Publicado no Jornal O Dia em 06/08/2001
Entre o terreiro e o altar
Pastores da Igreja Universal do Reino de
Deus misturam elementos dos cultos afro nos cultos conhecidos
como Terça-Feira do Descarrego
Braga COPO d'água sobre a
mesa, como no centro espírita
Braga Um homem todo de branco comanda o
culto, cercado por pomba-giras, exus e pretos-velhos. Os
auxiliares também se vestem do branco mais puro e
acreditam nos poderes do sal grosso e do galho de arruda. Que
religião é essa? Ihih, se vossuncê,
respondeu umbanda, está errado, mizim fio. O culto - bata
a cabeça - é da Igreja Universal do Reino de Deus.
Saravá.
Braga A Sessão do Descarrego -
esse é o nome propagado pela própria igreja - faz
sucesso às terças-feiras, na Catedral da Fé,
na Avenida Dom Helder Câmara, Del Castilho. É o
momento, pregam os pastores, de retirar os encostos dos fiéis.
No culto das 20h, perto de 16 mil fiéis lotam a magnífica
catedral. A multidão comparece em massa ainda às
sessões das 11h30 e das 15h.
Bruxa teria ameaçado invadir
templo da Universal
As sessões começaram a tomar
corpo dois meses atrás. As ameaças de uma suposta
bruxa, levadas ao ar no programa Fala Que Eu Escuto, na TV
Record, chamaram a atenção. A bruxa seria uma mãe-de-santo,
revoltada pela apropriação de costumes da macumba.
Ela prometia invadir o culto para enfrentar o pastor, que, por
sua vez, dizia estar preparado para o embate "em nome do
Senhor". A macumbeira, porém, nunca deu as caras.
Mas a audiência foi aos céus.
Procurado pela reportagem do DIA para
falar sobre a Sessão do Descarrego, o bispo Romualdo
Panceiro, ex-pedreiro e hoje responsável pela Universal
no Rio, não retornou as ligações nem
respondeu às perguntas enviadas por e-mail. Esquivou-se
da reportagem como o diabo foge da cruz.
Cor aproxima duas crenças antagônicas
Os termos e o comportamento dos pastores
se assemelham aos costumes típicos dos terreiros. O
branco, a exemplo do que ocorre nas sessões espíritas,
predomina. Afinal, é a cor da paz (harmonia!), da alma gêmea
(romântico!) e dos hospitais (solidário!). É
uma cor de fé.
Os pastores usam também um copo com
água sobre a mesa para falar com os fiéis. Outro
costume típico dos espíritas. Recomendam o uso do
sal grosso e da arruda para cortar o mal. São armas
usadas para despachar o demônio para o quinto dos
infernos. Os evangélicos da Universal, porém, estão
longe de fazer despachos com galinha preta e farofa. Demonstram
apenas alguns pontos em comum entre as crenças. O que se
percebe em cores vivas é que o palco da maior batalha
entre o bem e o mal continua a ser a mente.
Babalorixá e padre criticam
O ambiente ficou carregado. A atuação
dos pastores de branco é vista com desconfiança. "Só
falta os evangélicos usarem atabaques", ironiza o
babalorixá Paulo de Oxalá, contrariado com a
apropriação dos costumes da umbanda e do candomblé.
O diretor do Centro Latino-Americano de
Parapsicologia (Clap), o padre Oscar Gonzalez-Quevedo, 68,
garante que na Sessão do Descarrego da Universal não
se exorcizam demônios. Quevedo explica que, em geral, os
casos de possessões seriam fenômenos parapsicológicos.
Os fiéis manifestariam por sugestão reações
associadas a endemoniados. "É uma heresia de uma
seita", constata.
O presidente do centro Fraternidade Espírita
Irmãos de Cascais, Franklin Moreira, 59, vê com
bons olhos a postura dos pastores da Universal. A providência
divina está trabalhando sobre eles", observou o espírita.
Seria o mesmo sincretismo que no passado permitiu a passagem de
católicos para a umbanda. "Os pastores já
falam em desobsessão e em encostos", destaca.
A Universal é uma igreja de
campanha. Realiza, além da campanha do descarrego, a da
prosperidade, dos empresários e da fogueira santa de
Israel (quando se queimam pedidos).
Exu Caveira no altar da igreja
Os cultos da Terça-Feira do
Descarrego, que também acontecem em alguns templos da
Universal, são impressionantes. Na Catedral da Fé,
a multidão participa cantando para expulsar supostos demônios.
