Publicado no jornal O Globo em 10/07/01
O governador Anthony Garotinho (PSB) é
acusado de ter patrocinado uma fraude para conseguir, junto à
Receita Federal, autorização para sortear dez
carros e uma casa nos programas "Show do Garotinho"
exibidos em 1995 na rádio Tupi e na TV Bandeirantes. As
denúncias, que estão sendo investigadas pela
Receita Federal, atingem também a primeira-dama do
estado, Rosinha Matheus, o conselheiro do Tribunal de Contas
Jonas Lopes de Carvalho e o contador do governador, Waldemar
Linhares Duarte.
Como animador dos programas, Garotinho
ofereceu ao público a chance de concorrer a dez carros -
um a cada mês - e a uma casa no fim do ano. O ouvinte ou o
telespectador tinha que comprar um livro de receitas e preencher
um cupom para participar da promoção. Para obter
autorização e realizar os sorteios, o hoje
governador, Rosinha e Jonas teriam maquiado a situação
financeira da empresa Garotinho Editora Gráfica Ltda e
subornado um auditor fiscal da Receita.
Como a lei exige da empresa promotora de
sorteios a comprovação de capacidade financeira
para oferecer os prêmios, os sócios da Garotinho
Editora Gráfica - Rosinha e Jonas - aumentaram o capital
da firma, mas não provaram a existência do dinheiro
e não declararam a operação à
Receita. Além disso, três dos dez sorteios foram
feitos sem autorização da Receita. Segundo a
ex-funcionária do "Show do Garotinho" Valéria
Freitas, o sorteio de pelo menos um carro e o da casa foram
fraudados (ver entrevista na página 4) .
Desde ontem, a Receita Federal está
investigando a Garotinho Editora Gráfica. O objetivo é
apurar a suspeita de suborno do fiscal Marcos de Azevedo,
responsável pelo parecer favorável aos sorteios.
Além disso, a Receita pretende descobrir como o aumento
de capital foi feito, já que não aparece menção
a ele nas declarações de renda dos sócios e
da empresa e ainda por que os três primeiros sorteios
foram feitos sem autorização. Por fim, a Receita
quer saber quem são os ganhadores dos últimos dois
prêmios - um carro e uma casa - que não foram
declarados.
O GLOBO procurou Garotinho para ouvir suas
explicações e a Receita para checar as denúncias.
O governador negou qualquer envolvimento.
- Não houve corrupção.
Se houve um erro, foi um erro formal. Não houve dolo -
disse (veja na página 5 as explicações do
governador)
Ao tomar conhecimento das denúncias,
o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, abriu
investigação dizendo que, sabendo das
irregularidades, não poderia deixar de tomar as providências
cabíveis.
Quando deu entrada nos pedidos de autorização
para os sorteios, em 19 de maio de 95, a Garotinho Editora Gráfica
não tinha capital social suficiente para pagar os prêmios.
Pela proposta inicial apresentada pela empresa, o plano era
distribuir sete carros e uma casa, no valor total de R$ 92 mil,
entre junho e dezembro. O capital social, registrado na Junta
Comercial, era de R$ 10 mil. Para resolver esse problema, em 23
de maio de 95 os sócios da firma voltaram à Junta
Comercial para registrar um aumento de capital - de R$ 10 mil
para R$ 190 mil. O aumento de R$ 180 mil, segundo documentos
obtidos pelo GLOBO, foi integralizado em dinheiro, e as cotas
foram meio a meio entre Rosinha e Jonas.
Dias depois, o contador de Garotinho,
Waldemar Linhares Duarte, hoje diretor administrativo da Ceasa,
teria procurado o fiscal Marcos de Azevedo para lhe fazer
proposta de vantagem financeira para que aprovasse rapidamente
os processos. Em 6 de junho o processo recebeu parecer favorável
do auditor fiscal, que na época trabalhava na Divisão
de Fiscalização da Receita no Rio.
