A Solução da Questão do Sangue 

 

A Sociedade Torre de Vigia sempre demonstrou uma extraordinária habilidade ao conduzir as mudanças de direcionamento de suas doutrinas, as quais chama de "novas luzes", preparando a mente das Testemunhas de Jeová para aceitá-las sem traumas e conseguindo evitar que houvesse um número significativo de defecções motivadas pelas alterações implementadas, mesmo sendo muitas vezes mudanças profundas e radicais. Penso porém, que a Sociedade tem conseguido de forma constante superar as expectativas em torno de tal habilidade, pois em um de seus atos recentes, conseguiu envolver em dúvidas até mesmo os seus ex-adeptos e hoje críticos de seus ensinos e normas. Ocorre que circulou na Internet e foi noticiado na imprensa, o "vazamento" de uma informação sigilosa, dando conta que a Sociedade estava propensa a extinguir a desassociação (expulsão) em casos de aceitação de transfusões de sangue por parte das Testemunhas de Jeová, e que logo após tomar ciência das conseqüências que esta mudança provocaria, inclusive com diversos processos na justiça por parte de parentes de vítimas da proibição, divulgou a negativa do assunto por meio de seu porta-voz nos E.U.A. 

A possibilidade de existir alguém do alto escalão na sede em Brooklyn, com disposição para trair seus pares não deve ser desconsiderada, tudo é possível levando-se em conta que em um grupo de pessoas sempre pode existir desacordos. Mas pergunto: O que exatamente esta pessoa ganharia com isso? Qual a sua motivação para permanecer dentro das entranhas da direção mundial da Sociedade, fingindo lealdade, e, ao mesmo tempo, divulgando aos quatro ventos as deliberações sigilosas do corpo governante? Trabalha a serviço de quem? Como consegue não ser descoberto em tão seleto grupo de pessoas? Não consigo encontrar respostas para estas perguntas e acredito que é muitíssimo remota a chance de existir realmente o tal informante, por isso, é preciso analisar o comportamento da Sociedade nos últimos dez anos, para avaliar corretamente o "caso do sangue", sem cair no engodo ou ser envolvido pelos ardis desta organização. 

Por volta do final da década de 80, a Sociedade Torre de Vigia estava perigosamente próxima de cair no ridículo e ser arrastada para o abismo do descrédito, presa que estava pelo emaranhado de interpretações equivocadas de profecias bíblicas interligadas, dogmas e ensinos pseudo-inspirados originados das mentes delirantes de seus líderes mais carismáticos.  Enquanto sepultava sua derradeira tentativa de prever a data exata para o armagedom e consequentemente o final deste sistema de coisas, que rendeu a publicação de um livro motivado pelo ano internacional da paz em 1986: "Verdadeira Paz e Segurança - Como Poderá Encontrá-la". Banindo em definitivo de suas publicações o texto de 1 Tessalonicenses 5:3: "Quando estiverem dizendo: "Paz e segurança!" então lhes há de sobrevir instantaneamente a repentina destruição, assim como as dores de aflição [vêm] sobre a mulher grávida, e de modo algum escaparão", a Sociedade preparava um plano para livrar-se dos parâmetros que a moldavam, aos olhos externos, como uma seita apocalíptica e catastrofista, com conceitos ultrapassados e, principalmente, perigosa para seus membros. Sem dúvida, a decepção das Testemunhas de Jeová com o fiasco das inúmeras previsões que se comprovariam erradas em pouco tempo, como a da última geração que veria o final do mundo, e a referência negativa das demais pessoas e autoridades, seriam o calvário da extinção para a Sociedade Torre de Vigia. E as mudanças vieram, profundas, significativas, às vezes escondidas em algum parágrafo de estudo da revista A Sentinela, às vezes com maior evidência, porém muito bem embasadas no curioso ensino da "nova luz", como pode ser visto "claramente" na Sentinela 15/05/87, na página 28: 

