Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo
em 21 de janeiro de 2001
São Paulo - Moradores das ruas próximas
a uma Igreja Pentecostal Deus é Amor, localizada na
altura do nº 5000 da Avenida do Estado, no Cambuci, região
central da cidade de São Paulo, reclamam sobre o excesso
de barulho e do lixo acumulado em razão de uma festa que
ocorre mensalmente nas dependências da igreja, fundada
pelo pastor David Miranda. Desde às 22h de ontem, ônibus
com fiéis de várias regiões da cidade e do
Estado de São Paulo chegaram à igreja, que está
tomada por mais de 5 mil pessoas.
Os que mais sofrem com o lixo acumulado
por fiéis e o barulho da festa são os moradores da
rua Luís Gama. "O barulho é infernal, não
há isolamento acústico, os ônibus com fiéis
da igreja e o lixo jogado por eles tomam conta da rua, ninguém
consegue dormir.", desabafou o engenheiro Sérgio
Jorge Lotfi, que mora há vários anos na rua Luís
Gama, no Cambuci.
Sérgio diz que não consegue
ser atendido no "Disque-Psiu" , serviço do
Programa de Silêncio Urbano da Prefeitura, que recebe
reclamações e denúncias diariamente sobre
os excessivos decibéis. "Desde o começo da
noite tento falar pelo telefone 227 3131, mas só dá
ocupado. Acho que tiraram o telefone do gancho, ou então,
não funciona nos finais de semana. Isso é um
descaso.", reclamou o engenheiro.
A festa, que ocorre mensalmente nesta
igreja do Cambuci, deve prosseguir até à tarde de
hoje, segundo o morador.
Fiscalização - A fiscalização
do Programa Silêncio Urbano (Psiu) vai estar mais
empenhada agora em dialogar do que multar. A orientação
veio do secretário municipal de Abastecimento, Jilmar
Tatto, para quem o esclarecimento e a conversa têm mais
eficácia do que a autuação. "Não
quero uma indústria de multas."
Com isso, igrejas evangélicas,
casas de espetáculos, bares e similares, principais alvos
do órgão, terão um tratamento menos
repressivo ao serem denunciados pela emissão de altos
decibéis.
Para Tatto, a administração
anterior tinha uma atitude excessivamente repressora. "Pode
acontecer de um pastor mais exaltado, num dia especial, colocar
caixas de som do lado de fora, incomodando vizinhos. Se for a
primeira vez, não é justo que tenha de pagar R$ 15
mil."
Pensamento:
"Você nunca vê animais fazendo as absurdas, e às
vezes horríveis, enganações da mágica
e da religião. Apenas o homem se comporta com tal enganação
gratuita. Esse é o preço que ele tem que pagar por
ser inteligente mas não, porém, inteligente o
suficiente." Aldous Huxley, autor
Abram as m�os, irm�os
O estad�o
Todos os n�meros - e, certamente, os cifr�es - que envolvem a Igreja Pentecostal Deus � Amor s�o impressionantes. Fundada em 1962 pelo pastor que parece preferir ser chamado de mission�rio, David Martins Miranda, a partir do inebriante chamado divino que tivera no ano anterior, conforme j� relatou, hoje � a segunda pentecostal do Brasil e disp�e de cerca de 9 mil templos, espalhados pelo Pa�s, com penetra��o - segundo seus dirigentes - em 136 pa�ses. Quinta-feira da semana passada, a "Deus � Amor" inaugurou sua sede mundial, na Baixada do Glic�rio - regi�o central da cidade de S�o Paulo: um templo com nada menos do que 70 mil metros quadrados ("o maior do mundo", como dizem seus dirigentes e seguidores), com capacidade oficial para 22.855 pessoas, mas que comportou, na estr�ia, em seu interior e imedia��es, mais de 30 mil almas, segundo c�lculo da Pol�cia Militar, apesar da renitente chuva fria.
J� h� muito tempo se tem acompanhado, no Brasil, o crescimento em propor��o geom�trica das seitas pentecostais - enquanto as demais organiza��es religiosas, como a cat�lica e as protestantes tradicionais, n�o conseguem crescer nem em propor��o aritm�tica. Quanto � Igreja Cat�lica, que durante os primeiros s�culos desde o Descobrimento exerceu neste pa�s-continente uma hegemonia quase absoluta, se tornou a mais not�ria perdedora de terreno, no campo do pastoreio espiritual, provavelmente por ter canalizado suas melhores energias para o "engajamento pol�tico", conforme os ditames da "Teologia da Liberta��o". Hoje, apesar de enfraquecida essa orienta��o - certamente por influ�ncia da vigente tend�ncia "conservadora" do Vaticano -, a f� cat�lica n�o consegue recuperar a posi��o que manteve por s�culos, no Pa�s.
� claro que o Brasil ainda � um pa�s predominantemente cat�lico e a Igreja de Roma ainda exerce forte influ�ncia em nossa sociedade. Mas registre-se o crescimento excepcional do poder de influ�ncia das seitas evang�licas - a� se destacando as pentecostais -, a maior das quais � a Igreja Universal do Reino de Deus, do "bispo" Macedo. Esse poder se exerce e se manifesta especialmente nas redes de comunica��o social e na forma��o - em grande parte decorrente daquelas - de bancadas parlamentares no Congresso Nacional.
Quem se der ao trabalho de percorrer as freq��ncias das esta��es de r�dio em todo o territ�rio nacional ficar� espantado com a quantidade de emissoras - ou redes inteiras - a servi�o de determinadas seitas, seus respectivos pregadores, cantores, compositores, etc. Em v�rios canais de televis�o aberta - tirando os que j� pertencem a donos de organiza��es religiosas - durante as madrugadas se assiste a um desfilar de programas de pura prega��o religiosa, com a encena��o de dramas e trag�dias (supostamente vividos pelos "convertidos"), visando � arregimenta��o de novos fi�is pela via da emo��o.
Mas at� a� tudo poderia se justificar em nome da plena liberdade religiosa assegurada pela Constitui��o brasileira, n�o fosse o mais escancarado e despudorado sistema de arrecada��o de dinheiro usado pelos donos de tais seitas.
Na inaugura��o de seu megatemplo do Glic�rio, o "mission�rio" David Miranda, sempre de dentro de uma redoma de vidro - certamente blindada - em contato direto apenas com a esposa e a irm�, falava ao p�blico presente e, pela via eletr�nica, ao Brasil inteiro. Depois de duas horas de prega��o, referia-se aos "votos" (termo usado como sin�nimo de "doa��es" dos fi�is), da seguinte maneira: "Amanh� temos de pagar uma parcela do som, que custou R$ 2 milh�es.
Por isso, em nome de Jesus, abram suas m�os, irm�os. Sei que muitos podem dar um 'voto' de R$ 1 mil." Minutos depois, tr�s seguidores assinariam cheques nesse valor e os entregariam aos pastores. Ent�o, o "mission�rio" partiu para nova rodada arrecadat�ria, indagando: "Quem pode dar uma contribui��o de R$ 500,00?"
Talvez o que mais surpreenda seja o fato de um neg�cio fant�stico como esse, que n�o depende de quaisquer entraves burocr�ticos - ou governamentais - para funcionar, que n�o requer registro na Junta Comercial, n�o corre qualquer risco como corre qualquer outra empresa de qualquer setor da economia, se expande, consegue prod�gios de ocupa��o imobili�ria e gera uma f�bula de lucros (j� demonstrada pelo n�mero e tamanho de suas unidades de "capta��o") ainda seja explorado por t�o poucos. Tratar-se-� de um oligop�lio para o qual ainda n�o est� atentando o CADE...?
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