Publicado no Jornal do brasil em
13/03/2001
Caio Fábio pediria US$ 30 milhões
a Saddam para obter papelada de Cayman
Um clima de conspiração e
suspense dominou gabinetes políticos - na esquerda e na
direita - quando começaram a circular notícias, em
meados de 1998, sobre a existência do Dossiê Cayman.
Entre conversas a portas fechadas e encontros sigilosos, os
boatos sobre os documentos que comprometeriam o presidente
Fernando Henrique Cardoso chegaram a desencadear lances de delírio
e desatino. Um desses lances foi protagonizado pelo pastor Caio
Fábio, personagem que teve atuação polêmica
no episódio e hoje responde a processo por calúnia.
Decidido a obter os documentos que
incriminariam o presidente, Caio Fábio imaginou uma
estratégia. Telefonou para Luiz Inácio Lula da
Silva, na época candidato do PT à Presidência
da República, e pediu que o pusesse em contato com a
Embaixada do Iraque. Na época, o Iraque não tinha
embaixada no Brasil e o representante do país era Farouk
Al Fidyan, encarregado de negócios. Lula atendeu ao
pedido e, dias depois, teria recebido um telefonema de Fidyan.
Apavorado, o encarregado de negócios do Iraque teria
contado a Lula que Caio Fábio lhe pediu que arranjasse
com o ditador Saddam Hussein US$ 30 milhões para comprar
o dossiê. Dessa forma, Fernando Henrique, que tentava a
reeleição, ficaria desmoralizado e a vitória
do candidato petista estava garantida, argumentava o pastor.
Fidyan não aceitou a proposta e
Lula descartou qualquer envolvimento com o projeto do pastor. Não
foi suficiente: tempos depois, Caio Fábio procurou Lula
de novo, dessa vez com outro alvo na cabeça. Queria que o
candidato petista o pusesse em contato com Fidel Castro. Lula
perguntou se a intenção era ainda levantar US$ 30
milhões para comprar o dossiê e, diante da resposta
positiva, negou-se a fazer a ponte com Fidel.
Maluf - Durante o último comício
de Cristóvam Buarque na campanha eleitoral de 1998, o
Dossiê Cayman voltou a bater às portas de Lula. Na
ocasião, Lula recebeu telefonema do advogado e deputado
Luiz Gushiken (PT-SP) avisando que Paulo Maluf queria falar com
ele. O candidato petista respondeu que não falava com
Maluf, mas concordou em conversar com Lafaiete Coutinho,
presidente do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal
no governo Collor. Encontraram-se no hangar da TAM e Coutinho
lhe mostrou os papéis. Ficou combinado que Gushiken
chamaria o advogado Márcio Tomaz Bastos e ambos
examinariam os documentos.
Durante um jantar em Caxias do Sul (RS),
Marcio Tomaz Bastos foi então contactado pelo senador
Gilberto Miranda (PMDB-AM), que lhe ofereceu seu jatinho para
levá-lo a São Paulo e examinar o Dossiê
Cayman em sua casa. Já na casa de Miranda, Tomaz Bastos
teve que prometer duas coisas a seu anfitrião: não
revelaria sua identidade e, caso o PT decidisse não usar
os documentos, os devolveria sem tirar cópias. Saiu dali
com os papéis numa pasta preta, organizados em subpastas
e com um fluxograma mostrando as transações
financeiras da suposta conta mantida nas Ilhas Cayman por Sergio
Motta, Mario Covas e José Serra. Levou o material para
Gushiken e convenceu-o de que o PT não deveria usar os
documentos. A papelada podia ser verdadeira, ou não. Não
havia como saber, argumentou Tomaz Bastos.
Fontes - Foi Tomaz Bastos quem avisou
Marta e Eduardo Suplicy sobre a existência do dossiê.
Estes, por sua vez, tomaram a iniciativa de avisar Serra. Já
o presidente Fernando Henrique recebeu a notícia sobre a
papelada de três fontes: o então deputado Luiz
Carlos Santos (PMDB-SP), José Serra e o senador Antonio
Carlos Magalhães (PFL-BA). A todos Fernando Henrique
disse que nada temia, mas ainda assim decidiu procurar Wilma
Motta, viúva de Sérgio Motta. Durante um almoço,
o presidente perguntou a Wilma se Serjão tinha conta no
exterior. Ela disse que o marido guardava uma caixa com vários
papéis, mas nunca havia visto nada que comprovasse a
existência dessa conta.
O presidente Fernando Henrique começou
a ficar preocupado com a história depois de conversar com
o amigo Roberto Amaral, então diretor da construtora
Andrade Gutierrez em São Paulo. Amaral procurou o
presidente e lhe mostrou o registro de uma empresa nas Ilhas
Cayman, cujas iniciais se assemelhavam às que eram atribuídas
à empresa supostamente pertencente a Fernando Henrique,
Covas, Serra e Motta - CH, J&T. ''Eu abri essa firma. É
fácil fazer isso'', disse Amaral ao presidente. A partir
daí, Fernando Henrique se convenceu de que os papéis
falsos poderiam causar sérios estragos na credibilidade
de seu governo.
Procurados pelo JORNAL DO BRASIL, alguns
personagens dessa história não foram encontrados.
Governo quer novas
investigações
Autor: MÁRCIO DE FREITAS
BRASÍLIA - O ministro da Justiça,
José Gregori, solicitou ontem à Polícia
Federal que reabra as investigações sobre o
''Dossiê Caymann'', que apontava a existência de uma
conta no exterior de US$ 368 milhões em nome da cúpula
do PSDB. Foi determinado ao delegado federal Paulo de Tarso
Teixeira, que investigou o caso entre 1998 e 1999, que tente
novamente conseguir a aprovação de uma carta rogatória
a ser enviada à Justiça dos Estados Unidos.
A carta rogatória seria usada para
obter informações sobre os envolvidos no
documento, os brasileiros Oscar de Barros e José Maria
Teixeira Ferraz Júnior, presos em Miami. A carta rogatória
tem de ser aprovada pela Justiça brasileira e permitirá
diligências nos Estados Unidos, Bahamas, Ilhas Caymann e
na Inglaterra.
O governo brasileiro também irá
tentar conseguir informações no processo movido
pela justiça norte-americana contra Oscar de Barros e José
Maria Ferraz. ''Amanhã (hoje), estaremos entregando ao
embaixador do Brasil nos Estados Unidos (Rubens Barbosa) um
pedido para que o Departamento de Justiça daquele país
e o FBI nos mandem informações e elementos que nos
ajudem nessa investigação'', afirmou Gregori.
Barros e Ferraz foram condenados por lavagem de dinheiro e
aguardam a definição da sentença.
Pensamento:
"A fé é freqüentemente a vaidade do
homem que é muito preguiçoso para investigar."
F. M. Knowles
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