Show de irregularidades
Vladimir Netto e Chico Otavio

Publicado no jornal O Globo em 10/07/01

O governador Anthony Garotinho (PSB) é acusado de ter patrocinado uma fraude para conseguir, junto à Receita Federal, autorização para sortear dez carros e uma casa nos programas "Show do Garotinho" exibidos em 1995 na rádio Tupi e na TV Bandeirantes. As denúncias, que estão sendo investigadas pela Receita Federal, atingem também a primeira-dama do estado, Rosinha Matheus, o conselheiro do Tribunal de Contas Jonas Lopes de Carvalho e o contador do governador, Waldemar Linhares Duarte.

Como animador dos programas, Garotinho ofereceu ao público a chance de concorrer a dez carros - um a cada mês - e a uma casa no fim do ano. O ouvinte ou o telespectador tinha que comprar um livro de receitas e preencher um cupom para participar da promoção. Para obter autorização e realizar os sorteios, o hoje governador, Rosinha e Jonas teriam maquiado a situação financeira da empresa Garotinho Editora Gráfica Ltda e subornado um auditor fiscal da Receita.

Como a lei exige da empresa promotora de sorteios a comprovação de capacidade financeira para oferecer os prêmios, os sócios da Garotinho Editora Gráfica - Rosinha e Jonas - aumentaram o capital da firma, mas não provaram a existência do dinheiro e não declararam a operação à Receita. Além disso, três dos dez sorteios foram feitos sem autorização da Receita. Segundo a ex-funcionária do "Show do Garotinho" Valéria Freitas, o sorteio de pelo menos um carro e o da casa foram fraudados (ver entrevista na página 4) .

Desde ontem, a Receita Federal está investigando a Garotinho Editora Gráfica. O objetivo é apurar a suspeita de suborno do fiscal Marcos de Azevedo, responsável pelo parecer favorável aos sorteios. Além disso, a Receita pretende descobrir como o aumento de capital foi feito, já que não aparece menção a ele nas declarações de renda dos sócios e da empresa e ainda por que os três primeiros sorteios foram feitos sem autorização. Por fim, a Receita quer saber quem são os ganhadores dos últimos dois prêmios - um carro e uma casa - que não foram declarados.

O GLOBO procurou Garotinho para ouvir suas explicações e a Receita para checar as denúncias. O governador negou qualquer envolvimento.

- Não houve corrupção. Se houve um erro, foi um erro formal. Não houve dolo - disse (veja na página 5 as explicações do governador)

Ao tomar conhecimento das denúncias, o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, abriu investigação dizendo que, sabendo das irregularidades, não poderia deixar de tomar as providências cabíveis.

Quando deu entrada nos pedidos de autorização para os sorteios, em 19 de maio de 95, a Garotinho Editora Gráfica não tinha capital social suficiente para pagar os prêmios. Pela proposta inicial apresentada pela empresa, o plano era distribuir sete carros e uma casa, no valor total de R$ 92 mil, entre junho e dezembro. O capital social, registrado na Junta Comercial, era de R$ 10 mil. Para resolver esse problema, em 23 de maio de 95 os sócios da firma voltaram à Junta Comercial para registrar um aumento de capital - de R$ 10 mil para R$ 190 mil. O aumento de R$ 180 mil, segundo documentos obtidos pelo GLOBO, foi integralizado em dinheiro, e as cotas foram meio a meio entre Rosinha e Jonas.

Dias depois, o contador de Garotinho, Waldemar Linhares Duarte, hoje diretor administrativo da Ceasa, teria procurado o fiscal Marcos de Azevedo para lhe fazer proposta de vantagem financeira para que aprovasse rapidamente os processos. Em 6 de junho o processo recebeu parecer favorável do auditor fiscal, que na época trabalhava na Divisão de Fiscalização da Receita no Rio.

A investigação sobre o aumento de capital da empresa vai começar pela movimentação financeira da firma e dos sócios. Naquele ano, quando foi aberta, a empresa declarou ao Fisco ter obtido receita de apenas R$ 30 mil. Nas declarações de Imposto de Renda entregues por Jonas e Rosinha em 1996, relativas a 1995, também não há menção ao dinheiro que teria sido investido na empresa e sequer a participação dos dois na firma.

