Um Outro Tipo de Imortalidade


Amanda levou suas mãos finas e elegantes à boca. E bocejou. Duncan Macleod, observando as unhas caprichosamente pintadas de vermelho da companheira, disse com um sorriso irônico:

- Ora, desculpe pela minha presença monótona, senhorita.

Amanda deu uma gargalhada. A sua cabecinha loura, quase prateada, balançou com a graça de uma colegial.

- Ah, desculpe, Duncan. É que quilômetros e quilômetros de estrada, mesmo nos Alpes Transilvanianos, são de matar qualquer imortal... Estou sonhando com uma banheira cheia de espuma, perfumada com essências orientais... Afinal, quando vamos chegar ao hotel?

- Bem, o mapa está aí, na sua mão. Deixe-me ver... estamos mais ou menos por aqui. - Ele apontou com o dedo no mapa, sem tirar os olhos da estrada.

Amanda jogou o mapa no banco de trás, com um suspiro.

- Ah, ainda falta muito! E já está escurecendo, vamos chegar de madrugada...

- Sinto muito. - Respondeu o highlander. - Se você não tivesse se atrasado fazendo shopping em Bucareste...

- Mas comprei só algumas coisinhas básicas, de primeira necessidade... Uma bolsa Prada, um casaco Versace e... oh! Veja que gracinha esta bota Saint-Laurent!

MacLeod sorriu. Amanda não mudaria nunca. Ela sabia tornar as coisas mais alegres e animadas - isso sim, algo de primeira necessidade numa longa vida imortal. Distraído com esses pensamentos, não viu, de imediato, a construção cinzenta que surgiu por trás das árvores. Mas Amanda, sim.

- Pare, Duncan! Veja, um castelo enorme... Aposto que é um hotel!

O imortal examinou, desconfiado, a aparência sinistra das torres que despontavam à sua direita.

- Não sei, não, Amanda. Nunca ouvi falar de um hotel por aqui.

Ela colocou as mãos na cintura e disse, impaciente:

- Mas é claro que é um hotel! Todos esses castelos antigos são propriedades de velhas famílias de sangue azul, que precisam de muito dinheiro para mantê-los. Quase todos viraram hotéis. Não parece muito sofisticado, mas é melhor do que um carro apertado!

Duncan ia abrir a boca para argumentar, mas sentiu os lábios de Amanda sobre o seu pescoço.

- Por favor, Duncan... Estou tão cansada!

Um beijo. E os lábios vermelhos de Amanda fazendo um beicinho delicioso. MacLeod suspirou, por sua vez.

- Está bem, está bem! Mas, ao primeiro sinal de algo estranho, vamos embora, ouviu?

Não, Amanda não ouvira. Estava ocupada, beijando os lábios de Duncan. E ela beijava muitíssimo bem! Duncan também não ouviu mais nada. Apenas encostou o carro...

*************

- Um hotel? Não, senhorita, não somos um hotel...

O castelão era um rapaz bonito, mais ou menos da idade de Ritchie. Tinha uma aparência um pouco antiquada, com longos cabelos negros e um rosto pálido. Era um nobre romeno decadente, como dissera Amanda, e aparentava surpresa por receber visitas. Mais do que surpreso. Na verdade, parecia encantado com Amanda, o que deixou MacLeod um pouco incomodado. Mas, levando em consideração a juventude do rival, ele resolveu ser gentil.

- Oh, queira nos desculpar... - Disse, olhando para Amanda com ar de superioridade. - Nós já vamos indo, não é, Amanda?

- Ah, mas você vive sozinho neste castelo imenso? - Ela sorriu para o rapaz, desvencilhando-se dos braços de Duncan. - Não é... solitário?

O romeno sorriu, embevecido com o olhar sedutor de Amanda.

- Na verdade, é. Tenho alguns empregados para cuidar da propriedade. Mas eles vão para suas casas ao anoitecer... E...

- Sim? - Disse Amanda.

- Bem, já está tarde e a estrada é bem escura... Se quiserem pernoitar aqui...

- Obrigado, mas... - Ia dizendo MacLeod, quando foi interrompido por Amanda.

- Aceitamos!

- Amanda! - O imortal disse, irritado. - Estamos sendo inconvenientes.

