Publicado no Jornal O Estado de São
Paulo em 26/10/2000
Seis historiadores, nomeados por João
Paulo II, querem esclarecer fatos ocultados
PARIS - O comportamento do Vaticano
durante a 2ª Guerra produziu uma chaga secular na Igreja.
Segundo algumas pessoas, Pio XII jamais disse nada, nada fez em
favor dos judeus, quando foi informado das mortes maciças
da Shoah. Alguns católicos respondem indignados: "Pio
XII trabalhou discretamente para não agravar mais a
Shoah."
Desde 1964 (Concílio Vaticano II),
quatro jesuítas ficaram encarregados de examinar os
arquivos e publicar um relatório. Já saíram
11 volumes com o título: "Atas e documentos da Santa
Sé relativos à 2ª Guerra Mundial."
Louvável esforço de
esclarecer, mas que não acaba com as sombras.
Recentemente, João Paulo II, que
melhorou as relações entre os judeus e a Igreja,
encarregou seis outros historiadores, três católicos
e três judeus, de fazer outro estudo. O jornal Le Monde,
que publicou resumos dele, considera-o "deprimente".
Não o temos integralmente. O
essencial é isso: os historiadores lamentam que as
pesquisas anteriores sejam cheias de lacunas. Eles pedem, então,
que o Vaticano abra seus arquivos da guerra. Enquanto esperam
essa improvável decisão (os arquivos encontram-se
livres somente até o ano de 1922), fazem duras questões
e lembram fatos.
9 de novembro de 1938 - Os membros das SS
massacraram os judeus ("Noite de Cristal"). Bispos
alertam o Vaticano. Nenhuma reação conhecida. Os
arquivos não falam sobre essa questão?
Agosto de 1941 - o marechal Pétain,
católico, pede ao Vaticano sua permissão para as
medidas antijudeus de Vichy. O Vaticano não tem objeção,
se essas medidas "forem administradas com justiça e
caridade".
Agosto de 1942 - O metropolita grego católico
de Lwow (Polônia) adverte sobre as atrocidades contra os
judeus na Ucrânia.
Fevereiro de 1942 - O cardeal da Cracóvia
descreve os horrores nazistas na Polônia, os campos de
concentração. Não faz alusão alguma à
presença maciça de judeus entre os torturados.
17 de maio de 1941 - Pio XII recebe o "gauleiter"
nazista da Croácia, Ante Pavelic. Dois anos depois,
Pavelic foi novamente recebido pelo papa. Todo o mundo sabia,
então, que Pavelic havia matado centenas de milhares de
judeus.
17 de janeiro de 1941 - O bispo de Berlim
escreve uma carta trágica a Pio XII. Dois anos depois, o
mesmo bispo pede a Pio XII para "intervir pelos inocentes"
(judeus perseguidos). O papa responde, no dia 30 de abril, para
explicar que os "bispos locais" sabem quando é
preciso fazer silêncio e quando falar.
7 de outubro de 1942 - Um capelão
italiano informa ao Vaticano que 2 milhões de judeus
foram exterminados. Esse capelão foi recebido quatro
vezes por Pio XII. No entanto, as "Atas e documentos da
Santa Sé..." falam apenas de duas audiências.
E não se sabe mais nada.
Um dos pesquisadores judeus observa que "o
papa sempre se alimentou a visão de que há um
comunismo com o qual é necessário acabar, um
nazismo que é um mal que acredita ser passageiro, e uma
volta a uma Alemanha conservadora, forte e disciplinada, no meio
de uma coalizão mundial contra o bolchevismo".
João Paulo II demonstrou coragem ao
nomear essa comissão. E eis o momento mais perigoso: o
que o papa vai fazer com esse relatório?