Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 14/10/95
SÃO PAULO _ O mais grave nos
pontapés de um pastor da tal Igreja Universal do Reino de
Deus na imagem de Nossa Senhora Aparecida é menos a
eventual blasfêmia e mais o sinal de intolerância
que o gesto transmite.
É o equivalente religioso de
queimar a bandeira do clube adversário, na guerra das
torcidas organizadas, com perdão da comparação.
Agora, basta que um padre termocéfalo insinue qualquer
coisa a um grupo de fiéis mais chegados ao misticismo e
pronto: amanhã ou depois, alguma sede da Igreja Universal
pode acabar aparecendo apedrejada.
Intolerância à parte, o episódio
se inscreve à perfeição na lógica
hoje predominante, a lógica do mercado como deus
todo-poderoso. Não entendo muito de milagres, mas consta
que Nossa Senhora Aparecida não ``cobra" bens
materiais por suas supostas façanhas.
Bastaria, dizem os que acreditam, muita
oração ou a disposição de andar de
joelhos os mil metros que separam a basílica nova da
velha para se tornar candidato a algum milagre.
Já a tal Igreja Universal pede mais
dos bolsos do que dos joelhos de seus fiéis.
É natural, assim, que um de seus
pastores tente desacreditar a imagem da santa, uma concorrente,
digamos, desleal porque oferece resultados a um preço
mais acessível ao menos do ponto de vista material.
É sintomático que o pessoal
do bispo Edir Macedo só tenha descoberto características
``demoníacas" na Rede Globo depois que esta pôs
no ar uma minissérie que, aparentemente, retratava práticas
do chefe da Igreja Universal.
Antes disso, a Globo podia fazer (e, em
alguns casos, fez) literalmente o diabo sem que Macedo e cia. se
preocupassem.
No ritmo em que vão as coisas, será
uma enorme surpresa se a disputa pelo mercado dos ``milagres"
for perdida pela tal de Igreja Universal. A imagem de Nossa
Senhora Aparecida pode não fazer milagres, mas também
não consta que seus guardiães saiam por aí
distribuindo pontapés nas imagens dos outros.
Logo, não produzem espetáculo.
E o que conta, hoje, é o espetáculo.
Como fui exorcizado em NY
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 18/09/95
Autor: GILBERTO DIMENSTEIN De Nova York
Esperava por muitas cenas em minha vida.
Menos ser exorcizado e, ainda por cima, no centro de Manhattan.
"Em nome de Jesus, sai diabo", gritava a pastora,
olhos fechados, apertando minha cabeça com as quatro mãos.
"Jesus, liberta nosso irmão do mal".
Foi um exorcismo involuntário. Na
busca de informações, parei no meio da multidão
que se aglomerava na porta do Madison Square Garden. Dali, os
letreiros anunciavam Eric Clapton e Julio Iglesias.
Não me dei conta, mas estava numa
fila. Inesperadamente, uma pastora da Igreja Universal do Reino
de Deus se aproximou e agarrou minha cabeça _uma mão
à nuca e outra na testa. Foi tão rápido que
nem pude me explicar. Não resisti: afinal, se resistisse,
talvez pensassem que o diabo tinha mesmo dominado um pobre
pecador. Era capaz de ficar pior ainda.
Na terra do "fast food", o bispo
Edir Macedo e seus pastores criaram o "fast exorcismo".
Para acalmar a multidão que não conseguiu entrar,
dezenas de pastores percorriam as filas, dando passes e
expulsando o "diabo". Tudo em segundos.
Os fiéis carregavam nas mãos
um convite escrito em espanhol que dava direito ao culto.
Generoso em promessas: cura para Aids, câncer, depressão,
medo, desempregos. E até problemas imigratórios:
para muitos daqueles crédulos, câncer até se
enfrentar. Difícil é ganhar um "green card",
que dá direito a viver legalmente aqui.
Se o bispo Edir Macedo queria entrar na
história do Madison Square Garden, conseguiu. Os
policiais e seguranças mostraram olhos arregalados diante
das cenas de exorcismo, passes, histeria dentro e fora do
teatro.
Num púlpito improvisado no lado de
fora, faziam-se orações. De repente, abre-se um
clarão. Um homem se levanta chorando com uma muleta
levantada. "Milagre, milagre, milagre. O paralítico
está andando", grita o pastor. Aplausos. Tamanha a
emoção que nem sequer notaram um detalhe: a muleta
do "paralítico" era nova em folha.