Ao palco, são chamados aqueles que acreditam estar com
algum mal. Mais de 50 aceitam o convite. Alguns começam a
andar e a falar ao melhor estilo das entidades dos cultos afros,
como se estivessem possuídos.
Vários pastores, todos de branco,
sobem também ao palco e começam a - supostamente -
expulsar "os demônios". Ao mesmo instante, toca
uma música envolvente, acompanhada pela animada platéia.
Para o final, ficam costumeiramente duas ou três pessoas,
aparentemente incorporadas. "Eu sou Exu Caveira, ahahaha",
berra uma delas, com voz cavernosa. Um dos pastores, com o
microfone na mão, seguido por fotógrafo e
cinegrafista, manda o espírito deixar a pessoa em paz. A
platéia delira.
No passo dos macumbeiros
Sal grosso - Em alguns rituais, fiéis
da Universal usam o sal grosso para desfazer as amarrações
do diabo. Na revista Plenitude (publicação da
Universal), por exemplo, é jogado sal nos cantos da redação
quando o ambiente está muito tenso.
Enxofre - Nos cultos, usam ainda enxofre e
arruda para afastar os encostos.
Rosa ungida - Os pastores recomendam aos
fiéis pôr rosa ungida na parte mais alta dos móveis.
Nas orações, o fiel deve lançar sobre a
rosa todas as maldições que houver em casa, como
as de feitiçaria. As rosas são distribuidas de
casa em casa durante o evangelismo de rua.
Copo com água - Na conversa com os
fiéis, os pastores colocam um copo com água
cristalina sobre a mesa. É também um costume nos
centros espíritas.
Roupa branca - Os pastores usam calça
e blusa brancas. A roupa branca é típica dos
pretos-velhos. É também a cor preferida pelos espíritas.
Terça-feira do Descarrego É
o nome da campanha contra os encostos que acontece em sessões
às 11h30, 15h e 20h, na Catedral da Fé, em Del
Castilho. Descarrego (purificação) e encosto
(incorporação) são termos comuns na umbanda
e candomblé.
Ao vivo
Frases do bispo Romualdo Panceiro sobre a
Terça-Feira do Descarrego (no programa Fala que Eu Te
Escuto, na TV Record):
Cena 1 - O bispo começa o programa
alertando sobre o mal: "É muito fácil
detectar o mal, o espírito encostado na vida da pessoa. Não
que a gente esteja vendo espírito. Mas pelos
acontecimentos (...) Uma pessoa que tem dores de cabeça
constante (...), o problema é espiritual."
Cena 2 - O alerta continua: "Você,
por exemplo, que tem tudo para ser feliz no amor, mas vem
sofrendo decepções. A sua vida sentimental é
uma vida de decepções. Você que vive em meio
a uma briga na sua casa, o marido bebendo, os filhos nas drogas.
Não tenha dúvida que isso aí são
sintomas que caracterizam a presença de um encosto."
Cena 3 - Uma telespectadora conta que tem
uma ferida na perna há nove anos. "Essa ferida na
perna, não há dúvida, é um encosto",
afirma Panceiro.
Terror das 'sete encruzilhadas' chuta
despachos
O presidente do Ministério Missionário
Ebenezer, pastor Itamar Oliveira, 35 anos, é o terror das
sete encruzilhadas. Não pode ver um prato de farofa que já
está dando um ponta-pé, espalhando azeitona para
tudo quanto é lado. O que ele faz com galinha preta é
pinto perto disso.
O pastor não possui ligação
com a Universal, mas faz sucesso com o culto de Cura Divina, às
19h, quarta-feira, na sua acanhada igreja, em Campo Grande.
Costuma interromper o culto para revelar visões de
trabalhos de macumba contra os presentes. Com a indicação
do local - que seria oferecida por força divina -, ele
parte ensandecido, seguido por fiéis mais entusiasmados,
para destruir a magia. "Já quebrei um terreiro
inteiro", observa ele, ao comentar o dia em que converteu
um pai-de-santo.
O pastor conta ter salvado o casamento de
uma fiel ao descobrir um caixãozinho, com os nomes dos cônjuges,
enterrado no Cemitério de Ricardo de Albuquerque. "Hoje,
eles estão numa alegria só", diz ele, que em
trabalhos de macumba garante ter achado três cabritos,
quatro cobras, dois bezerros e dezenas de lacraias.
