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O mercado e a fé
Clóvis Rossi

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 14/10/95

SÃO PAULO _ O mais grave nos pontapés de um pastor da tal Igreja Universal do Reino de Deus na imagem de Nossa Senhora Aparecida é menos a eventual blasfêmia e mais o sinal de intolerância que o gesto transmite.

É o equivalente religioso de queimar a bandeira do clube adversário, na guerra das torcidas organizadas, com perdão da comparação. Agora, basta que um padre termocéfalo insinue qualquer coisa a um grupo de fiéis mais chegados ao misticismo e pronto: amanhã ou depois, alguma sede da Igreja Universal pode acabar aparecendo apedrejada.

Intolerância à parte, o episódio se inscreve à perfeição na lógica hoje predominante, a lógica do mercado como deus todo-poderoso. Não entendo muito de milagres, mas consta que Nossa Senhora Aparecida não ``cobra" bens materiais por suas supostas façanhas.

Bastaria, dizem os que acreditam, muita oração ou a disposição de andar de joelhos os mil metros que separam a basílica nova da velha para se tornar candidato a algum milagre.

Já a tal Igreja Universal pede mais dos bolsos do que dos joelhos de seus fiéis.

É natural, assim, que um de seus pastores tente desacreditar a imagem da santa, uma concorrente, digamos, desleal porque oferece resultados a um preço mais acessível ao menos do ponto de vista material.

É sintomático que o pessoal do bispo Edir Macedo só tenha descoberto características ``demoníacas" na Rede Globo depois que esta pôs no ar uma minissérie que, aparentemente, retratava práticas do chefe da Igreja Universal.

Antes disso, a Globo podia fazer (e, em alguns casos, fez) literalmente o diabo sem que Macedo e cia. se preocupassem.

No ritmo em que vão as coisas, será uma enorme surpresa se a disputa pelo mercado dos ``milagres" for perdida pela tal de Igreja Universal. A imagem de Nossa Senhora Aparecida pode não fazer milagres, mas também não consta que seus guardiães saiam por aí distribuindo pontapés nas imagens dos outros.

Logo, não produzem espetáculo. E o que conta, hoje, é o espetáculo.

Como fui exorcizado em NY

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 18/09/95

Autor: GILBERTO DIMENSTEIN De Nova York

Esperava por muitas cenas em minha vida. Menos ser exorcizado e, ainda por cima, no centro de Manhattan. "Em nome de Jesus, sai diabo", gritava a pastora, olhos fechados, apertando minha cabeça com as quatro mãos. "Jesus, liberta nosso irmão do mal".

Foi um exorcismo involuntário. Na busca de informações, parei no meio da multidão que se aglomerava na porta do Madison Square Garden. Dali, os letreiros anunciavam Eric Clapton e Julio Iglesias.

Não me dei conta, mas estava numa fila. Inesperadamente, uma pastora da Igreja Universal do Reino de Deus se aproximou e agarrou minha cabeça _uma mão à nuca e outra na testa. Foi tão rápido que nem pude me explicar. Não resisti: afinal, se resistisse, talvez pensassem que o diabo tinha mesmo dominado um pobre pecador. Era capaz de ficar pior ainda.

Na terra do "fast food", o bispo Edir Macedo e seus pastores criaram o "fast exorcismo". Para acalmar a multidão que não conseguiu entrar, dezenas de pastores percorriam as filas, dando passes e expulsando o "diabo". Tudo em segundos.

Os fiéis carregavam nas mãos um convite escrito em espanhol que dava direito ao culto. Generoso em promessas: cura para Aids, câncer, depressão, medo, desempregos. E até problemas imigratórios: para muitos daqueles crédulos, câncer até se enfrentar. Difícil é ganhar um "green card", que dá direito a viver legalmente aqui.

Se o bispo Edir Macedo queria entrar na história do Madison Square Garden, conseguiu. Os policiais e seguranças mostraram olhos arregalados diante das cenas de exorcismo, passes, histeria dentro e fora do teatro.

Num púlpito improvisado no lado de fora, faziam-se orações. De repente, abre-se um clarão. Um homem se levanta chorando com uma muleta levantada. "Milagre, milagre, milagre. O paralítico está andando", grita o pastor. Aplausos. Tamanha a emoção que nem sequer notaram um detalhe: a muleta do "paralítico" era nova em folha.