- De jeito nenhum. - Protestou o rapaz, abrindo um sorriso. - Faço questão que fiquem.

MacLeod e Amanda trocaram olhares. Ele, furioso. Ela, satisfeita. Enquanto trocavam chispas, o rapaz, que se chamava Iulian, levou-os a quartos confortáveis e espaçosos. Dois aposentos separados, por sinal.

- Espero que não tenha cometido uma gafe. - Disse. - Como não usavam alianças, supus que não eram...

- Casados? - Amanda riu, olhando para MacLeod. - Mas é claro que não! Duncan é como... um irmão para mim.

- Irmão!? - disse o highlander, fazendo uma careta.

- Ah, que bom! Isto é... - Disse Iulian, corando. - ...muito interessante, senhorita. Talvez queira ver o resto do castelo, após o jantar. Terei prazer em acompanhá-la.

Duncan estava irritado. Tinha planejado uma noite romântica com Amanda e agora isto! Um nobrezinho imberbe estava se engraçando com ela... Além disso, depois de instalar Amanda, Iulian o estava levando para um quarto no lado oposto do castelo. Muito esperto...

*************

O jantar transcorreu animado, com o romeno enchendo Amanda de gentilezas e com um MacLeod profundamente entediado. Após o café, enquanto Amanda e o seu anfitrião passeavam no jardim, ele tentou se distrair olhando os retratos a óleo dos antepassados de Iulian, expostos na parede do velho salão. Enfim, Amanda e Iulian voltaram do passeio.

- Gosta de pintura? - Disse o rapaz a Duncan, ao vê-lo examinando os quadros. - Eu também pinto um pouco... Não tão bem como os antigos mestres, mas sou razoável, posso garantir!

- Tenho certeza que sim, Iulian. - Disse o imortal com um sorriso amarelo. Seja gentil, repetia para si mesmo.

Amanda parecia estar se divertindo. Ou ela fazia isso só para irritá-lo? Os dois, com certeza. Bem, ela sabia onde estava se metendo. Pensou em ir para cama. Nesse momento, no entanto, MacLeod notou que o rapaz suava frio e empalidecia. Amanda notara o mesmo. De repente, o romeno cambaleou. E caiu desmaiado nos braços de Amanda.

- O que aconteceu? - MacLeod acorreu, preocupado.

- Sei lá. - Disse Amanda. - Duncan, veja isto...

Ele olhou para o local que Amanda apontava. E sentiu um calafrio na espinha. No pescoço de Iulian havia duas marcas arroxeadas de dentes. Os dois Imortais entreolharam-se, espantados. Aquilo parecia...

- Marcas de um vampiro... ? - Disse MacLeod.

- Não pode estar falando sério, Duncan. - Riu Amanda. - Estamos na Romênia, mas daí a supor que existam vampiros, é demais!

Nesse instante, Iulian abriu os olhos. Ao perceber que examinavam o seu pescoço, levantou-se depressa, procurando ocultar o ferimento.

- Perdão. - Disse. - Eu ando um pouco febril, ultimamente. Mas já passou.

Amanda segurou o rapaz pelo braço e disse, decidida:

- Iulian, estas marcas são muito esquisitas. Como você as conseguiu?

- Não é nada... - O garoto tentou se levantar, mas titubeou de novo. Amanda e Duncan tiveram que levá-lo até o sofá, onde se deitou, exausto.

- Iulian, nós podemos ajudá-lo. - Disse MacLeod. - Precisa nos contar o que está havendo.

Amanda falou baixinho:

- Pode confiar em nós. Somos... especiais, de certa forma.

O rapaz olhou, assustado, para os dois Imortais.

- Por favor... deixem-me em paz!

- Iulian... só queremos ajudar. Diga-nos quem fez essas marcas no seu pescoço.

Amanda falava com doçura. O rapaz olhou para ela, e, suspirando profundamente, disse:

- Não sei de onde surgiram as marcas. Só sei que sinto uma angústia enorme ao pensar nelas... Tão grande que quase não consigo respirar...

MacLeod levantou-se e disse:

- Pode andar até o seu quarto?

O jovem castelão ergueu-se devagar, com a ajuda de Amanda.

