Tramas de Alcova


Ostia - Península Itálica - 67 a.C.

Certa manhã, após ler uma das muitas cartas que recebia com frequência, Methos largou o papiro e levantou-se num pulo da cadeira, irritado com as más notícias enviadas por um de seus informantes. Sua vida estava complicando-se novamente e ele precisava sair logo de Ostia, antes que algo pior acontecesse.

Há algum tempo Methos sabia que este momento chegaria e já vinha preparando um plano para sumir sem deixar rastros. Ele estava disposto a abrir mão de seu passado e criar uma identidade totalmente nova, bem longe dali, mas preferia não ter que levar os amigos desta vez, e seria preciso convencê-los a deixarem-no partir em paz. Com a burocracia romana, criar e manter uma única identidade falsa já era difícil o bastante. Fazer isso para todo o grupo de Imortais tornava tudo mais dispendioso e sujeito a falhas, risco que Methos não queria correr. Além disso, a morte de Marconus fizera Methos perceber o quanto o grupo se acomodara, vivendo como se não houvesse um Jogo fatal de decapitações esperando por eles a cada esquina. Ele tinha consciência de que poderia ter perdido a cabeça no lugar do amigo, e não pretendia deixar-se surpreender novamente.

Impaciente, Methos saiu para tomar ar fresco no jardim e encontrou Gaicus sentado junto à fonte central, fitando a água com semblante entristecido. Ao vê-lo, o rapaz tentou disfarçar o susto e saudou-o com a reserva cortês que permeava seu relacionamento nos últimos tempos. Para maior surpresa de Gaicus, entretanto, Methos não fingiu-se de distraído como ele esperava - após apenas uma breve hesitação, o velho Imortal marchou na direção do rapaz e sentou-se a seu lado, sorrindo de forma amistosa.

- Foi bom encontrar-te aqui, há tanto tempo não conversamos! - começou Methos, olhando ao redor como quem busca um assunto - Acho que andei ocupado demais, e só agora estou percebendo o quanto me afastei de todos nesta casa!

- Já que mencionaste o fato, realmente nem sei por que ainda moras conosco! - alfinetou Gaicus, estranhando aquela aproximação - Há dias em que nem te vejo em casa!

- Ah, meu caro, são tantos problemas! - Methos deixou seu olhar perder-se por um momento nas águas da fonte de mármore - Mas não estou tão ausente que não tenha notado certas coisas. Aka, por exemplo, ainda continua fechada em seu luto, a despeito de todos os esforços para que ela volte a ser como antes...

- Isso é verdade! - comentou Gaicus, sem perceber que dava a chance para Methos desenvolver seus planos - Há uma ferida incurável no coração dela, e não sei mais o que fazer para ajudá-la! Será que algum dia ela voltará a ser feliz?

- Certamente voltará, meu amigo, e creio que tu serás o motivo desta melhora!

- Que queres dizer com isso? - Gaicus corou contra a vontade, confirmando as suspeitas de Methos, que conteve-se para não sorrir.

Já era de imaginar que, cedo ou tarde, Gaicus iria olhar para a amiga com outros olhos. Ela era a única mulher do grupo e era impossível esquecer-se de que ela era Imortal, vendo todas as outras envelhecendo dia a dia, ocupadas em cuidar de suas famílias e tentando evitar um futuro que teima em chegar depressa demais... Gaicus só não se apaixonara antes porque via Aka como esposa de seus melhores amigos, e sorte deles que ela não era seu tipo de mulher. Caso contrário, no passado o rapaz poderia ter sido um rival incômodo, talvez até gerando conflitos que levassem à ruptura do grupo. Hoje tudo era diferente, e só um cego não veria a devoção crescente que Gaicus dedicava a Aka, cada vez mais vivendo apenas em função dela.

Por seu lado, Aka ainda tentava tratar Gaicus como um parente, mas as trocas de confidências dos últimos tempos e as atenções e gentilezas que o rapaz lhe dedicava sem dúvida vinham rompendo suas defesas. Com a morte de Titus, ambos ficaram carentes e sua aproximação tinha sido mais do que natural. Mas agora era justamente o fantasma de Marconus que pairava entre eles como uma sólida barreira, impedindo-a de ir além da amizade.