A investigação sobre o
aumento de capital da empresa vai começar pela movimentação
financeira da firma e dos sócios. Naquele ano, quando foi
aberta, a empresa declarou ao Fisco ter obtido receita de apenas
R$ 30 mil. Nas declarações de Imposto de Renda
entregues por Jonas e Rosinha em 1996, relativas a 1995, também
não há menção ao dinheiro que teria
sido investido na empresa e sequer a participação
dos dois na firma.
Rosinha declarou ter um rendimento tributável
de aproximadamente R$ 12 mil, um Tempra 95 no valor de R$ 28 mil
e uma participação de R$ 18 numa empresa de
publicidade de Garotinho. Jonas declarou rendimentos de cerca de
R$ 16 mil, uma sala comercial e uma participação
de R$ 25 mil na empresa Segredos da Rosa, que vendia produtos de
beleza da primeira-dama. Com essa renda, segundo técnicos
da Receita e especialistas ouvidos pelo GLOBO, eles não
poderiam ter feito a operação de aumento de
capital da Garotinho Editora Gráfica.
Apesar de Garotinho confirmar que realizou
sorteios de dez carros e de uma casa naquele ano, a proposta
inicial apresentada à Receita previa apenas sete carros.
A comparação entre as promoções
feitas nos programas e a prestação de contas à
Receita Federal mostra que os três primeiros sorteios
foram feitos sem autorização. O governador
reconhece que houve esse erro, mas alega que ele é
irrelevante.
Mariléa Barros, Maria Zilda e
Regina Periard, as três primeiras ganhadoras, receberam o
carro em cerimônia realizada em praça pública.
Tudo antes de a Garotinho Editora Gráfica protocolar o
processo na Receita Federal.
Valéria Freitas, assistente de
produção do programa, diz que o último
carro e a casa não foram entregues. De fato, não há
prestação de contas da casa na Receita. E no
processo relativo ao último carro aparece o nome da
primeira sorteada, Mariléa Barros. Jonas e Rosinha foram
procurados e não quiseram comentar as denúncias.
Essa casa nunca existiu, foi mentira'
Peça-chave na engrenagem que fazia
funcionar o "Show do Garotinho", a radialista Valéria
Freitas acompanhou, durante todo o ano de 1995, os bastidores do
programa. Ela lamenta ter sido obrigada a "assinar um
atestado de trouxa por dia" ao testemunhar como os sorteios
eram fraudados por Garotinho e Rosinha. Segundo ela, pelo menos
um carro e a casa prometidos por Garotinho naquele ano foram
entregues a vencedores-fantasmas. Vladimir Netto e Chico Otavio
Qual era a sua função na Rádio
Tupi na época?
VALÉRIA FREITAS: Eu era assistente
de produção. Atendia ouvintes pelo telefone, fazia
apelos, vendia livros. Trabalhei diretamente com o programa do
Garotinho. Fui contratada para isso.
Como os ouvintes concorriam aos prêmios?
VALÉRIA: O livro de receitas do
Garotinho tinha um cupom que a pessoa preenchia para concorrer a
um carro todo mês até o fim do ano. No último
sorteio, concorria também a uma casa. A ouvinte que
conseguisse vender cinco livros ganhava um rádio de
pilha. A que vendesse dez livros, um ferro de passar roupa. E a
que vendesse 15, um liquidificador. E havia sorteio de um fogão
por mês para quem vendesse acima de 15 livros. Era um
carro e um fogão por mês.
Quando começaram os sorteios de
carros?
VALÉRIA: Um carro foi distribuído
em 94, mas não foi citado no programa. Garotinho queria
retomar a audiência. Acho que quis, assim de cara, dar um
carro para as pessoas voltarem a ouvir o programa.
Havia outros prêmios?
VALÉRIA: As ouvintes ligavam para a
rádio e davam o telefone para concorrer no quadro "Fala,
Garotinho". Se o número fosse selecionado e a
ouvinte atendesse com a frase "fala, Garotinho",
ganhava um salário-mínimo. Se não falasse,
o prêmio acumulava. Por várias vezes, as sorteadas
foram fantasmas. Ele botou a filha adotiva, Aparecida, e a
empregada, Anete, para atender.