Rosinha declarou ter um rendimento tributável de aproximadamente R$ 12 mil, um Tempra 95 no valor de R$ 28 mil e uma participação de R$ 18 numa empresa de publicidade de Garotinho. Jonas declarou rendimentos de cerca de R$ 16 mil, uma sala comercial e uma participação de R$ 25 mil na empresa Segredos da Rosa, que vendia produtos de beleza da primeira-dama. Com essa renda, segundo técnicos da Receita e especialistas ouvidos pelo GLOBO, eles não poderiam ter feito a operação de aumento de capital da Garotinho Editora Gráfica.

Apesar de Garotinho confirmar que realizou sorteios de dez carros e de uma casa naquele ano, a proposta inicial apresentada à Receita previa apenas sete carros. A comparação entre as promoções feitas nos programas e a prestação de contas à Receita Federal mostra que os três primeiros sorteios foram feitos sem autorização. O governador reconhece que houve esse erro, mas alega que ele é irrelevante.

Mariléa Barros, Maria Zilda e Regina Periard, as três primeiras ganhadoras, receberam o carro em cerimônia realizada em praça pública. Tudo antes de a Garotinho Editora Gráfica protocolar o processo na Receita Federal.

Valéria Freitas, assistente de produção do programa, diz que o último carro e a casa não foram entregues. De fato, não há prestação de contas da casa na Receita. E no processo relativo ao último carro aparece o nome da primeira sorteada, Mariléa Barros. Jonas e Rosinha foram procurados e não quiseram comentar as denúncias.

Essa casa nunca existiu, foi mentira'

Peça-chave na engrenagem que fazia funcionar o "Show do Garotinho", a radialista Valéria Freitas acompanhou, durante todo o ano de 1995, os bastidores do programa. Ela lamenta ter sido obrigada a "assinar um atestado de trouxa por dia" ao testemunhar como os sorteios eram fraudados por Garotinho e Rosinha. Segundo ela, pelo menos um carro e a casa prometidos por Garotinho naquele ano foram entregues a vencedores-fantasmas. Vladimir Netto e Chico Otavio

Qual era a sua função na Rádio Tupi na época?

VALÉRIA FREITAS: Eu era assistente de produção. Atendia ouvintes pelo telefone, fazia apelos, vendia livros. Trabalhei diretamente com o programa do Garotinho. Fui contratada para isso.

Como os ouvintes concorriam aos prêmios?

VALÉRIA: O livro de receitas do Garotinho tinha um cupom que a pessoa preenchia para concorrer a um carro todo mês até o fim do ano. No último sorteio, concorria também a uma casa. A ouvinte que conseguisse vender cinco livros ganhava um rádio de pilha. A que vendesse dez livros, um ferro de passar roupa. E a que vendesse 15, um liquidificador. E havia sorteio de um fogão por mês para quem vendesse acima de 15 livros. Era um carro e um fogão por mês.

Quando começaram os sorteios de carros?

VALÉRIA: Um carro foi distribuído em 94, mas não foi citado no programa. Garotinho queria retomar a audiência. Acho que quis, assim de cara, dar um carro para as pessoas voltarem a ouvir o programa.

Havia outros prêmios?

VALÉRIA: As ouvintes ligavam para a rádio e davam o telefone para concorrer no quadro "Fala, Garotinho". Se o número fosse selecionado e a ouvinte atendesse com a frase "fala, Garotinho", ganhava um salário-mínimo. Se não falasse, o prêmio acumulava. Por várias vezes, as sorteadas foram fantasmas. Ele botou a filha adotiva, Aparecida, e a empregada, Anete, para atender.

Como isso funcionava?

VALÉRIA: Quando era para ligar para ouvinte de verdade, ele dizia: "Sorteia uma aí e liga, Valéria". Eu ligava. Quando o sorteio ia ser fantasma, quem ligava era Rosinha. O telefone ia até a mesa, não era fixo, Rosinha ligava e ele ficava com a ligação esperando e entrava a pessoa: "Fala, Garotinho". Você já sabia. E outra: o ouvinte ia na rádio para receber. Mas aqueles não apareciam na rádio para receber. Ou ele achava que nós éramos idiotas ou era passar certificado de trouxa.

E os sorteios de carros?

VALÉRIA: A primeira sorteada foi Mariléia. Os carros eram entregues em praça pública. A gente ia com um show, então ficava difícil. Mas o último carro não foi entregue. O último carro foi sorteado, tanto o carro quanto a casa, mas não teve essa entrega porque Garotinho saiu de férias. Quando Garotinho voltou, saiu da rádio. Garotinho não fez essa entrega, morreu, foi pá-de-cal.

O carro foi sorteado no ar?

