O Não-Morto


Duncan MacLeod afiava sua katana com uma velha pedra afiadora. Estava sentado no sofá de sua casa, e calmamente repetia o gesto a fim que a espada ficasse com um fio perfeito. O metal ainda não aparentava estar gasto e, mesmo com as diversas fissuras, não perdera a beleza e a mortalidade. Talvez soubesse quantas cabeças aquele metal já havia decepado, mas não gostava de lembrar. Afinal, ele vivia no Jogo, e numa batalha só pode haver um.

Balançou a cabeça, querendo esquecer esses pensamentos. Não podia ficar sempre pensando nas vidas que levara ou nas que olhará ir embora, ou pelo tempo ou por algum acaso do destino ou pela espada de outro Imortal. Com a morte, eles eram descobertos para o Jogo. Duncan morreu muitas vezes e mesmo assim não conseguia se habituar ao fato que era dolorido morrer.

Suspirou alto e parou de afiar a espada. Em sua mente, o aviso sobre a presença de outro Imortal soou. Ele olhou para a porta ao lado do elevador e viu Richie entrar com as compras.

- Pensei que havia se perdido. - zombou Duncan com sua voz rouca e grossa, carregada de sotaque escocês, enquanto procurava um pano para passar na lâmina.

- Não. Estava falando com Joe. - respondeu Richie já arrumando as coisas no balcão da cozinha.

- E como ele está?

- Está bem. Estava com pressa... Talvez tivesse um encontro.

- Ah, claro! - respondeu Duncan ironicamente. Levantou-se e brandiu a espada no ar. Fez alguns movimentos com ela e então a colocou na bainha com cuidado.

Richie observou enquanto Duncan levava a espada para o armário e então voltou a se concentrar no que fazia. Conferia tudo o que havia comprado e deu-se conta que havia esquecido do tempero.

- Hey, Mac, - ele chamou e Duncan o olhou - pode ir comprar o tempero? Eu esqueci de trazer. Enquanto você vai lá, eu vou indo preparar nosso jantar.

Duncan colocou as mãos no bolso da calça e se aproximou de Richie.

- Pensei que havia lhe dito que não ia sair hoje...

- Pensei que houvesse me dito que não ia fazer o jantar hoje. É só um tempero.

O escocês ia protestar, mas por fim deu de ombros, pegou sua espada, que havia acabado de guardar, e o sobretudo e saiu. Richie fez uma careta para Duncan e se concentrou em preparar o jantar.

Absorvido com os pensamentos sobre sua Imortalidade, Duncan caminhou até o supermercado e comprou o tempero de costume. Quando saiu, o som de outro Imortal tocou em sua mente. Astuto, ele olhou para todos os lados na frente do supermercado procurando pelo seu igual. Quando seus olhos pousaram em uma figura masculina que o olhava fixamente, ele teve um mau presságio. O homem usava um longo sobretudo marrom, e tinha as mãos no bolso. O cabelo era castanho e estava bem mais curto do que da última vez que Duncan o vira.

- Finalmente te encontrei MacLeod! - disse o homem. Duncan caminhou até ele, e ambos ficaram no estacionamento do supermercado.

- O que faz aqui, Grant?

- Estava te procurando.

Duncan começou a caminhar e Grant foi atrás dele.

- Seja direto! - exigiu Duncan, já sem paciência como de costume.

- Preciso de um favor seu.

- O que há dessa vez? Não te devo mais nenhum favor, já paguei minha divida com você.

- Sim, eu sei. Mas você é um dos melhores espadachins que eu conheço nesses duzentos anos de vida.

- O que você fez?

- Há um Imortal atrás de mim.

Duncan o olhou desconfiado e parou de andar. Conhecia bem Grant... Ele era trapaceiro e bastante covarde, e para um Imortal estar atrás dele devia ter roubado alguma quantia em algum jogo de pôquer.

- Não sei porque está atrás de mim. - Grant disse com uma voz apelativa quando Duncan voltou a andar rápido. Foi atrás dele e prosseguiu - Quer a minha cabeça a todo custo!

- Não duvido disso, Grant. Mas quero saber a verdade.