A evangélica Hilda Massena da
Costa, 51 anos, é uma das seguidoras do pastor das sete
encruza. Conta que o religioso lhe revelou uma bruxaria contra o
seu filho, de 30 anos, que o faria bater com o carro. "O
pastor retirou um trabalho na estrada. A 150 metros dali, meu
filho bateu no poste, mas não sofreu nem arranhão",
conta ela, moradora em Campo Grande.
Macedo ensina que cheque sem fundo não
é de Deus
Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo
em 19 de agosto de 2001
Bispo da Universal tira demônio e
pede dízimo e Sônia, da Renascer, usa gospel para
atrair jovens
Autor: VERA ROSA
Cheque sem fundo não é coisa
de Deus. Assim o bispo Edir Macedo, o todo-poderoso da Igreja
Universal do Reino de Deus, explicou aos fiéis que
compareceram terça-feira à Catedral da Fé,
na Avenida João Dias, a importância do dízimo
para "honrar o Senhor". "Pode ser cheque, mas não
sem fundo", advertia ele, ao pedir a oferta. "Com esse
dinheiro, pagamos os programas de TV, de rádio e construímos
nossos templos."
Vestido de branco, Macedo comandava um
culto especial: a sessão de libertação,
mais conhecida como descarrego. "Sai, demônio imundo",
bradava.
As pessoas entravam em transe. Gritos eram
ouvidos de todos os lados da Catedral. O bispo pôs um
pobre diabo de castigo, ajoelhado no altar. "Você tem
autoridade para dominar o diabo desgraçado, aquela
macumbazinha que foi feita no cemitério para acabar com a
sua vida financeira", dizia.
Os obreiros ajudavam a tirar o "encosto"
dos mais aflitos. Macedo procurava acalmá-los. Depois da
comoção, a música serena. Antes, ele já
havia criticado a rebeldia de Adão, "que deu origem
ao reino das trevas". "Quando o homem desobeceu à
palavra de Deus e obedeceu à palavra do diabo, deixou de
ser servo de Deus para ser servo de Satanás". Com
microfone, o bispo conduzia o culto como um programa de auditório.
"É ou não é?", perguntava ele,
alternando o tom de voz do grave para o agudo. "Sim ou não?"
A única referência de Edir
Macedo à política foi feita no fim da pregação
de duas horas. Ele disse que o Brasil só terá
jeito com fé. Também comparou a palavra de Deus à
do presidente da República. "O Senhor brasileiro é
o presidente. Você é obrigado a obedecer às
leis do presidente, querendo ou não querendo. Não é
assim?"
O bispo garantiu que o encosto não
pega em quem "casa" com Deus. "Quando você
deixa a baboseira das religiões que existem nesse mundo,
que não conduzem a coisa alguma senão a guerras,
mortes e ódios, e se agarra exclusivamente ao Senhor
Jesus, você se entrega pela fé". Resultado:
fila para depositar a oferta no altar.
Eficiência - Na Igreja Renascer em
Cristo, a linguagem mais descontraída não é
menos eficiente na hora de recolher o dízimo. Na
quinta-feira, a bispa Sônia Hernandes, da Rede Gospel,
ordenava a "bênção financeira". De
repente, com voz embargada, ela apelou: "Em nome de Jesus,
coloca diante de Deus, agora, a oferta que te habilita. Quem dá
porque crê colhe o milagre de Deus."
Dois telões enormes mostravam os
passos de Sônia - vestida com um inesquecível
conjunto verde limão - e também as letras das músicas
cantadas no templo da Avenida Lins de Vasconcelos. "Você
não veio aqui para jogar seu tempo fora e o Senhor vai te
atender", prometia a bispa. "Deus é tremendo."
Os fiéis - jovens da classe média,
em sua maioria - levantavam "para o céu" os
envelopes deixados sobre as cadeiras de assento vermelho, como
pedia Sônia. A esta altura, eles não estavam mais
vazios, mas recheados de notas ou cheques nominais à
Renascer.
Para os evangélicos tradicionais, há
um exagero na forma como os neopentecostais exploram a troca de
doações por bençãos. "Nossos
pastores não põem a mão no dinheiro e têm
um salário definido pelo conselho da comunidade, que
todos os meses fiscaliza a prestação de contas",
ressalva Elias Werneck, pastor da Igreja Batista de Jacarepaguá.
Professor de Administração Eclesiástica,
ele nota outra diferença: nas igrejas neopentecostais,
como a Universal e a Renascer, as contribuições
acabam num caixa único para a compra de espaços em
rádio e TV. "Nós podemos até comprar
espaço, mas será sempre em um esquema de parceria",
diz Werneck. (Colaborou Silvio Bressan
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