Os pastores não sabiam controlar como controlar a nervosa multidão. Apertavam-se crianças, cegos, paralíticos, desfilavam cadeiras de rodas. Nas rodinhas, a conversa era só desgraça. Câncer da filha, desemprego do marido, Aids do sobrinho, marido bêbado, irmão drogado.

Às pressas tiveram de transferir parte do culto para o lado de fora e chamaram mais pastores. A polícia pediu que esvaziassem a frente do teatro, o que era impossível.

Um dos pastores teve uma infeliz idéia. Disse que seria distribuído um vidrinho com azeite trazido da "Terra Santa". Um moça dirigiu-se à avenida, na ilusão de atrair os fiéis e esvaziar a entrada.

Quando notou, estava submersa em mãos, estendida e foi obrigada a ser escoltada. Os policiais, atônitos, tentaram ajudar, distribuindo o azeite sagrado, sufocados pela aglomeração.

No estilo "vocês-querem-bacalhau?", os vidrinhos eram jogados do alto do púlpito improvisado, disputado no espaço pelas mãos espalmadas.

Tanta confusão acabou por atrair gente da rua. Com suas roupas espalhafatosas, grupos de negros olhavam intrigados, com seus imensos rádios que tocavam "rap". Como era de graça, alguns se dispuseram a receber passes.

Uma senhora americana se aproximou de mim e, curiosa com tanta gente falando espanhol, perguntou: "O Julio Iglesias já está fazendo show?"

Foi a segunda cena improvável num único dia depois do exorcismo em Manhattan: ser confundido com alguém que está na fila para assistir Julio Iglesias.

(Gilberto Dimenstein)

Nos cultos, fiéis doam dinheiro para vencer diabo

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 17/09/95

Autor: DANIEL PIZA Da Reportagem Local

O culto na Igreja Universal do Reino de Deus começa com um sermão que dura cerca de uma hora. O pastor veste camisa de manga comprida e gravata. Fala ao microfone. No meio do templo há outro microfone, dependurado sobre a platéia.

Não se vêem as câmeras de televisão que gravam os cultos que a Rede Record exibe durante a madrugada. Estão ocultas sob uma vidraça à esquerda do palco e, para mostrar o pastor, no mezanino.

A sede da Igreja Universal, no Brás (r. Celso Garcia, 499), em São Paulo, visitada pela Folha durante a semana passada, tem capacidade para cerca de 3.000 fiéis.

Vestidos com roupas humildes, eles são vigiados por "obreiros" (assistentes do pastor), também engravatados, que chegam a cem no culto das 20h _em que a igreja está quase lotada. Nos outros dois cultos diários, às 10h e às 18h, o número varia de 30 a 50.

Enquanto o pastor fala, as pessoas, sentadas, não olham para o lado. Respondem a quase toda pergunta que ele faz. "Sim ou não?", "Amém, pessoal?" e "Tá legal?" são algumas das expressões que pontuam o sermão.

Também pede acenos de mão para "quem sente a presença de Deus". Todos fazem o gesto.

A coloquialidade do pastor é a primeira característica notável. A outra, sua coerência _ele raramente cai em auto-contradição.

Sua linha básica encordoa dois argumentos: as pessoas sofrem de "sentimento de inferioridade" e é por isso que não conseguem o que querem; para combatê-lo, apenas precisam acreditar em Deus e dar dinheiro à Igreja Universal.

"Quanto mais se dá à igreja, mais se recebe", diz. "Muita gente veio me dizer que, depois de entrar na igreja, conseguiu casa própria, carro novo e outras coisas."

O pastor de quarta-feira à noite reforçou a imagem com uma lei da física (lei da ação e reação): "Se empurro este púlpito para lá, ele me empurra para cá. É a mesma coisa que acontece com a oferta que você faz. Tudo que você der, receberá depois, e em dobro".

Mas o assunto dinheiro fica para a parte do final do discurso. Antes, ele se dirige ao desamparo emocional das pessoas. "As pessoas se subestimam", diz.

Quase tudo que é dito é ilustrado. Para mostrar como a falta de auto-estima prejudica a vida, ele pode pintar a seguinte imagem: "Não adianta você parar diante de um prédio, olhar para a cima e dizer: 'Ah, se esse apartamento fosse meu'. Você tem de dizer: 'Esse apartamento será meu'."