Eksamus também já tinha notado tudo isso, e Methos chegou a ouvir partes de uma conversa dele com a irmã. Eksamus tinha perguntado se ela estava interessada no amigo, mas Aka respondera na época que seus sentimentos por Gaicus eram inocentes, e que não pretendia encorajar nenhuma atitude do rapaz em outro sentido. Realmente ela nunca encorajara e Gaicus também não tentara nada. O rapaz não ousava cortejar a viúva do melhor amigo e mentor, enquanto Aka não queria cair na vulgaridade de envolver-se com outro Imortal do mesmo grupo, ainda mais um que tinha sido amigo íntimo de seu falecido marido.

Agora os dois viviam num impasse velado, e Methos desconfiava que não estava longe o dia em que aqueles sentimentos contidos explodiriam, para o bem ou para o mal. E lembrando do que acabara de ler na última carta, o velho Imortal decidiu que no momento não lhe convinha nem um pouco que Gaicus se afastasse de Aka por causa daquela atração inconfessa.

- Lembras daquela conversa que tivemos há alguns anos, quando disseste que Aka precisava casar-se novamente para recuperar a alegria de viver? - Methos observou com cuidado as reações de Gaicus - Na época eu não concordei contigo, mas hoje acho que Aka precisa mesmo de um novo amor para preencher o vazio que há em seu coração... E acho também que ela já escolheu este novo amor!

- Mas quem poderia ser? - Gaicus franziu o cenho, enciumado - Eksamus cansou-se de apresentar a ela os patrícios que considerou mais decentes e interessantes, e ela rejeitou a todos! Não me digas que Aka está de namoricos com algum plebeu ou pior, com um escravo!

- Não sejas tolo, Aka não se envolve facilmente com mortais! - Methos sorriu - Ela precisa é de alguém da nossa espécie, um Imortal, como Titus!

- Acreditas mesmo nisso? - Gaicus pensou por um momento, depois encarou o amigo - Methos, tu pretendes reaproximar-te de Aka?

- Eu? Claro que não! - Methos riu com gosto - Nós vivemos nossos bons e maus momentos, não desprezo os anos em que estivemos casados, mas isso é parte do passado. Não consigo sequer imaginar-me outra vez ao lado dela, e fiquei sinceramente feliz por Titus tê-la desposado!

- Mas então não há outro pretendente! - Gaicus gaguejou e corou, sem conseguir fazer-se de desentendido - Quer dizer, se tu não pretendes cortejá-la...

- Sim, só restaste tu! - Methos pulou em cima da chance sem a menor piedade - És o único Imortal solteiro por perto!

- Ah, mas isso é loucura, nem ouso pensar nisso! - Gaicus tentou a todo custo disfarçar as emoções que o assaltavam, mas Methos era esperto demais - Aka não iria jamais interessar-se por mim, que não tenho tanta cultura ou vivência... Que absurdo, não estou à altura dela e seria um atrevimento de minha parte pensar o contrário!

- Meu caro, é por isso que fiz questão de conversar contigo hoje. Acredito que Aka já tenha uma semente de interesse por ti! - Methos decidiu afagar o ego de Gaicus para não espantá-lo - Tu não percebes porque és nobre e inocente demais em tua amizade, mas Aka é mulher, e tu és homem... É natural que ela tenha se enamorado por ti, que estás sempre ao lado dela, ao invés de esticar os olhos para um estranho qualquer!

- Aka está enamorada por mim? - um brilho denunciador surgiu no olhar de Gaicus - Mas e agora, o que devo fazer? Não posso decepcioná-la, isso partiria seu coração para sempre!

- Calma, não te precipites! Conversarei com Aka para ter certeza da profundidade dos sentimentos dela, e também com Eksamus, para saber se ele aprova tudo isso. Depois veremos que atitude tomar.

- É um enorme favor que me fazes, Methos! - Gaicus sorriu - Agradeço-te pela ajuda, pois estou tão surpreso que nem sei o que pensar ou fazer!

- Não te preocupes, assim que tiver novidades eu conversarei contigo novamente. Até lá, guarda tuas emoções para ti e não assustes Aka com atitudes indelicadas, por favor!

Evitando demonstrar sua satisfação diante do entusiasmo ingênuo do rapaz, Methos fingiu lembrar-se de um compromisso e saiu para um demorado passeio. Quando retornou, já no meio da tarde, encontrou a casa animada por visitantes. No tablinum, há cerca de duas horas Gaicus e Eksamus debatiam política e filosofia com um grupo de amigos magistrados que costumava visitá-los sempre nos mesmos dias da semana, nos mesmos horários. Methos cumprimentou-os com cortesia e sentou-se à escrivaninha, no canto, ocupando-se em despachar alguns papéis com seu criado particular. Momentos depois, lançou um olhar entediado ao redor, suspirando. Ninguém pareceu notá-lo, pois todos estavam entretidos demais para dar-lhe atenção.