Os pastores não sabiam controlar
como controlar a nervosa multidão. Apertavam-se crianças,
cegos, paralíticos, desfilavam cadeiras de rodas. Nas
rodinhas, a conversa era só desgraça. Câncer
da filha, desemprego do marido, Aids do sobrinho, marido bêbado,
irmão drogado.
Às pressas tiveram de transferir
parte do culto para o lado de fora e chamaram mais pastores. A
polícia pediu que esvaziassem a frente do teatro, o que
era impossível.
Um dos pastores teve uma infeliz idéia.
Disse que seria distribuído um vidrinho com azeite
trazido da "Terra Santa". Um moça dirigiu-se à
avenida, na ilusão de atrair os fiéis e esvaziar a
entrada.
Quando notou, estava submersa em mãos,
estendida e foi obrigada a ser escoltada. Os policiais, atônitos,
tentaram ajudar, distribuindo o azeite sagrado, sufocados pela
aglomeração.
No estilo "vocês-querem-bacalhau?",
os vidrinhos eram jogados do alto do púlpito improvisado,
disputado no espaço pelas mãos espalmadas.
Tanta confusão acabou por atrair
gente da rua. Com suas roupas espalhafatosas, grupos de negros
olhavam intrigados, com seus imensos rádios que tocavam "rap".
Como era de graça, alguns se dispuseram a receber passes.
Uma senhora americana se aproximou de mim
e, curiosa com tanta gente falando espanhol, perguntou: "O
Julio Iglesias já está fazendo show?"
Foi a segunda cena improvável num único
dia depois do exorcismo em Manhattan: ser confundido com alguém
que está na fila para assistir Julio Iglesias.
(Gilberto Dimenstein)
Nos cultos, fiéis
doam dinheiro para vencer diabo
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 17/09/95
Autor: DANIEL PIZA Da Reportagem Local
O culto na Igreja Universal do Reino de
Deus começa com um sermão que dura cerca de uma
hora. O pastor veste camisa de manga comprida e gravata. Fala ao
microfone. No meio do templo há outro microfone,
dependurado sobre a platéia.
Não se vêem as câmeras
de televisão que gravam os cultos que a Rede Record exibe
durante a madrugada. Estão ocultas sob uma vidraça
à esquerda do palco e, para mostrar o pastor, no
mezanino.
A sede da Igreja Universal, no Brás
(r. Celso Garcia, 499), em São Paulo, visitada pela Folha
durante a semana passada, tem capacidade para cerca de 3.000 fiéis.
Vestidos com roupas humildes, eles são
vigiados por "obreiros" (assistentes do pastor), também
engravatados, que chegam a cem no culto das 20h _em que a igreja
está quase lotada. Nos outros dois cultos diários,
às 10h e às 18h, o número varia de 30 a 50.
Enquanto o pastor fala, as pessoas,
sentadas, não olham para o lado. Respondem a quase toda
pergunta que ele faz. "Sim ou não?", "Amém,
pessoal?" e "Tá legal?" são algumas
das expressões que pontuam o sermão.
Também pede acenos de mão
para "quem sente a presença de Deus". Todos
fazem o gesto.
A coloquialidade do pastor é a
primeira característica notável. A outra, sua coerência
_ele raramente cai em auto-contradição.
Sua linha básica encordoa dois
argumentos: as pessoas sofrem de "sentimento de
inferioridade" e é por isso que não conseguem
o que querem; para combatê-lo, apenas precisam acreditar
em Deus e dar dinheiro à Igreja Universal.
"Quanto mais se dá à
igreja, mais se recebe", diz. "Muita gente veio me
dizer que, depois de entrar na igreja, conseguiu casa própria,
carro novo e outras coisas."
O pastor de quarta-feira à noite
reforçou a imagem com uma lei da física (lei da ação
e reação): "Se empurro este púlpito
para lá, ele me empurra para cá. É a mesma
coisa que acontece com a oferta que você faz. Tudo que você
der, receberá depois, e em dobro".
Mas o assunto dinheiro fica para a parte
do final do discurso. Antes, ele se dirige ao desamparo
emocional das pessoas. "As pessoas se subestimam",
diz.
Quase tudo que é dito é
ilustrado. Para mostrar como a falta de auto-estima prejudica a
vida, ele pode pintar a seguinte imagem: "Não
adianta você parar diante de um prédio, olhar para
a cima e dizer: 'Ah, se esse apartamento fosse meu'. Você
tem de dizer: 'Esse apartamento será meu'."