Tema a Jeová e Será Feliz
4:18 — Como é que ‘a vereda dos justos’ se torna cada vez mais clara?
A luz do sol clareia desde o alvorecer até "o dia estar firmemente estabelecido". De maneira similar, a luz espiritual, com o passar do tempo, fica cada vez mais clara para os do povo de Jeová. Ao passo que nos aproximamos dos eventos, nosso entendimento da realização dos propósitos de Jeová se torna mais claro. As profecias divinas se abrem para nós, conforme o espírito santo de Deus lança luz sobre elas, e segundo se cumprem nos acontecimentos mundiais ou nas experiências dos do povo de Jeová. É assim que sua ‘vereda clareia mais e mais’. Lição para nós: Demonstrarmos verdadeira sabedoria e acatarmos as ordens divinas nos resguardará de seguirmos um proceder tolo que possa levar a uma morte prematura. Por exemplo, os que desconsideram as ordens de Jeová contra a imoralidade sexual podem contrair doenças sexualmente transmissíveis, que poderiam resultar em morte prematura. Portanto, atuemos em harmonia com os requisitos de Deus, pois assim a sabedoria será uma "árvore de vida" no nosso caso. — Provérbios 3:18. 

*Grifado acrescentado. 

Muito interessante, compara-se a não aceitação das novas determinações do corpo governante, mais precisamente as mudanças de interpretações de profecias ou "novas luzes", com a desobediência as orientações de Jeová com respeito a imoralidade sexual, com as conseqüências advindas da desobediência, ou seja, a desobediência ou até mesmo a não concordância com as novas diretrizes impostas pelos da dianteira em Brooklyn será considerado um sinal identificador de fraqueza na fé em Deus e pecado crasso contra este próprio Deus. Portanto, esses parâmetros adotados pela Sociedade para medir a "fé" de seus adeptos em relação a obediência cega, surda e muda, aos ditames de seus líderes, inibe por completo qualquer tipo de reação das Testemunhas de Jeová, mesmo que intimamente não concordem ou não entendam plenamente a nova interpretação. Com este trunfo nas mãos, o medo da dúvida, o corpo governante pode acionar o bisturi com destreza e executar a cirurgia urgente e necessária para livrar-se dos tumores malignos que debilitavam a sua existência saudável. Golpes certeiros foram excluindo do conjunto de ensinos da Sociedade nomes como:   

·        A geração de 1914, a última, a que veria o fim. 

Por que? Porque em pouco tempo esta geração - a que pode ver e entender os acontecimentos de 1914 - desapareceria da face da terra e como o fim deste sistema de coisas parece que irá demorar um pouco além disso, tal fato desacreditaria a Sociedade como canal de alimentação espiritual do Espírito Santo de Deus.   

·        Coisa repugnante - ONU - em pé no lugar santo.

  Por que? Porque quando Jesus proferiu esta profecia, disse que ao avistar-se a coisa repugnante os cristãos deveriam fugir para os montes e, poucos anos depois da "coisa repugnante" - as legiões romanas - ficar em pé no lugar santo, veio a terrível destruição de Jerusalém. Como a Sociedade Torre de Vigia designou a ONU como a atual "coisa repugnante" e já faz mais de 50 anos que ela continua "de pé no lugar santo", ou segundo a Sociedade na condição de substituta apócrifa do Reino de Deus e...nada! A Sociedade mudou a data deste "ficar de pé" para algum lugar indeterminado no futuro. Com estas e outras mudanças menores, livrou-se do grande inconveniente de ser considerada como um falso profeta e, consequentemente, tornou-se mais "soft", e menos apocalíptica, mais palatável ao gosto popular por assim dizer. 

Mas aqueles que dirigem hoje esta poderosa organização mundial, sabem que precisam fazer mais, se quiserem aplacar a má vontade das autoridades ao tratar com religiões e seitas que induzem seus adeptos à imolação física pela fé, ou que acumulam grandes lucros monetários explorando esta mesma fé. Um grande passo está sendo dado com o "ajuste na distribuição de publicações" que atinge diversos países no mundo, onde a Sociedade Torre de Vigia tenta substituir a característica de venda de literaturas, por distribuição filantrópica de informações bíblicas ao povo em geral. Um outro passo muito mais importante e perigoso precisa ser dado, pois sem ele, a Sociedade corre um risco muito sério, em alguns países da Europa, de ser banida qual religião legal e sofrer enormes prejuízos. Qual é este passo?   