Acomodada numa poltrona do lado de fora das portas que davam para o jardim, Aka bordava um vestido novo com a ajuda de duas escravas, ouvindo com atenção a conversa dos homens e entediando-se por não poder emitir suas opiniões como gostaria. De vez em quando ela deixava o olhar pousar em Gaicus por mais tempo do que convinha, e não raro o rapaz também fitava-a disfarçadamente através da sala, quando ela não estava olhando em sua direção.

Após observar longamente os amigos distraídos, o velho Imortal de repente ergueu-se e dirigiu-se para Aka, estendendo-lhe a mão e convidando-a para uma volta pelo jardim. Surpresa, Aka acabou cedendo à curiosidade e, dando-lhe o braço, acompanhou-o em silêncio.

- Pois bem, creio que já podemos conversar sem que nos ouçam! - provocou ela, desconfiada, assim que se encontraram fora do alcance dos ouvidos dos criados e visitantes - A que devo a honra de tua atenção hoje, Methos?

- Vejo que teu juízo sobre mim não anda bem ultimamente, mas não me ofendo, pois reconheço que parte da culpa é minha! - Methos nem tentou fingir-se de contrito, afinal Aka o conhecia bem demais - Mas meu assunto merece tua atenção, e preciso de tua ajuda. Terei que sair em breve de Ostia, para começar uma vida nova!

- Problemas com os censores novamente? - Aka ironizou, incomodada com a notícia e ainda mais desconfiada - Qual é o teu plano para fugir? Pular de um navio e afogar-se diante do porto?

- Não devias ser tão dura comigo, pois desta vez pretendo fazer tudo com discrição. Na verdade não são os censores que me incomodam, mas sim uma certa viúva ambiciosa, que cismou de casar-se comigo e convenceu o tio senador a subornar-me com uma alta magistratura... Já imaginaste se arrumo um inimigo político que resolve investigar minha família?

Aka parou e apertou o braço de Methos, aflita:

- Isso envolveria a todos nós, com nossos parentescos inventados há gerações! Ah, Methos, como foste deixar tal viúva enredar-te em suas ambições?

Aka tinha motivos para preocupar-se. A política era o assunto preferido dos romanos, mas para os patrícios era ainda mais importante, pois o status de cada um dependia de seu histórico familiar, comprovando que não só o indivíduo, mas também seus antepassados tinham sido patrícios respeitáveis, cumpridores de seus deveres como nobres dominantes da sociedade. E os antepassados de Methos tinham sido ele próprio ou seus amigos Imortais, que na época usavam outros nomes, em outras cidades. Toda sua documentação era falsa e um exame mais rigoroso revelaria que havia algo errado na história daquela família, desmascarando todos no grupo. Methos deu de ombros e suspirou.

- Os devaneios da viúva já não me importam, o que eu quero é tua ajuda para que eu possa ir embora sozinho, antes que tudo se complique.

- Por que não vamos todos juntos?

- Se mais alguém sumir comigo, será mais complicado e pode levantar suspeitas. Meu plano de fuga está quase pronto, mas só eu devo partir agora. Não disponho de tempo para fazer novos preparativos para todos! Podes ajudar-me a segurar Eksamus e Gaicus em Ostia por alguns meses?

- Creio que me julgas mais poderosa do que sou, Methos, pois Eksamus eu até posso convencer, mas Gaicus... - Aka balançou a cabeça - Não há nada que o prenda tanto assim a nós, então com certeza ele preferirá ir contigo, mesmo que não o queiras!

- Não estou tão certo de que ele queira partir, e é por isso que preciso de tua ajuda.

- E o que eu poderia fazer? Acorrentá-lo como um escravo e trancá-lo em seu cubículo, para que não fuja?

- Aka, não há corrente neste mundo que seja mais poderosa do que o afeto de uma bela mulher!

- Não creio no que estou ouvindo! - Aka deu alguns passos em círculo, a surpresa cedendo lugar à indignação - Queres que eu seduza Gaicus, é isso? Methos, como ousas? Isso é covardia, não tens o direito de usar-me para forçar Gaicus a ficar aqui contra a vontade!

- Contra a vontade? - Methos riu com gosto - Bastaria um sorriso teu e ele ficaria aqui sem pensar duas vezes!

- É impossível, não acredito em tuas insinuações!