VALÉRIA: Foi sorteado, mas esses dois cupons ficaram comigo. Só que, se você fala no ar o nome e a pessoa não vem procurar o carro, o sorteio não existe. A casa, a mesma coisa: se não aparecer, essa pessoa não existe. O nome foi fictício. Um dos cupons tinha o endereço da Rua Coelho Neto, Laranjeiras. O número não lembro, mas nessa rua mora o doutor Jonas. Acho que o número nem existe. O cupom foi sorteado e acho que quem ganhou foi da Baixada, mas ninguém apareceu.

Guardou esses cupons?

VALÉRIA: Devolvi os cupons só em 99. Ele já era governador e tentei entregar pessoalmente, mas não consegui. Entreguei para Luís Felipe Melo, da Rádio 94, para ele não achar que eu era boba. Ali, eu assinava um diploma de idiota por dia como responsável por entregar prêmios.

Simularam um ganhador?

VALÉRIA: Não. Deram um nome e acabou. Não lembro do nome. Deram dois nomes fictícios, o do carro e da casa, com endereço e tudo. Ninguém apareceu. Ninguém da confiança de Garotinho fez o papel. A casa nunca existiu. Foi uma mentira. Acho que ele não deu o carro e a casa porque o dinheiro acabou.

Auditor admite que recebeu proposta

O auditor fiscal Marcos Pereira de Azevedo admitiu que, em maio de 1995, quando era lotado na Divisão de Fiscalização da Receita Federal no Rio, recebeu uma proposta financeira para autorizar a realização de sorteios de carros e uma casa no programa "Show do Garotinho". Segundo ele, a proposta teria sido feita pelo ex-contador Waldemar Linhares Duarte, em nome da Garotinho Editora Gráfica Ltda.

Muito nervoso, ao ser abordado pelos repórteres do GLOBO na Delegacia da Receita em Nova Iguaçu, onde trabalha atualmente, ele admitiu ter aprovado os sorteios, mesmo sabendo que a empresa tinha problemas. Mas nega que tenha recebido dinheiro em troca da autorização.

- Houve uma proposta. Waldemar me procurou. Mas não recebi nada. Não sei se alguém recebeu. Esse dinheiro não veio para mim - afirmou Marcos, que não aceitou que a entrevista fosse gravada.

Marcos admitiu que a falta de capacidade financeira da Garotinho Editora Gráfica, patrocinadora dos sorteios, impedia a autorização. Ele reconheceu que tratou do problema diretamente com Waldemar.

Cobrado sobre os motivos da aprovação dos sorteios, Marcos revelou que seus superiores na época faziam pressão para que fosse dado andamento ao processo.

- Um de meus superiores veio a mim, e disse: cadê o processo do Garotinho? Imediatamente, dei andamento ao processo - disse.

O fiscal recusou-se a fornecer os nomes dos superiores responsáveis pelas pressões. Ele se considera o bode expiatório do caso.

- Tudo pode ter sido combinado antes. Sou o pato dessa história - afirmou.

Sem mandato, mas na mídia

Durante o ano de 1995, os microfones impediram o governador Anthony Garotinho de ficar no ostracismo. Derrotado por Marcello Alencar na eleição para governador, no ano anterior, Garotinho passava por um momento difícil na carreira. Sem mandato, tinha que se manter em evidência para não sair da cena política. Os palanques foram substituídos pelos estúdios da SuperRádio Tupi e da tevê Bandeirantes, onde era gravado o "Show do Garotinho", programa que abriu caminho para ele se tornar mais conhecido nas áreas carentes do Grande Rio.

Na Tupi, o programa era exibido diariamente, das 6 às 9 horas. Garotinho recorria à velha fórmula: debates sobre temas populares, música e sorteios para manter a audiência elevada. A distribuição de prêmios acontecia em locais públicos. No auge, Garotinho chegou a vender de 300 a 400 livros de receita por dia. Havia outros tipos de distribuição de prêmios. Uma vez por semana, por exemplo, as Casas Sendas (uma das patrocinadoras) cediam um carrinho de compras, que era sorteado.

Em cada programa, Garotinho também dava prêmios em dinheiro para os ouvintes que atendessem as ligações feitas pela produção com a frase "Fala, Garotinho". O prêmio era de um salário mínimo. A cada ligação fracassada, o prêmio acumulava. Eram distribuídos três prêmios do gênero no programa.