E pode continuar com um exemplo extraído
de um culto: "Outro dia uma moça estava aqui em
frente ao palco e eu disse a ela para subir", conta (o
palco tem cerca de 1m20 de altura). "Ela respondeu: 'Ah,
pastor, quem sou eu para subir aí'. É. Tem de
ficar aí embaixo mesmo", completou, provocando risos
na platéia.
Depois das ilustrações,
volta com o conceito: "Com fé você consegue
tudo que quiser. Sem fé, vai ser passado para trás".
Está na hora de começar a
falar nas doações de dinheiro. Também na
quinta-feira, o pastor deu nesse instante uma justificativa ao
mesmo tempo prática e "teológica".
"Temos igrejas em vários países",
disse, logo emendando, com voz mais elevada: "Mas ainda é
pouco! Temos de ter igrejas no mundo inteiro, porque só
assim vamos destruir o diabo".
Destruir, derrotar, lutar contra: a metáfora
de combate é onipresente. As doações são
necessárias para "ofender o diabo, humilhar o miserável".
Quanto mais altas, maior a possibilidade de vitória.
O sermão termina com essas imagens
gritadas. Mas resta uma hora de culto ainda. O pastor convoca as
pessoas que estão com problemas a ir até a frente.
Os problemas são variados. O pastor
pode chamar "os que brigam com a família", "os
que não conseguem abandonar um vício" ou,
simplesmente, "os que levam uma vida enjoativa".
Invariavelmente, nesse ponto, mais de três
quartos da platéia se levantam e andam até o
palco.
Ouvida pela Folha, a balconista Regina,
que trabalha num botequim ao lado da igreja, disse que gosta do
que o pastor fala "porque parece que ele está
falando da minha vida, lá em cima".
Desempregado, o mecânico Roberval
diz estar lá "porque não sei mais o que fazer".
Segundo ele, o pastor "anima" as pessoas, "transmite
fé para a gente".
'O demônio segura a
carteira'
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 17/09/95
Autor: DANIEL PIZA Da Reportagem Local
Depois do sermão e de chamar as
pessoas à frente, o pastor pede que todos ponham a mão
no coração e fechem os olhos. "Deixe Jesus
tocar você", diz _marcando o início da espiral
de sons e palavras que vai conduzir ao transe.
Com voz chorosa, fala ininterruptamente,
pedindo para Cristo ter pena das pessoas. O tecladista passeia
lentamente pelas notas agudas do instrumento. "Deixe a lágrima
sair", diz o pastor.
As pessoas começam a dizer para si
mesmas "Jesus te salve" e outras frases do pastor.
Nesse momento, os obreiros começam a circular pelos
corredores, cuidando para que ninguém abra os olhos. As
vozes vão se multiplicando e os braços são
erguidos.
Começa então a cantoria,
ainda de olhos fechados. Os obreiros puxam o coro. O ritmo é
popularesco; as canções poderiam estar na voz de
um Jerry Adriani e tocar nas rádios comerciais de FM: "Se
estou aqui/ É porque me arrependi/ Perdoa-me, perdoa-me".
Às sextas-feiras, nesse momento, o
culto dá lugar ao exorcismo. "Chegou a hora do demônio",
grita o pastor, seguido pela massa. "Vem, Jesus! Queima os
exus, os orixás, queima os demônios da prostituição,
do adultério, da cachaça, da maconha!"
A música fica cada vez mais alta.
Então, em coro, todos gritam "Sai! Sai! Sai!"
_um uníssono de 3.000 vozes. Os pastores colocam as mãos
sobre a cabeça de dezenas de pessoas, sussurrando frases
contínuas, "Misericórdia, meu pai, recebe teu
filho, meu pai".
Na fileira à frente, uma mulher de
repente se dobra. Os braços vão para trás,
as mãos retorcidas em gancho. Ela grunhe. Cinco ou seis
obreiros a cercam e seguram.
Por cerca de cinco minutos os "possuídos"
se contorcem e a igreja grita, até que o pastor declara o
diabo vencido. Segue-se uma salva de palmas. A mulher se levanta
e sorri, como que aliviada.
Quando se abrem os olhos, vê-se que
o pastor já segura uma sacola na mão esquerda.
As pessoas voltam para suas poltronas.
Primeiro, o pastor pede R$ 500. Ninguém dá.
