Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 23/12/98
O delegado Flávio Augusto de Souza
Nogueira indiciou ontem o pastor José Carlos França
de Oliveira, sob a acusação de homicídio
culposo, no inquérito em que apura responsabilidades
criminais pelo desabamento parcial do teto da sede regional da
Igreja Universal do Reino de Deus em Osasco, na Grande São
Paulo.
No dia 5 de setembro, parte do telhado do
templo desabou, matando 25 pessoas e ferindo mais de 400. De
acordo com Nogueira, que é o presidente do inquérito,
Oliveira era co-responsável pela direção da
sede regional da igreja.
Foi o terceiro integrante da Universal a
ser responsabilizado pela tragédia. Já foram
indiciados pela polícia o bispo Reinaldo Santos Suisso e
o engenheiro Luiz Carlos Carneiro de Fonseca. Suisso era o
responsável pela sede regional. Fonseca é o
engenheiro responsável por todos os templos da Universal
em São Paulo.
"Juntamente com o bispo, ele
(Oliveira) era o responsável pela condução
dos trabalhos e deveria zelar pela segurança dos fiéis",
declarou o delegado.
Laudo do IC (Instituto de Criminalística)
de São Paulo concluiu que o desabamento ocorreu por uma
conjunção de fatores. Segundo os peritos, a
madeira estava podre e havia infiltração de água.
Além disso, foi detectada a presença
de cupins. De acordo com o laudo, uma simples vistoria teria
detectado o comprometimento da estrutura e, consequentemente,
evitado a tragédia.
Os peritos concluíram também
que as condições de segurança do templo
estavam em desacordo com as normas técnicas.
O advogado da Universal na esfera
criminal, Arthur Lavigne, afirmou não estar preocupado
com os indiciamentos de integrantes da igreja.
"Os indiciamentos não têm
o menor fundamento em matéria de prova. Não havia
a menor previsibilidade de que aquilo iria cair. Foi uma
fatalidade. O indiciamento é uma opinião pessoal
do delegado que eu respeito, mas divirjo tecnicamente, pois não
há base concreta para ele", declarou.
Nogueira afirmou que espera concluir as
investigações sobre o desabamento na próxima
semana, quando devem ocorrer mais quatro indiciamentos.
"Agora, nós vamos explorar as
outras vertentes do caso", afirmou o delegado, que preferiu
não revelar o nome das outras pessoas que deverão
ser responsabilizadas criminalmente.
Depois de perder a mãe,
meninas abandonam culto
Sobreviventes da tragédia, irmãs
não conseguem esquecer detalhes do desabamento do teto
Jacqueline, de 12 anos, deixou de freqüentar
os cultos da Igreja Universal do Reino de Deus. Não
consegue esquecer os estrondos causados pelo desabamento de
parte do telhado do templo. Não consegue esquecer a perda
da mãe, Maria Aparecida dos Santos, de 42 anos, que
estava ao seu lado na hora da tragédia. Quando falam no
assunto, baixa a cabeça, o olhar perdido. Cida, como era
chamada a empregada doméstica que sustentava as duas
filhas com pouco mais que um salário, morreu na hora.
Da família sobrou apenas sua irmã,
Janaína, de 16 anos, com quem divide a casinha de um cômodo
no Jardim das Bandeiras, em Osasco. Nenhuma delas trabalha.
Viveram - ou melhor, sobreviveram - nos últimos meses com
a pensão entregue por um pastor da Universal: R$ 400,00.
O pai, diz a mais velha, com o filho no colo (João Paulo,
de 1 ano), não tem destino certo, nem endereço. "A
gente não sabe dele, nunca mais viu."
Sozinhas e sem parentes a quem recorrer, têm
agora de lutar pelo pouco que lhes é de direito. A
Universal, afirma Janaína, deixou de enviar o dinheiro
esse mês. "Já cobrei diversas vezes, liguei
pra Record e não tive resposta", conta. "Por
isso saí ontem por aí, pra procurar emprego."
Em vão. "Tá difícil", diz Janaína,
desanimada. As meninas estudam. Jaqueline está na 6ª
série; Janaína na 8ª. Só não
sabem dizer até quando continuarão na escola.
"Sem igual" - Joviniana Martins,
de 73 anos, ou dona Vina, como prefere, perdeu o genro,
Aparecido Morgato, de 42 anos, no acidente. "Sofro por mim
e por minha filha; ele era uma `bola de ouro', uma pessoa que não
vai ter igual", descreve. Mais conformada, diz não
querer acusar ninguém. "Só queremos Justiça;
quem tem culpa tem de pagar."
Ao contrário das irmãs do
Jardim das Bandeiras, Vina afirma estar recebendo ajuda
constante da Universal. "Já vieram aqui umas três
vezes e nos deram cestas básicas; mas quando sai a
indenização?", pergunta.
Apesar de ser católica, respeita a
religião da filha, Rosa Amélia, que preferiu ser
evangélica e seguir o marido, um destacado obreiro da
Universal. Hoje ajuda Rosa na educação de seu
neto, de 15 anos. "É muito difícil pro menino
e pra gente também; deixar a tristeza de lado é
quase impossível." (G.C.)