O Sucessor


Abtu, Alto Egito - 2982 a.C.

Epher, realmente, nunca mais casou-se. Nem mesmo voltou a tocar no assunto. Quando Diankós, vendo-o atrapalhado com algum problema doméstico mais grave, perguntava-lhe se não havia repensado sua posição, Epher mostrava-se firme em sua viuvez solitária. Para Epher, o amor e o bem-estar dos filhos tornaram-se sua razão de viver.

Heka Ma'At chegou aos quinze anos como um rapaz alto, esguio mas forte, extremamente inteligente, sensitivo e belo, fisicamente muito parecido com Epher na mesma idade. Seu temperamento agressivo, contudo, nunca mudou. Aos poucos, com esforço, conseguiu impor-se sobre alguns colegas, tanto pela força quanto pela capacidade de aprender depressa. Não que não tivessem ocorrido novos contratempos, pelo contrário: ao ouvir as reclamações sobre as encrencas em que o rapaz insistia em envolver-se, Mankherere ameaçou por mais de uma vez expulsá-lo da escola do templo, e só não o conseguiu devido à influência de Diankós e Epher.

Heka tinha uma personalidade tão forte e difícil quanto honrada e carinhosa, uma mente tão indisciplinada quanto inquisitiva e rápida. Jamais chegou a ser o tipo de criança hiper-ativa, que mal consegue ficar sentada. Ao invés disso, podia ler por horas a fio e dedicar-se incansavelmente às tarefas mais aborrecidas com uma concentração espantosa, o que contrastava ainda mais com seus momentos de fúria indomável. Era um aluno esforçado, suas perguntas por vezes iam além do esperado pelos mestres, e aprendia tudo com uma velocidade e uma abrangência surpreendentes. Seria um aluno perfeito, se não fosse tão brigão e teimoso.

- O problema de Heka Ma'At são os outros meninos, Epher! - Diankós explicou um dia - Eles o atazanam com gracejos, roubam-lhe as tábuas de lições, quebram seus pincéis, agridem-no com provocações e fazem de tudo para vê-lo em situações complicadas... Outro dia flagrei-o bebendo a tinta com que escreve, apenas para responder a um desafio! É triste, mas Heka não é o único responsável pelas confusões em que se envolve. Claro que, se fosse um menino mais calmo, menos teimoso e orgulhoso, saberia ignorar tudo isso e seus provocadores há muito já teriam-no deixado em paz. Só que o menino não deixa passar nada! Às vezes me pergunto se nisso tudo não há uma tentativa de ser tão bom quanto tu, Epher...

E o profeta, sem saída, nada mais podia fazer do que tentar enfiar um pouco de juízo na cabeça do filho. Como pai, não conseguia entender como um menino, tão inteligente e dedicado em casa, pudesse comportar-se como um demônio longe de suas vistas. O pior era quando Heka envolvia-se realmente em perigos, como quando caiu de uma árvore sobre um telhado e fraturou um braço, ou quando quase teve um pé arrancado ao levar um golpe da cauda de um crocodilo nas margens do rio. Em dias como este era que o profeta-mor pensava se não deveria enviar o filho para a escola militar e transformá-lo num soldado, ao invés de insistir em educá-lo para ser um sacerdote.

Epher cansou-se de aplicar-lhe castigos e até um dia chegou a dar-lhe uma bela sova, tentando discipiná-lo à força onde o diálogo não surtia efeito, porém acabou por desistir. Seu filho estava além de sua capacidade educacional e Epher, ao mesmo tempo que não conseguia compreendê-lo, por vezes era forçado a admirá-lo imensamente. Heka parecia não ter medo de nada nem de ninguém, nem da morte. As únicas coisas capazes de fazê-lo recuar eram as lágrimas da irmã ou os momentos de real desespero do pai: só quando percebia que suas atitudes podiam magoar um dos dois é que o menino refreava seu ímpeto. E quase sempre o fazia tarde demais.

Em casa, era um filho amoroso e um irmão dedicado. Vendo como Epher atrapalhava-se com a organização doméstica, Heka mostrava-se sempre disposto a ajudar, controlando as finanças e fazendo as compras, lembrando compromissos, dando ordens às criadas e cuidando da irmã. Fazia tudo com discrição, sem gabar-se nem exigir nada do pai, e Epher orgulhava-se de sua capacidade de prever problemas e resolvê-los antes que pudessem assumir proporções maiores. Ainda assim, era um menino um tanto fechado, que não falava tudo o que pensava ou sentia, e às vezes Epher, por mais que tivesse certeza do amor incomensurável que o filho lhe dedicava, sentia-se um tanto à parte, incapaz de penetrar dentro daquela cabeça para compreendê-lo ou ajudá-lo.