Em junho, Garotinho estreou na tevê Bandeirantes. O programa de auditório, que ia ao ar somente aos sábados, das 10h55 às 11h55, era gravado no antigo estúdio da Bandeirantes, na rua Álvaro Ramos, em Botafogo. Entre as brincadeiras, havia o quadro "Rapidinhas do Garotinho", em que ele fazia perguntas como: o que o tomate foi fazer no banco? Tirar um extrato, era a resposta. Entre os convidados, compareceram ao programa Mônica Santoro, ex-mulher de Romário, Ronald Biggs, Adriane Galisteu e o advogado Jorge Béja.

No terceiro programa, por exemplo, Biggs protagonizou um bate-boca com Jorge Béja. O advogado, inconformado por estar no mesmo programa de Biggs sem ter sido avisado com antecedência, o acusou de ser um mau-exemplo para a sociedade brasileira. Biggs o mandou "cagar no praia" (sic). Béja então abandonou o estúdio. O diretor-geral da Bandeirantes, Cláudio Petraglia, confirma que o programa foi ao ar durante apenas algumas semanas, e depois o contrato foi rescindido. Ele explica que a Bandeirantes foi procurada pelo Garotinho, interessado em fazer o programa.

Segundo funcionários da emissora, a idéia inicial era fazer o Show do Garotinho em um auditório que comportasse até 400 pessoas, mas o projeto foi abandonado porque o custo do aluguel e geração das imagens seria muito alto. A versão televisiva do Show do Garotinho foi exibida sete vezes, nos dias 24 de junho, 1 , 8, 15, 22 e 29 de julho e 5 de agosto, até ser cancelada por falta de audiência.

Uma apuração de quarenta dias

Para apurar as denúncias, dois repórteres de O GLOBO passaram 40 dias checando as informações. Mais de 70 pessoas foram ouvidas. Os repórteres também consultaram documentos oficiais nos arquivos do Ministério da Fazenda no Rio e estudos especializados sobre o assunto. Depois cada um dos ganhadores dos prêmios foi visitado. Concluída a apuração, o governador Garotinho e seus principais assessores foram ouvidos.

Ceticismo e Ativismo



Promotora ignorou relato de grampo

Publicado no Jornal do Brasil em 11/07/2001

Empreiteiro prestou depoimento em julho de 2000 sobre fitas em que Garotinho apareceria ''corrompendo alguém''

O Ministério Público do Estado do Rio ignorou depoimento do empresário Guilherme Freire -dono da empreiteira Tucun, de Campos (RJ)- concedido no dia 7 de julho de 2000 sobre a existência de três fitas com grampos telefônicos ilegais envolvendo o governador Anthony Garotinho (PSB). Freire afirmou, em depoimento concluído às 17h19 daquele dia, que, nas fitas, Garotinho, o atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Jonas Lopes de Carvalho e o advogado Antonio Maurício Costa aparecem ''corrompendo alguém com a finalidade de agilizar documentação junto a órgãos federais, abrindo contas fantasmas para esquentar dinheiro, entre outros fatos''.

Em depoimento à promotora de Justiça Margaret Motta Ramos, à época atuando em Campos, Freire disse que as fitas ''mostravam nitidamente'' o envolvimento do governador com corrupção e contas fantasmas. Ao Ministério Público, Freire não detalhou que, nos grampos, o governador comenta e aprova o pagamento de propina a um fiscal da Receita para que autorizasse a empresa Garotinho Editora Gráfica a realizar sorteios de sete carros e uma casa em programas que mantinha na rádio Tupi e na rede Bandeirantes, em 1995.

Ontem, a Receita Federal notificou o governador e a primeira-dama Rosinha Mateus a explicarem suas declarações de renda dos últimos cinco anos e da empresa Garotinho Gráfica e Editora. A Receita apura se houve maquiagem nas contas para que a empresa se enquadrasse nas exigências legais para a obtenção de autorização para a realização de sorteios.

As fitas com grampo do governador eram conhecidas desde 1998, durante a campanha eleitoral . Havia relatos de fitas em que Garotinho aparecia afirmando que se tornou evangélico por conveniência política e intermediando a compra de uma emissora de rádio. Em outro grampo divulgado na época, Carlos Augusto Siqueira, então presidente da Empresa de Obras Públicas (Emop), acertava com um interlocutor o superfaturamento de um show comemorativo do aniversário de Campos. As narrativas de pagamento de propina no grampo, realizado em 1995 e 1996, foram publicadas ontem no jornal O Globo.