- Essa é a verdade! Ele quer me matar, e isso já não basta?

- Não! Nenhum Imortal ia estar atrás de você sem nenhum motivo. - ele fez uma pausa e lançou um olhar sádico para Grant - De fato não precisam de motivo. - comentou depois.

- Por favor MacLeod! Esse Imortal é muito bom e você sabe que eu nunca fui bom com espadas...

- Não! Não e não! Eu o conheço suficientemente para saber que pode se livrar de seus problemas. Eu não tenho que me meter nisso.

- Essa é a ultima vez que te peço um favor! Juro que se me ajudar, nunca mais apareço em sua vida.

- Isso foi o que você disse há quase setenta anos, quando nos encontramos. Quando eu o salvei e quando você jurou que jamais me procuraria. Tem que manter sua palavra Grant, e não é isso que tem feito ultimamente.

- Não ia pedir sua ajuda se o adversário não fosse tão poderoso. - afirmou Grant - Por favor... Eu preciso muito que me ajude.

Duncan parou de andar mais uma vez e olhou para o Imortal. Ao que percebia Grant parecia apavorado. Talvez dissesse a verdade, ou talvez não. Ficou a pensar no que ele havia aprontado dessa vez e porque estava se importando com isso. Grant sempre fora um chato medroso e Duncan já havia pago a dívida que tinha com ele.

- Posso te ajudar, se for sincero comigo. E isso é uma coisa muito difícil pra você.

Grant nada respondeu e olhou para o chão, dando a entender perfeitamente que nada falaria. Como Duncan já esperava isso, sorriu.

- Pois bem... Suma daqui e procure outro para pedir ajuda. Fique em Solo Sagrado, quem sabe um retiro não lhe fará bem? Eu não vou te ajudar.

Falando isso, virou-se e começou a se afastar sem ser seguido por Grant.

- O nome dele é Harold Parker. - gritou Grant ao longe. Ouvindo isso, Duncan parou e fitou Grant. Em sua mente, ele lembrou-se de quem era Harold Parker.

*************

Escócia

Era uma noite tempestuosa. Protegidos em uma casa abandonada estavam Duncan e Connor MacLeod, ambos parentes distantes, membros do clã dos MacLeod. Connor sacudiu sua capa de pele e colocou-a perto do fogo que acabara de acender. Tirou a bainha onde estava a sua claymore e colocou-a a seu lado, enquanto sentava-se no chão sujo e alimentava o fogo com a pouca lenha seca que encontrara. Duncan se aproximou dele e fez o mesmo.

- Sem cavalos, nunca vamos alcançá-lo. - resmungou Connor.

- Ainda há tempo. Com a chuva, eles devem ter se atrasado também.

- A cavalo? Claro que não... Ele não seria tão idiota assim. - ele fechou os olhos e visualizou a cena da morte na sua frente mais uma vez. Jamais esqueceria aquele rosto enquanto vivesse, e já fazia algum tempo que ele caminhava sobre a Terra.

A crueldade de Imortais contra humanos era algo que perturbava Connor. Mesmo sabendo que aquilo era da natureza humana, não aceitava ver mulheres e crianças sendo mortas injustamente. Também não podia ter a esperança que resolveria a situação, pois parecia longe de acontecer tal coisa. Mas havia a tentativa. Acreditava que os Imortais estavam na Terra para livrá-la do mal, de todo o tipo de maldade.

Duncan ajeitou seu kilt, e colocou-se o mais perto possível da fogueira. Lançou um olhar em direção à janela e depois voltou a olhar seu mestre. Connor parecia concentrado em seus pensamentos. Os longos cabelos rebeldes escorriam por seu rosto e ombros, embaraçados e sujos.

- Mesmo que saíssemos agora, não iríamos muito longe.

- Eu sei. - o outro respondeu num murmúrio, massageando as têmporas. Abriu os olhos e fitou os olhos escuros do pupilo. Uma onda de carinho tomou conta dele, mas Connor não a manifestou, tornando seu olhar gélido e duro. - Entenda Duncan, mortais não podem saber que nós existimos. Temos que nos preservar e o que esse rapaz fez é algo imperdoável. Se não o acharmos, imagina quantos homens podem estar atrás de nós. Se ele der nomes, a situação poderia se complicar gravemente.