E pode continuar com um exemplo extraído de um culto: "Outro dia uma moça estava aqui em frente ao palco e eu disse a ela para subir", conta (o palco tem cerca de 1m20 de altura). "Ela respondeu: 'Ah, pastor, quem sou eu para subir aí'. É. Tem de ficar aí embaixo mesmo", completou, provocando risos na platéia.

Depois das ilustrações, volta com o conceito: "Com fé você consegue tudo que quiser. Sem fé, vai ser passado para trás".

Está na hora de começar a falar nas doações de dinheiro. Também na quinta-feira, o pastor deu nesse instante uma justificativa ao mesmo tempo prática e "teológica".

"Temos igrejas em vários países", disse, logo emendando, com voz mais elevada: "Mas ainda é pouco! Temos de ter igrejas no mundo inteiro, porque só assim vamos destruir o diabo".

Destruir, derrotar, lutar contra: a metáfora de combate é onipresente. As doações são necessárias para "ofender o diabo, humilhar o miserável". Quanto mais altas, maior a possibilidade de vitória.

O sermão termina com essas imagens gritadas. Mas resta uma hora de culto ainda. O pastor convoca as pessoas que estão com problemas a ir até a frente.

Os problemas são variados. O pastor pode chamar "os que brigam com a família", "os que não conseguem abandonar um vício" ou, simplesmente, "os que levam uma vida enjoativa".

Invariavelmente, nesse ponto, mais de três quartos da platéia se levantam e andam até o palco.

Ouvida pela Folha, a balconista Regina, que trabalha num botequim ao lado da igreja, disse que gosta do que o pastor fala "porque parece que ele está falando da minha vida, lá em cima".

Desempregado, o mecânico Roberval diz estar lá "porque não sei mais o que fazer". Segundo ele, o pastor "anima" as pessoas, "transmite fé para a gente".

'O demônio segura a carteira'

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 17/09/95

Autor: DANIEL PIZA Da Reportagem Local

Depois do sermão e de chamar as pessoas à frente, o pastor pede que todos ponham a mão no coração e fechem os olhos. "Deixe Jesus tocar você", diz _marcando o início da espiral de sons e palavras que vai conduzir ao transe.

Com voz chorosa, fala ininterruptamente, pedindo para Cristo ter pena das pessoas. O tecladista passeia lentamente pelas notas agudas do instrumento. "Deixe a lágrima sair", diz o pastor.

As pessoas começam a dizer para si mesmas "Jesus te salve" e outras frases do pastor. Nesse momento, os obreiros começam a circular pelos corredores, cuidando para que ninguém abra os olhos. As vozes vão se multiplicando e os braços são erguidos.

Começa então a cantoria, ainda de olhos fechados. Os obreiros puxam o coro. O ritmo é popularesco; as canções poderiam estar na voz de um Jerry Adriani e tocar nas rádios comerciais de FM: "Se estou aqui/ É porque me arrependi/ Perdoa-me, perdoa-me".

Às sextas-feiras, nesse momento, o culto dá lugar ao exorcismo. "Chegou a hora do demônio", grita o pastor, seguido pela massa. "Vem, Jesus! Queima os exus, os orixás, queima os demônios da prostituição, do adultério, da cachaça, da maconha!"

A música fica cada vez mais alta. Então, em coro, todos gritam "Sai! Sai! Sai!" _um uníssono de 3.000 vozes. Os pastores colocam as mãos sobre a cabeça de dezenas de pessoas, sussurrando frases contínuas, "Misericórdia, meu pai, recebe teu filho, meu pai".

Na fileira à frente, uma mulher de repente se dobra. Os braços vão para trás, as mãos retorcidas em gancho. Ela grunhe. Cinco ou seis obreiros a cercam e seguram.

Por cerca de cinco minutos os "possuídos" se contorcem e a igreja grita, até que o pastor declara o diabo vencido. Segue-se uma salva de palmas. A mulher se levanta e sorri, como que aliviada.

Quando se abrem os olhos, vê-se que o pastor já segura uma sacola na mão esquerda.

