Publicado no Jornal O Globo em 11/02/2001
NOVA YORK. Em 1933, o fim da Lei Seca fez
cair a taxa de criminalidade nos Estados Unidos da Grande
Depressão. Quarenta anos depois, a legalização
do aborto deu à luz uma geração que comete
menos crimes que as gerações antecessoras, as dos
filhos do aborto proibido. Um estudo a ser publicado em maio
pela "Revista Trimestral de Economia", da Universidade
de Harvard, demonstra que os americanos concebidos e criados
pelo desejo dos pais tendem a ter melhores resultados na vida,
ao passo que os filhos indesejados respondem por nada menos que
a metade dos crimes praticados nos EUA.
O estudo, intitulado "O impacto da
legalização do aborto no crime", é
fruto de três anos de trabalho dos professores Steven
Levitt, do Departamento de Economia da Universidade de Chicago,
e John Donohue III, da Escola de Direito da Universidade
Stanford. A pesquisa sustenta que a criminalidade no país
começou a cair aproximadamente 18 anos depois da legalização
do aborto, isto é, em 1991.
"Os cinco estados que permitiram o
aborto em 1970 (Nova York, Washington, Alasca, Havaí e
Califórnia) experimentaram declínios mais cedo que
o resto da nação, que legalizou-o em 1973",
diz o texto. Na taxa de assassinatos, o país vive desde
1991 a mais abrupta queda desde 1933. Os índices de
assassinatos têm caído mais de 40%. Crimes
violentos e contra a propriedade caíram, cada qual, 30%.
- Estávamos intrigados pela brusca
queda dos índices de criminalidade a partir de 1991 -
disse Donohue ao GLOBO. - Nenhuma das demais explicações
parecia justificar a diminuição. Naquela época,
eu procurava todo tipo de medição de estresse
social, patologias sociais, taxas de suicídio entre
adolescentes, quando aconteceu de encontrar números sobre
aborto. Percebi o enorme aumento no número de abortos
depois da decisão da Suprema Corte em 1973. E vi que a
queda nos crimes veio 18 anos mais tarde. Além disso, há
o fato demográfico de que os crimes violentos mais sérios
são perpetrados por pessoas da faixa entre 18 e 24 anos -
afirma.
Donohue, 48 anos, casado e com filhos,
explica a relação entre aborto e criminalidade:
- A idéia básica é
simples: quando crianças nascem de pais que as querem
ter, elas tendem a ter melhores resultados na vida e, quando
nascem de pais que não querem tê-las, os aspectos
de suas vidas são mais áridos, e uma das coisas
que pode dar errado é se deixar levar por uma vida de
crime.
O estudo coincide com um contexto de
revalorização da família com a chegada de
George W. Bush ao poder. Mesmo filmes triviais de Hollywood vêm
passando a mensagem de que os valores familiares devem triunfar
sobre os do indivíduo.
- Sim - admite Donohue. - Há
elementos nesse sentido que são permanentes na sociedade
americana. Mas é claro que há outros elementos que
se conflitam com essa visão. Por exemplo, o índice
de aborto e divórcio é ainda muito alto nos EUA.
Acho que os legisladores gostariam de ver esses números
mudarem e fazer alguma coisa que fortaleça a família.
Não há uma garantia de que as coisas vão
bem se você pertence a uma família intacta, mas
parece ser o caso de famílias intactas terem mais sucesso
na vida.
Os professores passaram cerca de três
anos recolhendo estatísticas e bibliografia para produzir
um texto que tem tudo para acender, dentro e fora do meio acadêmico,
um debate aguerrido.
- Tivemos muita cobertura de imprensa,
fomos falar em público. Agora a repercussão
sossegou um pouco, e outros acadêmicos estão
olhando as nossas descobertas - disse Donohue.
Segundo a pesquisa, nos estados em que o índice
de abortos foi mais alto, a criminalidade caiu mais. Donohue
afirma que existe uma distinção racial no fenômeno:
- Se a noção de melhor
estrutura familiar é a de pai e mãe casados,
observa-se menos isso na comunidade negra que na comunidade
branca. O índice de casamentos é mais alto na
comunidade branca, e o índice de crianças ilegítimas
é maior na comunidade negra, apesar de estar crescendo em
toda parte.
Perguntado se o resultado do estudo não
seria uma armadilha - já que poderia ser usado para reforçar
a campanha pelo aborto, mas também por seus opositores
por passar a idéia de que a sociedade deve eliminar quem
não é desejado - o professor responde:
- Há sempre o perigo numa pesquisa
de que alguém possa usá-la de modo não
apropriado. Tentamos ser cuidadosos em nossa pretensão.