- Entendo. - respondeu Duncan, sabendo da gravidade da situação. Aquela era uma Lei dentro do Jogo. Havia poucas regras, apenas três, que se seguidas respeitavam a vida e o Jogo dos Imortais. Havia também outras regras, que facilitavam a aplicação dessas três, mas elas eram aprendidas com o tempo de convívio na Terra do Imortal.

Com Connor, Duncan aprendera algumas delas, mas havia outras. Connor sabia de muita coisa e passava a ele o que era preciso e necessário para o momento. E naquele momento e naquela situação, ele aprendia que a discrição era importante.

- Kyle está sob a proteção de um cavaleiro de nome Harold Parker. Esse cavaleiro é muito influente em relação ao rei inglês.

- Me parece que ele se esqueceu de seu rei. - comentou Duncan, rancoroso com os ingleses, como todo escocês.

- Talvez tenha esquecido mesmo. - Connor deu de ombros e fixou os olhos claros em Duncan - Mas o que ele sabe sobre nós não pode ser esquecido. Esse cavaleiro é um homem poderoso e temos que ter cuidado com ele.

- Nenhum MacLeod se acovarda diante de uma luta.

- Isso não é covardia e sim cautela. Se ele souber que somos Imortais - sussurrou a última palavra - pode muito bem cortar nossas cabeças. Vamos pensar e agir com cautela... - riu sozinho - Ramirez diria isso, com certeza.

Duncan observou Connor se acomodar e dormir. Seu mestre estava cansado de dois dias de caminhada atrás de Sir Parker, e deveria realmente descansar um pouco, pois não seguiriam naquela noite chuvosa e escura. Seus pensamentos voaram em direção a Kyle, o que ele chamaria de traidor. Atrás de Imortais, Sir Harold Parker devastou vilas escocesas, estuprou mulheres e massacrou crianças. O sangue escocês corria pelas terras puras, de vales verdes e altas montanhas. Ele mesmo testemunhara com Connor o final de um dos massacres, e por fim, mataram aqueles que ainda haviam ficado na vila. Fizera sua espada beber do sangue imundo e impuro, fizera a lâmina cortar a carne que tinha pensamentos podres e tirara a vida de pessoas que nunca deveriam tê-la.

O objetivo de ambos era agora Harold Parker e Kyle.

Olhou para as chamas que consumiam um pedaço de lenha. Seu sangue pulsava com a mesma intensidade e calor em suas veias, alertando para a batalha iminente. Sua mente ficava leve, concentrada na luta e sua mão ficava pesada ao erguer a sua espada; dura, precisa e cruel ao acertar o inimigo. Duncan era um guerreiro justo, e sabia que seria até o dia que lhe cortassem a cabeça.

*************

- Harold Parker? - perguntou Richie, seguindo Duncan pela casa, enquanto este tirava o sobretudo. Duncan havia chegado, falara pouco, mas grosseiramente com o homem que trouxera com ele e agora deixava Richie sem saber o que acontecia. - Espere Mac, quem é ele? - apontou para Grant que estava na sala.

- É uma longa história. - começou Duncan.

- Tenho a eternidade inteira pra ouvir.

- Ele é Grant. É um jogador que uma vez me livrou de uma enrascada e depois eu o recompensei salvando-o de um Imortal que o perseguia.

- Pensei que não fizesse isso.

- Era pessoal, - Duncan encarou o pupilo - agora ele veio pedir minha proteção por causa de Harold Parker.

- Quem é esse? Nunca ouvi falar...

- Ele é discreto. É um Imortal perigoso. E ele estar por aqui não é um bom sinal.

- O quanto ele é perigoso?

- O suficiente.

Richie ficou em silêncio quando Duncan apoiou as mãos no balcão e suspirou desanimado. Algumas coisas passavam por sua mente, pensamentos e lembranças relacionadas a Parker. Tinha que lembrar de todas as informações, de tudo o que havia passado e tudo o que fora dito entre eles e para ele. Só assim poderia ter idéia do que fazer. Havia algo errado... Ele tinha certeza que vira a cabeça dele longe do corpo. Como podia estar vivo?