Como isso funcionava?
VALÉRIA: Quando era para ligar para
ouvinte de verdade, ele dizia: "Sorteia uma aí e
liga, Valéria". Eu ligava. Quando o sorteio ia ser
fantasma, quem ligava era Rosinha. O telefone ia até a
mesa, não era fixo, Rosinha ligava e ele ficava com a
ligação esperando e entrava a pessoa: "Fala,
Garotinho". Você já sabia. E outra: o ouvinte
ia na rádio para receber. Mas aqueles não
apareciam na rádio para receber. Ou ele achava que nós
éramos idiotas ou era passar certificado de trouxa.
E os sorteios de carros?
VALÉRIA: A primeira sorteada foi
Mariléia. Os carros eram entregues em praça pública.
A gente ia com um show, então ficava difícil. Mas
o último carro não foi entregue. O último
carro foi sorteado, tanto o carro quanto a casa, mas não
teve essa entrega porque Garotinho saiu de férias. Quando
Garotinho voltou, saiu da rádio. Garotinho não fez
essa entrega, morreu, foi pá-de-cal.
O carro foi sorteado no ar?
VALÉRIA: Foi sorteado, mas esses
dois cupons ficaram comigo. Só que, se você fala no
ar o nome e a pessoa não vem procurar o carro, o sorteio
não existe. A casa, a mesma coisa: se não
aparecer, essa pessoa não existe. O nome foi fictício.
Um dos cupons tinha o endereço da Rua Coelho Neto,
Laranjeiras. O número não lembro, mas nessa rua
mora o doutor Jonas. Acho que o número nem existe. O
cupom foi sorteado e acho que quem ganhou foi da Baixada, mas
ninguém apareceu.
Guardou esses cupons?
VALÉRIA: Devolvi os cupons só
em 99. Ele já era governador e tentei entregar
pessoalmente, mas não consegui. Entreguei para Luís
Felipe Melo, da Rádio 94, para ele não achar que
eu era boba. Ali, eu assinava um diploma de idiota por dia como
responsável por entregar prêmios.
Simularam um ganhador?
VALÉRIA: Não. Deram um nome
e acabou. Não lembro do nome. Deram dois nomes fictícios,
o do carro e da casa, com endereço e tudo. Ninguém
apareceu. Ninguém da confiança de Garotinho fez o
papel. A casa nunca existiu. Foi uma mentira. Acho que ele não
deu o carro e a casa porque o dinheiro acabou.
Auditor admite que recebeu proposta
O auditor fiscal Marcos Pereira de Azevedo
admitiu que, em maio de 1995, quando era lotado na Divisão
de Fiscalização da Receita Federal no Rio, recebeu
uma proposta financeira para autorizar a realização
de sorteios de carros e uma casa no programa "Show do
Garotinho". Segundo ele, a proposta teria sido feita pelo
ex-contador Waldemar Linhares Duarte, em nome da Garotinho
Editora Gráfica Ltda.
Muito nervoso, ao ser abordado pelos repórteres
do GLOBO na Delegacia da Receita em Nova Iguaçu, onde
trabalha atualmente, ele admitiu ter aprovado os sorteios, mesmo
sabendo que a empresa tinha problemas. Mas nega que tenha
recebido dinheiro em troca da autorização.
- Houve uma proposta. Waldemar me
procurou. Mas não recebi nada. Não sei se alguém
recebeu. Esse dinheiro não veio para mim - afirmou
Marcos, que não aceitou que a entrevista fosse gravada.
Marcos admitiu que a falta de capacidade
financeira da Garotinho Editora Gráfica, patrocinadora
dos sorteios, impedia a autorização. Ele
reconheceu que tratou do problema diretamente com Waldemar.
Cobrado sobre os motivos da aprovação
dos sorteios, Marcos revelou que seus superiores na época
faziam pressão para que fosse dado andamento ao processo.