As pessoas voltam para suas poltronas. Primeiro, o pastor pede R$ 500. Ninguém dá. Depois, R$ 200. Idem. Pede R$ 100 e três pessoas para a contribuição. Consegue. "Se você não paga a Deus, paga ao diabo", diz ele.

R$ 50, mais três pessoas. Para R$ 10, o pastor pede 33 pessoas "porque foi com 33 anos que Jesus morreu". Como motivação, diz: "Sei que nessa hora tem uma guerra dentro da gente: Deus quer dar, mas o diabo fica segurando a carteira. Vem agora, vem! Você pode morrer amanhã!"

O repórter da Folha vai até lá. O dinheiro é posto na sacolinha de veludo vermelho, segurada por um obreiro. Outro carrega uma bacia de plástico com água perfumada, onde se lava a mão em seguida.

O pastor aproveita o entusiasmo geral e imediatamente pede R$ 5. Quase toda a platéia levanta. A arrecadação passa dos R$ 10 mil. "Jesus é o salvador", diz o pastor. "Agora vocês podem ir para casa. Amém?"

O dia em que escapei da fogueira

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 17/09/95

Autor: ARMANDO ANTENORE Da Reportagem Local

"Queima! Queima! Queima!"

Quando ouvi o grito inquisitorial da multidão, pensei: "Não saio vivo desta." O medo fez meus braços adormecerem e os joelhos quase dobrarem. Tentei, mas não consegui parar de tremer.

Eram 21h40 de terça-feira, dia 12 de setembro. Estava em um dos templos da Igreja Universal, no bairro paulistano do Brás.

O pastor Júlio César _os fiéis o chamavam assim_ comandava o culto que já durava uma hora e meia. Cegos, paralíticos, tuberculosos, doentes de toda a sorte engrossavam a massa de aproximadamente 3.000 pessoas que se aglomerava diante do altar.

Queriam a cura. "E a cura virá", prometia o pastor com insistência, de microfone em punho. "Basta que vocês abandonem o deus da macumba, o deus dos católicos. Porque atrás do pai-de-santo, atrás da Virgem Maria está o demônio da doença."

Sem me identificar como repórter, acompanhava a cerimônia desde o início. Pretendia observar e depois me apresentar ao pastor.

Não trazia gravador nem câmera fotográfica. No bolso, carregava apenas papel e caneta. Sabia que a Universal anda cismada com os meios de comunicação _principalmente depois que a Globo lançou a minissérie "Decadência", tida como ofensiva pelos evangélicos. Se me identificasse, poderiam me impedir de ver o culto.

Passava um pouco das 21h30 quando o pastor se pôs a recolher o dízimo. Após entregar o dinheiro, alguns fiéis colocavam bilhetes sobre o altar. Eram pedidos que anotavam ali mesmo, em pedacinhos de papel.

Aproveitei a deixa para também anotar. Até aquele momento, não escrevera nada, com receio de chamar a atenção. Mas agora me sentia seguro. Rabisquei rapidamente meia dúzia de informações que temia esquecer.

Mal acabei de tomar nota, veio o susto. O pastor, distante uns 50 metros, apontou para mim e berrou: "Quem é você?" Imediatamente, cinco obreiros arrancaram o papel de minhas mãos. Fiquei perplexo. Como me descobriram entre tantas pessoas que anotavam? Que gesto me denunciou?

Um dos obreiros levou o papel para o pastor, que continuou berrando: "Quem é você? Repórter da Globo? Por que vocês só chegam na hora do dízimo? Por que não mostram nossas curas, nossas obras assistenciais?"

Os milhares de fiéis aplaudiram, irados. O pastor se animou e começou a ler minhas anotações: "Vejam o que o rapaz escreveu _que pedi R$ 500 para vocês. Ele não entende a importância do dízimo. É um covarde, o enviado de Satanás. Vamos humilhá-lo."

Foi, então, que os fiéis gritaram em fúria: "Queima! Queima! Queima!" Dezenas de obreiros me cercaram. Um deles segurou meu braço e perguntou: "Você é jornalista? Conta logo." Tive medo de confirmar: "Não, sou estudante."

O pastor, cada vez mais empolgado, ordenou: "Vamos expulsá-lo do templo." Os obreiros me empurraram em direção à multidão. "Queima! Queima! Queima!", insistiam os fiéis, como costumam fazer durante os cultos, quando julgam que o demônio possuiu alguém.