- Pois o próprio Gaicus confessou-me hoje que sente algo por ti, além da amizade!

- Ah, Methos, por favor, não brinques com os sentimentos alheios! - Aka sacudiu a cabeça, irritada - Como pode ser isso? Gaicus é tão jovem, alegre e galanteador, com dezenas de jovens interessantes jogadas a seus pés... O máximo que ele deve nutrir por mim é um amor de filho!

- Que bobagem é essa, desde quando Imortais preocupam-se com idade? - Methos assumiu um tom debochado - Gaicus é homem, como ele poderia ver-te como mãe se és tão jovial e formosa quanto qualquer mortal que se ofereça a ele? Além disso, tua vivência e tua cultura são tuas maiores vantagens, portanto não é à toa que ele está a procurar-te neste exato momento, como qualquer enamorado zeloso de sua amada!

Aka virou-se de súbito e, de fato, viu Gaicus às portas do tablinum, espichando o pescoço na direção do jardim, evidentemente à procura de alguém. Ao ver Aka e Methos observando-o de um canto, o rapaz logo aprumou-se e cumprimentou-os com um aceno sem jeito, retornando em seguida para a companhia dos convidados.

Corada, Aka voltou-se novamente para Methos, que não disfarçava a satisfação. A curiosidade de Gaicus não poderia ter sido mais oportuna para seus planos.

- Tu nunca foste alcoviteiro, Methos! O que significa isso, afinal? - Aka rodeou-o com ar de sutil ameaça - Tu vieste falar comigo a pedido do próprio Gaicus?

- Ora, ele não me pediria diretamente tal favor, afinal já fui teu marido e todos temos nossos pudores... Mas um amigo deve ajudar o outro num momento de sofrimento, não achas?

- Sofrimento? - Aka afligiu-se - Então é sério, Gaicus está apaixonado por mim? Mas como... Desde quando? Espero não tê-lo magoado sem perceber!

- Acalma-te, ele ainda não entrou em desespero... Mas certamente irá, caso não se sinta correspondido até a época em que eu anunciar minha partida! Até já imagino a dor dele ao ter que escolher entre acompanhar um velho amigo em fuga, ou ficar ao lado da mulher que ama, mas que o ignora...

- Ora, Methos, estás dramatizando tuas suposições para convencer-me a ajudar-te!

- Se duvidas, basta que fales com Gaicus!

Diante do ar altivo de Methos, Aka teve que conformar-se. Ele tinha razão, era preciso conversar diretamente com Gaicus para saber o que ele sentia de verdade. Porém, ao voltar com Methos para o tablinum, Aka percebeu que os olhos de Gaicus a seguiam com curiosidade insistente. Ele tentava disfarçar, conversando com os amigos, mas Aka agora estava alerta e percebeu que havia um falso entusiasmo na voz dele. O próprio Eksamus, instintivo, notou algo estranho e começou a lançar olhares inquiridores à irmã, tentando entender o que estava acontecendo.

Vendo o semblante preocupado de Eksamus e a ansiedade de Gaicus, Methos aproximou-se do grupo de homens e esperguiçou-se, dizendo que precisava urgentemente espairecer.

- Sejamos francos, há tempos não nos divertimos juntos e estamos mais do que necessitados de uma boa festa... Juro que, se eu não beber até cair ainda esta noite, mato-me de enfado! Quem me acompanha?

Os visitantes ergueram brindes à idéia, mas Gaicus e Eksamus voltaram seus olhares para Aka. Surpresa, ela apenas deu de ombros:

- Não temos provisões para dar uma festa aqui hoje, mas posso mandar comprar o que falta e alugar escravos extras para acelerar os preparativos, se realmente o desejais!

- Não te incomodes com isso, recebi justamente um convite para uma grande festa esta noite. Aka, tu também podes ir conosco, se não julgares muito indigno de ti... Meus amigos, por favor concedei-me o prazer de vossa companhia!

Sem esperar resposta, Methos despachou um escravo até a casa de seu anfitrião para confirmar a ida de todo o grupo à festa. Os visitantes logo rumaram para suas próprias casas, a fim de prepararem-se como a ocasião merecia.

- Não vos preocupeis comigo, ficarei em segurança com nossos criados! - disse Aka ao irmão, tentanto ocultar um certo desapontamento - Será uma noite triste sem vossa presença, é certo, mas há tanto tempo Methos não se anima em sair convosco, que é melhor aproveitar a chance!