- Sim, já estou melhor. Desculpem pelo transtorno... Tenham uma boa noite.

- Boa noite, Iulian. - Disse Amanda.

- Cuide-se. - Emendou MacLeod.

O rapaz subiu as escadas sob o olhar atento dos dois Imortais. Amanda voltou-se para MacLeod e disse:

- Então... vigiaremos o garoto, hoje à noite?

- Com toda a certeza. - Respondeu Duncan.

*************

Duncan MacLeod deslocava-se pelos corredores do castelo com todos os seus sentidos em alerta. Passou pela porta do quarto de Amanda pé ante pé. Sabia que a companheira não acordaria. Tinha se certificado disso, dando a ela um pouco de sonífero num cálice de licor, antes de ir dormir. Mas quem o preocupava era alguém que tinha ouvidos muito sensíveis, como um ser humano jamais teria. O que ia enfrentar era muito, muito perigoso... até para Amanda.

Assim, silencioso, encaminhou-se para o quarto de Iulian, pronto para reagir a qualquer movimento estranho. Encontrou o aposento destrancado. Era um dormitório amplo, ligado a uma pequena saleta que o rapaz usava como escritório particular. A cama estava vazia. Podia ver uma luz fraca pela fresta da porta do escritório. E ouviu uma voz feminina, falando baixinho.

- Venha, minha criança... - Dizia. - Deixe-me provar o seu néctar, meu jovem escravo...

MacLeod espiou pela fresta. Viu Iulian de pé, sem a camisa, imóvel como uma estátua. Parecia em transe. Atrás dele, havia uma sombra pálida, uma linda mulher de longos cabelos negros, opacos e sem brilho, presos numa trança grossa. Ela segurava as mãos do rapaz. E, encostando a sua boca no ouvido dele, sussurrou:

- Então... foi um menino desobediente hoje... não foi? Convidou estranhos para o nosso castelo.

De repente, Iulian pareceu despertar de sua paralisia. Começou a tremer e balbuciou:

- Perdoe-me! Eu não sabia...

Ela gargalhou.

- Eu sei... Eu apaguei a minha lembrança da sua memória.

A mulher o segurava, aparentemente sem esforço, e Iulian se debatia em vão.

- Eles viram as marcas no seu pescoço, criança...

- Por favor... não me machuque...

O rapaz caiu de joelhos. Ela acariciava seus cabelos, enquanto continuava a falar.

- Ninguém deve saber das marcas... ninguém.

- Não me mate!

- Já estava mesmo na hora de acabar com o nosso jogo, minha linda criança. Sinto muita sede... Hoje, você vai me dar tudo. A sua juventude, a sua vitae...

Ela fez um sinal com a mão e ele se aquietou de novo.

- Venha a mim, meu querido, pela última vez...

Iulian levantou-se devagar e colocou-se à frente da vampira. Inclinou levemente o pescoço, oferecendo-o, sem esboçar um gesto de resistência. A mulher sorriu, mostrando os longos caninos afiados. E preparou-se para morder a sua vítima.

- Pare aí mesmo, Ramona!

A vampira afastou-se de Iulian, que caiu, sem sentidos, no chão. Ela olhou para MacLeod, que a desafiava, sacando a sua katana, a espada dos samurais. Mas ela não parecia espantada. Ao contrário, sorriu, sedutora, e avançou na direção do imortal.

- Que grata surpresa, Duncan MacLeod! Já ouvi falar dos humanos que nunca morrem... Mas não sabia que tinha um highlander entre eles.

MacLeod deu um passo para trás.

- Ramona, é você mesma... Meu Deus, já se passaram trezentos anos depois que nos separamos. O que aconteceu com você?

- O de sempre. - Ela disse, ainda rindo. - Um vampiro me escolheu. Após a primeira mordida, vem outra, outra... Você definha até morrer, até virar uma morta-viva que suga sangue humano... Agora responda: como soube que eu estava aqui?

- Eu estava observando os quadros dos antigos senhores deste castelo, quando notei o retrato de uma mulher familiar. Era você, Ramona, tal qual a conheci há trezentos anos. Ao olhar a assinatura e a data da pintura, percebi que havia algo errado. O quadro era de Iulian e a data indicava uma semana atrás. Depois, vi as marcas no pescoço dele. Então vim verificar por mim mesmo.

