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Livro revela bastidores da Igreja Universal
Barbara Gancia

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 15/11/95

Você confiaria na palavra de um pastor expulso da Igreja Universal do Reino de Deus, ex-garoto de programa, ex-viciado em crack e heroína e ex-traficante de dois tostões? Não?

Pois pense outra vez. O sujeito a quem me refiro _e que entre outras "qualidades" admite candidamente ter se armado de punhal e revólver a fim de assassinar o bispo Edir Macedo_, é Mário Justino, autor de "Nos Bastidores do Reino", lançamento recente da Geração Editorial.

A história do jovem, que aos 15 anos largou família e bolsa de estudos para se juntar aos quadros da Universal, se confunde com a nebulosa trajetória da "igreja" fundada pelo "bispo" Macedo em 1977.

E ajuda a recrudescer as suspeitas que há muito pairam sobre o conglomerado _isento de impostos, diga-se_ comandado por Macedo.

Exemplos? Segundo Justino, a Universal nada mais é do que uma empresa como qualquer outra. A única diferença é o produto vendido: o "vinho curativo" não passa de K-suco; a água do rio Jordão na verdade é aquela comercializada pela Embasa e o óleo ungido de Jerusalém vem a ser o bom e velho azeite Galo.

Quer ficar de cabelo em pé? Então sinta um trecho da reveladora obra: "As reuniões dos pastores, que nos anos anteriores continham leituras de salmos (...) assumiam agora características de reunião de conselho administrativo de megaempresa. Os assuntos do dia eram a compra e venda de imóveis ao redor do mundo, as cotações do ouro e do dólar ou os movimentos das bolsas de São Paulo e Londres. O único Evangelho pregado nesses encontros era aquele segundo Lilian Witte Fibe".

Ao final da leitura, tudo leva a crer que Justino não escreveu movido por vingança. Portador do virus HIV e atualmente residindo nos Estados Unidos, ele não pretende apenas expor as entranhas da Universal.

A descrição esmiuçada de seu calvário pessoal, com os devidos nomes aos bois, é prova suficiente da sinceridade do autor.

Em qualquer país sério, essa obra serviria, no mínimo, como estopim para algum tipo de investigação pública. É esperar para ver.

Ex- pastor conta sua vida do púlpito ao lixo

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 12/11/95

Autor: GILBERTO DIMENSTEIN

Mário Justino narra em livro ter sido expulso da Universal quando Edir Macedo soube que ele era portador do HIV

Atrás de uma lata de lixo próxima aos fundos da Igreja Universal do Reino de Deus, no Brooklyn, em Nova York, estava escondido uma rapaz negro, magro e drogado. Armado com uma pistola automática, ele se preparava para assassinar o bispo Edir Macedo.

Acompanhado do filho adotivo Moisés, em 1992, Edir Macedo caminhava cercado de dois assessores a poucos metros da lata de lixo, mas o rapaz, 28 anos, ex- pastor da igreja, fraquejou em seu plano cultivado havia mais de um ano.

"Perdi a chance de ser o Lee Osvald da Igreja Universal do Reino de Deus", diz Mário Justino de Souza, referindo-se ao assassino de John Kennedy.

A tentativa de matar Edir Macedo foi o ponto mais baixo da degradação psicológica de Mário Justino, que, de pastor prometendo milagres e curas, transformou-se em mendigo, traficante de drogas e viciado. Sem dinheiro, viu-se forçado, apesar de portador do vírus HIV, a se prostituir.

No seu desespero misturado às alucinações das drogas, encontrou algum sentido na vida ao responsabilizar Edir Macedo. Ao saber que tinha Aids, Macedo, segundo Mário, resolveu demiti-lo da igreja sem garantir-lhe bilhete de volta ao Brasil.

Essa trajetória, do púlpito aos subterrâneos de Nova York, é relatada num livro que sai nesta semana, intitulado "Nos Bastidores do Reino _ A Vida Secreta da Igreja Universal do Reino de Deus", da Geração Editorial.

O prefácio é de Marcelo Rubens Paiva, colunista da Folha, que recebeu os originais no ano passado, quando morava na Califórnia.

"Eu, que prometia o paraíso, conheci o inferno", conta Mário Justino, enquanto caminha pelos pontos onde vendia drogas no East Harlem, região violenta de Nova York, cidade que Edir Macedo chama de "o trono do diabo".

"Cometi aqui o pecado capital de vender drogas e me viciar". Diz agora estar "clean" (limpo) graças ao tratamento médico e à ajuda da Associação dos Narcóticos Anônimos.

"Ele é um indivíduo para cima", conta Wagner Dennuzo, assistente social do hospital San Vicente, onde Mário Justino é tratado. Essa é a impressão de outros funcionário do hospital.

Mário se beneficia de direitos concedidos a portares do vírus da Aids nos EUA. Atualmente, ele ajuda aidéticos em estado terminal. "Fico pensando quem vai cuidar de mim quando chegar minha vez", diz.

