Último Andar: O Éden


1559 - Igreja Matriz de Santa Cecília, Espanha

Enrique estava na igreja há duas horas. Assim que o menino desmaiara, o padre, com os gritos de Enrique, veio e logo chamou o médico da cidade, que o levou. Enrique ficara a pensar por todo esse tempo. Aquela face raquítica ficara gravada em suas retinas. Já caminhava há muito tempo pela Espanha, vira pessoas magras e doentes, mas esse garoto estava diferente.

Os bancos da igreja eram ricamente entalhados e Enrique sempre se surpreendia com a arte que os carpinteiros tiveram ao trabalhar com eles. Ele aprendera a reconhecer madeiras, talhar, e outras tantas artes com seu pai que era carpinteiro na vila onde morava quando criança. Os bancos estavam organizados em três filas, cada uma separada por um pequeno corredor. Ele foi até o primeiro banco da fileira da direita. Foi vagarosamente contando e andando até o sétimo banco. Na ponta começou a olhar atentamente para achar entalhado no acento suas iniciais: E M. Ele mesmo havia feito essa pequenina travessura quando criança. Declarara que aquele banco era seu e quase sempre sentava-se nele. Enrique lembrou-se de como era engraçado: ele olhava atentamente, reparando em cada um que sentasse no seu banco. Afinal era seu e não era qualquer um que poderia se sentar ali. Mas sempre acabava deixando, afinal, ninguém o ouviria se ele reclamasse.

Suas lembranças fugiram da mente quando o padre adentrou pela porta da sacristia. Enrique, muito ansioso, foi irrequieto ao encontro dele, mas ao encontrar o olhar compenetrado do padre, circundado por marcas do tempo, sua cabeleira curta e branca, seu corpo magro usando uma batina, conteve-se. O padre, já com o chapéu em uma mão, estendeu a outra para Enrique. Ele pegou-a e, num gesto de respeito, beijou-a e pediu a benção. Então Enrique lançou um olhar inquisitivo e o padre começou:

- Não se preocupe, meu filho. Ele vai ficar bem.

- Mas, vossa reverendíssima sabe por que ele desmaiou?

- Seu nome é Ramon Torres. A mãe dele morreu há duas semanas. Eram por demais apegados. O pai também morreu há pouco mais de um mês e agora ele não tem familiares. Lembro dele desde criança. Ia pela cidade a passear de mãos dadas com a mãe. Pobre alma! Então, desde o enterro, não se alimentava direito, recusava-se a comer. Eu tentei, mais ele não quis. Ficou fraco em demasia. Agora, se ele se alimentar direito, Deus o colocará disposto novamente.

- Deus queira - Enrique respondeu quase mecanicamente.

- E tu? Não lembro de tua face por aqui.

- Sou um andarilho. Guio romeiros. Estava de passagem.

- Se quiser, encontro um lugar para que possas dormir aqui. Então amanhã visitarás o garoto.

- Deus o abençoe, padre. Agradeço muito.

Enrique resolveu ficar e pela manhã visitaria Ramon antes de partir.

 

O NOVO ALVORECER
Último Andar: O Éden

Presente - Onze Anos Atrás
Orfanato Maria Antonia Velásquez, Espanha

O sol brilhava alegremente. As crianças do orfanato brincavam faceiras no minúsculo parque ao lado do prédio de três andares onde ficavam instalados os quartos das crianças e o refeitório. Todo o lugar era ladeado por um portão de grossas barras de ferro envoltas por uma cerca viva já murcha. Na entrada, uma antiga escadinha levava à porta do prédio, atrás da qual ficavam localizadas a recepção e a secretaria. O prédio, um casarão antigo, tinha uma aparência melancólica com sua pintura cinza maltratada e descascada pelo tempo. As portas e janelas eram de madeira velha, com um cinza num tom pouco mais forte do que o das paredes, e realçavam ainda mais aquela figura sombria. Apesar de todo o cenário, o ar era contagiado pela alegria das crianças. Seus movimentos impossíveis aos incrédulos olhos adultos preenchiam com as cores que faltavam a pintura do lugar.

Os olhos de Juan também estavam preenchidos pela alegria deles. Sentado em um banquinho, via as outras crianças se divertindo no mais novo brinquedo do parque. Era como uma gaiola ou uma enorme teia de aranha quadriculada, feito de barras de ferro em que as crianças subiam, dependuravam-se, pulam e ficavam até de ponta cabeça, para desespero das monitoras. No meio do brinquedo, uma outra barra de ferro em que as crianças escorregavam lembrando os filmes de bombeiros. Ele já tentara subir, mais não havia passado da segunda barra. Ficara com medo e desistira. Só então fora se sentar, desapontado consigo mesmo, no banco do parque.