Ergueu os olhos e fitou Grant, que agora se sentava no sofá e observava a casa de Duncan com curiosidade. Duncan conhecia aquele olhar e repensou se teria sido certo trazer aquele Imortal à sua casa, porque Grant não era de confiança. Ele era fiel apenas a si próprio e quando cumpria uma promessa. Ele sabia bem disso, e por isso estava com receio.

- Ele quase cortou a minha cabeça. - murmurou Duncan para Richie, que ficou feliz em saber que ele voltaria a falar do assunto. - A de Connor também. Nessa época, ele não era Imortal. E não sei quando ele virou Imortal.

- Certo. E quanto a esse tal de Grant? É uma boa idéia ele ficar aqui?

- Estou pensando nisso agora. Preciso saber de Harold e como ele está vivo.

- Pra isso esse seu "amigo" deve servir... - respondeu Richie, deixando a situação no ar e tendo certeza que era aquilo que Duncan ia fazer com aquele Imortal.

Grant ergueu os olhos quando Duncan se aproximou dele. Ainda ficava assustado com o andar sinuoso e com o tamanho do escocês. Estremeceu de medo e tentou encará-lo por tempo suficiente, como ele fazia agora. Não sabia qual temia mais, se era MacLeod ou Parker. Ambos lhe davam medo e tinham olhares furiosos.

- Bem, Grant, - Duncan começou, visivelmente irritado - Harold Parker não está atrás de você por nada. Quero saber a verdade!

- A verdade é aquela que lhe contei, MacLeod: eu não sei.

- Como o conheceu?

- Numa mesa de pôquer... - ao sentir o olhar raivoso de Duncan, Grant engoliu em seco - Espere, eu posso explicar. Eu estava jogando quando ele entrou na mesa. Achei que iria duelar, mas não quis... O que é uma sorte minha... Mas disse que se ele perdesse ou ganhasse minha cabeça seria seu prêmio. Tentei escapar da mesa, e não consegui. Aí eu fugi e ele está atrás de mim.

- Essa é a verdade? - perguntou Duncan, desconfiado.

- Sim... Juro por Deus, MacLeod. Pare de me olhar assim! - pediu - Sei que vai me ajudar e já te agradeço por isso.

- Você deve ir para Solo Sagrado. Se o que contou for verdade, ele está atrás de você.

- Eu sabia! Você conhece Harold Parker! Por Deus, que sorte a minha! - exclamou Grant, parecendo aliviado. E logo a sensação sumiu quando Duncan o pegou pelo colarinho e tirou do chão sem fazer muito esforço. Ao ficar cara a cara com Duncan, Grant voltou a engolir em seco e o sorriso sumiu de seus lábios.

- Se você estiver mentindo, eu mesmo corto a sua cabeça. - jurou Duncan, cara a cara com Grant. A voz sairia numa espécie de rosnado, que fez o jogador ficar ainda mais desesperado.

- Eu juro que não estou mentindo.

- É bom que jure mesmo.

Falando isso, soltou Grant no chão de sua casa e olhou-o com ar de superioridade, herdado de gerações e gerações de guerreiros do clã MacLeod. O olhar de desespero de Grant fez a mente de Duncan se projetar em algum lugar do passado...

*************

Estados Unidos

Duncan passou a mão na barba e voltou a olhar o copo de champanhe que bebia. Houve épocas que ele tomara o melhor dos vinhos e os mais caros champanhes, mas se contentava com o doce gosto daquele que lhe era servido. Mexeu na taça sem interesse e olhou em volta.

Estava em uma casa de jogos sofisticada e luxuosa, que fora aberta recentemente. Estava ali para conhecer o local, pois aquele tipo de ambiente não lhe agradava. Levou a taça de champanhe à boca e tomou mais um gole, enquanto seus olhos se concentravam nas belas dançarinas do lugar. Ah, claro, havia também a sempre bela Alice, que andava com as outras garotas em direção ao palco.