- Um de meus superiores veio a mim, e
disse: cadê o processo do Garotinho? Imediatamente, dei
andamento ao processo - disse.
O fiscal recusou-se a fornecer os nomes
dos superiores responsáveis pelas pressões. Ele se
considera o bode expiatório do caso.
- Tudo pode ter sido combinado antes. Sou
o pato dessa história - afirmou.
Sem mandato, mas na mídia
Durante o ano de 1995, os microfones
impediram o governador Anthony Garotinho de ficar no ostracismo.
Derrotado por Marcello Alencar na eleição para
governador, no ano anterior, Garotinho passava por um momento
difícil na carreira. Sem mandato, tinha que se manter em
evidência para não sair da cena política. Os
palanques foram substituídos pelos estúdios da
SuperRádio Tupi e da tevê Bandeirantes, onde era
gravado o "Show do Garotinho", programa que abriu
caminho para ele se tornar mais conhecido nas áreas
carentes do Grande Rio.
Na Tupi, o programa era exibido
diariamente, das 6 às 9 horas. Garotinho recorria à
velha fórmula: debates sobre temas populares, música
e sorteios para manter a audiência elevada. A distribuição
de prêmios acontecia em locais públicos. No auge,
Garotinho chegou a vender de 300 a 400 livros de receita por
dia. Havia outros tipos de distribuição de prêmios.
Uma vez por semana, por exemplo, as Casas Sendas (uma das
patrocinadoras) cediam um carrinho de compras, que era sorteado.
Em cada programa, Garotinho também
dava prêmios em dinheiro para os ouvintes que atendessem
as ligações feitas pela produção com
a frase "Fala, Garotinho". O prêmio era de um
salário mínimo. A cada ligação
fracassada, o prêmio acumulava. Eram distribuídos
três prêmios do gênero no programa.
Em junho, Garotinho estreou na tevê
Bandeirantes. O programa de auditório, que ia ao ar
somente aos sábados, das 10h55 às 11h55, era
gravado no antigo estúdio da Bandeirantes, na rua Álvaro
Ramos, em Botafogo. Entre as brincadeiras, havia o quadro "Rapidinhas
do Garotinho", em que ele fazia perguntas como: o que o
tomate foi fazer no banco? Tirar um extrato, era a resposta.
Entre os convidados, compareceram ao programa Mônica
Santoro, ex-mulher de Romário, Ronald Biggs, Adriane
Galisteu e o advogado Jorge Béja.
No terceiro programa, por exemplo, Biggs
protagonizou um bate-boca com Jorge Béja. O advogado,
inconformado por estar no mesmo programa de Biggs sem ter sido
avisado com antecedência, o acusou de ser um mau-exemplo
para a sociedade brasileira. Biggs o mandou "cagar no praia"
(sic). Béja então abandonou o estúdio. O
diretor-geral da Bandeirantes, Cláudio Petraglia,
confirma que o programa foi ao ar durante apenas algumas
semanas, e depois o contrato foi rescindido. Ele explica que a
Bandeirantes foi procurada pelo Garotinho, interessado em fazer
o programa.
Segundo funcionários da emissora, a
idéia inicial era fazer o Show do Garotinho em um auditório
que comportasse até 400 pessoas, mas o projeto foi
abandonado porque o custo do aluguel e geração das
imagens seria muito alto. A versão televisiva do Show do
Garotinho foi exibida sete vezes, nos dias 24 de junho, 1 , 8,
15, 22 e 29 de julho e 5 de agosto, até ser cancelada por
falta de audiência.
Uma apuração de quarenta
dias
Para apurar as denúncias, dois repórteres
de O GLOBO passaram 40 dias checando as informações.
Mais de 70 pessoas foram ouvidas. Os repórteres também
consultaram documentos oficiais nos arquivos do Ministério
da Fazenda no Rio e estudos especializados sobre o assunto.
Depois cada um dos ganhadores dos prêmios foi visitado.