Achei que iriam me linchar. Olhei em volta e percebi que um dos obreiros estava tão assustado quanto eu. Pedi que me protegesse. Ele me abraçou e, caminhando lentamente, implorando calma à multidão, conseguiu me tirar dali.

Antes de me deixar partir, arriscou uma bravata: "Você acha que pode mexer com a gente? Nem o Roberto Marinho (presidente das Organizações Globo) nos intimida. A Universal é uma potência."

Voltei ao templo na tarde de quinta-feira com o fotógrafo Luiz Novaes. Desta vez, usava o crachá de repórter. Insisti, mas o pastor Júlio César não quis me atender.

Procurei, no dia seguinte, o pastor e radialista Ronaldo Didini, porta-voz informal da igreja. Por telefone, ele se desculpou pelo que aconteceu. "Foi uma exceção. Os ânimos estão muito acirrados por causa dos ataques que a Globo vem nos fazendo."

Para intelectuais, novas igrejas são 'fast-food' da fé

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 17/09/95

Autor: FERNANDO DE BARROS E SILVA

Para intelectuais, novas igrejas são 'fast-food' da fé

Sociólogos tentam explicar sucesso pela promessa de salvação imediata

Uma espécie de "fast-food" da fé. É assim que os intelectuais que estudam as igrejas neopentecostais tentam explicar o êxito que elas alcançaram no Brasil e fora dele.

Promessa de salvação instantânea, intimidade com o dinheiro, tolerância em relação aos costumes dos fiéis, organização empresarial sofisticada, exploração dos meios de comunicação de massa e técnicas de persuasão enérgicas fazem dos neoevangélicos o McDonald's da religião contemporânea.

O sociólogo Flávio Pierucci, do Departamento de Sociologia da USP e estudioso do assunto, diz que os novos evangélicos, sobretudo a Igreja Universal do Reino de Deus, "sabem como ninguém se virar no mundo dos negócios, ao contrário da Igreja Católica".

Eles não têm culpa, diz Pierucci, "lidam com o dinheiro como algo legítimo, positivo e muito desejável. Você não desmascara um pastor quando diz que ele arranca o dinheiro dos pobres. Ele vai responder que é assim mesmo, que ele também deu tudo a Jesus e por isso recebeu de Jesus em dobro".

Há uma palavra, segundo Pierucci, que resume o sucesso dos empresários das igrejas evangélicas: flexibilização. "É a palavra mais em moda no meio empresarial e ninguém aprendeu seu significado mais rápido do que a Igreja Universal", diz.

Enquanto o protestantismo tradicional impunha restrições de toda ordem aos fiéis, os neopentecostais trataram de se adaptar aos hábitos de uma época permissiva.

Assim, se tradicionalmente o slogan era "crente não participa de política", hoje o lema é "irmão vota em irmão". Da mesma forma com o esporte, em que proliferam os atletas de Cristo, e o rock, que deixou de ser "coisa do diabo" para inspirar várias bandas evangélicas.

O sociólogo Ricardo Mariano, que acaba de defender dissertação de mestrado intitulada "Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando", vê na promessa de alívio imediato dos fiéis um dos pilares do sucesso dessas igrejas.

Ao contrário da Igreja Católica, que solicita das pessoas um longo caminho de privações e culpabilização em troca de uma salvação futura e impalpável, os neoevangélicos, diz Mariano, apostam na lógica fulmimante da conversão.

"São religiões de transe e de êxtase, que atraem para a conversão principalmente aquelas pessoas que querem livrar-se de um passado que consideram nebuloso. É um prato cheio para atrair presidiários, alcoólatras, prostitutas, viciados", afirma.

O dominicano frei Betto, ligado à Teologia da Libertação, lembra que a formação de um sacerdote na Igreja Católica pressupõe quatro anos de estudos de filosofia, mais quatro anos de teologia e "a heróica exigência do celibato".

Os evangélicos, diz ele, formam seus pastores em três ou quatro meses, "valorizando a espontaneidade com um sistema mínimo de hierarquia, aberto a homens analfabetos e até mesmo a mulheres".