Alice lançou um beijo para Duncan e ele ergueu a taça, premiando-a com um dos seus sorrisos mais arrasadores. O belo sorriso não durou muito quando a mente de Duncan o avisou da presença de outro Imortal. Ele olhou para a entrada e viu um homem entrar e parar perto da porta, olhando-o. De onde estava, Duncan pôde ver o brilho de medo nos olhos do estranho.

Ele abaixou a cabeça, colocou o cigarro na boca e se afastou de Duncan, andando em outra direção que levava às mesas de baralho. E durante toda a noite o Imortal não voltou a fitá-lo. "Bem", pensou MacLeod sozinho, tomando mais um gole da quinta taça de champanhe, "ele não deve gostar de lutar". Como não fora desafiado, ficaria ali tranqüilo, ouvindo a voz melódica de Alice soar pelo ar em uma antiga canção.

Aquela era uma canção que falava de um amor perdido, que fora levado pela Morte, e que agora o amante vivo faria o possível para tentar suportar aquela ausência. Era sim uma bela canção. A voz de Alice era suave e cantava com emoção, como se realmente acreditasse no que cantava. Duncan sorriu sozinho e terminou o champanhe da taça em um só gole.

Aquela canção falava sobre Imortais. Todos eles amaram e perderam os amantes mortais e nunca seria diferente, até que se amasse um Imortal e pudesse viver-se com ele. Todas as mulheres que Duncan realmente amou foram mortais... E agora, elas eram apenas lembranças que ele mantinha vivas dentro de sua mente e de seu coração.

Voltou a encarar Alice que, sentada na cauda de um piano preto, entoava aquela doce canção. Os longos cabelos loiros caíam em formosos cachos por seus ombros nus, e pelo vestido vermelho que cobria seu corpo com tanta perfeição. Era possível imaginar o que veludo escondia, parecendo uma segunda pele no corpo de Alice. Mantinha os olhos fechados, e a boca de lábios carnudos, cobertos por um berrante vermelho, se moviam sensuais. Quando abriu os olhos, fixou seu olhar em Duncan e ele pôde apreciar mais uma vez o brilho de esmeraldas que eles possuíam, brilhantes e sedutores. Alice era de beleza rara, pura e virgem... O que era difícil de acreditar.

Mas que ele tivera certeza na noite passada... Com quase 350 anos de vida, ele sabia de certas peculiaridades femininas e se orgulhava disso.

"E mesmo que a morte leve minha vida/ ainda amarei você/ porque somos eternos/ porque serei eterna com seu amor/ e mesmo que a morte leve a sua vida/ o amor o manterá vivo/ porque somos eternos/ porque amar você é tudo que sei fazer..."

Duncan estremeceu com aquelas palavras. Aquela música era realmente comprida.

Tudo terminou com grande louvor e palmas. As pessoas levantaram-se para saudá-la, enquanto Alice movia-se languidamente por entre os presentes, indo na direção de Duncan. Distribuía sorrisos a todos que falavam o quanto ela era maravilhosa e como cantava bem... Quando se aproximou de Duncan, tocou-lhe o peito e encostou seu corpo ao dele. Deslizou a mão pela barba e sorriu encantada, seus olhos verdes se encontraram com os dele.

- Deveria ter feito a barba. - foi o que ela comentou, porque a barba de Duncan era de apenas dois dias. E ele não a fizera de pura preguiça. - Você teve bastante tempo ontem à noite... - murmurou maliciosa.

- Estava me preocupando com outras coisas, que julgo mais importantes.

Alice sorriu e seus olhos adquiriram um brilho apaixonado.

- Oh, nunca imaginei que iria falar isso.

O escocês nada falou e passou o braço em volta da cintura delgada e a puxou ainda mais para si. Ela deitou a cabeça em seu peito e ficou ali, satisfeita. Os olhos de Duncan voltaram a se concentrar no Imortal que estava jogando baralho e no seu desespero quando um homem passou pela porta. Seu olhar seguiu na mesma direção e ele viu Simmom Larsey.