Depois, R$ 200. Idem. Pede R$ 100 e três pessoas para a
contribuição. Consegue. "Se você não
paga a Deus, paga ao diabo", diz ele.
R$ 50, mais três pessoas. Para R$
10, o pastor pede 33 pessoas "porque foi com 33 anos que
Jesus morreu". Como motivação, diz: "Sei
que nessa hora tem uma guerra dentro da gente: Deus quer dar,
mas o diabo fica segurando a carteira. Vem agora, vem! Você
pode morrer amanhã!"
O repórter da Folha vai até
lá. O dinheiro é posto na sacolinha de veludo
vermelho, segurada por um obreiro. Outro carrega uma bacia de plástico
com água perfumada, onde se lava a mão em seguida.
O pastor aproveita o entusiasmo geral e
imediatamente pede R$ 5. Quase toda a platéia levanta. A
arrecadação passa dos R$ 10 mil. "Jesus é
o salvador", diz o pastor. "Agora vocês podem ir
para casa. Amém?"
O dia em que escapei da
fogueira
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 17/09/95
Autor: ARMANDO ANTENORE Da Reportagem
Local
"Queima! Queima! Queima!"
Quando ouvi o grito inquisitorial da
multidão, pensei: "Não saio vivo desta."
O medo fez meus braços adormecerem e os joelhos quase
dobrarem. Tentei, mas não consegui parar de tremer.
Eram 21h40 de terça-feira, dia 12
de setembro. Estava em um dos templos da Igreja Universal, no
bairro paulistano do Brás.
O pastor Júlio César _os fiéis
o chamavam assim_ comandava o culto que já durava uma
hora e meia. Cegos, paralíticos, tuberculosos, doentes de
toda a sorte engrossavam a massa de aproximadamente 3.000
pessoas que se aglomerava diante do altar.
Queriam a cura. "E a cura virá",
prometia o pastor com insistência, de microfone em punho. "Basta
que vocês abandonem o deus da macumba, o deus dos católicos.
Porque atrás do pai-de-santo, atrás da Virgem
Maria está o demônio da doença."
Sem me identificar como repórter,
acompanhava a cerimônia desde o início. Pretendia
observar e depois me apresentar ao pastor.
Não trazia gravador nem câmera
fotográfica. No bolso, carregava apenas papel e caneta.
Sabia que a Universal anda cismada com os meios de comunicação
_principalmente depois que a Globo lançou a minissérie
"Decadência", tida como ofensiva pelos evangélicos.
Se me identificasse, poderiam me impedir de ver o culto.
Passava um pouco das 21h30 quando o pastor
se pôs a recolher o dízimo. Após entregar o
dinheiro, alguns fiéis colocavam bilhetes sobre o altar.
Eram pedidos que anotavam ali mesmo, em pedacinhos de papel.
Aproveitei a deixa para também
anotar. Até aquele momento, não escrevera nada,
com receio de chamar a atenção. Mas agora me
sentia seguro. Rabisquei rapidamente meia dúzia de
informações que temia esquecer.
Mal acabei de tomar nota, veio o susto. O
pastor, distante uns 50 metros, apontou para mim e berrou: "Quem
é você?" Imediatamente, cinco obreiros
arrancaram o papel de minhas mãos. Fiquei perplexo. Como
me descobriram entre tantas pessoas que anotavam? Que gesto me
denunciou?
Um dos obreiros levou o papel para o
pastor, que continuou berrando: "Quem é você?
Repórter da Globo? Por que vocês só chegam
na hora do dízimo? Por que não mostram nossas
curas, nossas obras assistenciais?"
Os milhares de fiéis aplaudiram,
irados. O pastor se animou e começou a ler minhas anotações:
"Vejam o que o rapaz escreveu _que pedi R$ 500 para vocês.
Ele não entende a importância do dízimo. É
um covarde, o enviado de Satanás. Vamos humilhá-lo."
Foi, então, que os fiéis
gritaram em fúria: "Queima! Queima! Queima!"
Dezenas de obreiros me cercaram. Um deles segurou meu braço
e perguntou: "Você é jornalista? Conta logo."
Tive medo de confirmar: "Não, sou estudante."
O pastor, cada vez mais empolgado,
ordenou: "Vamos expulsá-lo do templo." Os
obreiros me empurraram em direção à multidão.
"Queima! Queima! Queima!", insistiam os fiéis,
como costumam fazer durante os cultos, quando julgam que o demônio
possuiu alguém.