Os únicos momentos em que Heka parecia abrir-se completamente era ao lado da irmã. Aos dez anos, Akh era uma menina um tanto roliça, mas alta para sua idade, inteligente e ativa. Seus cabelos aos poucos escureceram, tomando um tom acobreado que clareava facilmente ao sol. Os dois irmãos viviam extremamente grudados, trocando confidências e risadas, e Epher sentia que Akh era o contrapeso de Heka - ela era a única pessoa com quem ele permitia-se ser ele mesmo. Heka tinha ciúmes da menina, e ela dele. No começo, ao notar que Akh era o centro quase absoluto das atenções de Heka, Epher sentiu-se enciumado dos dois e chegou a comentar o fato com Diankós que, como sempre, teve uma visão mais clara das coisas.

- Creio que te preocupas à toa, Epher! - comentou Diankós - Heka é um menino difícil, sei bem disso porque, mesmo não sendo mais meu aluno, ainda é sempre a mim que os mestres trazem suas queixas sobre o comportamento dele na escola. Mas é preciso admitir que Heka é carinhoso contigo, tem tomado a frente nas decisões de tua casa com eficiência, possui caráter honrado e jamais faltou com a verdade, ainda que não te conte tudo de bom grado. Ele pode ser brigão e desobediente, mas jamais reagiu com violência aos castigos que tu lhe deste. Ele te ama e respeita, apesar de não concordar contigo... Se ele ama a irmã e solta-se mais com ela, troca confidências e ri ao lado da pequena, não te sintas rejeitado como pai! Talvez ele aja assim porque os dois têm idades mais próximas, e no coração de Akh ainda não há maldade. Tudo o que o irmão faz ela admira, sem julgar se é certo ou errado...

Com efeito, Epher tinha que admitir que Akh fazia bem ao irmão. Ao lado dela, ele passava horas de sossego, inventando histórias e jogos, ensinando-a a ler e escrever, comentando o que aprendia no templo. Tudo o que a irmã pedia Heka fazia, mas sem mimá-la ou mostrar-se complacente. Quanto a isso, Epher podia ficar sossegado: mesmo sendo pessoalmente um indisciplinado, Heka era duro com a irmã e não deixava-a fazer nada errado. Às vezes, Epher sentia como se Heka fosse mais pai para Akh do que ele próprio. Isso doía-lhe demais, pois suas atribuições no templo tomavam-lhe grande parte do dia, e não podia na verdade dedicar aos filhos todo o tempo que gostaria. Se não fosse pelo controle férreo de Heka, a educação de Akh estaria largada nas mãos das criadas e vizinhas.

Ao contrário do irmão, Akh Kheper-Apet era uma criança dócil, que fazia sempre o que lhe pediam e ouvia tudo com atenção. Adorava sentar no colo do pai durante as refeições, cobria-o de beijos e interessava-se pelas tarefas das criadas, imitando-as na tentativa de ajudá-las. Quando Heka trazia-lhe tabuletas de argila, papiros e tintas do templo, Akh passava horas desenhando, falando sozinha e cantando baixinho, ou com algum dos gatos no colo, e era possível até esquecer-se de que ela estava por perto. Adorava fazer trabalhos manuais e lidar com os apetrechos da cozinha, e estava até aprendendo algumas receitas para agradar ao pai e ao irmão. Uma de suas distrações mais esquisitas, provavelmente uma influência do irmão, era capturar pequenos insetos no quintal e estudá-los, submetê-los a experiências e guardá-los em potes. Epher via aquilo com estranheza, mas pelo menos Akh jamais tentou capturar bichos maiores ou perigosos, como escorpiões ou vespas, e morria de medo de baratas e aranhas. Esses ela matava sem piedade, sempre que possível, ou corria em busca de socorro quando não tinha coragem de enfrentá-los.

Às vezes, quando via os dois filhos estudando juntos na sala ou encarafunchando formigueiros no quintal, Epher sentia uma paz enorme, e seu coração enchia-se de orgulho. Tudo o que desejava além disso era que Mahkret pudesse ter vivido para compartilhar sua felicidade. Epher tinha consciência de que não era um pai exemplar, mas também sabia que tudo o que fazia era para garantir o futuro dos filhos.