Simmom, em seus dois metros de altura, fitou Duncan com desprezo e depois o olhar se amenizou quando se encontrou com Alice. Simmom era mortal, em todos os sentidos da palavra. Não que Duncan tivesse medo dele, pois o Highlander não tinha medo de ninguém, mas se assustava com toda aquela massa distribuída em um corpo de dois metros de altura.

O Imortal que jogava ajeitou o chapéu e permaneceu na escuridão que a aba lhe proporcionava. O brilho do seu olhar era visível e, enquanto jogava, observava tudo. Era um olhar esperto, mesmo carregado de um lampejo de medo e desespero.

Sem perceber a troca de olhares, Alice ergueu a cabeça e beijou Duncan. Por mais que gostasse dos lábios finos e da língua ávida, aquele não era o momento.

- Espere... - ele começou, afastando-a.

- Não... Quero agora. - murmurou Alice, voltando a beijá-lo.

- Alice. - Duncan disse alto, quando a afastou de vez. Deu um sorriso sem graça e balançou a cabeça lentamente de um lado para o outro. - Meu amor há muitos fãs seus por aqui, não podemos fazer isso em público.

- Eu não me importo com eles. Tenho tudo o que eu quero com você.

Mesmo em uma situação como aquela, ele não pôde deixar de sorrir com a inocência da bela Juno que estava em seus braços. Quisera ele poder sentir a mesma coisa, mas pelo momento, bastava. Seu olhar voltou-se na direção de Larsey, que agora estava sentado no mesmo balcão que eles, mas não os olhava.

Era famoso o amor de Simmom por Alice. E ao que tudo indicava, ela não dava a mínima para isso. O amor dele deixara de ser platônico quando Duncan aparecera por ali e conquistara a bela garota. Ainda se lembrava da declaração de amor de Simmom e do desprezo de Alice.

- Mas você disse: "Meu amor"? - perguntou Alice.

Duncan sorriu e afirmou com a cabeça. Ele não estava com uma boa sensação sobre aquilo.

- Nunca alguém disse que eu era seu amor. - confessou ela - Oh, Duncan! Eu amo você!

- Não diga isso, Alice.

- Porque não? É a verdade.

- Pode ser, só não quero que repita isso.

- Mas Duncan... Quando as pessoas se amam, elas têm que lembrar sempre as outras disso.

- Eu nunca pensei em esquecer. - Duncan afastou um cacho do rosto de Alice carinhosamente e sorriu - Guardarei isso para sempre.

- Quer dizer que me ama?

Antes que Duncan pudesse responder alguma coisa, uma mesa foi virada e uma gritaria se iniciou. O escocês se adiantou na frente de Alice e observou a confusão. Tratava-se da mesa em que o Imortal estava jogando.

- Roubou! Tenho certeza que roubou! - gritava um homem - Eu estava com o Ás de Espadas! - e jogou a carta na mesa. - Eu estava com a maldita carta e não você!

- Vamos nos acalmar. - pediu o crupiê.

- Acalmar? Você deve estar roubando com esse senhor! - acusou o homem. - A rodada é minha!

- Não é possível! - respondeu o Imortal com voz calma. Ele ergueu a aba do chapéu e, mesmo com a mesa virada e as fichas espalhadas pelo chão, estava sentado com as pernas cruzadas em uma pose digna de um quadro. Exalava poder e confiança quando olhou para o homem irritado. - Creio que é melhor o senhor se sentar e jogar corretamente. Não preciso roubar para ganhar de pessoas como você.

Não houve resposta inteligível. O homem rugiu e se jogou contra o Imortal a fim de socá-lo... Até a morte, quem sabe?!? Os dois se atracaram no chão em uma luta violenta. As pessoas formaram um circulo humano em volta, ninguém com intenção de pará-los até que um deles não estivesse inerte no chão acarpetado.

Alice entrou em desespero ao ver todo o estabelecimento em fúria total. Pessoas gritavam e corriam para todos os lados. Eram escutados tiros e o som de fichas de apostas. Em segundos, o lugar parecia um campo de guerra, com pessoas se batendo sem terem motivos aparentes.