Concluída a apuração, o governador
Garotinho e seus principais assessores foram ouvidos.
Promotora ignorou
relato de grampo
Publicado no Jornal do Brasil em
11/07/2001
Empreiteiro prestou depoimento em julho de
2000 sobre fitas em que Garotinho apareceria ''corrompendo alguém''
O Ministério Público do
Estado do Rio ignorou depoimento do empresário Guilherme
Freire -dono da empreiteira Tucun, de Campos (RJ)- concedido no
dia 7 de julho de 2000 sobre a existência de três
fitas com grampos telefônicos ilegais envolvendo o
governador Anthony Garotinho (PSB). Freire afirmou, em
depoimento concluído às 17h19 daquele dia, que,
nas fitas, Garotinho, o atual conselheiro do Tribunal de Contas
do Estado Jonas Lopes de Carvalho e o advogado Antonio Maurício
Costa aparecem ''corrompendo alguém com a finalidade de
agilizar documentação junto a órgãos
federais, abrindo contas fantasmas para esquentar dinheiro,
entre outros fatos''.
Em depoimento à promotora de Justiça
Margaret Motta Ramos, à época atuando em Campos,
Freire disse que as fitas ''mostravam nitidamente'' o
envolvimento do governador com corrupção e contas
fantasmas. Ao Ministério Público, Freire não
detalhou que, nos grampos, o governador comenta e aprova o
pagamento de propina a um fiscal da Receita para que autorizasse
a empresa Garotinho Editora Gráfica a realizar sorteios
de sete carros e uma casa em programas que mantinha na rádio
Tupi e na rede Bandeirantes, em 1995.
Ontem, a Receita Federal notificou o
governador e a primeira-dama Rosinha Mateus a explicarem suas
declarações de renda dos últimos cinco anos
e da empresa Garotinho Gráfica e Editora. A Receita apura
se houve maquiagem nas contas para que a empresa se enquadrasse
nas exigências legais para a obtenção de
autorização para a realização de
sorteios.
As fitas com grampo do governador eram
conhecidas desde 1998, durante a campanha eleitoral . Havia
relatos de fitas em que Garotinho aparecia afirmando que se
tornou evangélico por conveniência política
e intermediando a compra de uma emissora de rádio. Em
outro grampo divulgado na época, Carlos Augusto Siqueira,
então presidente da Empresa de Obras Públicas
(Emop), acertava com um interlocutor o superfaturamento de um
show comemorativo do aniversário de Campos. As narrativas
de pagamento de propina no grampo, realizado em 1995 e 1996,
foram publicadas ontem no jornal O Globo.
Garotinho sabia de
suborno
Publicado no Jornal O Globo em 11/07/01
Autores: Vladimir Netto e Chico Otavio
Conversas gravadas em 1995 mostram que o
governador Anthony Garotinho (PSB) participou das negociações
para subornar o auditor fiscal da Receita Federal Marcos Pereira
de Azevedo, que aprovou, naquele ano, a realização
de sorteios de sete carros e uma casa pelo programa "Show
do Garotinho" na Rádio Tupi e na TV Bandeirantes.
Nas conversas, gravadas por um dos responsáveis pelas denúncias,
o governador ouve de Jonas Lopes de Carvalho - sócio da
Garotinho Editora Gráfica, empresa promotora dos sorteios
- um relato sobre os entendimentos com o fiscal e aprova o
pagamento da propina.
Numa das conversas, o contador de
Garotinho, Waldemar Linhares Duarte (hoje diretor administrativo
da Ceasa), conta a Jonas que o auditor fiscal, identificado
apenas como Marcos, pedira dinheiro para dar parecer favorável
aos sorteios. Jonas aceita o acordo e o relata a Garotinho numa
outra conversa gravada.
Nas conversas, Garotinho comenta que seu
contador tinha falado em números e toma a iniciativa de
perguntar a Jonas, hoje conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado (TCE), quanto seria pago ao fiscal. Jonas responde que o
auditor aceitaria dar a autorização para os
sorteios, mas não queria o pagamento parcelado.
