Matéria publicada no Jornal Folha
de São Paulo.
Além de colecionar fotos e pôsteres,
fiéis choram, cantam e dançam nas missas-musicais
dos padres-astros"Sabe por que todas as mulheres são
religiosas? porque a religião tem o encanto do flerte"
(Oscar Wilde, escritor irlandês,
1854-1900)
"Esses padres viraram astros. Deus
que é Deus, quando veio ao mundo, não fez esse
barulho"
(Franco Torresi, 49, ex-padre)
"Fiquei passada com a reação
da platéia quando o padre Marcelo foi ao programa. Ele é
muito carismático"
(Angélica, 24, apresentadora)
"E então, padre, você me
liga?", perguntou a vendedora Mariza Adam, 28, a Marcelo
Rossi, na terça-feira passada, no final da missa que
comemorou os quatro anos de sua ordenação. Mariza
não é católica, é espírita,
mas estava muito impressionada com a performance do padre. "É
a primeira vez que venho à missa dele e achei incrível.
Rola uma energia forte, muito boa. Mais de uma vez, me arrepiei
inteira", diz.
Mariza se arrepiou inteira com a missa,
mas o assunto que pretende tratar com o padre pelo telefone é
outro. "Ele tem sido vítima da mídia. As
pessoas entendem errado sua pregação. A Astrid
Fontenelle, da MTV, por exemplo, tentou pegá-lo com
perguntas maldosas, mas ele se saiu superbem, porque tem o firme
objetivo de só passar o amor", afirma a vendedora,
que pede para deixarem o telefone desocupado, na loja onde
trabalha, à espera da chamada do padre.
O "amor do padre" de que fala
Mariza é transmitido em missas de até duas horas
de duração, que chegam a reunir 70 mil pessoas no
Santuário do Terço Bizantino, um galpão de
20 mil m2 (uma antiga fábrica) em Interlagos, zona sul de
São Paulo.
Padre Marcelo canta "Músicas
para Louvar o Senhor" _gravadas em um CD que vendeu 2,6
milhões de cópias_, dança, chora e repete
sempre: "Não é para me adorar, é para
adorar Jesus. Quem tem de aparecer é ele".
Ele não é o único a
comandar missas-musicais. Em Estiva Gerbi, cidade de 8.000
habitantes a 70 km de Campinas, o padre Macário Batista
Sobrinho, 31, canta até em ritmo de samba e pagode para
atrair fiéis; um pouco mais longe, em Ipanema, no Rio, o
astro é José Luiz Jansen de Mello Neto, 28, mais
conhecido como padre Zeca.
As fiéis (cerca de 70% do público
é feminino) entram em uma espécie de transe. Riem
sozinhas, choram, fecham os olhos, sacodem os braços.
Algumas, como a contadora aposentada Bete Rosa, 54, que
frequenta a missa do padre Marcelo, refere-se a ele como "o
padre-santo". "Que você continue sempre assim",
recomendou Bete ao padre Marcelo, na terça-feira.
DUAS ROSAS
As cenas de idolatria são as mesmas
nas diferentes missas-show. Em Estiva Gerbi, padre Macário
consegue reunir 15 mil fiéis no primeiro sábado de
cada mês, atraindo pessoas das cidades vizinhas, que
tentam se aproximar dele com carteiras de trabalho, fotografias,
roupas pessoais e garrafas de água, em troca de uma bênção.
"Sou apaixonada pela pessoa do padre Macário. Pra
mim, ele é lindo. Por isso, meu marido ficou com ciúmes
e queria me proibir de ir à missa", conta a
professora Claudete Glacira de Moraes, 31, de Mogi Mirim, que se
vangloria de já ter pego duas rosas e um terço
jogados por padre Macário do altar.
Com uma das rosas, a professora fez um chá;
a outra está guardada dentro da Bíblia. Claudete
falta ao trabalho em dia de missa, para chegar cedo a Estiva
Gerbi (17 km de Mogi). "Quero ficar bem perto do padre Macário",
diz.
No Rio, beatas de todas as idades, de
adolescentes a balzaquianas, dançam aos sábados,
as coreografias inventadas pelo padre Zeca, que conseguiu reunir
no evento Deus é Dez 15 mil pessoas em Ipanema, no último
dia 15. "Não acredito que haja algo tão
maravilhoso no mundo. Fiquei mais de cinco horas em pé,
rezando, e não me cansei", diz a estudante de
direito Marielle Passos, 24, que foi à missa do último
dia 28, com as amigas Adriana Ramos, 26, e Viviane Bastos, 22. "Se
ele não fosse padre, até poderia rolar alguma
coisa", confessa Marielle.
Para lidar com a numerosa audiência,
os padres Marcelo e Zeca, mais famosos, usam o método da "aproximação
pela distância": estão sempre cantando longe,
em cima do altar-palco, ou correndo da missa para um programa de
TV, com uma pressa dramática, impossibilitados de atender
a todos. Tudo temperado com "muita humildade". "A
gente não é nada nessa vida", repete padre
Marcelo. O público delira: "Que o senhor continue
sendo esse barco em alto mar que nos leva a Jesus", diz uma
fiel.