Para os que estão infelizes com a idéia de aborto,
uma lição desse estudo talvez seja a de que, se
passos podem ser dados para evitar que mulheres engravidem
quando não querem engravidar, então podemos ter os
mesmos benefícios da redução da
criminalidade de um outro jeito.
Donohue, que em 2000 fez palestras sobre
desenvolvimento no Rio e em São Paulo, não faz idéia
do impacto que o estudo terá em políticas
oficiais:
- Será interessante ver se essas idéias
se infiltram na política de algum modo. O estudo apenas
analisa o impacto da decisão da Suprema Corte de 1973,
mas se pudermos ter a mesma redução de nascimentos
indesejados de outras formas, poderia ser melhor.
CNBB condena anjo e diabo em campanha
da Aids
Publicado no Jornal O Globo em 15/02/2001
Autor: Jailton de Carvalho
BRASÍLIA. O ministro da Saúde,
José Serra, lançou ontem a campanha de prevenção
à Aids que será divulgada por emissoras de rádio
e TV até o fim do carnaval. Na campanha, intitulada
''Acima do bem e do mal'', dois personagens, um representando o
diabo e o outro um anjo, discutem sobre a conveniência do
sexo entre dois foliões. Enquanto o diabo atiça, o
anjo desaconselha, alegando que o rapaz está sem
preservativo. O duelo é encerrado por um locutor que diz:
''Não importa de que lado você está. Use
camisinha''. - Eu acho engraçado. Chama a atenção
- disse Serra. Mas antes mesmo de ser levada ao ar a peça
provocou reação da Igreja Católica. O
secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), dom Raymundo Damasceno, disse que a campanha é
nociva. Segundo ele, sob o pretexto de aconselhar o uso de
preservativos, o ministério está difundindo uma
mensagem contra os valores cristãos. Para dom Damasceno, é
inaceitável essa confusão entre o anjo e o diabo.
- Não podemos confundir o
bem com o mal. O bem
é o bem. O mal é o mal. E nós temos que estar
do lado do bem - disse dom Damasceno. A campanha é composta
também por um jingle de 30 segundos que será
divulgado pelas emissoras de rádio. Embora em tom mais
leve, a letra menciona o anjo e o diabo. ''Meu anjo disse/E o
diabo concordou/Sem camisinha não vou/ Sem camisinha não
vou'', diz um dos versos. Está prevista a distribuição
de 10 milhões de leques e 1,5 milhão de cartazes.
Serão difundidas mensagens em 609 outdoors e 3.500
camisetas. A campanha custará R$ 5,2 milhões, valor
superior ao gasto no ano passado: R$ 3,8 milhões. O
ministro anunciou também que laboratórios estatais
poderão começar a produzir ainda este ano nelfinavir
e efavirenz - que fazem parte do coquetel de 12 medicamentos
antiretrovirais usados contra a Aids - se os laboratórios
Roché e Merk, donos das patentes, não reduzirem os
preços. Só com a compra dos dois remédios o
governo federal gasta R$ 210 milhões por ano. O valor
corresponde a 36% de todas as despesas do ministério com
todos os medicamentos de combate à Aids, da ordem de R$ 600
milhões por ano. Segundo o diretor do Departamento de Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST) e Aids, Paulo Teixeira, a
estratégia está prevista nos artigos 68 e 72 da Lei
de Patentes. Por esta lei, o governo brasileiro pode, em caso de
emergência nacional ou de abuso do poder econômico,
autorizar os laboratórios estatais a produzir qualquer
medicamento, mesmo que estejam patenteados por empresas
estrangeiras.
Pensamento:
"Eu não fui criado como um Católico, mas eu
costumava ir na missa com meus amigos, e eu vi todo o negócio
como um monte de hocus-pocus muito encantador. Tem um cara
pendurado no muro na igreja, pregado em uma cruz e pingando
sangue, e todo mundo está se culpando pelo tormento desse
homem, mas eu disse pra mim mesmo, 'Esquece. Eu não
participo desse mal. Eu não tenho pecado original. Não
há sangue de nenhum mártir sacro nas minhas mãos.
Eu rejeito tudo isso.'" Billy Joel, músico Americano
![{Sociedade da Terra Redonda}](http://www.strbrasil.com.br/banner01.gif)