Numa segunda conversa, Garotinho pergunta
a Jonas se Waldemar já tinha combinado o valor da
propina. Jonas diz que o contador estava planejando pagar 500 (não
diz se reais ou dólares) para cada sorteio autorizado.
Garotinho concorda com o valor, pede a Jonas que informe ao
fiscal que não pudera fazer direito a divulgação
do programa no rádio e na TV e que precisava da autorização
da Receita para fazer os sorteios.
Gravações mostram esquema de
fraude
Em entrevista ao GLOBO, na semana passada,
o fiscal Marcos confirmou ter recebido a proposta de suborno de
Waldemar, mas negou ter aceitado o dinheiro. Ele disse ainda que
foi obrigado a dar parecer favorável aos sorteios porque
sofreu pressões de superiores. Em 95, Marcos trabalhava
na Divisão de Fiscalização da 7 Superintendência
da Receita no Rio.
As conversas entre Jonas e Garotinho
revelam também uma possível maquiagem no balanço
da Garotinho Editora Gráfica para evitar que a fiscalização
da Receita impedisse o sorteio. Nas fitas, Garotinho primeiro
pergunta a Jonas se já era possível abrir uma
conta da empresa recém-fundada. Quando Jonas confirma,
ele sugere que a conta seja aberta. Depois, explica a Jonas que,
com o objetivo de se preparar para uma possível fiscalização
da Receita, depositaria US$ 20 mil na conta da empresa como se
fosse resultado da venda de livros. De acordo com as conversas,
esse dinheiro sairia de uma reserva de US$ 28 mil em espécie.
A operação seria feita
porque a Garotinho Editora Gráfica não tinha
capacidade financeira para promover os sorteios dos carros e da
casa. A troca dos dólares por reais, que teria sido feita
por Jonas, rendeu R$ 24.795 (a cotação era um real
para 87 centavos de dólar), segundo relato do assessor a
Garotinho na conversa gravada.
Contador relata temor de fiscal
As fitas têm ainda uma conversa em
que Waldemar relata a Jonas o temor do fiscal de fazer acertos
com um político e correr o risco de ser desmoralizado no
caso de a negociação ser descoberta. Waldemar
repete a Jonas as palavras que teria usado para acalmar o
auditor. Contou ter dito ao fiscal que os detalhes do acerto
ficariam entre os dois e que ele não seria prejudicado,
garantindo que Garotinho nada revelaria porque todos estavam
envolvidos no caso.
A intenção de Waldemar era
evitar uma fiscalização na Garotinho Editora Gráfica.
Ele contou a Jonas ter dito ao fiscal que Garotinho estava com
dificuldades financeiras porque havia perdido a eleição
no ano anterior. Por fim, diz ter apelado para que, de alguma
maneira, não fosse feita a fiscalização.
Em entrevista na sexta-feira, o governador
referiu-se espontaneamente às fitas. Ele garantiu que seu
nome não aparecia nas gravações e acusou o
empresário Guilherme Freire, que foi amigo do governador
e com quem hoje está rompido, de ser o responsável
pelas gravações.
- Tomei conhecimento do negócio
desse fiscal porque existia uma fita de gravação
sobre uma conversa de Jonas com Waldemar, que falavam o nome de
um fiscal. Não sabia que era Marcos. E que eles teriam
tentado suborná-lo. A fita foi feita por aquele tal de
Guilherme Freire, da Tucun, aquele empreiteiro que eu botei para
fora da prefeitura. Ele fez essas gravações aí.
Agora eu não sei se houve essa conversa, se não
houve. Eu não conversei. Eu duvido que tenha voz minha
falando, mandando dar dinheiro a alguém. Eu duvido. Eu não
me envolvo nesse tipo de coisa - disse Garotinho.
Informado ontem de que O GLOBO publicaria
reportagem sobre as gravações, Garotinho não
quis mais comentá-las. Freire também se recusou a
comentar a acusação do governador. Disse apenas
que tem conversas com Garotinho gravadas na época em que
os dois eram amigos e trabalhavam juntos em Campos.