*************

- ... e mesmo que não acredite em mim, eu estou dizendo a verdade! - terminou Grant, ainda murmurando. Mesmo assim, conseguiu trazer Duncan para a realidade. Ele piscou e olhou para Grant, que continuava caído no chão com medo. - Nem meu mestre me trataria tão mal assim! - resmungou.

- Não fiz nada do que não merecesse. - respondeu Duncan, dando-lhe as costas, enquanto pensava no que faria com ele. Richie estava sentado em um dos bancos do balcão da cozinha ,ajeitando o cabelo loiro, enquanto esperava por alguma coisa junto ao fogão.

Duncan voltou a olhar para Grant. Ainda faltava a questão de como Harold Parker havia virado Imortal. Até onde Duncan havia participado da história da morte do cavaleiro, havia visto Connor duelar com ele e tivera certeza que a cabeça dele não ficara junto ao corpo. E agora, ele era Imortal. Seria o mesmo homem? Não seria um Imortal querendo aproveitar o terror que o inglês causara em épocas remotas aos filhos da Escócia? Havia tantas resoluções para a questão que deixava Duncan confuso.

- Como é Harold Parker? - perguntou.

Grant o fitou com esperança, então se levantou e limpou algum pó que poderia haver em seu caríssimo sobretudo.

- Achei que o conhecesse.

- Achou errado. - respondeu Duncan, seco.

- Tudo bem... Tudo bem... Harold Parker é alto, moreno, de cabelos pretos e olhos castanhos. Usava uma espada que nunca havia visto com entalhes ricamente desenhados nela...

A descrição batia com o que ele lembrava de Harold Parker. A espada ele lembrava muito bem, pois sempre estivera próxima a seu pescoço durante aquele tempo de caça a ele.

- Há quanto tempo o encontrou?

- Há dois meses.

Idéias e pensamentos confusos estavam na mente de Duncan. Tinha que tirar Grant dali antes que se tornasse alvo de Harold, se é que era o mesmo Harold. Não fora realmente uma boa idéia trazer Grant para sua casa. Fora um ato impensado de sua parte, pois agora o jogador sabia onde ele morava e poderia vender a informação para tantos Imortais que queriam a cabeça de Duncan.

Sim, certamente ele poderia fazer isso.

- Venha comigo. - Duncan mandou, indo em direção ao sofá onde deixara seu sobretudo e sua katana. Vestiu o casaco e guardou a espada. Grant estava a seu lado, aflito. O medo dele irritava profundamente MacLeod... Que Imortal mais covarde!

- Aonde vamos? - perguntou Grant com medo da resposta. - Não me diga que vai me deixar por aí... Eu... Eu estou bem aqui. Eu gostei de sua casa e... E ela é muito bonita e... E eu...

- Eu disse para me seguir.

- Claro, claro... Já ia fazer isso.

Richie observou o mestre sair com Grant e então balançou a cabeça. Se conhecia bem Duncan, e conhecia bastante, sabia que ele certamente havia reconhecido que não fora uma boa idéia levar aquele Imortal para lá, e agora ia levá-lo a Solo Sagrado, a fim de evitar problemas. Se Harold Parker era tudo isso que ele afirmara, então estava com muitos problemas.

- Aonde vamos? - perguntou Grant sentado ao lado de Duncan, que dirigia.

- Vou levá-lo para um lugar seguro.

- Mas... Um lugar seguro é a seu lado, MacLeod. Você vai é se desfazer de mim, como uma Dama de Espadas em um jogo de Copas.

Duncan olhou para ele, fazendo uma careta e achando ridículo aquela comparação que Grant fizera. Ele era realmente um jogador compulsivo e Duncan não jogava Copas.

- Acho melhor você ficar quieto... - sugeriu, em uma ameaça velada.

- E se Harold Parker for me procurar?

- Não podemos lutar em Solo Sagrado. É uma das Regras.

- Ele é cruel, MacLeod! Pode me matar lá sim... Só Deus sabe o que ele pode fazer. Não consigo imaginar quantos Imortais ele já matou. Há uma lenda sobre isso, que ele já matava Imortais antes de ser um de nós.