No templo, sua vida continuava aos trancos e barrancos. Três anos após a morte de Mahkret, Maneshtu faleceu e sua perda causou grande comoção. Seu funeral mereceu grandes honras, e foi o próprio Epher, como seu sucessor, quem encarregou-se de sua mumificação. Maneshtu era respeitado e amado por muitos, e Epher tinha-o como verdadeiro pai. Os conselhos do sábio vidente faziam-lhe falta, e por algum tempo sentiu-se desamparado, sem saber que rumo tomar em seu trabalho, ainda mais porque, sem a presença forte de Maneshtu ao lado de Epher, Mankherere sentiu-se fortalecido e passou a fazer-lhe oposição mais abertamente. Porém, antes de falecer, Maneshtu conseguiu com que Diankós fosse promovido a diretor da escola de escribas, colocando-o assim em posição influente e capaz de dar apoio mais substancial a Epher na política interna do templo.

Mankherere, obviamente, ficava furioso com cada pequena vitória de Epher e não dava-lhe trégua. Ora inventava calúnias que fazia circular sorrateiramente entre os baixos escalões até que chegassem aos ouvidos de algum sacerdote superior, ora criticava-lhe o comportamento ou contrariava suas ordens em público. Raramente passava-se uma estação sem que Epher não sofresse algum ataque de Mankherere. A coisa chegava às vezes a tal ponto que Diankós, mesmo jamais tendo dito nada ao amigo sobre isso, desconfiava que era Mankherere quem estava por trás da permanente hostilidade sofrida por Heka Ma'At na escola, a fim de prejudicar a imagem do profeta-mor.

Epher sabia que, um dia, Mankherere conseguiria finalmente derrubá-lo, mas os oráculos jamais lhe revelaram como ou quando isso ocorreria. Tentava então não preocupar-se demais com isso e deixava o destino na mão dos deuses.

Até que a tragédia aconteceu.

Poucas semanas após comemorar seu aniversário de cinquenta anos com uma discreta festa para os amigos, Epher foi picado por um escorpião durante uma cerimônia no templo. O animal peçonhento estava dentro de um dos cálices de oferendas do altar, e ferroou Epher no pulso quando este ia derramar o vinho para as libações. Ninguém sabia de onde o bicho havia surgido nem nada podia ser provado, mas as suspeitas voaram tão depressa quanto a notícia do envenenamento do profeta-mor. O drama tinha todas as conotações de um crime.

Os sacerdotes assistentes, que ajudavam Epher durante o ritual, esmagaram imediatamente o escorpião e correram em busca de antídotos, mas pouco ou nada foi possível fazer para salvá-lo. Quando Diankós e Heka Ma'At conseguiram chegar até Epher, ele já agonizava em convulsões e suores frios. Heka atirou-se sobre o corpo do pai aos gritos, tentando fazê-lo resistir, mas Epher já não reconhecia ninguém, e morreu nos braços do filho. Diankós entrou em desespero, chorando, e teve que ser amparado pelos amigos.

Logo a revolta espalhou-se pelo templo em rumores surdos, pois os sacerdotes sempre eram muito cuidadosos na limpeza e purificação de todas as salas e acessórios rituais, e era quase impossível que um escorpião pudesse ter-se escondido por conta própria dentro de um cálice no altar - um cálice que apenas Epher poderia tocar durante a cerimônia. O animal, quase com certeza, fora colocado ali de propósito. Entretanto, como nada pode ser provado contra Mankherere, que naquele momento fatídico estava despachando tranquilamente em uma sala afastada, também nada poderia ser feito contra ele. Por mais que Diankós se mobilizasse por uma averiguação mais profunda, nada foi concluído e Mankherere, se era realmente ele o culpado, permaneceu impune.

Epher foi sepultado na tumba que havia construído para si mesmo durante os últimos anos, ao lado da de Mahkret, e seu funeral foi prestigiado até por populares, que o admiravam por sua amabilidade e pelo espírito caridoso. Akh chorou muito e por longo tempo, inconsolável com a perda do pai, e nisso a força de Heka foi insuperável, jamais deixando-a sozinha nem demonstrando sua profunda dor diante da irmã.

Passado o período de luto habitual, surgiu um novo problema: a sucessão de Epher. Como ele não havia determinado pessoalmente um sacerdote que pudesse substituí-lo, nem imaginava que precisasse disso tão cedo, seu cargo ficava à mercê do jogo de influências políticas do templo. Diversos nomes foram apontados como possibilidades, mas a crise só estourou realmente quando Mankherere declarou querer o posto para si.