- Mas tu ouviste o que ele falou, podes ir também! - respondeu Eksamus, sabendo o quanto a irmã entediava-se nos últimos tempos - Tens ido a poucas festas conosco e eu já disse que precisas de mais momentos alegres em tua vida. Vamos beber e dançar um pouco, que mal há nisso? Há tanto tempo não te vejo bêbada, que hoje vou afogar-te em vinho!

Aka acabou por ceder, rindo, e correu a arrumar-se com as escravas. Quando ela apresentou-se para sair, Eksamus encheu-se de orgulho ao ver a irmã tão radiante, sorrindo como nos velhos tempos. Gaicus, admirando-a com intensidade, fez questão de que sua liteira seguisse emparelhada com a dela e manteve-se a seu lado ao chegar à festa, despertando de novo a desconfiança de Eksamus.

- Gaicus ultimamente vive aos pés de minha irmã, mas o que deu nele hoje, para mostrar-se tão zeloso com ela? - murmurou ele para Methos, observando o casal circulando entre os outros convidados - É impressão minha ou...

- Não é impressão nem é de hoje! - cortou Methos, com um sorriso maroto - Ora, então meu velho amigo Eksamus não percebeu que um amigo cortejava-lhe a irmã, debaixo de seu próprio teto? Estás ficando distraído!

- Cortejando? - Eksamus arregalou os olhos - Não podes falar a sério! Se algo tivesse que acontecer entre os dois, já teria acontecido! Talvez isso seja algo apenas da parte dele, mas não da parte dela!

- Meu amigo, tua irmã é a única mulher com quem realmente convivemos, então é óbvio que um dia Gaicus enfim veria seus predicados! - Methos pereceu saborear a surpresa do amigo - Aka não tem idade, pairando invencível acima do tempo, uma jovem com a sabedoria de uma anciã, uma bela flor que não murcha como as outras... Tu mesmo já disseste mais de uma vez que gostaria de amar uma mulher Imortal!

- Mas Aka não me disse que estava interessada em Gaicus! - insistiu Eksamus, sem tirar os olhos do casal sorridente - Ah, Methos, será que eu me enganei com esses dois?

- E se estiveres enganado, qual o problema? - Methos estava trocando olhares com uma dupla de dançarinas e parecia ter perdido o interesse naquela conversa - Tua irmã um dia ou outro iria arranjar uma nova companhia, melhor então que seja alguém de tua confiança! Por que não bebes um pouco? Gaicus cuidará de Aka, não te preocupes!

Arrastando Eksamus para outro lado da festa e forçando-o a distrair-se com apostas nas lutas de escravos desarmados, cujos corpos desnudos e untados com óleo brilhavam à luz de lamparinas perfumadas, Methos encontrou-lhe também uma acompanhante. Empolgado com a linda morena de olhos lascivos que pendurou-se em seu ombro, Eksamus resolveu deixar a irmã em paz e logo mergulhou numa piscina morna, deixando-se massagear enquanto bebia vinho adocicado.

Também bebendo bastante, Gaicus e Aka por algum tempo distraíram-se assistindo duas malabaristas que contorciam-se em poses sensuais, porém o vinho aos poucos perdeu o sabor e a balbúrdia começou a incomodar. Aka, sem saber bem o motivo, de repente sentiu-se sufocar em meio a tanta luxúria e pediu para sentar-se. Embriagado mas ainda consciente o bastante para preocupar-se, Gaicus acompanhou-a até um banco de pedra num canto dos jardins, onde ela poderia descansar e respirar ar fresco.

- Estás melhor? - perguntou ele, solícito, fazendo sinal para que seu escravo abanasse Aka com seu manto.

- Sim, obrigada, acho que estou apenas desacostumada com essa balbúrdia! - riu Aka, aceitando o vinho fresco que os criados da casa passaram oferecendo - Meu irmão tem razão, faz tempo que não bebo desse jeito!

- A festa está bem animada e há mais gente do que seria conveniente, o ar chega a ficar abafado! - concordou Gaicus, sentando-se ao lado dela e fitando-a com interesse - Nosso anfitrião exagerou nos convites, precisamos ensiná-lo a dar uma festa elegante!

- Ora, tu gostas é de beber, apostar e flertar! - Aka fingiu-se de séria, mas logo voltou a rir - Desde quando sabes o que é uma festa elegante?

- Desde que percebi que és boa demais para um ambiente como este!