- Garotinho é uma pessoa que eu
muito ajudei. Uma pessoa a que servi, e muito, em todos os
aspectos. Muitos negócios eu intermediei para Garotinho.
Muitas coisas eu fiz para ele. Gravei nossas conversas para me
resguardar - disse Freire.
Freire disse que pretende interpelar
judicialmente Garotinho e que está preparando um livro
com as memórias de sua relação com o
governador.
- Garotinho sempre me disse que o ser
humano é muito fragilizado, que esquece o bem que as
pessoas fazem a ele. Veja bem, recentemente ele gravou uma
conversa com Luís Eduardo Soares (ex-coordenador de
Segurança) e depois a divulgou. Eu também gravei
as minhas - disse.
Procuradoria da República no
Rio vai investigar sorteios em programa
Autor: Vladimir Netto e Chico Otavio
A Procuradoria da República no Rio
vai investigar os sorteios do programa "Show do Garotinho".
A Coordenadoria Criminal do órgão abriu ontem
procedimento administrativo para descobrir se o auditor fiscal
Marcos Pereira de Azevedo está envolvido em possíveis
atos de corrupção. Ele teria recebido propina para
autorizar a Garotinho Editora Gráfica Ltda a fazer
sorteios de sete carros em 1995.
O procedimento será distribuído
até sexta-feira a um dos procuradores da área
criminal. Ele poderá pedir a abertura de inquérito
policial ou apenas acompanhar as investigações
sobre o caso já iniciadas pela Receita. Duas representações
serão entregues hoje à Procuradoria da República
pelos deputados estaduais Paulo Ramos (PDT) e Chico Alencar
(PT), este último em nome da bancada petista, também
com o objetivo de investigar o caso.
Chico Alencar, que faz oposição
a Garotinho, disse que a representação será
enviada por se tratar de figuras públicas, que têm
de manter o pressuposto da idoneidade. Ele pediu o afastamento
dos cargos da primeira-dama Rosinha, secretária estadual
de Ação Social, e do contador Waldemar Linhares
Duarte, diretor administrativo da Ceasa.
- Entendemos que, para não macular
o governo, todos que têm cargos em comissão
precisam se afastar deles, como aconteceu em outras ocasiões.
Jonas deveria também se afastar do Tribunal de Contas do
Estado. Estas denúncias ferem a administração
pública, pois levantam sombras sobre homens públicos
que postulam outros saltos.
O tesoureiro das campanhas
Autor:Maiá Menezes
Para o governador Anthony Garotinho, ele é
apenas Joninhas. Mas de pequena sua influência não
tem nada. Amigo desde o início da carreira em Campos,
Jonas Lopes de Carvalho Júnior foi o tesoureiro das duas
campanhas de Garotinho para governador do estado. O empenho
deu-lhe uma das vagas mais cobiçadas, a chefia do
Gabinete Civil. Mas por pouco tempo. No ano passado, Jonas foi
investigado pelo Ministério Público por corrupção
e favorecimento. Inocentado, perdeu o cargo, mas não o
prestígio. Em abril, no mesmo dia em que o Ministério
Público o livrava das acusações, tomava
posse no Tribunal de Contas.
Foi uma corrida contra o relógio.
Tomou posse em poucos minutos, numa cerimônia-relâmpago,
sem discurso e sem festa. Na noite anterior, o Tribunal de Justiça
havia cassado liminar do PT que impedia a posse, aprovada pela
Assembléia Legislativa. O Diário Oficial foi
rodado de madrugada e já tinha o nome do substituto de
Jonas no Gabinete Civil, Augusto Ariston.
Para garantir a ida do "doutor Jonas",
como Garotinho o chama em público, para o TCE, o governo
conseguira alterar a Constituição estadual. A
Assembléia aprovou emenda que modificou a composição
do tribunal, dando ao governador poder para indicar três
conselheiros em vez de dois.