A Igreja Universal, em Nova York, prefere se calar. "Não tenho nada a falar", mandou dizer Renato Maduro, um dos chefes da igreja nos EUA. Mais inútil ainda é tentar falar com o próprio Edir Macedo, para quem Justino é apenas um depravado.

Mário Justino tem também boas lembranças. Tempos em que a Igreja Universal do Reino de Deus deu-lhe posição social e dinheiro.

Ele entrou na instituição em 1980, em São Gonçalo, no Rio. Dali passou por Recife, Salvador, São Paulo, Lisboa e, enfim, Nova York.

Mas sempre teve uma vida tumultuada. Diz ter-se iniciado no homossexualismo com o bispo da Universal José Carlos Menezes, hoje em Portugal. Conta que ao chegar aos EUA, foi levado às drogas por uma prostituta, o que pôs fim a seu casamento.

Na Bahia, onde foi pastor, conta, sobrava dinheiro. "Eu recebia porcentagem do dinheiro arrecadado", lembra-se. "Cheguei a ir de táxi aéreo para Porto Seguro".

"O critério para subir na igreja era a capacidade de arrecadar dízimos", afirma. Nesse jogo, valia tudo. Inclusive, segundo ele, fazer acertos com pessoas que encenassem milagres. Assim, subitamente, na frente dos fiéis, supostos paralíticos saíam andando. "As pessoas que vão à igreja estão em estado de profunda necessidade, depressão, sofrimentos. Estão dispostas a acreditar em qualquer qualquer coisa", avalia.

No começo, ele se acreditava movido pela inspiração divina, mas, com o tempo, passou a encarar a Igreja Universal como fonte de renda. Tentou sair, mas constatou que, fora do púlpito, não teria chances. "Como a maioria dos pastores daquela época, eu não tinha estudo", afirma.

Diz que seu livro não é um forma de vingança, um substituto do tiro que não conseguiu dar no bispo. "Hoje, vejo que se eles erraram comigo, eu também errei. Não sou santo. Eles não me devem nada. Sou também culpado do que fui".

O livro tem também um papel na vida pessoal de Justino: "É o jeito que encontrei de tentar organizar minha vida", analisa. "É, principalmente, um testamento a meus filhos".

Justino tem uma sensação de pressa. Nunca sabe quando a doença vai derrotá-lo, como já derrotou vários personagens de seu livro, que, como ele, conheceram em Nova York "o trono do diabo".

TRECHOS

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 12/11/95

ASSASSINATO

"Meus pensamentos, que corriam longe, arrebentaram a linha tênue que separa o bom senso da loucura quando eu comecei a considerar a idéia de matar. Eu não tinha mais nada a perder. Tudo o que tivera havia escorrido por entre os meus dedos: mulher, filhos, meus pais, meus sonhos, minha fé, meu Deus. Tudo tinha ido."

"A única coisa que me restara era o ódio mortal pelo bispo Macedo e sua Igreja Universal."

O CULTO

"Jogávamos pesado nos programas de televisão. Quebrávamos imagens de santos católicos e, durante os cultos, queimávamos as roupas de candomblé e colares de miçangas levados pelos filhos-de-santo que se convertiam. O povo vibrava. Nós o fazíamos vibrar."

HOMOSSEXUALISMO

"Havia tido minha primeira relação sexual, com um homem, também pastor, da própria Igreja Universal do Reino de Deus. Pensei em largar tudo, pois já não me sentia mais digno de continuar pregando a palavra de Deus. A condenação do Levítico martelava diuturnamente a minha mente: 'Maldito é o homem que se deita com outro homem'."

SEXO E IGREJA

"Sexo e dinheiro eram as maiores causas de queda dos pastores. Talvez pelo fato de esses dois itens serem muito acessíveis dentro da igreja. Quase todos os pastores recebiam bilhetinhos de mulheres se declarando apaixonadas e implorando por uma tarde de amor em um motel de beira de estrada. Algumas mulheres que frequentavam a igreja viam os pastores como galãs de telenovelas que povoavam as suas fantasias. Sempre vinham a nós confessando os sonhos sexuais que tinham conosco."

"Sexo, porém, não era motivo para mandar um pastor embora. A não ser quando o adultério ganhava proporções de escândalo(...)."

RECORD

"Quando o bispo fechou a compra da Record, por UR$ 45 milhões, nós tivemos de pagar o pato. Apesar de que não havia necessidade disso, nossos salários foram cortados por três meses com a desculpa de que a igreja precisava economizar dinheiro para o investimento. Ninguém se atreveu a protestar."

DROGAS

"Na primeira vez que saí para vender drogas tremia tanto que por diversas vezes deixei cair ao chão saquinhos de maconha e cocaína, deixando à vista de quem passava o tipo de negócio em que estava metido. Outra bandeira que eu dava era quando passava um policial. O desespero de ser preso me fazia bater em retirada, correndo até não aguentar dar mais um passo."