Ramona fitou MacLeod por alguns instantes, calada. Depois, disse com tristeza.

- Ah, MacLeod... éramos tão felizes! Jovens e belos. Uma pena, mesmo... Se você não tivesse partido, se eu não tivesse encontrado o maldito vampiro que me transformou neste monstro... Tudo seria bem diferente.

O imortal sentiu os seus olhos encherem-se de lágrimas. Tinha gostado dela, um dia.

- Ramona...

- Mas agora é tarde. - Sentenciou a vampira, dominando MacLeod com um gesto. - Não pode se mexer, não é, Duncan? Isso mesmo... Você agora não poderá mais reagir.

O imortal sentiu o seu corpo paralisado. Tentou lutar, mas era como se perdesse todo o domínio sobre cada músculo, osso e tendão do seu corpo. Ouviu, ao longe, a katana indo ao chão. Sentiu as mãos de Ramona sobre o seu corpo, percorrendo o seu peito, o seu ombro... E a voz da vampira, tão suave...

- MacLeod, você será um belo vampiro... Quem diria que eu sobreviveria até hoje, só para transformá-lo em meu companheiro por toda a eternidade? Veja a ironia disto, meu amor. Você, um imortal, e eu, uma vampira. Dois iguais, unidos para sempre!

Sentiu os lábios dela beijarem o seu pescoço. Droga, vivera por tanto tempo para acabar assim? O pior é que não conseguia achar uma saída, como sempre fizera. Só podia torcer por algum milagre... Sentiu a mordida. Ah, era tarde demais... Primeiro, uma dor aguda, os caninos enfiando-se na sua carne. Depois, a sensação de prazer... Um prazer estranho, assustador. Algo que sugava, junto com o seu sangue, uma parte de sua alma. Viu o rosto belíssimo de Ramona, a música cigana do acampamento onde a conhecera... O corpo moreno e esguio, rodopiando, rodopiando. O cheiro pecaminoso de prazer e sexo... E o seu sangue, jorrando numa torrente sem fim.

De repente, foi atingido por um baque e caiu. Sentiu, mais do que viu, a cabeça da vampira girar e cair ao seu lado. O corpo foi ao chão, logo depois. Não houve sangue.

- Duncan! Você está bem? - Viu o rosto preocupado de Amanda inclinar-se sobre ele. Ela estava com a katana na mão.

- Amanda... Você matou a vampira!

- Bom, senti falta dos raios e das descargas elétricas, mas foi legal cortar a cabeça dela. - Amanda examinou o corpo da vampira com uma careta de nojo. - Ainda bem que desconfiei que você estava armando uma das suas... Mas quando percebi que havia algo no licor, eu já tinha tomado um pequeno gole e caí dura. Só consegui acordar há pouco...

O highlander sentou-se, ainda atordoado. Amanda levantou a mão, preocupada, para a marca no pescoço de MacLeod. Ele segurou-a.

- Não toque nisto, Amanda. Logo vai sarar, como saram todas as feridas.

Amanda continuou a olhá-lo. Depois, perguntou:

- O que você sentiu, quando ela o mordeu?

- Apenas dor. E medo.

Ela riu, aliviada.

- Eu sabia! Essas histórias de prazeres maravilhosos na mordida do vampiro são apenas fantasia!

- Isso mesmo, Amanda. - Disse MacLeod. - Apenas fantasia.

Iulian começava a voltar a si e Amanda foi até ele, para ajudá-lo. MacLeod fitou, pensativo, o corpo da vampira no chão. Não, Ramona... Não éramos iguais. Eu sou imortal, posso viver para sempre, se a sorte ajudar. Você, não. A sua eternidade era uma longa morte sem fim... Como se respondesse a esse pensamento, o cadáver desfez-se em pó. O dia amanhecia e os raios de sol encheram o quarto de vida.

Duncan MacLeod procurou Amanda com os olhos. Os cabelos curtos e louros da imortal brilhavam sob a luz da manhã. Ela parecia um garotinho travesso, tão alegre e saudável... O highlander sorriu. A imortalidade só valia a pena assim. Bem acompanhado...

*************

Madrugada de 09 de outubro de 2003. (3:23 horas)


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