A doçura no olhar dele desarmou Aka por completo, deixando-a sem resposta. Contra sua vontade, um calor subiu por seu corpo e ela podia sentir seu coração acelerado. Nenhum dos dois depois soube precisar ao certo como ou por que tudo aconteceu, nem qual foi o momento em que ambos romperam as barreiras, embalados pela bebida e pela música. Gaicus lembrava-se apenas de ter enlaçado Aka firmemente pela cintura e começado a beijá-la sem parar. No instante seguinte Aka estava agarrando-o pelos cabelos e correspondendo a seus beijos com entusiasmo, enquanto seus escravos disfarçadamente afastavam-se, trocando olhares cúmplices. Aka e Gaicus não pretendiam parar de se beijar tão cedo, e logo estavam indo para casa numa só liteira, tendo deixado apenas um breve recado para os outros dois Imortais, avisando que tinham saído cedo da festa.

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Methos e Eksamus rumaram juntos para casa ao amanhecer. Dos dois, Eksamus era o mais embriagado e falante, enquanto Methos já começava a melhorar dos efeitos da bebedeira e queria apenas descansar. Foi ele quem percebeu que a porta dos aposentos de Aka estava aberta, mas não disse nada a Eksamus, que logo foi levado para o quarto pelos escravos e adormeceu assim que caiu na cama.

Vendo que Aka não vinha mesmo recebê-los, nem mesmo para reclamar pelo adiantado da hora, Methos caminhou com passos leves até a porta do quarto dela e espiou para dentro, curioso. Para sua surpresa, apenas as duas escravas pessoais dela estavam lá, adormecidas na antecâmara. Olhando ao redor, com a mente ainda anuviada, Methos sentia a presença de Aka na casa mas não sabia onde ela estava. Reconhecendo o escravo de companhia de Gaicus, que acordara com sua chegada e viera ajudar a receber os patrões, Methos puxou-o pelo braço, curioso.

- Sabes onde está a senhora Aka? Não a vejo em seus aposentos, ela está bem?

Corando por ter que cometer uma indiscrição, o homem confessou que Aka passara a noite no quarto com seu mestre e ainda não saíra de lá. Diante da cara de espanto que Methos não teve tempo de disfarçar, o serviçal ofereceu-se para bater à porta do patrão e acordar a senhora Aka imediatamente, mas Methos de repente irrompeu em gargalhadas.

- Deixa estar, não precisas assustá-los. Fica apenas de olhos abertos e, assim que um dos dois sair do quarto, avisa que o senhor Eksamus já retornou da festa. É melhor que eles sejam discretos.

O homem agradeceu a preocupação gentil de Methos para com seu amo e afastou-se com uma mesura. Methos ainda permaneceu alguns instantes olhando para a porta fechada do quarto de Gaicus, sorrindo para si mesmo.

- Quem diria, os malandros não perderam tempo! - murmurou o velho Imortal, dando do ombros e rumando para o tablinum, onde pretendia tomar uma última taça de vinho em comemoração à vitória de sua trama - Sorte minha que tudo está caminhando tão rápido. Se eu acreditasse em espíritos, diria que Titus teve algo a ver com isso...

*************

Sentindo a presença dos amigos Imortais e acordando com um gosto ruim na boca, Gaicus estranhou o peso sobre o peito e já ia resmungar, quando compreendeu que era Aka que dormia abraçada a seu corpo. Reprimindo por pouco uma exclamação de susto, Gaicus deu um tapa na própria testa ao lembrar-se de fragmentos do que ocorrera algumas horas atrás. Mal embrulhada nos lençóis, Aka agitou-se por um momento, parecendo também sentir o alarme a presença dos outros, mas logo serenou, sem abrir os olhos. Um forte rubor subiu às faces de Gaicus e ele olhou para ela com um misto de ternura e apreensão, sem saber o que fazer. Afastando-se devagar, para que ela não acordasse, Gaicus embrulhou-se no manto que ainda estava largado pelo chão e abriu uma fresta da porta, espiando o átrio com olhos vermelhos. No mesmo minuto seu escravo apareceu, compenetrado, dando o recado de Methos e oferecendo-se para ajudar no que fosse preciso.

- Ai, que confusão fui aprontar... Desta vez Eksamus me mata! - lançando um olhar para Aka, Gaicus saiu e encostou a porta atrás de si para que ela não o ouvisse - Fica aqui fora vigiando. Se o senhor Eksamus levantar-se, avisa-me imediatamente!