Segundo frei Betto, até mesmo a arquitetura dos templos está ligada à lógica empresarial. Enquanto as igrejas católicas ficam no alto de escadarias e passam a maior parte do tempo com as portas fechadas, os templos evangélicos "na sua maioria têm as portas abertas sobre a calçada, como bocas famintas de fiéis".

A liturgia dos cultos católicos, prossegue o dominicano, "é determinada com rigidez e frieza. Nas pentecostais, toda emoção encontra espaço para se expandir".

O historiador Boris Fausto, da USP, prefere falar em "terapia para pobre". "Numa época em que as utopias do mundo laico entram em crise, esse tipo de apelo emocional torna-se irresistível para os que não têm mais nada a perder".

Funcionamento segue lógica empresarial

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 17/09/95

Autor: FERNANDO MOLICA Da Sucursal do Rio

O sociólogo Alexandre Brasil Fonseca considera que o sucesso da Igreja Universal do Reino de Deus pode ser explicado, em parte, por uma lógica empresarial em sua administração. Classificada por ele de "mentalidade de loja de departamento".

Fonseca prepara dissertação sobre a igreja na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para ele, o que determina essa lógica é:

1. Constante revezamento entre os pastores, que ficam, no máximo dois anos em cada templo. O objetivo é não criar vínculos entre eles e os fiéis. O importante é a Igreja Universal, não o pastor;

2. Busca de "produtividade" pelos pastores, medida pela frequência ao templo e "na manutenção dos dízimos e ofertas";

3. Uso de mecanismos de promoção entre os pastores: os de melhor produtividade vão ascendendo na carreira e, aos poucos, deixam os templos menores para os mais importantes. Da mesma forma, os obreiros (pessoas que ajudam nos cultos) podem chegar a pastores.

Segundo Fonseca, cada templo da Universal funciona como a filial de uma franquia, submetida à filosofia de gerência da matriz.

A ausência de uma tradição _a igreja foi fundada em 1977_ reforça, de acordo com o sociólogo e outros pesquisadores, essa adequação ao "mercado".

Pesquisador do Iser (Instituto de Estudos Religiosos), André Mello afirma ter lido em uma publicação norte-americana declaração de um pastor da Universal que lamentava ainda não ter "descoberto" o que mais desejava o público de Nova York, onde a igreja tem templos.

Entre outros motivos para o sucesso da Universal, Fonseca enumera algumas hipóteses:

1. Uso de linguagem e símbolos populares. Apesar da crítica às religiões afro-brasileiras acaba reconhecendo a existência de entidades como orixás e exus;

2. Adoção do que já foi chamado de "Teologia da Prosperidade", ou seja, o constante apelo ao progresso individual;

3. Menor exigência em relação a outras igrejas pentecostais de um comportamento moral rígido;

4. Uso da lógica da perseguição: a Universal procura angariar simpatias ao se dizer perseguida.

André Mello também ressalta que a igreja _ao criar objetos como óleos santos, fitas e copos d'água e ao estimular "correntes de oração"_ soube capitalizar elementos da religiosidade popular com os quais a Igreja Católica tinha dificuldades em lidar.

Ex-aliado acusa Macedo de usar dinheiro do tráfico

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 17/09/95

Autor: FÁBIO GUIBU PAULO MOTA Da Agência Folha

Ex-coordenador da Igreja Universal do Reino de Deus nas regiões Norte e Nordeste, o pastor Carlos Magno de Miranda, 40, afirma que o bispo Edir Macedo usou dinheiro do narcotráfico colombiano para comprar a TV Record.

Miranda, hoje líder da Igreja Espírito Santo de Deus, também acusa Macedo de contrabandear equipamentos para montar suas rádios. Ele fez as primeiras acusações contra o bispo em dezembro de 90. Candidato a deputado federal pelo PMDB-CE, Macedo não foi eleito e teria se sentido traído pela falta de apoio. A seguir, trechos da entrevista concedida à Agência Folha.

Agência Folha - À época de seu rompimento com Edir Macedo, o sr. o acusou de ter recebido dinheiro do narcotráfico. O que aconteceu desde então?

Carlos Magno de Miranda - O mesmo que aconteceu com Fernando Collor, com os bancos que estão aí quebrando: nada. É o Brasil, não é?

Agência Folha - O sr. o acusou de receber US$ 1 milhão do narcotráfico?