Achei que iriam me linchar. Olhei em volta
e percebi que um dos obreiros estava tão assustado quanto
eu. Pedi que me protegesse. Ele me abraçou e, caminhando
lentamente, implorando calma à multidão, conseguiu
me tirar dali.
Antes de me deixar partir, arriscou uma
bravata: "Você acha que pode mexer com a gente? Nem o
Roberto Marinho (presidente das Organizações
Globo) nos intimida. A Universal é uma potência."
Voltei ao templo na tarde de quinta-feira
com o fotógrafo Luiz Novaes. Desta vez, usava o crachá
de repórter. Insisti, mas o pastor Júlio César
não quis me atender.
Procurei, no dia seguinte, o pastor e
radialista Ronaldo Didini, porta-voz informal da igreja. Por
telefone, ele se desculpou pelo que aconteceu. "Foi uma
exceção. Os ânimos estão muito
acirrados por causa dos ataques que a Globo vem nos fazendo."
Para intelectuais, novas
igrejas são 'fast-food' da fé
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 17/09/95
Autor: FERNANDO DE BARROS E SILVA
Para intelectuais, novas igrejas são
'fast-food' da fé
Sociólogos tentam explicar sucesso
pela promessa de salvação imediata
Uma espécie de "fast-food"
da fé. É assim que os intelectuais que estudam as
igrejas neopentecostais tentam explicar o êxito que elas
alcançaram no Brasil e fora dele.
Promessa de salvação instantânea,
intimidade com o dinheiro, tolerância em relação
aos costumes dos fiéis, organização
empresarial sofisticada, exploração dos meios de
comunicação de massa e técnicas de persuasão
enérgicas fazem dos neoevangélicos o McDonald's da
religião contemporânea.
O sociólogo Flávio Pierucci,
do Departamento de Sociologia da USP e estudioso do assunto, diz
que os novos evangélicos, sobretudo a Igreja Universal do
Reino de Deus, "sabem como ninguém se virar no mundo
dos negócios, ao contrário da Igreja Católica".
Eles não têm culpa, diz
Pierucci, "lidam com o dinheiro como algo legítimo,
positivo e muito desejável. Você não
desmascara um pastor quando diz que ele arranca o dinheiro dos
pobres. Ele vai responder que é assim mesmo, que ele também
deu tudo a Jesus e por isso recebeu de Jesus em dobro".
Há uma palavra, segundo Pierucci,
que resume o sucesso dos empresários das igrejas evangélicas:
flexibilização. "É a palavra mais em
moda no meio empresarial e ninguém aprendeu seu
significado mais rápido do que a Igreja Universal",
diz.
Enquanto o protestantismo tradicional
impunha restrições de toda ordem aos fiéis,
os neopentecostais trataram de se adaptar aos hábitos de
uma época permissiva.
Assim, se tradicionalmente o slogan era "crente
não participa de política", hoje o lema é
"irmão vota em irmão". Da mesma forma
com o esporte, em que proliferam os atletas de Cristo, e o rock,
que deixou de ser "coisa do diabo" para inspirar várias
bandas evangélicas.
O sociólogo Ricardo Mariano, que
acaba de defender dissertação de mestrado
intitulada "Neopentecostalismo: os pentecostais estão
mudando", vê na promessa de alívio imediato
dos fiéis um dos pilares do sucesso dessas igrejas.
Ao contrário da Igreja Católica,
que solicita das pessoas um longo caminho de privações
e culpabilização em troca de uma salvação
futura e impalpável, os neoevangélicos, diz
Mariano, apostam na lógica fulmimante da conversão.
"São religiões de
transe e de êxtase, que atraem para a conversão
principalmente aquelas pessoas que querem livrar-se de um
passado que consideram nebuloso. É um prato cheio para
atrair presidiários, alcoólatras, prostitutas,
viciados", afirma.
O dominicano frei Betto, ligado à
Teologia da Libertação, lembra que a formação
de um sacerdote na Igreja Católica pressupõe
quatro anos de estudos de filosofia, mais quatro anos de
teologia e "a heróica exigência do celibato".
Os evangélicos, diz ele, formam
seus pastores em três ou quatro meses, "valorizando a
espontaneidade com um sistema mínimo de hierarquia,
aberto a homens analfabetos e até mesmo a mulheres".