Tomando todo o cuidado para não fazer barulho, Gaicus voltou e vestiu-se às pressas na penumbra do quarto. Aka continuava adormecida, deitada de bruços, com os longos cabelos emaranhados e espalhados pelo travesseiro. Gaicus olhou-a com intensidade, deixando mais lembranças aflorarem, e mais uma vez corou, afogueado. De onde surgira aquela paixão que o aquecia por dentro? Como era possível que seu peito transbordasse de ternura e desejo só em olhar para aquela criatura que, até há poucas horas, era apenas sua melhor amiga? Não que ele nunca tivesse pensado em Aka como mulher, mas daí a confessar para si mesmo que a queria para si... Se Methos não tivesse lhe dito sobre o interesse dela, Gaicus jamais teria ousado tocá-la!

O rapaz desabou sobre uma cadeira, esfregando os olhos para espantar os últimos efeitos da bebedeira. Nunca acreditou que aquilo pudesse acontecer mas, ao mesmo tempo, era óbvio que já devia ter acontecido antes. Agora Gaicus sabia apenas que tinham que continuar o que começaram naquela noite, ou ele viveria frustrado para sempre. Por um momento sua vontade foi de voltar para a cama, porém Aka de repente abriu os olhos e, percebendo que estava num quarto estranho, sentou-se num pulo, puxando os lençóis de encontro ao corpo com apreensão. Vendo Gaicus fitando-a na penumbra, Aka corou e levou as mãos à cabeça, com expressão de dor.

- Pensei que tivesse sido um sonho, mas então é verdade... Passei a noite contigo? - murmurou ela, encolhendo-se num canto do colchão e tentando pensar com coerência - Eu não devia ter bebido tanto, parece que há uma manada inteira de cabritos balindo dentro de minha cabeça... Onde estão minhas roupas? Minha boca está seca...

Acendendo pessoalmente novas lamparinas para iluminar melhor o quarto, Gaicus serviu uma taça com água do jarro ao lado de sua cama e entregou-a a Aka. Porém, quando sentou-se perto dela, Aka encolheu-se ainda mais, evitando fitá-lo nos olhos. Gaicus sentiu um carinho enorme crescendo no peito e agarrou uma das mãos dela com firmeza.

- Tens vergonha do que aconteceu entre nós? Acaso não fui do teu agrado?

- Não, e na verdade não importa! - as lembranças estavam deixando Aka confusa, ansiando por abraçá-lo, porém ao mesmo tempo isso lhe parecia totalmente impróprio - Eu me excedi por uma noite, estava bêbada e carente, mas isso não vai se repetir!

- Aka, não penses que eu só quis abusar de tua bebedeira! Nossa amizade cresceu muito nos últimos tempos e provavelmente um dia chegaríamos a isso... Olha para mim, por favor! Posso pedir-te como esposa a teu irmão?

- Não! - Aka encarou-o com o rosto afogueado - Se és meu amigo, então tende compaixão da minha fraqueza... Ninguém precisa saber o que houve!

- Duvido que estejas sendo sincera! Eu te admiro, te quero bem, agora descobri o quanto te desejo e sei que teu corpo corresponde ao meu... Não há como voltar atrás, então só nos resta ir adiante! - vendo-a sacudir a cabeça em negativa, tentando escapar dele, Gaicus apelou - Além do mais, até Methos já sabe!

- Methos sabe? - Aka empalideceu e fechou os olhos - Ah, o que ele dirá de mim? Que mulher vulgar eu sou, passando dele para Titus e agora caindo em teus braços por causa de umas taças de vinho!

Gaicus começou a sentir-se ofendido com a atitude dela e forçou-a a virar-se para encará-lo.

- Methos garantiu-me que nada sente por ti além de amizade e Titus infelizmente não pode mais dizer-nos o que pensa, mas creio que não sou inferior a eles para que te sintas tão desonrada pela intimidade que dividimos! Acaso forcei-te a fazer algo que não querias?

- Não é isso... - Aka olhou para o rapaz e corou, sabendo o quanto gostara do que acontecera - Tende piedade de mim, Gaicus, minha cabeça roda tanto que mal consigo pensar! Como quereres que eu aceite casar-me contigo neste estado? Por favor, passa-me meu vestido...

- Aka, jura que nossas brincadeiras, nossas confidências e gentilezas nada significam para ti... - excitado diante dos pudores dela, Gaicus tentou puxar Aka para si - Jura que tua pele não se arrepia quando eu falo no teu ouvido, que meu toque não te enche de calor...