Duncan nada respondeu. Conhecia bem a lenda, vivera ela. Sabia o quanto Harold Parker podia ser cruel, e quando deveria ser cruel. Mas se o maldito realmente estivesse vivo, ele daria um jeito para manter a cabeça dele bem longe do corpo dessa vez.

Tinha um plano em mente e esperava conclui-lo antes que se encontrasse com Harold, mesmo que isso lhe parecesse inevitável. Ainda assim, tinha uma desconfiança em relação a Grant. Ele sabia mais coisas do que admitira e do que quisera lhe contar, mas por enquanto ele lhe era útil. Sabia que encontrá-lo novamente significa problemas, e agora dava uma certeza absoluta a essa afirmação. Porque se Harold Parker é realmente Harold Parker, eles estavam bem encrencados.

Quando chegaram à igreja, os dois desceram e Grant seguia atrás de Duncan, usando-o como escudo para qualquer eventualidade. Era uma igreja em reformas, com as paredes cobertas de cal branco, grandes telas protegendo os lindos vitrais, e montes de areia e pedras por todos os lados. Entraram por uma porta lateral e, dentro do Solo Sagrado, Grant se sentiu mais aliviado. Observou Duncan parar junto a outra porta e bater. O som da presença de outro Imortal soou em sua mente e ele olhou o velho padre que abriu a porta.

- Mac! - exclamou o padre, ficando visivelmente feliz por encontrar com MacLeod.

O Imortal tinha a aparência de ter uns quarenta e tantos anos, tinha cabelos brancos e usava uma batina marrom surrada. Parecia ser bem pacifico. Ele olhou por cima do ombro de Duncan e encarou Grant.

- Vejo que trouxe alguém com você.

- Sim, - Duncan foi direto e então saiu da frente de Grant, ficando de lado - esse é Grant.

- Grant, não é?! Ora, ora, o que temos aqui?

Grant engoliu em seco e Duncan fez um gesto com a cabeça.

- Ele precisa de sua proteção. Pode me fazer esse favor?

- Ora, MacLeod, claro.

- Fico grato. - olhou para Grant - Ouviu bem? Ele vai te deixar ficar em Solo Sagrado enquanto eu vejo o que posso fazer quanto a esse Imortal.

- Hummm, ele está sendo seguido? - perguntou o padre.

- Sim, estou.

- Ora, ora... É bom que fiquei aqui, filho. Poderá ser iniciado na arte de forjar espadas, e poderá aprender alguma coisa.

- Vai ser ótimo. Quem sabe ele não pára de jogar? É um jogador tão compulsivo... - Duncan disse com maldade, sabendo que o padre poderia torturar Grant em sua estadia por ali.

- Verdade? Vai ser ótimo tê-lo por aqui.

- Pode mesmo ficar com ele por algum tempo, Sullivan? - perguntou Duncan, sério. O padre Harry Sullivan era dado a piadas e dificilmente falava alguma coisa séria com outro Imortal. Duncan tinha que ter certeza que Grant ficaria ali e não sairia até que ele se encontrasse com Harold Parker.

- Claro que sim, MacLeod. Tem a minha palavra quanto a isso. - respondeu o pároco, sério.

- Perfeito.

- Perfeito? É isso que tem a me dizer? Vai me deixar aqui e está perfeito? - retrucou Grant. - Isso não me parece justo.

- Não tem que parecer; é. Aqui está mais seguro do que se estiver comigo.

- Mas e se ele aparecer?

- Eu cuido disso. E vai ser a última vez que eu te ajudo.

- Mas MacLeod...

- Já chega! Cuide bem dele, Sullivan, pois vai dar trabalho.

Dizendo isso, Duncan virou-se e foi embora, deixando Grant sob a proteção de Harry Sullivan e dos Imortais que moravam com ele naquele lugar sagrado no meio da cidade. Quando voltou, Richie jantava sozinho no balcão da cozinha.

- E então, Mac? - ele perguntou assim que Duncan saiu do elevador.

- Está com Sullivan.

- Pobre padre... Espero que o agüente.

- Eu também.

*************

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"A Agitação dos Vigilantes"


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