Garotinho sabia de suborno

Publicado no Jornal O Globo em 11/07/01

Autores: Vladimir Netto e Chico Otavio

Conversas gravadas em 1995 mostram que o governador Anthony Garotinho (PSB) participou das negociações para subornar o auditor fiscal da Receita Federal Marcos Pereira de Azevedo, que aprovou, naquele ano, a realização de sorteios de sete carros e uma casa pelo programa "Show do Garotinho" na Rádio Tupi e na TV Bandeirantes. Nas conversas, gravadas por um dos responsáveis pelas denúncias, o governador ouve de Jonas Lopes de Carvalho - sócio da Garotinho Editora Gráfica, empresa promotora dos sorteios - um relato sobre os entendimentos com o fiscal e aprova o pagamento da propina.

Numa das conversas, o contador de Garotinho, Waldemar Linhares Duarte (hoje diretor administrativo da Ceasa), conta a Jonas que o auditor fiscal, identificado apenas como Marcos, pedira dinheiro para dar parecer favorável aos sorteios. Jonas aceita o acordo e o relata a Garotinho numa outra conversa gravada.

Nas conversas, Garotinho comenta que seu contador tinha falado em números e toma a iniciativa de perguntar a Jonas, hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), quanto seria pago ao fiscal. Jonas responde que o auditor aceitaria dar a autorização para os sorteios, mas não queria o pagamento parcelado.

Numa segunda conversa, Garotinho pergunta a Jonas se Waldemar já tinha combinado o valor da propina. Jonas diz que o contador estava planejando pagar 500 (não diz se reais ou dólares) para cada sorteio autorizado. Garotinho concorda com o valor, pede a Jonas que informe ao fiscal que não pudera fazer direito a divulgação do programa no rádio e na TV e que precisava da autorização da Receita para fazer os sorteios.

Gravações mostram esquema de fraude

Em entrevista ao GLOBO, na semana passada, o fiscal Marcos confirmou ter recebido a proposta de suborno de Waldemar, mas negou ter aceitado o dinheiro. Ele disse ainda que foi obrigado a dar parecer favorável aos sorteios porque sofreu pressões de superiores. Em 95, Marcos trabalhava na Divisão de Fiscalização da 7 Superintendência da Receita no Rio.

As conversas entre Jonas e Garotinho revelam também uma possível maquiagem no balanço da Garotinho Editora Gráfica para evitar que a fiscalização da Receita impedisse o sorteio. Nas fitas, Garotinho primeiro pergunta a Jonas se já era possível abrir uma conta da empresa recém-fundada. Quando Jonas confirma, ele sugere que a conta seja aberta. Depois, explica a Jonas que, com o objetivo de se preparar para uma possível fiscalização da Receita, depositaria US$ 20 mil na conta da empresa como se fosse resultado da venda de livros. De acordo com as conversas, esse dinheiro sairia de uma reserva de US$ 28 mil em espécie.

A operação seria feita porque a Garotinho Editora Gráfica não tinha capacidade financeira para promover os sorteios dos carros e da casa. A troca dos dólares por reais, que teria sido feita por Jonas, rendeu R$ 24.795 (a cotação era um real para 87 centavos de dólar), segundo relato do assessor a Garotinho na conversa gravada.

Contador relata temor de fiscal

As fitas têm ainda uma conversa em que Waldemar relata a Jonas o temor do fiscal de fazer acertos com um político e correr o risco de ser desmoralizado no caso de a negociação ser descoberta. Waldemar repete a Jonas as palavras que teria usado para acalmar o auditor. Contou ter dito ao fiscal que os detalhes do acerto ficariam entre os dois e que ele não seria prejudicado, garantindo que Garotinho nada revelaria porque todos estavam envolvidos no caso.

A intenção de Waldemar era evitar uma fiscalização na Garotinho Editora Gráfica. Ele contou a Jonas ter dito ao fiscal que Garotinho estava com dificuldades financeiras porque havia perdido a eleição no ano anterior. Por fim, diz ter apelado para que, de alguma maneira, não fosse feita a fiscalização.

Em entrevista na sexta-feira, o governador referiu-se espontaneamente às fitas. Ele garantiu que seu nome não aparecia nas gravações e acusou o empresário Guilherme Freire, que foi amigo do governador e com quem hoje está rompido, de ser o responsável pelas gravações.