Viu então uma garota, mais velha que ele, que se aproximava com um belo sorriso e sentava-se no chão ao lado dele. Chamava-se Fabíola. Tinha nove anos e ajudava a cuidar das outras crianças mais novas. Todos no orfanato a adoravam. Era meiga e dedicada. Ficou alguns segundos a reparar o olhar tristonho de Juan e depois com sua voz de veludo começou a conversar:

- Por que não está no brinquedo como as outras crianças?

- Não gostei. É chato.

- Mas você já foi até em cima?

- Já disse que é chato.

Ela se delongou olhando para ele, então se levantou e estendeu a mão para o garoto. Ele hesitou e permaneceu parado até que Fabíola o pegasse pela mão e com um puxão o levasse até o brinquedo.

- Vamos! Coloque o pé aqui, - apontava a barra mais próxima do chão - apóie com as mãos aqui no alto e comece a subir.

- Eu posso cair e...

- Não vou deixar você cair. Confie em mim. E se cair, estarei aqui pra te segurar.

Timidamente ele começou a escalar. Primeiro, segurando firme nas leves mãos de Fabíola, depois equilibrando sozinho seu corpo. Escalaram juntos até o alto e sentaram-se sobre duas barras. Juan tinha um ar triunfal, que logo foi dissipado quando olhou para baixo.

- Vamos descer. Aqui é alto.

Ele se virou e começou a tentar descer. Ela fez um sinal de protesto.

- Vamos descer sim, mas não por aqui. Vamos escorregar pelo meio.

Ele tentou argumentar novamente, mas foi interrompido pela mão da garota que segurava a sua e levava-o para o centro do brinquedo. E como duas aranhinhas eles se foram. Ela desceu dizendo que o esperava lá embaixo. Então ele se viu segurando na barra central, mas ainda com medo de descer. Ouviu um assovio e a viu gesticulando para que descesse. Ele então fechou os olhos, respirou e mergulhou, deslizando pela barra. Por alguns segundos sentiu o vento tocar seu corpo, o espaço e o vazio puxando-o para baixo, a sensação de liberdade e logo após seus pés tocando o chão. Fabíola o esperava com um lindo sorriso. Ela estava orgulhosa. E ele também.

A partir deste dia tornaram-se muito amigos. Brincavam juntos sempre. Ela lhe contava histórias pela noite e conversavam por muito tempo. Mesmo depois, alguns anos mais velhos.

Presente

Juan ficara o resto da noite a caminhar. Andava por vielas e becos pouco movimentados. Sua roupa estava rasgada e queria permanecer fora da vista de outras pessoas. Pegara uma camisa que estava dependurada num varal e deixou o último trocado que tinha para o dono. Mas seu estado ainda estava deplorável. Ainda mais sua alma. Em sua cabeça, rodava um turbilhão de emoções: Quem era aquele cara? E o que aconteceu com o meu corpo? Estava mais confuso ainda.

Os primeiros raios da alvorada começavam a beijar os céus. Lembrou-se de várias vezes que ficara acordado com Anne só para ver o nascer do sol. Sentou-se por um minuto a observar. Ele não tinha o mesmo brilho. Não tinha a mesma luz. Antes parecia que sorria como um alegre fazendeiro a começar um novo dia de trabalho. Hoje sua face era de um carcereiro que o prendia por mais um dia. Um dia que não veria o próprio sorriso. Um dia de luto. Desejava que a lua chegasse logo. Desejava arrancar de si aquela ânsia que o queimava por dentro. Desejava retirar o estômago com as próprias mãos. Desejava que seu pulmão parasse de arder. E mais que tudo: desejava que seu cérebro parasse e que parasse de lembrar de Anne ou de qualquer outra coisa.

Esteve perto de puxar o gatilho. Queria puxar o gatilho e por alguns segundos ainda achou que deveria ter puxado. Mas não seria justo com Anne. Justiça? Não tinha mais conceito de justiça. A justiça foi inventada pelos homens para que executassem a obra de Deus. Parou por um segundo. Viu um padeiro que chegava ao trabalho empurrado pelos primeiros raios de sol. Uma profissão na sociedade. Um trabalho prestado que beneficia outros da sua espécie e é recompensado por isso. Mas quanto aos vermes que quase acabara de matar. Onde eles se encaixavam no ciclo lógico e social? E agora com seu novo corpo. Várias possibilidades perturbavam sua mente. Fantasmas que gritavam fantasias loucas. Precisava descansar. Continuou seguindo seu caminho rumo ao orfanato.