O templo dividiu-se imediatamente em duas facções: a dos partidários do administrador dos oráculos e a formada tanto pelos amigos de Epher quanto pelos que simplesmente opunham-se a Mankherere, seja por seus desmandos anteriores ou pelas suspeitas sobre seu envolvimento no possível assassinato de um profeta-mor, um crime gravíssimo. Como este segundo partido era maior, Mankherere não conseguiu assumir o cargo almejado nem nomear um sacerdote sobre o qual tivesse influência, e o impasse continuou por semanas. E a decisão veio da forma mais inesperada possível.

Enfurecido ao tomar conhecimento das suspeitas e das complicadas disputas no templo, e preocupado com o fato de um cargo tão importante ter ficado vago há tanto tempo, o rei decretou que, na falta de um substituto nomeado, uma antiga tradição deveria ser obedecida e o herdeiro familiar de Epher assumiria seu cargo sem demora, seja lá quem fosse, ainda que se fizesse necessário nomear-lhe um tutor (1).

A notícia caiu como um raio no templo, ainda mais sobre a cabeça de Heka. Faltava-lhe pouco para que concluísse seus estudos e fosse nomeado um escriba-sacerdote, mas jamais haviam-no preparado para nenhuma função mais específica. Tudo o que sabia de medicina, astrologia, magia e mesmo do funcionamento geral do templo era apenas básico, e não havia condições de colocá-lo num cargo superior de uma hora para outra. Nem Diankós arriscaria jamais uma sugestão nesse sentido, ainda mais diante do histórico desagradável de Heka.

Muitos sacerdotes enviaram cartas ou foram pessoalmente ao palácio solicitando que o rei mudasse seu decreto, mas sem sucesso. O máximo que conseguiram, para aliviar o mal-estar político e equilibrar os poderes, foi que Diankós, por ser o amigo mais íntimo de Epher, fosse nomeado tutor de Heka, e que as decisões mais importantes de ambos passassem também pela aprovação de Mankherere, que afinal ainda era o administrador dos oráculos.

Os estudos de Heka foram intensificados à exaustão durante os anos seguintes, para que pudesse fazer jus ao cargo recebido e, se não fosse pelo amor incondicional de Akh e o apoio de Diankós, talvez o rapaz jamais tivesse conseguido.

As mesmas oposições sofridas por Epher, Heka encontrou ao assumir o cargo do pai, e seu gênio indomável apenas piorava as coisas. Mesmo consciente de que entrava na vida adulta antes da hora, Heka continuava um adolescente problemático.

Não tinha mais os invejosos colegas de escola para atazaná-lo, mas tampouco os outros sacerdotes deixavam-no em paz. Muitos inclusive eram pais de meninos que Heka havia surrado durante alguma briga, ou que levaram reprimendas dos professores por ter metido-se em encrencas ao lado dele. Diankós fazia o possível para evitar atritos e desarmar espíritos prevenidos, mas Heka não admitia ser acusado de nada nem receber ordens. O pior era que muitas vezes o rapaz tinha razão.

Como não podia mais surrar seus inimigos, todos mais velhos do que ele, Heka partia então para a agressão verbal. O que mais espantava Diankós era a clareza com que o rapaz percebia os pontos fracos e as verdadeiras intenções de seus opositores e atacava-os justamente por aí, desmontando-os com argumentos tão racionais e verdadeiros quanto cruéis. Nada parecia escapar-lhe, e nada ficava sem resposta. Se Epher jamais fora um bom político por seu espírito tímido e pacífico, preferindo fugir dos problemas ou simplesmente contorná-los com subterfúgios, Heka jamais o seria por sua incapacidade de ser diplomático e por seu orgulho belicoso, batendo de frente contra tudo e todos, sem medo.

A tarefa de Diankós como seu tutor era espinhosa. Heka aprendia tudo com velocidade espantosa, era meticuloso e honesto, concentrava-se em detalhes e questionava à exaustão o que não compreendia ou não lhe parecia razoável. Ao mesmo tempo, continuava uma pessoa fechada, incapaz de abrir-se com Diankós a respeito de seus problemas pessoais, como Epher costumava fazer. Mesmo ouvindo Diankós com atenção e jamais dirigindo-lhe uma palavra agressiva, tratando-o até com muito carinho e o máximo respeito, Heka dificilmente contava-lhe tudo o que pensava ou pretendia fazer. Isso certamente dificultava a comunicação entre ambos, e Diankós precisava desdobrar-se para ajudá-lo.