Mesmo tentando empurrá-lo para longe e manter alguma dignidade, Aka sentiu-se amolecer quando ele conseguiu beijá-la no pescoço, e reconheceu que estava perdida. Por pouco ela não permitiu que ele afastasse o lençol que a cobria, e esforçou-se para recobrar o controle:

- Não me tentes mais, eu te imploro! Deixa-me ao menos voltar a meu quarto para me arrumar, e juro que falarei pessoalmente com meu irmão!

O rosto de Gaicus iluminou-se e ele próprio ajudou-a a se vestir, aproveitando todas as chances que podia para roubar-lhe beijos e vê-la arrepiar-se de excitação involuntária. Escapando a custo das investidas dele, Aka enfim saiu para o atrium e fingiu que não viu o vulto alto de Methos à entrada do tablinum. Com certeza ele estava apenas esperando ela sair para ir falar com Gaicus... Com os passos mais firmes e dignos que conseguiu dar, sentindo a cabeça estourando, Aka enfim alcançou a porta do quarto do irmão, que ainda dormia. Os escravos já estavam acostumados a vê-la esgueirar-se de vez em quando para a cama de seu amo durante a madrugada e, sem uma palavra, deixaram o quarto.

Eksamus acordou quase uma hora depois, com a irmã debruçada sobre seu peito nu, enrolando as pontas de seus cabelos entre os dedos, e espreguiçou-se como um gato manhoso.

- Estás séria ou é impressão minha? - perguntou ele, esfregando os olhos e notando enfim a expressão da irmã - Aliás, pelo teu hálito, desconfio que não fui o único que bebi muito ontem... O que houve?

- Eu bebi demais, seduzi Gaicus e passei a noite fazendo loucuras... Agora ele quer casar-se comigo e Methos está lá fora, apoiando-o!

Eksamus gargalhou com gosto por alguns instantes, até perceber que a irmã não ria com ele.

- Estás falando sério? - ele sentou-se aprumado, tentanto colocar o cérebro para funcionar - Conta-me esta história direito, que negócio é esse de seduzir Gaicus? Então minhas suspeitas quando vos vi juntos ontem na festa eram verdadeiras?

Aka contou ao irmão o que havia acontecido no dia anterior, com todos os detalhes de que se recordava, e os desdobramentos daquela madrugada. Eksamus ouviu tudo em silêncio absoluto, apenas alisando os cabelos dela com carinho, demonstrando que não a censurava por nada.

- E agora, o que devo fazer? - concluiu Aka ao fim da narrativa, quase sem fôlego.

- Faças apenas o que teu coração mandar! - respondeu Eksamus, com calma - Gaicus tem razão, a amizade entre vós cresceu muito e era possível que um dia tal sentimento evoluísse para algo maior. A idéia de casar com ele te incomoda?

- Não sei, fiquei tão surpresa! - Aka confessou - Eu não preciso casar para sentir-me honrada, ou o que quer que Gaicus pense... Na verdade, eu me sentiria traindo Titus se casasse com qualquer pessoa agora. E Gaicus era aluno dele, é como se fosse meu enteado!

- Enteado é exagero... Apesar de ser bem mais novo do que nós, Gaicus não é nenhuma criança! - Eksamus ergueu o rosto da irmã para fitá-la nos olhos - Tu recusaste o pedido dele?

- Eu tentei, mas ele nem me ouviu! - Aka ficou pensativa, alisando os longos cabelos do irmão - Na hora eu estava confusa, e ainda estou... Achas mesmo que é possível ir adiante com essa loucura? Até ontem ele era só um bom amigo que me divertia, nada mais!

- Ora, há tempos ele não fala de outra mulher, e tu sabes que ele vive o dia todo a rodear-te! Lembras que já conversei contigo sobre isso? - Eksamus notou que a irmã corava e beliscou-a na cintura - Isso fez bem para tua vaidade e fez mal para o coração do nosso amigo...

- Eu gosto de Gaicus! - Aka abanou a cabeça - Como vou sair dessa situação? Sinto-me culpada, ele foi aluno e amigo de Titus!

- Titus não está mais aqui, mas Gaicus está e agora é tarde para fingir que nada aconteceu... Mas não deves apressar-te! - Eksamus sorriu, compreensivo - Basta dizer que precisas de um tempo para analisar a proposta dele, e pensar realmente antes de responder!

Cobrindo o irmão de beijos, Aka decidiu que mais tarde iria procurar por Gaicus e esclarecer a situação. Por enquanto, só o que ela queria era poder dormir um pouco mais, reconfortada pelo abraço sempre terno de Eksamus.

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