Segundo frei Betto, até mesmo a
arquitetura dos templos está ligada à lógica
empresarial. Enquanto as igrejas católicas ficam no alto
de escadarias e passam a maior parte do tempo com as portas
fechadas, os templos evangélicos "na sua maioria têm
as portas abertas sobre a calçada, como bocas famintas de
fiéis".
A liturgia dos cultos católicos,
prossegue o dominicano, "é determinada com rigidez e
frieza. Nas pentecostais, toda emoção encontra
espaço para se expandir".
O historiador Boris Fausto, da USP,
prefere falar em "terapia para pobre". "Numa época
em que as utopias do mundo laico entram em crise, esse tipo de
apelo emocional torna-se irresistível para os que não
têm mais nada a perder".
Funcionamento segue lógica
empresarial
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 17/09/95
Autor: FERNANDO MOLICA Da Sucursal do Rio
O sociólogo Alexandre Brasil
Fonseca considera que o sucesso da Igreja Universal do Reino de
Deus pode ser explicado, em parte, por uma lógica
empresarial em sua administração. Classificada por
ele de "mentalidade de loja de departamento".
Fonseca prepara dissertação
sobre a igreja na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para
ele, o que determina essa lógica é:
1. Constante revezamento entre os
pastores, que ficam, no máximo dois anos em cada templo.
O objetivo é não criar vínculos entre eles
e os fiéis. O importante é a Igreja Universal, não
o pastor;
2. Busca de "produtividade"
pelos pastores, medida pela frequência ao templo e "na
manutenção dos dízimos e ofertas";
3. Uso de mecanismos de promoção
entre os pastores: os de melhor produtividade vão
ascendendo na carreira e, aos poucos, deixam os templos menores
para os mais importantes. Da mesma forma, os obreiros (pessoas
que ajudam nos cultos) podem chegar a pastores.
Segundo Fonseca, cada templo da Universal
funciona como a filial de uma franquia, submetida à
filosofia de gerência da matriz.
A ausência de uma tradição
_a igreja foi fundada em 1977_ reforça, de acordo com o
sociólogo e outros pesquisadores, essa adequação
ao "mercado".
Pesquisador do Iser (Instituto de Estudos
Religiosos), André Mello afirma ter lido em uma publicação
norte-americana declaração de um pastor da
Universal que lamentava ainda não ter "descoberto"
o que mais desejava o público de Nova York, onde a igreja
tem templos.
Entre outros motivos para o sucesso da
Universal, Fonseca enumera algumas hipóteses:
1. Uso de linguagem e símbolos
populares. Apesar da crítica às religiões
afro-brasileiras acaba reconhecendo a existência de
entidades como orixás e exus;
2. Adoção do que já
foi chamado de "Teologia da Prosperidade", ou seja, o
constante apelo ao progresso individual;
3. Menor exigência em relação
a outras igrejas pentecostais de um comportamento moral rígido;
4. Uso da lógica da perseguição:
a Universal procura angariar simpatias ao se dizer perseguida.
André Mello também ressalta
que a igreja _ao criar objetos como óleos santos, fitas e
copos d'água e ao estimular "correntes de oração"_
soube capitalizar elementos da religiosidade popular com os
quais a Igreja Católica tinha dificuldades em lidar.
Ex-aliado acusa Macedo de
usar dinheiro do tráfico
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 17/09/95
Autor: FÁBIO GUIBU PAULO MOTA Da Agência
Folha
Ex-coordenador da Igreja Universal do
Reino de Deus nas regiões Norte e Nordeste, o pastor
Carlos Magno de Miranda, 40, afirma que o bispo Edir Macedo usou
dinheiro do narcotráfico colombiano para comprar a TV
Record.
Miranda, hoje líder da Igreja Espírito
Santo de Deus, também acusa Macedo de contrabandear
equipamentos para montar suas rádios. Ele fez as
primeiras acusações contra o bispo em dezembro de
90. Candidato a deputado federal pelo PMDB-CE, Macedo não
foi eleito e teria se sentido traído pela falta de apoio.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Agência
Folha.
Agência Folha - À época
de seu rompimento com Edir Macedo, o sr. o acusou de ter
recebido dinheiro do narcotráfico. O que aconteceu desde
então?
Carlos Magno de Miranda - O mesmo que
aconteceu com Fernando Collor, com os bancos que estão aí
quebrando: nada. É o Brasil, não é?
Agência Folha - O sr. o acusou de
receber US$ 1 milhão do narcotráfico?