A Questão do Sangue 

A proibição das transfusões de sangue faz parte do mesmo pacote de proibições das décadas de 30 e 40, quando os líderes em Brooklyn, cometeram inúmeras aberrações "científicas" como publicar em suas revistas que as vacinas tornavam o corpo do cristão impuro, entre outras coisas. Por isso era preferível ser acometido pela doença do que ser contaminado pela vacina. Porém, enquanto as outras proibições bizarras como esta foram levantadas com o tempo, a questão do sangue sobreviveu até os nossos dias, equilibrada numa frágil e questionável base bíblica. Não é difícil explicar os motivos que levaram a Sociedade a manter esta proibição através de todos esses anos. Na verdade ela é parte de uma tríade de proibições que, muito além dos aspectos bíblicos envolvidos, fazem das Testemunhas de Jeová uma religião singular entre aquelas ditas cristãs. Singularidade esta que é muito bem vinda, pois transmite a idéia de religião diferente, especial, perseguida e odiada pelo mundo, assim como o próprio Jesus disse que seus seguidores o seriam. A tríade citada de proibições da Sociedade Torre de Vigia é a seguinte:   

·        Proibição da aceitação de transfusões de sangue.

·        Proibição da prestação do serviço militar obrigatório. 

·        Proibição de votar ou ser votado em eleições políticas.   

Com certeza, as outras duas proibições foram tão danosas como a do sangue, levando milhares de pessoas em muitos países a serem imoladas por acatarem-nas. E as três, em conjunto, representam uma montanha de cadáveres cujas vidas foram tragadas pela obediência às idéias pessoais de homens que, talvez, nunca tiveram de passar pelas mesmas provações. Neste ponto quero abrir um parêntese para abordar alguns fatos da história da Sociedade Torre de Vigia, que serão importantes para o desfecho do assunto sobre a questão do sangue. Quando da morte de J. F. Rutherford, segundo presidente da Sociedade, foi alçado ao cargo Nathan H. Knorr, na época vice-presidente, com apenas 36 anos de idade, em detrimento de alguém mais antigo de idade ou "verdade" como era o caso de F. W. Franz, reconhecidamente o oráculo da Sociedade, e o homem por trás de muitos ensinos e conceitos das Testemunhas de Jeová - mesmo durante o período de Rutherford - e que estava em Betel desde 1920. Em suas próprias palavras na Sentinela 01/05/87, página 29, podemos notar que foi o próprio Franz quem proferiu o discurso do batismo de Knorr:  

"Foi um enorme privilégio estar associado com Nathan H. Knorr. Pouco eu sabia que, quando ele foi imerso, depois do discurso que proferi para os batizandos, em 4 de julho de 1923, à beira do rio Little Lehigh, fora da sua cidade natal de Allentown, Pensilvânia, que ele se tornaria o terceiro presidente da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (dos EUA)". 

Torna-se evidente que a escolha foi feita, principalmente, pelas habilidades de administrador e homem de negócios que eram virtudes de Nathan Knorr, tanto que após sua assunção ao cargo, as Testemunhas de Jeová experimentaram um fantástico crescimento em todo o mundo. Enquanto havia territórios novos a ser desbravados - principalmente países subdesenvolvidoss - as altas taxas de crescimento puderam ser mantidas e os recursos cada vez em maior monta jorravam diretamente para o cofre da sede em Nova Iorque. 

Neste cenário, a questão da proibição de transfusões de sangue, além de não criar dificuldades extremas para a Sociedade, funcionava como um fator de marketing favorável, pois serviu como uma característica identificadora da "diferença" das Testemunhas de Jeová em relação ao amontoado de religiões cristãs - e o mesmo se pode dizer das outras duas proibições - o que atraiu a curiosidade de muitos e os levou a serem devidamente "transformados na fé", que é a maneira como chamam a lavagem cerebral feita no novato, e tornarem-se adeptos da religião que inicialmente criticaram. 