Deus e o diabo na terra do crack

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 12/11/95

Enquanto caminhava pela Grand Central Station, em Nova York, quarta-feira passada, às 12h45, Mário Justino, aidético, ex-prostituto e ex- pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, ia me contando como planejou assassinar o bispo Edir Macedo _para completar o insólito da cena, passa ao lado, confuso diante de tantos sinais do metrô, o presidente da Fiesp, Carlos Eduardo Moreira, acompanhado da mulher.

Negro, 30 anos, Mário tem uma coleção tão diversa de "ex" em sua curta vida, que, se injetada num filme, comporia um personagem irreal: ex-viciado, ex-traficante do Harlem e ex-mendigo. Para registrar essa tumultuada sequência de "ex", ele virou escritor.

Sai esta semana seu livro "Nos Bastidores do Reino - A Vida Secreta na Igreja Universal do Reino de Deus". O livro me levou a encontrá-lo semana passada nos mais diferentes cenários: de cafés de livrarias, passando pelo Central Park, até pontos de vendas de drogas no East Harlem, onde traficou e se viciou.

No círculo do crack e da Aids, conta Mário Justino, reanimava-se no ódio a Edir Macedo, a quem responsabiliza por ter sido demitido da Igreja Universal quando comunicou que tinha Aids. Sua vida ganha algum sentido ao tramar o assassinato _uma morte que só não acontece, afirma, porque na hora "H" Edir Macedo, a seu alcance, não conseguiu.

Previsível que o relato atraia a atenção devido ao debate sobre a Igreja Universal do Reino de Deus. É, porém, um detalhe. O sentido, de fato, do personagem não está aí: está no próprio absurdo de Nova York, que, em essência, é o absurdo brasileiro.

Por todos os lados da cidade jorra dinheiro, fecham-se bilionários negócios, turistas lotam sofisticados restaurantes, esvaziam as lojas. Mas, ao mesmo tempo, Nova York produz camadas indestrutíveis de miséria e marginalização, gerando diariamente variações de personagens como Mário Justino, que se entregam ao tráfico de drogas, dormem em abrigos de mendigos ou subterrâneos do metrô.

Daqui se vê como o Brasil está na pré-história social, longe das promessas e boas intenções dos homens públicos.

Além do contínuo crescimento da economia, os programas sociais americanos nos níveis municipal, federal e estadual despendem por ano US$ 300 bilhões, mais da metade do PIB brasileiro. Dinheiro que deve ser somado às toneladas de dinheiro da filantropia privada: ao contrário do Brasil (onde, por sinal, governos se comovem com bancos e banqueiros em situação difícil), o empresário daqui orgulha-se de dar sua fortuna para a comunidade.

No entanto, segundo um levantamento da Fordham University, a saúde social dos EUA piora a cada dia. A Fordham usa 16 indicadores, da mortalidade infantil, passando pela distribuição de renda, suicídio de adolescentes, até homicídios e desemprego.

São duas lições: 1) apenas crescimento econômico e economia de mercado não acabam com a miséria; 2) por mais que se faça esforço social no Brasil (o que ainda não é o caso), sempre vai ser pouco.

PS _ Estimulada debaixo do pano pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, a discussão sobre reeleição no Brasil é, nesse momento, uma bobagem destrutiva; desvia a atenção de questões vitais que deveriam ser aprovadas urgentemente no Congresso. Quem diria, o PFL está dando lição de moral ao PSDB.

É terrível ser aidético _menos terrível em Nova York. Mário Justino, por exemplo, apesar de ilegal no país, tem tratamento, pensão mensal de U$ 500,00, verba para alugar apartamento e talões de refeição.

A imprensa informa que a produção de veículos no Brasil bateu recorde: foi melhor do que em 1994, que, por sua vez, já tinha superado 1993. No total, a venda de veículos nacionais e importados vai ser 24% maior em relação ao ano anterior. Mesmo assim, segundo a notícia, estão reclamando _talvez para justificar o terrorismo que induziu à nação a exagerar o tamanho da crise.

PS _ Aliás, ainda faltam 45 dias para a Fiesp confirmar sua previsão de que, neste final de ano, a recessão provocaria uma quebradeira generalizada no Brasil, trazendo de volta a inflação.

Se a recessão vier mesmo, vai ser recebida de camarote pelos mais de 100 mil brasileiros que viajam aos EUA em dezembro, segundo cálculos das companhias aéreas. Vão assistir a quebradeira de Nova York ou de Miami.

Avaliação de especialistas no mercado de informações on-line: o ramo cresce mais rapidamente do que se imaginava. Mas os negócios só vão explodir, de fato, quando o consumidor tiver segurança de comprar pela Internet. Há um temor _justificado, diga-se_ de que intrusos entrem nas mensagens e usem cartões de crédito alheios.

Estão quebrando a cabeça para encontrar a solução. Uma delas é usar a criptografia, sistema de códigos secretos empregados em mensagens governamentais.

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