Miranda - Foi. Da Colômbia. Eu
sustento, eu participei. Quando viajamos à Colômbia,
afirmava-se que era um reconhecimento prévio para a
igreja entrar no país. Fomos em quatro ou cinco casais. Só
depois ficamos sabendo que a viagem era para trazer dólares.
Agência Folha - Como o sr. trouxe o
dinheiro?
Miranda - Não, eu não
trouxe. Fui o único que recusou.
Agência Folha - Como o sr. sabe que
era do narcotráfico?
Miranda - Porque o pastor Gonçalves,
que dirigia a equipe da viagem, disse: 'Apareceu uma pessoa em São
Paulo, que é colombiana, traficante. Essa pessoa matou um
coronel na Colômbia, está foragida no Brasil. Aí
procurou a igreja e disse: eu tenho US$ 1 milhão, eu
empresto ao bispo, mas vocês têm de buscar. Vocês
estão com dificuldade de arranjar dinheiro para a compra
da Record, eu dou e depois vocês me pagam.' Ou seja, fez
uma lavagem.
Agência Folha - Como foi feita a
transação?
Miranda - Eles foram ao hotel e indicaram
uma casa, onde os pastores foram buscar o dinheiro vivo, em dólares.
Eu não pude ir porque adoeci.
Quando cheguei ao quarto, o pastor Gonçalves
contou: 'A gente veio para isso'. Eu digo não, não
aceito. Não concordo. Aí ele ligou para o bispo:
'O Carlos está revoltado'. Eu falei com o bispo por
telefone e ele disse: 'Carlos, para Jesus até gol de mão
vale, rapaz'.
Agência Folha - Como o dinheiro foi
trazido?
Miranda -Na mão, em pacotes, dentro
das calcinhas, no corpo. Era avião fretado, da Líder.
Agência Folha - O sr. tem alguma
prova?
Miranda - Que prova eu poderia ter? Tenho
prova da ida. Está documentada. Para sair do Brasil tem
que ter autorização da Infraero, passaporte, e a
saída do Galeão está documentada.
Agência Folha - Onde o dinheiro foi
entregue?
Miranda - No Rio, para o próprio
bispo, na rádio Copacabana. Foi aí que começou
a divergência que acabou resultando na minha saída
da igreja.
Agência Folha - Como foi a compra da
Record?
Miranda - Eu participei de toda a negociação
da compra. Na época, suspenderam o pagamento dos pastores
e ninguém mais tinha salário. Todo mundo tinha que
fazer sacrifício e todo mundo fez, naquela empolgação...
Agência Folha - O sr. chegou a ser
convidado para ser bispo?
Miranda - Sim, eu seria o chefe da Igreja
Universal no Brasil.
Agência Folha - A igreja diz que faz
milagres.
Miranda - O milagre sempre acontece quando
é feito em nome de Jesus. Já aconteceram muitos.
Agência Folha - O sr. sustenta tudo
o que já disse?
Miranda - Tudo, tudo, tudo. Sustento e
estranho muito não ter dado em nada. É inacreditável.
O bispo Edir Macedo _na época, eu fiz essa denúncia_
montou praticamente todas as rádios com contrabando.
Entrava tudo por São Paulo, pelo aeroporto de Cumbica. A
rádio Copacabana, a rádio São Paulo _todo o
equipamento entrou contrabandeado.
Agência Folha - Como?
Miranda - Uma das vezes, nós fomos
recebê-lo no aeroporto. O bispo havia trazido 16 malas
daquelas grandes. Pegamos uma camionete para transportá-las.
Quando chegamos à casa, ele começou
a abrir e tinha tudo quanto é equipamento para rádio:
gravador, mesas de som das mais finas, equipamentos de estúdio.
Era tudo esquema feito com a Receita Federal, lá no
aeroporto. Entrava o que precisasse. No Rio, eu já sabia
que existia.
Agência Folha - O bispo Edir Macedo
tem alguma pretensão política?
Miranda - Tem. Ele quer ser presidente da
República. Ele disse que um dia teria poder para dominar
o Congresso, politicamente.
Não conseguiu ainda porque tem
escolhido mal os candidatos, são verdadeiros fracassos lá
em Brasília.
Empregada doméstica
diz que apanhou de pastor durante culto
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 17/09/95
Autor: MARCUS FERNANDES Da Agência
Folha, em Santos
Ex-frequentadora de centro de umbanda e
camdomblé, a empregada doméstica Cleide Aparecida
dos Santos, 24, entrou na semana passada com uma queixa-crime
contra um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, em Guarujá
(SP). Ela acusa o pastor chamado Marcos de tê-la agredido
em um culto.
