a banana e o milho.

________
 *   Eschwege inseriu em Brasilien die neue Welt um pequeno vocabulário que lhe foi também fornecido por Dona Maria Rosa. As diferenças encontradas entre o dele e o meu são apenas aparentes e provêm certamente da pronúncia alemã. Assim, Eschwege escreveu d'Aipogri e d'Asigri ao invés de [em vez de] daípocri e dasicri, receando provavelmente cometer o mesmo erro em que incorrera ao escrever Coitacases e Coiás, em lugar de Goitacases e Goiás. Se ele escreve ang e não an, como eu, é porque os alemães não têm outra maneira de representar o som do nosso an. Finalmente, ele emprega, da mesma forma que Pohl, as letras sch para exprimir um som semelhante ao j francês ou português, porque esse som não é encontrado na língua alemã. A palavra atomang, que Eschwege registra como sendo entre, difere singularmente, é bem verdade, do termo dadu anotado por mim, assim como d'Anhocutu difere de daputu. Todavia, as provas que fiz, mencionadas mais acima, não me permitem crer que eu tenha cometido qualquer erro.

 **  Eschwege escreve essas palavras com a inicial maiúscula, antecedidas por um d e apóstrofe [apóstrofo], como por exemplo d'Apro e d'Aipogri. Em conseqüência, é evidente que ele considerou como artigo a letra inicial. Nesse caso, porém, a singularidade que assinalei continuaria a existir, já que então as palavras que designam as diversas partes do corpo começariam todas por a. Poder-se-ia alegar que o artigo é composto da sílaba da toda inteira, mas eu perguntaria então como se explica que Dona Maria Rosa, ao me ditar o vocabulário, tenha incluído o artigo unicamente nas palavras que designam as partes do corpo, deixando-o de lado nas restantes. Finalmente, como explicar que ela tenha cometido exatamente a mesma negligência três anos antes, ao ditar o vocabulário para Eschwege?

Fonte: SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à província de Goiás. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Ed. da USP, 1975. p. 144-6.

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