Uma das decisões de Heka que mais intrigaram Diankós foi a de não mudar-se para um aposento particular no templo, como um sacerdote solteiro deveria fazer, e manter Akh em casa, ao invés de enviá-la para uma escola feminina, já que não tinham uma mãe para orientá-la (2). Heka sabia que a irmã já passava da idade de educar-se convenientemente, caso desejasse arrumar um bom marido. Se fosse colocada numa das escolas do templo, poderia ao menos um dia tornar-se sacerdotisa ao lado do irmão. Porém, possessivo e ciumento como era, Heka insistiu em encarregar-se pessoalmente da educação dela, a seu modo. Ciente de que Heka conhecia as profecias a respeito de ambos, Diankós viu nisso um temor de que algo pudesse acontecer à menina, e acabou por respeitar sua decisão.

O resultado foi que Akh acabou por receber uma educação completamente fora dos padrões, aprendendo com o irmão coisas que normalmente eram vetadas às mulheres, mesmo às poucas sacerdotisas formadas no templo (3). Heka ensinava-lhe medicina, astrologia, magia, cálculos, artes, filosofia e até técnicas secretas de mumificação, enquanto as alunas do templo geralmente aprendiam apenas música, dança, escrita e alguns rituais e poções básicos. Em casa, Akh aprendia sobre a lida doméstica com as criadas e vizinhas, mas ia muito além disso, fazendo artesanato, pintando, esculpindo, tecendo e cozinhando. Diankós às vezes horrorizava-se ao vê-la realizar tarefas mais apropriadas a um artesão do que a uma dona de casa, mas a teimosia de Heka parecia ir-se infiltrando na alma da irmã, e Akh não abria mão do que gostava.

Com efeito, ela cresceu e tornou-se uma mulher voluntariosa e independente, abaixando a cabeça apenas para o irmão. Akh ia ao mercado e discutia com os comerciantes como uma mercenária, vendia pessoalmente seus trabalhos como uma artesã qualquer, reclamava francamente do que não lhe agradava e arriscava até opiniões políticas, para susto dos que a conheciam pouco. Diankós tentava em vão conter-lhe os brios, mas Akh refugiava-se na sombra do irmão, que ria de seus desaforos e orgulhava-se de sua inteligência.

Aos doze anos, Akh ainda era uma menina comprida e forte em comparação às outras de sua idade, porém logo parou de crescer e seu corpo começou a emagrecer e a tomar formas femininas. Não ficou portanto uma mulher alta, ao contrário, e seu porte pequeno e sua pele, bronzeada mas clara, contrastavam visivelmente com o irmão, alto, magro e moreno. Aos quinze anos, Akh aparentava menos idade do que realmente tinha, e seu corpo adolescente e seu tipo físico raro logo começaram a despertar o interesse dos rapazes. Tão indiferente a eles quanto Heka mostrava-se em relação às moças que lançavam-lhe olhares cobiçosos, Akh não demonstrava nenhuma tendência para o casamento, chegando até a reagir com desdém e agressividade ao interesse de alguns pretendentes mais ousados.

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Notas explicativas:

1 - A sucessão no Antigo Egito em geral seguia as regras da hereditariedade, com os filhos sendo educados para assumir a profissão dos pais. Caso o pai não tivesse um filho educado na mesma profissão e capaz de sucedê-lo, poderia adotar um aprendiz seu como se fosse um filho legítimo, ainda que esse aprendiz tivesse pais vivos. Essa adoção era simbólica, apenas para fins sucessórios, e era considerada uma honra pelos adotados. Nesta história, como Epher não tinha outro herdeiro além de Heka Ma'At, o rapaz podia ser forçado a assumir o cargo do pai em nome da tradição, a fim de solucionar o impasse no templo.

2 - Como considerava-se a casa da família uma propriedade da mulher, os homens solteiros em geral habitavam a casa materna até casar e mudar para a residência das esposas. Os sacerdotes solteiros ou os viúvos sem filhos (ou com filhos casados) muitas vezes iam morar nos templos para ficar mais próximos de seu local de estudo e de trabalho. Os órfãos de pai e mãe moravam no templo até a época do casamento.

3 - As mulheres também podiam estudar os mistérios sacerdotais, mas suas funções cerimoniais eram diferentes das masculinas, daí a diferença do que aprendiam nas escolas dos templos.
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