Miranda - Foi. Da Colômbia. Eu sustento, eu participei. Quando viajamos à Colômbia, afirmava-se que era um reconhecimento prévio para a igreja entrar no país. Fomos em quatro ou cinco casais. Só depois ficamos sabendo que a viagem era para trazer dólares.

Agência Folha - Como o sr. trouxe o dinheiro?

Miranda - Não, eu não trouxe. Fui o único que recusou.

Agência Folha - Como o sr. sabe que era do narcotráfico?

Miranda - Porque o pastor Gonçalves, que dirigia a equipe da viagem, disse: 'Apareceu uma pessoa em São Paulo, que é colombiana, traficante. Essa pessoa matou um coronel na Colômbia, está foragida no Brasil. Aí procurou a igreja e disse: eu tenho US$ 1 milhão, eu empresto ao bispo, mas vocês têm de buscar. Vocês estão com dificuldade de arranjar dinheiro para a compra da Record, eu dou e depois vocês me pagam.' Ou seja, fez uma lavagem.

Agência Folha - Como foi feita a transação?

Miranda - Eles foram ao hotel e indicaram uma casa, onde os pastores foram buscar o dinheiro vivo, em dólares. Eu não pude ir porque adoeci.

Quando cheguei ao quarto, o pastor Gonçalves contou: 'A gente veio para isso'. Eu digo não, não aceito. Não concordo. Aí ele ligou para o bispo: 'O Carlos está revoltado'. Eu falei com o bispo por telefone e ele disse: 'Carlos, para Jesus até gol de mão vale, rapaz'.

Agência Folha - Como o dinheiro foi trazido?

Miranda -Na mão, em pacotes, dentro das calcinhas, no corpo. Era avião fretado, da Líder.

Agência Folha - O sr. tem alguma prova?

Miranda - Que prova eu poderia ter? Tenho prova da ida. Está documentada. Para sair do Brasil tem que ter autorização da Infraero, passaporte, e a saída do Galeão está documentada.

Agência Folha - Onde o dinheiro foi entregue?

Miranda - No Rio, para o próprio bispo, na rádio Copacabana. Foi aí que começou a divergência que acabou resultando na minha saída da igreja.

Agência Folha - Como foi a compra da Record?

Miranda - Eu participei de toda a negociação da compra. Na época, suspenderam o pagamento dos pastores e ninguém mais tinha salário. Todo mundo tinha que fazer sacrifício e todo mundo fez, naquela empolgação...

Agência Folha - O sr. chegou a ser convidado para ser bispo?

Miranda - Sim, eu seria o chefe da Igreja Universal no Brasil.

Agência Folha - A igreja diz que faz milagres.

Miranda - O milagre sempre acontece quando é feito em nome de Jesus. Já aconteceram muitos.

Agência Folha - O sr. sustenta tudo o que já disse?

Miranda - Tudo, tudo, tudo. Sustento e estranho muito não ter dado em nada. É inacreditável. O bispo Edir Macedo _na época, eu fiz essa denúncia_ montou praticamente todas as rádios com contrabando. Entrava tudo por São Paulo, pelo aeroporto de Cumbica. A rádio Copacabana, a rádio São Paulo _todo o equipamento entrou contrabandeado.

Agência Folha - Como?

Miranda - Uma das vezes, nós fomos recebê-lo no aeroporto. O bispo havia trazido 16 malas daquelas grandes. Pegamos uma camionete para transportá-las.

Quando chegamos à casa, ele começou a abrir e tinha tudo quanto é equipamento para rádio: gravador, mesas de som das mais finas, equipamentos de estúdio. Era tudo esquema feito com a Receita Federal, lá no aeroporto. Entrava o que precisasse. No Rio, eu já sabia que existia.

Agência Folha - O bispo Edir Macedo tem alguma pretensão política?

Miranda - Tem. Ele quer ser presidente da República. Ele disse que um dia teria poder para dominar o Congresso, politicamente.

Não conseguiu ainda porque tem escolhido mal os candidatos, são verdadeiros fracassos lá em Brasília.