Padre Zeca, que por enquanto não
tem cordões de isolamento para protegê-lo dos fãs,
diz que não deixará de ir aos lugares por causa
dessa "popularidade repentina". "Se pudesse pegar
onda com mais frequência, pegaria", diz o
padre-surfista.
Para confessar-se com o padre Macário,
é preciso pegar uma senha. "Ele é disputadíssimo.
Para falar com ele por cinco minutos, teria que ficar mais de três
horas na fila", diz a empregada doméstica Judit dos
Santos, 36.
VERSÃO CAUBÓI
As novas beatas _milhares de mulheres que
voltaram a frequentar a igreja atraídas pelos padres
jovens_ são fiéis ao estilo de cada um. Das oito
fotos do padre Macário que enfeitam a cômoda da
dona-de-casa Gislene de Moraes Guarnieri, 27, a que ela mais
gosta é a do padre vestido com uma roupa de caubói,
tirada durante uma missa-country que ele celebrou em Mogi-Guaçu.
"Sempre que vou à missa, levo a máquina
fotográfica na bolsa. Ás vezes, chego a gastar um
filme inteiro só numa missa", diz Gislene.
Sua filha, Gabriela, 7, que é
coroinha do padre Macário, anda pela casa com a foto do
religioso estampada na camiseta. "Ele é um ídolo
para nós", diz a mãe, que "se desmonta
diante do sorriso do padre".
No Rio, a dona-de-casa Vera Almeida, 43,
também se derrete ao falar do padre Zeca. "Ele já
é bonitinho por natureza, mas, com essa coisa boa que vem
de dentro, fica maravilhoso", diz Vera, que dançava
animadamente, na terceira fila, durante a missa do dia 28.
Divorciada e mãe de dois filhos,
Vera integrou-se há apenas dois meses ao rebanho de padre
Zeca, em busca de conforto para "uma fase difícil de
sua vida". "A missa é muito animada. A igreja
parece uma boate de Deus", diz Vera, que aprendeu músicas
e coreografias.
Ela tentou um contato direto com padre
Zeca, mas não conseguiu "porque ele virou um artista".
"Ele desce do altar e vai correndo para a sacristia, senão
o povo ataca."
Cada um do seu jeito, os padres louvam a
Deus e negam todo o resto. Assédio? "Nunca me
mandaram bilhetes ousados. Pode até ser que da primeira
vez elas venham com essa intenção, mas aí
eu digo 'acorda'", afirma padre Marcelo, que costuma
receber milhares de mensagens por missa, escritas em pedaços
de papel. "É sempre pedindo ou agradecendo alguma
graça alcançada", diz ele, que "resistiu
a entrar para a vida religiosa por causa do celibato".
Ex-professor de aeróbica, ele conta que agora costuma
reservar às moças "um olhar de pai".
"As pessoas me tratam com muito
respeito. Se senti alguma coisa mais próxima, foi com
adolescentes. Mas não posso adivinhar o que vai na cabeça
delas", diz padre Zeca, que usa a política da "tranquilidade
consigo mesmo". "Sou como um homem casado", diz. "Bem
casado", completa.
Bonitos, jovens, verdadeiras encarnações
do bom-mocismo, fica difícil acreditar que os padres
nunca tenham percebido o frisson que causam entre as fiéis.
São cenas típicas de shows de música:
mulheres apertadas nas primeiras fileiras, tirando fotos,
esticando as mãos na direção deles, na
esperança de tocá-los ou de atrair um olhar "só
para elas".
O psicanalista e professor-emérito
de filosofia da Unicamp Rubem Alves, 65, diz que os novos padres
"encarnam um ideal quase feminino de masculinidade". "Trata-se
do assexuado puro, alegre, confiável, que reativa a
fantasia que estava em falta no ideário romântico
das mulheres", diz Alves, que já foi pastor. O
celibato seria até um atrativo. Segundo o psicanalista, "existe
um erotismo na castração".
O ex-padre Franco Torresi, 59, concorda.
Casado há 18 anos, ele acredita que o assédio
existe, mesmo que inconsciente. "Não se trata de
algo pensado, mas é claro que a mulher procura uma
aproximação com o homem que existe no padre. Se
ele for bonitinho, o apelo é ainda maior. Pois se até
nas eleições as pessoas votaram no Collor porque
ele é bonito, imagina em uma relação de
confissão, envolvimento, como essa com o padre", diz
Torresi (leia texto ao lado).
A maioria das beatas, mesmo as que chegam
por volta de 15h para pegar um bom lugar na missa das 20h ou as
que trabalham na "equipe" de 940 pessoas que assessora
padre Marcelo, nega qualquer matiz romântica na devoção.
"Ele mesmo diz que aquilo não é um show, é
uma missa", diz a estudante Juliana Pereira, 18, depois de
cantar, dançar e aplaudir por quase duas horas. Ela
costuma chegar ao santuário em Interlagos com cinco horas
de antecedência, para assistir à missa na primeira
fila.