Delegacia da Cidade de Santa Cecília

- Mexam-se! Precisamos de pistas. E eu juro, se alguém deixar vazar algo para imprensa, fica seis meses de guarda de trânsito na frente de escola maternal. Alguma coisa, Rodrigues?

- Nada detetive. Portas e janelas limpas. Nenhum sinal de que foram forçadas ou arrombadas.

- Quem é que estava de plantão nessa me..., nesse lugar?

- Já estamos tomando depoimentos, senhor.

O detetive Júlio parou por um segundo e suspirou. Longa e profundamente. Olhou ao redor de si, o seu escritório e o alvoroço em que a delegacia se encontrava. O chão estava todo coberto por papéis. As quatro gavetas do seu arquivo de metal estavam espalhadas pela sala. Os livros que estavam na estante também haviam sido arremessados ao chão. As poltronas estavam viradas e a única coisa que parecia intacta era realmente o computador. Só aparentemente. Toda a memória havia sido apagada. E o que mais o revoltava era que ninguém tinha visto ou ouvido nada durante essa maldita noite.

As gordas bochechas escondidas pela barba por fazer de Júlio estavam rubras. Seus olhos faiscavam de raiva. A delegacia inteira se movimentava colhendo provas, apurando responsabilidades, procurando suspeitos. Afinal não era toda noite que alguém fazia uma bagunça como aquela. Principalmente dentro de uma delegacia, ou como Júlio dizia naquela hora, se é que aquilo era uma delegacia.

- Detetive, o tenente. No telefone. Linha dois.

Júlio saiu de seu transe momentâneo. Não queria estar na própria pele agora. Apanhou pesadamente o telefone e atendeu. Ouviu a voz áspera do tenente. Volta e meia dizia alguns monossílabos concordando. Estava cansado. Queria dormir e não ficar com esses malditos vândalos. Mas foi só quando o tenente mencionou que ele cogitou a possibilidade: e se não fossem simples vândalos? Alguém que invade um necrotério e some com um corpo pode ser louco o suficiente para entrar numa delegacia. O que ele temia é que além de louco, esse cara era bom. Desligou o telefone dizendo que iria procurar pelos arquivos do caso Juan Gonzáles e Anne Largos.

- Alguém telefone pros agentes. Eu os quero aqui!

*************

Orfanato Maria Antonia Velásquez

Juan parou em frente ao antigo orfanato que lhe trazia tantas recordações. Arrumou o cabelo que estava desgrenhado, ajeitou-se como pôde para aliviar o estado lastimável em que suas roupas se encontravam. Só então abriu o ruidoso portão desgastado pela ferrugem e deu alguns passos. Havia morado ali até os dez anos, quando aquele casal "que tinha sapatos brilhantes demais" resolveu adotá-lo. Era assim que ele pensava neles nas primeiras vezes, quando os conheceu. Estava receoso em deixar o orfanato, ao contrário de todos que achavam um verdadeiro milagre que alguém adotasse uma criança tão velha. O que ele na verdade tinha medo era de deixar Fabíola. Mas mesmo quando foi morar com o casal, sempre reservava alguns dias no mês para passar com sua querida señorita. Ela continuava morando lá. Agora, como monitora, trabalhava com as crianças.

Agachou-se e pegou uma pedra. Atirou em uma das janelas do primeiro andar, a do quarto dela. Sabia que ela já estaria acordada, sempre era a primeira a acordar. Jogou outra rindo-se. Parecia uma criança, mas preferia assim. Ninguém o veria entrar, e se tivesse sorte, ninguém o veria sair também.

Logo a janela se abriu. Vestida numa simples camisola branca, aquela linda menina dos olhos serenos e da voz aveludada apareceu reluzente na janela. Sua pele era branca, seus cabelos pretos e lisos caiam pela costa. Sua cara era de quem acabara de acordar e assim que viu Juan abriu um lindo sorriso, depois de uma careta zombeteira. Ela então fez sinal para que ele esperasse. Foi até a porta de seu quarto e espiou no corredor para verificar se alguém estava acordado. Era cedo e aparentemente todos ainda dormiam. Ela deu meia volta e fez sinal para que Juan subisse.