Empregada doméstica diz que apanhou de pastor durante culto

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 17/09/95

Autor: MARCUS FERNANDES Da Agência Folha, em Santos

Ex-frequentadora de centro de umbanda e camdomblé, a empregada doméstica Cleide Aparecida dos Santos, 24, entrou na semana passada com uma queixa-crime contra um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, em Guarujá (SP). Ela acusa o pastor chamado Marcos de tê-la agredido em um culto.

A seguir, trechos da entrevista que ela deu à Agência Folha:

Agência Folha - Por quanto tempo você frequentou a Igreja Universal do Reino de Deus?

Cleide Aparecida dos Santos - Uns três meses.

Agência Folha - Antes você ia a outra igreja?

Aparecida - Nos últimos três anos fui a um centro de umbanda e candomblé. Foi o meu irmão que me convidou para a Universal.

Agência Folha - O que ocorreu durante o culto na Igreja Universal no último dia 6?

Aparecida - Um pastor, de nome Edgar, estava vendendo por R$ 50 uma fita para amarrar no pulso, uma fita abençoada por Jesus. Uma moça não tinha o dinheiro, mas queria dar o que tinha na bolsa, R$ 5.

O pastor disse que não podia vender por R$ 5. Disse que Jesus não gosta de esmola e que a fita só poderia ser vendida por R$ 50.

Agência Folha - E depois?

Aparecida - Eu reclamei com ele, afinal Jesus não precisa de dinheiro para abençoar ninguém. Disse que iria abandonar a igreja. O pastor Edgar chamou o pastor Marcos para fazer uma oração na minha cabeça. Só que, em vez de oração, ele começou a me agredir.

Agência Folha - Como foi?

Aparecida - Ele me segurou e me chutou nas pernas. Eu caí e ele me levantou pelos cabelos. Eu caía de novo, e ele me chutava na barriga. Aí ele agarrou o meu pescoço e começou a me sufocar. Eu me debatia, e ele gritava que eu estava com o demônio no corpo. Isso aconteceu por uns 30 minutos.

Saí da igreja, cheguei cheia de dores em casa e uma ambulância me levou ao hospital, onde tomei analgésicos. Nunca apanhei tanto.

Agência Folha - Antes você estava contente com a igreja?

Aparecida - Eu até gostava, mas comecei a ficar revoltada com os constantes pedidos de dinheiro. Eles não aceitavam menos de R$ 5. Eu ia até me batizar. Mas, depois de batizada, eu teria de dar 30% do salário (Aparecida ganha R$ 200 por mês como empregada doméstica em Santos).

Agência Folha - Você teme represálias por sua atitude?

Aparecida - Tenho medo. Eles falaram que, se eu deixasse a igreja, iria terminar meus dias numa cadeira de rodas.

Mulher diz que foi agredida por pastor em culto

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 13/09/95

Autor: MARCUS FERNANDES Da Agência Folha, em Santos

A empregada doméstica Cleide Aparecida dos Santos, 24, acusou um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus em Guarujá (SP) de tê-la espancado durante culto realizado no dia 6.

Segundo Aparecida, a agressão foi motivada pela venda de uma fita para ser amarrada no pulso com inscrições religiosas.

"O pastor vendia a fita por R$ 50. Uma pessoa ao meu lado, que não tinha o dinheiro, pediu para que ele deixasse a fita por R$ 5. Ele se recusou", disse Aparecida.

A empregada, que trabalha em Santos, disse ter insistido junto ao pastor para que ele vendesse a fita por R$ 5. "Nesse momento, ele começou a gritar que eu estava com o diabo no corpo, me levou até o altar da igreja e ficou apertando o meu pescoço", afirmou.

"Quanto mais eu ficava sem ar e me debatia para ser solta, mais o pastor Marcos gritava que eu estava possuída pelo demônio."

Aparecida mostrou braços arranhados e pernas com manchas roxas. Hoje deve ser examinada no Instituto Médico Legal.

A delegada Rita de Cassia Mendez, da Delegacia de Defesa da Mulher de Guarujá, aguarda a presença de Aparecida para iniciar as investigações. Ela disse que, se ficar comprovada a agressão, o pastor pode ser condenado de três meses a um ano de prisão.

Outro lado

A Agência Folha procurou ontem o pastor Marcos ou algum representante da Igreja Universal em Guarujá.

Ninguém quis dar informação a respeito do pastor ou de algum representante da igreja.

(Marcus Fernandes)

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