A seguir, trechos da entrevista que ela
deu à Agência Folha:
Agência Folha - Por quanto tempo você
frequentou a Igreja Universal do Reino de Deus?
Cleide Aparecida dos Santos - Uns três
meses.
Agência Folha - Antes você ia
a outra igreja?
Aparecida - Nos últimos três
anos fui a um centro de umbanda e candomblé. Foi o meu
irmão que me convidou para a Universal.
Agência Folha - O que ocorreu
durante o culto na Igreja Universal no último dia 6?
Aparecida - Um pastor, de nome Edgar,
estava vendendo por R$ 50 uma fita para amarrar no pulso, uma
fita abençoada por Jesus. Uma moça não
tinha o dinheiro, mas queria dar o que tinha na bolsa, R$ 5.
O pastor disse que não podia vender
por R$ 5. Disse que Jesus não gosta de esmola e que a
fita só poderia ser vendida por R$ 50.
Agência Folha - E depois?
Aparecida - Eu reclamei com ele, afinal
Jesus não precisa de dinheiro para abençoar ninguém.
Disse que iria abandonar a igreja. O pastor Edgar chamou o
pastor Marcos para fazer uma oração na minha cabeça.
Só que, em vez de oração, ele começou
a me agredir.
Agência Folha - Como foi?
Aparecida - Ele me segurou e me chutou nas
pernas. Eu caí e ele me levantou pelos cabelos. Eu caía
de novo, e ele me chutava na barriga. Aí ele agarrou o
meu pescoço e começou a me sufocar. Eu me debatia,
e ele gritava que eu estava com o demônio no corpo. Isso
aconteceu por uns 30 minutos.
Saí da igreja, cheguei cheia de
dores em casa e uma ambulância me levou ao hospital, onde
tomei analgésicos. Nunca apanhei tanto.
Agência Folha - Antes você
estava contente com a igreja?
Aparecida - Eu até gostava, mas
comecei a ficar revoltada com os constantes pedidos de dinheiro.
Eles não aceitavam menos de R$ 5. Eu ia até me
batizar. Mas, depois de batizada, eu teria de dar 30% do salário
(Aparecida ganha R$ 200 por mês como empregada doméstica
em Santos).
Agência Folha - Você teme
represálias por sua atitude?
Aparecida - Tenho medo. Eles falaram que,
se eu deixasse a igreja, iria terminar meus dias numa cadeira de
rodas.
Mulher diz que foi
agredida por pastor em culto
Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 13/09/95
Autor: MARCUS FERNANDES Da Agência
Folha, em Santos
A empregada doméstica Cleide
Aparecida dos Santos, 24, acusou um pastor da Igreja Universal
do Reino de Deus em Guarujá (SP) de tê-la espancado
durante culto realizado no dia 6.
Segundo Aparecida, a agressão foi
motivada pela venda de uma fita para ser amarrada no pulso com
inscrições religiosas.
"O pastor vendia a fita por R$ 50.
Uma pessoa ao meu lado, que não tinha o dinheiro, pediu
para que ele deixasse a fita por R$ 5. Ele se recusou",
disse Aparecida.
A empregada, que trabalha em Santos, disse
ter insistido junto ao pastor para que ele vendesse a fita por
R$ 5. "Nesse momento, ele começou a gritar que eu
estava com o diabo no corpo, me levou até o altar da
igreja e ficou apertando o meu pescoço", afirmou.
"Quanto mais eu ficava sem ar e me
debatia para ser solta, mais o pastor Marcos gritava que eu
estava possuída pelo demônio."
Aparecida mostrou braços arranhados
e pernas com manchas roxas. Hoje deve ser examinada no Instituto
Médico Legal.
A delegada Rita de Cassia Mendez, da
Delegacia de Defesa da Mulher de Guarujá, aguarda a
presença de Aparecida para iniciar as investigações.
Ela disse que, se ficar comprovada a agressão, o pastor
pode ser condenado de três meses a um ano de prisão.
Outro lado
A Agência Folha procurou ontem o
pastor Marcos ou algum representante da Igreja Universal em
Guarujá.
Ninguém quis dar informação
a respeito do pastor ou de algum representante da igreja.
(Marcus Fernandes)