Ele se apoiou na janela do térreo e subiu até a dela. Ela ajudou como pôde, segurando-o pelas axilas e puxando-o para cima. Logo estavam os dois no quarto dela. Um quarto simples com uma pequena cama de solteiro, um guarda-roupas de madeira velha. Na cabeceira da cama Juan reconheceu um antigo abajur que ele havia dado no aniversário dela. Era uma bailarina de braços para cima. Na palma das mãos segurava o suporte da lâmpada. Tinha um vestido, igual aos de bonecas, azul claro bordado e com fitas também azuis, só que escuras. E, na parede, um quadro: aquele quadro, mais que o quarto inteiro, lhe trazia muitas lembranças. Era um quadro totalmente abstrato. Linhas pretas corriam alucinadas, formando várias figuras, com o interior colorido. As monitoras e outras crianças às vezes brincavam que quando os dois crescessem iriam virar pintores. Pois só pintores poderiam ficar a observar, e discutir, um simples quadro tanto quanto eles. A verdade era que aquelas linhas e figuras coloridas, apesar de tão simples, escondiam em si um refúgio mental para ambos. Às vezes, quando algo ruim acontecia, sentavam os dois em frente ao quadro, a admirá-lo. Ficavam tempos calados, distantes, apesar de estarem no mesmo lugar.

Agora ela, calada, o observava compenetrado no quadro:

- Ele não tem formas. É igual seu nome: abstrato. Não tem formas, só sentimentos. Nossa mente é que é levada por ele a ver o que queremos.

- Você está errada. Eu o chamo de "O Mundo", porque se você encaixar suas formas da maneira correta, pode ver o mundo inteiro dentro dessa moldura.

Eles se olharam e sorriram. Outra pessoa não entenderia, pois o que acabavam de falar era a teoria defendida por cada um durante as longas horas que passavam a discutir "O Mundo", quando eram crianças. Então eles se abraçaram forte, porém carinhosamente. Depois ficaram um tempo a fitar os olhos um do outro, para depois disso se soltarem.

- Minha querida señorita!

- Estava com saudades Juan. Mas o que faz aqui a esta hora?

- Não leu os jornais ultimamente, leu?

Ele sabia a resposta. Ela não lia jornais, nem via televisão. Ela tinha seus tesouros e isto bastava: seus livros de contos de fadas. Trabalhava com crianças e como elas reaprendeu a construir seu próprio mundo. E seu mundo era cor-de-rosa. O mundo lá de fora não importava. O que ela acreditava ser necessário para as crianças é que o sonho estivesse em seus corações, que pelas fantasias elas aprendessem a direção da vida. E ela fazia isso muito bem. Ensinava as crianças a se identificar com os personagens, a buscar o sentido da fábula dentro de seus corações e, como poucos, fazia tudo com tanto amor e dedicação que qualquer pessoa sentia uma enorme simpatia por ela e, além disso, se sentiria enormemente confortável dentro do mundo que ela criou.

Ela fez um sinal negativo e deu de ombros dizendo que não se importava. Só então percebeu o olhar dele. A face de Juan estava compenetrada, soturna, melancólica. Ela sentou-se na cama e conduziu-o lentamente para que também sentasse e depois colocasse a cabeça em seu colo.

- Ainda prefiro o sorriso em seu lindo rostinho - seu voz era ligeiramente zombeteira, mais ainda era terna e dócil.

- Às vezes, por mais que você tente, por mais que você queira é difícil sorrir.

- Quer dizer que nem minha companhia te deixa feliz, hein? - ela, ainda caçoando e agora fazendo caretas, levantou a palma da mão como se ameaçasse dar-lhe umas palmadas, arrancando gostosas gargalhadas de Juan. - Viu como é fácil?

Ele afundou ainda mais a cabeça no colo dela. Seu sorriso desapareceu novamente, suas pernas mexiam-se pela cama fazendo desenhos sem nexo no lençol:

- Dizem que vez ou outra, a vida começa a dar voltas, ela sem mais nem menos começa a mudar.

- Tudo muda e nada é para sempre.

- Mas será que vale a pena continuar? Quer dizer...

- O que aconteceu, Juan?

Seus dedos passeavam pelo cabelo negro de Juan.

- Sabe, Fá... aliás, nem eu sei. Aconteceram algumas coisas e a partir de agora não sei que rumo irá tomar minha vida.

- Por que eu estou me sentindo mal? Algo me diz que essa cara não é de um adolescente que está preocupado com a faculdade, com a roupa da formatura, com alguma menininha.

Juan parou, ficou estático. Fabíola sentiu a respiração dele diminuir. De fato, ele respirava vagarosamente. Virou-se para que ela não visse seu rosto. Ela, receosa, falou:

- Anne?