A fonte - os territórios virgens - secou nos últimos anos, as terras férteis e facilmente cultiváveis que a Sociedade encontrou inicialmente, e das quais colheu em abundância, já estão à beira de exaurir-se. O crescimento em número dos seus membros já não é significativo há muito tempo, pelo contrário, em muitos lugares do mundo existe diminuição deste número. Fecha o parêntese. A Sociedade Torre de Vigia vive hoje uma situação delicada. Por um lado conseguiu livrar-se das amarras que prendiam-na a datas marcadas para o final deste sistema de coisas, livrou-se do comprometimento com a interpretação de profecias e, com sutileza, projetou o Armagedom para um futuro incerto. Por outro lado precisa administrar seu grande rebanho, mantendo-os ativos no "ministério" sem deixar a peteca cair, traduzindo: Precisa manter as Testemunhas motivadas e com a moral alta, para continuar se beneficiando dos dividendos do trabalho delas, mesmo não havendo mais as cenouras que as mantinham dioturnamente despertas e operosas: O breve paraíso prometido.

  Uma outra batalha tem sido travada pela Sociedade Torre de Vigia. Esta muito mais complicada e difícil: Convencer as autoridades de países como a França, de não ser uma seita perigosa para seus membros. E por que a preocupação com as "Feras Políticas do Mundo"? As Testemunhas de Jeová não pertencem ao Reino de Deus? Sim, porém os governos políticos tem poder para usar a afiada lâmina dos impostos nos rendimentos da Sociedade, algo que ela absolutamente detesta. Ao contrário do que exige de seus membros, a Sociedade usa de todos os meios e artifícios para escapar da mordida do Fisco, qualquer que seja a nacionalidade dele. Além do mais, o caso da França não deverá ser um caso isolado, pois a sanha do Fisco tem sido comum na maioria dos grandes países do mundo, onde a Sociedade ainda de beneficia de isenção de pagamento de tributos, sem ser uma entidade filantrópica ou de benemerência. Só há um caminho para evitar as sanções das autoridades contra a organização diretiva das Testemunhas de Jeová: Cancelar a proibição das transfusões de sangue. 

Como fazer isso? O que irão pensar os publicadores? E os processos na justiça? A resposta da última pergunta não é de relevância extrema para a Sociedade, além de um ótimo aparato jurídico de eficácia comprovada em inúmeros processos dentro e fora dos Estados Unidos - é bom lembrar que a Sociedade alega que não proíbe apenas "orienta" seus adeptos sobre a santidade do sangue, a decisão é "pessoal" - os gastos com eventuais indenizações em processos de vítimas da proibição do sangue seria muito menor, por exemplo, do que a provável carga tributária que se abateria sobre ela caso os demais países da comunidade européia, adotassem legislações similares a da França, o que é perfeitamente plausível. A preocupação da Sociedade está voltada principalmente para as duas primeiras questões, ou seja, como proceder em uma mudança deste vulto sem provocar um grande número de defecções entre seus atuais membros. É importante ressaltar que não se trata de mudar apenas uma interpretação de profecia bíblica, está em jogo um grande número de vidas humanas perdidas, neste caso, inutilmente, e que se transformaram de certa forma em mártires cristãos para o "povo de Jeová", dentre os quais um grande número já teve entes queridos ou amigos que foram sacrificados pela obediência em manter seu corpo "limpo" de transfusões. 

O levantamento da proibição das transfusões de sangue é imperiosa para que a Sociedade Torre de Vigia deixe de ter uma conotação negativa, o que é perigoso para o seu futuro. Mas possui implicações muito mais amplas do que todas as outras "novas luzes" anteriores. Por conseqüência, o cuidado para colocar em prática a alteração desta doutrina, inserida tão fortemente na vida das Testemunhas de Jeová, reservará lances novos, diferentes de tudo o que já vimos até agora - em se tratando de "nova luz" -, inclusive "balões de ensaio", como aquele citado no início do artigo, para sentir o pulso das Testemunhas comuns em relação a possibilidade de mudança e, de posse do resultado da "pesquisa" involuntária, definir os próximos movimentos deste típico jogo de xadrez. Até o momento em que os homens que detém o poder na sede mundial em Brooklyn e dirigem os destinos de mais de seis milhões de pessoas no mundo, decidirem que é hora do xeque-mate.


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