- Tomei conhecimento do negócio desse fiscal porque existia uma fita de gravação sobre uma conversa de Jonas com Waldemar, que falavam o nome de um fiscal. Não sabia que era Marcos. E que eles teriam tentado suborná-lo. A fita foi feita por aquele tal de Guilherme Freire, da Tucun, aquele empreiteiro que eu botei para fora da prefeitura. Ele fez essas gravações aí. Agora eu não sei se houve essa conversa, se não houve. Eu não conversei. Eu duvido que tenha voz minha falando, mandando dar dinheiro a alguém. Eu duvido. Eu não me envolvo nesse tipo de coisa - disse Garotinho.

Informado ontem de que O GLOBO publicaria reportagem sobre as gravações, Garotinho não quis mais comentá-las. Freire também se recusou a comentar a acusação do governador. Disse apenas que tem conversas com Garotinho gravadas na época em que os dois eram amigos e trabalhavam juntos em Campos.

- Garotinho é uma pessoa que eu muito ajudei. Uma pessoa a que servi, e muito, em todos os aspectos. Muitos negócios eu intermediei para Garotinho. Muitas coisas eu fiz para ele. Gravei nossas conversas para me resguardar - disse Freire.

Freire disse que pretende interpelar judicialmente Garotinho e que está preparando um livro com as memórias de sua relação com o governador.

- Garotinho sempre me disse que o ser humano é muito fragilizado, que esquece o bem que as pessoas fazem a ele. Veja bem, recentemente ele gravou uma conversa com Luís Eduardo Soares (ex-coordenador de Segurança) e depois a divulgou. Eu também gravei as minhas - disse.

Procuradoria da República no Rio vai investigar sorteios em programa

Autor: Vladimir Netto e Chico Otavio

A Procuradoria da República no Rio vai investigar os sorteios do programa "Show do Garotinho". A Coordenadoria Criminal do órgão abriu ontem procedimento administrativo para descobrir se o auditor fiscal Marcos Pereira de Azevedo está envolvido em possíveis atos de corrupção. Ele teria recebido propina para autorizar a Garotinho Editora Gráfica Ltda a fazer sorteios de sete carros em 1995.

O procedimento será distribuído até sexta-feira a um dos procuradores da área criminal. Ele poderá pedir a abertura de inquérito policial ou apenas acompanhar as investigações sobre o caso já iniciadas pela Receita. Duas representações serão entregues hoje à Procuradoria da República pelos deputados estaduais Paulo Ramos (PDT) e Chico Alencar (PT), este último em nome da bancada petista, também com o objetivo de investigar o caso.

Chico Alencar, que faz oposição a Garotinho, disse que a representação será enviada por se tratar de figuras públicas, que têm de manter o pressuposto da idoneidade. Ele pediu o afastamento dos cargos da primeira-dama Rosinha, secretária estadual de Ação Social, e do contador Waldemar Linhares Duarte, diretor administrativo da Ceasa.

- Entendemos que, para não macular o governo, todos que têm cargos em comissão precisam se afastar deles, como aconteceu em outras ocasiões. Jonas deveria também se afastar do Tribunal de Contas do Estado. Estas denúncias ferem a administração pública, pois levantam sombras sobre homens públicos que postulam outros saltos.

O tesoureiro das campanhas

Autor:Maiá Menezes

Para o governador Anthony Garotinho, ele é apenas Joninhas. Mas de pequena sua influência não tem nada. Amigo desde o início da carreira em Campos, Jonas Lopes de Carvalho Júnior foi o tesoureiro das duas campanhas de Garotinho para governador do estado. O empenho deu-lhe uma das vagas mais cobiçadas, a chefia do Gabinete Civil. Mas por pouco tempo. No ano passado, Jonas foi investigado pelo Ministério Público por corrupção e favorecimento. Inocentado, perdeu o cargo, mas não o prestígio. Em abril, no mesmo dia em que o Ministério Público o livrava das acusações, tomava posse no Tribunal de Contas.

Foi uma corrida contra o relógio. Tomou posse em poucos minutos, numa cerimônia-relâmpago, sem discurso e sem festa. Na noite anterior, o Tribunal de Justiça havia cassado liminar do PT que impedia a posse, aprovada pela Assembléia Legislativa. O Diário Oficial foi rodado de madrugada e já tinha o nome do substituto de Jonas no Gabinete Civil, Augusto Ariston.

Para garantir a ida do "doutor Jonas", como Garotinho o chama em público, para o TCE, o governo conseguira alterar a Constituição estadual. A Assembléia aprovou emenda que modificou a composição do tribunal, dando ao governador poder para indicar três conselheiros em vez de dois.

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