Juan fez um sinal afirmativo com a cabeça.

- Vocês brigaram? Terminaram?

- Não. Eu ainda a amo. Vamos dizer que ela foi pra outro lugar. E que ficaremos um tempo distantes. A saudade está me machucando. Já tentei ir até ela, mas não consegui, algo me prende aqui, mas não sei o que é.

- Ela se mudou?

Juan sentiu um ligeiro arrependimento em dizer que tentara ir até ela. Se dissesse agora que ela estava morta, Fabíola ficaria por demais preocupada com ele. Sentia-se estranho por não falar a verdade, nunca mentia para ela. Mas não tentaria explicar algo que nem ele mesmo entendia. Entender? Quem sabe aquele rapaz da bandana? Juan não sabia o que faria depois que saísse de lá. E se alguém o reconhecesse? Sua foto devia ter saído em vários jornais. Como iria explicar que de repente, no meio do necrotério, ele se levantou e saiu andando? Que como por milagre, ele já voara de um carro e tomara vários tiros e estava de pé em alguns minutos?

Ele saiu de sua divagação. Fabíola o observava calada. Olhava diretamente em seus olhos, conhecia Juan há muito tempo e nunca o tinha visto assim. Sentia uma sensação estranha, era como se o ar de todo o quarto tivesse parado de circular. Algo ruim estava pra acontecer.

Para a surpresa de Juan, ela abriu um lindo sorriso e começou novamente a falar:

- Que graça a vida teria se ela fosse fácil? - debochou ela - Juan, muito pode acontecer. Vocês podem mudar de cidade, até de país. Se o amor de vocês for verdadeiro, e eu sei que é, nada, nenhuma distância separará vocês dois. Eu lembro dela, das vezes que você a trouxe aqui. Entendo o porque você gosta tanto dela. Ela é bonita, amigável, simpática. E pode ocorrer muita coisa, muita coisa mesmo, por que a vida é assim, mas tudo permanecerá gravado aí dentro - ela tocava o peito de Juan - Tenho certeza que ela preferirá que você mantenha-se alegre e feliz. Se puder segui-la vá, senão, espere contente e esperançoso que logo vocês se reencontrarão, e por isso não vale a pena se desesperar. Vamos! Levante!

Eles se levantaram e Fabíola o tomou pelos braços. Ela começou a embalá-lo com uma dança, cantando com sua voz de veludo bem baixinho as notas de uma canção que os levava. Sua camisola rodopiava pelo ar acompanhando os passos desajeitados de Juan. Rodavam no espaço infinito, mesmo que trombando com alguns móveis, iam rodopiando enquanto ele, ainda baixinho, acompanhava assobiando a canção de Fabíola. Juan sentia que voava naquela dança. Sentia que estava no céu. Seu corpo tocava o de Fabíola e nuvens tocavam os dois. Ela dançava levemente. Parecia que dançava com um anjo. Todo o mal estar que sentira no último dia desaparecera por completo. Sentia-se livre, no céu, no Éden e agarrava-se aos braços dela.

De repente todo o corpo de Juan se eriçou. Com o canto do olho Juan fitou o rosto de Fabíola, mas para sua enorme surpresa, não era o rosto dela que ele via. Aquela pele branca, aqueles olhos decididos e firmes, aquela boca: Anne. Virou-se espantado para olhá-la, mas o que via agora era somente o sorriso de Fabíola. Ela então lhe beijou a face. Foi um beijo longo e demorado, suas mãos se soltaram e eles se abraçaram. Olharam-se novamente nos olhos.

- Anne te espera, meu irmão. Amo-te demais, mas faria tudo o que fosse necessário pra ver teu sorriso novamente.

- Acho que o que me espera é um longo caminho. Acho que longe de casa.

- Sentirei sua falta, mas quero que seja feliz. Tenho certeza que Anne também quer.

Ele a abraçou novamente. Os olhos dos dois estavam cheios de lágrimas.

- Obrigado Fabíola, minha doce señorita, minha irmã.

- Espero que possa voltar. Estarei te esperando.

Ele olhou novamente para todo o quarto. Fitou o abajur, e parou para observar "O Mundo". Agora estava disposto a ouvir o que quer que fosse daquele homem. Viveria sua vida. Por si, por Anne e por Fabíola.

Desceu pela janela como fizera para entrar e se demorou a observar outra vez todo o orfanato. Agora ia pela rua vagarosamente, ao encontro de seu futuro, de seu novo alvorecer.

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