A atriz Narjara Turetta, 32, que frequenta
as missas dos padres Zeca e Marcelo, acredita que a beleza dos
padres não pode ser um apelo para os fiéis. "Muita
gente vai à missa porque eles são bonitos, mas é
uma pena. As pessoas devem ir à missa para ver Deus, não
o padre", diz Turetta, que foi a filha de Regina Duarte no
seriado "Malu Mulher", em 1980. "Grito, aplaudo,
vibro, danço. Mas faço tudo para Jesus."
"O padre Marcelo vive dizendo que é
só uma setinha na direção de Jesus. As
pessoas querem passar a mão, tocar, mas ele já
disse que não gosta dessas coisas", explica a
cabeleireira Maria José Vella, 55, que mora no bairro de
Santana, a cerca de 50 km de Interlagos, mas não perde
uma missa no Santuário.
Mas, se o padre é apenas uma "setinha",
por que as fiéis não assistem à missa em
uma igreja próxima de casa, confortavelmente, com um
lugar para sentar? A inegável animação da
missa dos padres astros _com direito a "aeróbica do
Senhor"_ sem dúvida é um atrativo, mas não
explica tudo.
"Existe uma emoção
inexplicável aqui. Para dar uma idéia, a primeira
vez que eu vim, nem consegui rezar. Abri o bocão e chorei
a noite inteira", diz Maria José, referindo-se ao
Santuário. Na avaliação da cabeleireira,
padre Marcelo não chega a ser bonito, "mas é
um tipão". "O conjunto não é
perfeito, mas ele tem belos olhos azuis", diz.
Expert em audiência, Xuxa, 35,
resumiu o fenômeno padre Marcelo em seu programa. "Você
é alto, bonito, jovem, tem os olhos azuis e fala a
linguagem dos anjos. Sou sua fã", disse a
apresentadora, que é alta, bonita, jovem e tem olhos
azuis. O padre devolveu com seu bordão preferido: "Seja
fã de Deus. Não sou um fenômeno, quero
apenas trazer os jovens para a igreja".
Para alguém que virou astro, tendo
estudado para ser padre, o fator vaidade não deve ser
desprezado. Padre Macário assume a fama ("Tenho vários
casos registrados de doentes que se curaram após
participar de uma missa que eu celebrei e receber uma bênção
minha") e faz questão de salientar que foi um
precursor nas missas-musicais: "Todos pensam que estou me
espelhando no padre Marcelo, mas meu trabalho vem sendo
realizado há mais de três anos. Já venho
fazendo coisas do arco-da-velha há algum tempo",
diz.
Padres Zeca e Marcelo tomam outro rumo na
argumentação. "Quando a gente vai a um
hospital visitar crianças doentes, aquilo nos coloca no
lugar rapidinho. O sucesso não resiste", diz padre
Marcelo, que diz ter sido muito vaidoso no passado, quando
malhava 14 horas por dia.
"Todo mundo é de carne e osso.
Tem de trabalhar a fama. Quando existe uma experiência de
Deus, nada é alienante. Então, quando a gente
acaba de fazer um batizado e vai ver um paciente terminal,
percebe que tudo é passageiro, inclusive a glória
desse mundo", afirma padre Zeca. Ele diz que usa a
celebridade apenas para "pescar um número cada vez
maior de fiéis".
Para o professor Rubem Alves, não há
escapatória para explicar tanta exposição
no caso dos padres-astros. "Como diria (o filósofo
francês) Roland Barthes, é impossível estar
em frente a uma câmera de fotografia sem fazer pose. Mesmo
que seja pose de não fazer pose", diz Alves, que
acredita que "uma das principais vias do narcisismo é
justamente a humildade".
MISSA E TITANIC
Difícil saber onde termina o
padre-astro, onde começa Jesus. Especialmente quando se
sabe que já há, além dos CDs gravados, pelo
menos seis revistas-pôsters editadas só com fotos
do padre Marcelo. Uma delas foi às bancas com tiragem de
120 mil exemplares, praticamente esgotados. "Comprei a
revista pôster porque acho padre Marcelo o máximo.
Ele é como um astro para mim", diz a adolescente
Fernanda Fernandes, 13, que é fã também do
ator Leonardo Di Caprio.
"Ele tem um carisma impressionante.
Puxa a audiência de TV e rádio lá pra cima",
diz o editor de uma das revistas-pôsters, Giovanni
Santoro, 39. Ele informa que a publicação vai
virar revista mensal com o nome de "Carisma Cristão"
a partir de janeiro.
Insistentemente questionado sobre as
armadilhas da fama, padre Marcelo odeia ser comparado a astros
de rock, mas tem na ponta da língua números que
provam seu carisma: "Minhas missas atraem pessoas de todas
as partes. Já cheguei a ter 232 ônibus do Rio, 74
de Santa Catarina e 33 da Bahia. Parou a marginal".
Outra noite, recebeu uma chamada de um
adolescente, pedindo a bênção. Ele estava em
uma discoteca, em que tocava o hit "Erguei as Mãos",
faixa 13 do CD do padre. Madonna _a cantora, não a
virgem_ morreria de inveja.