Publicado na REVISTA VEJA on-line - Edição
1807 - 18 de junho de 2003
http://veja.abril.uol.com.br/
Não, não e não
Bancada evangélica descobre que
pode ser esmagada com a reforma política e, com fervor
religioso, luta para sobreviver.
Reportagem de Maurício Lima
Na semana passada, a comissão de
parlamentares que estuda a reforma política, destinada a
colocar alguma ordem no caótico universo partidário
do país, teve de adiar seus planos. A comissão,
com 38 membros, pretendia votar um princípio central da
reforma: ampliar, de um para dois anos, o período em que
um parlamentar é obrigado a estar filiado ao partido pelo
qual pretende concorrer na eleição seguinte. A
decisão acabou adiada devido ao esforço militante
de uma bancada aguerrida e, é claro, multipartidária.
Trata-se da bancada dos evangélicos, que reúne 57
parlamentares, distribuídos em seis legendas diferentes.
Os evangélicos, até agora, têm sido o
principal obstáculo ao avanço da reforma partidária.
Eles perceberam que a reforma pode feri-los de morte, já
que deve diminuir o ímpeto do troca-troca de partidos e
evitar o clientelismo - dois pecados dos quais os evangélicos
são praticantes contumazes. O líder da bancada é
o Bispo Rodrigues (PL-RJ), para quem fidelidade partidária
é como casamento. "Se até os casados
descumprem o sagrado compromisso do matrimônio, por que os
políticos têm de cumprir o matrimônio com o
partido?", diz.
Na realidade, a bancada está
preocupada com seu futuro. Além de ampliar o prazo de
fidelidade partidária, a reforma pretende criar o
instituto da chamada "lista fechada". Ou seja: o
eleitor passa a votar na legenda, e não mais no candidato
a vereador ou a deputado estadual ou federal. E cabe ao partido
distribuir os votos que recebe aos candidatos da lista. Assim,
caso o partido só tenha votos para eleger um único
candidato, o eleito será o primeiro nome da lista. Se a
legenda tem votos para eleger cinco, os beneficiados serão
os cinco primeiros da lista, e assim por diante. Juntando a
fidelidade partidária à lista fechada, cria-se um
quadro adverso aos evangélicos - a valorização
do partido em detrimento do candidato. De eleição
em eleição, a bancada dos evangélicos vem
aumentando sua presença no Congresso Nacional. Na
legislatura passada, eram pouco mais de 45 deputados, e nenhum
senador. Agora, são 55 deputados e dois senadores,
Marcelo Crivella e Magno Malta. O crescimento se dá por
cima dos muros que separam os partidos.
A atuação dos evangélicos
tem sido sempre suprapartidária. Hoje seus 57
parlamentares estão concentrados em duas legendas, o PL e
o PTB, mas há filiados distribuídos pelo PMDB,
PSDB, PFL e PP. A cada eleição, a cúpula
dos evangélicos se debruça sobre o mapa eleitoral
do país, estuda as regiões em que eles têm
mais chances de sucesso e despacha um candidato para aquele colégio
eleitoral - onde o candidato se filiará ao partido que
estiver disponível. O deputado Philemon Rodrigues, por
exemplo, ganhou três mandatos em Minas Gerais. Na eleição
passada, entregou legenda e domicílio eleitoral a um
colega, o deputado João Paulo Silva, e candidatou-se pelo
PTB da Paraíba. Os dois foram eleitos. Com a fidelidade
partidária ampliada para dois anos, esse jogo fica mais
difícil. Com a lista fechada, pior ainda. Afinal, que
partido dará ao evangélico recém-chegado à
legenda o primeiro lugar na lista fechada?
Desde que o Palácio do Planalto e
os líderes partidários concordaram com uma
proposta mínima de reforma política, três
semanas atrás, a bancada evangélica passou a
militar com fervor religioso. Num primeiro movimento, os evangélicos
se empenharam em ocupar o maior número de cadeiras na
comissão que estuda o assunto no Congresso. Dos 38
membros da comissão, emplacaram oito - quatro filiados ao
PL, dois ao PMDB e dois ao PTB. Na rotina de trabalho, eles têm
uma tática clara: jogar toda e qualquer decisão
para as calendas gregas, manobra em que o deputado Lincoln
Portela (PL-MG) é craque. Para tanto, vivem pedindo vista
aos projetos e apartes aos colegas e sempre se inscrevem para
falar. Na semana passada, conseguiram adiar a votação
sobre a fidelidade partidária. Em outra tática
protelatória, estão agora pedindo que, antes de o
assunto ser votado, a comissão ouça a opinião
dos presidentes de todos os partidos do país. São
27 legendas. Se a exigência for aceita, a comissão
terá reuniões exatamente como deseja a bancada
evangélica: inconclusivas e intermináveis.
Segura na mão de Deus
Os evangélicos ignoram partidos,
mas são muito disciplinados na hora de obedecer às
suas igrejas.
Sasse complica Garotinho
Publicado no Jornal do Brasil em
20/02/2003
Ex-secretário acusa ex-governador
de acobertar sonegadores, politizar a nomeação de
fiscais e ser íntimo de Rodrigo Silveirinha
Daniela Dariano
Repórter do JB
O ex-secretário de Fazenda, Carlos
Antônio Sasse, implicou a governadora Rosinha Matheus, o
ex-governador do Rio, Anthony Garotinho, e pelo menos quatro
deputados estaduais na rede de corrupção criada
por fiscais do Estado. No depoimento mais revelador prestado à
CPI da Assembléia Legislativa que investiga a remessa de
US$ 32 milhões para bancos suíços, Sasse
disse ontem que o secretário de Planejamento de Rosinha,
Fernando Lopes, foi informado do esquema, do qual participava o
fiscal Rodrigo Silveirinha, pelo menos uma semana antes de o
caso se tornar público. Garotinho, segundo Sasse, teria
ainda protegido sonegadores de Campos.
Nas cerca de três horas em que falou
à CPI, Sasse contou que Silveirinha confessou a David
Birman, seu ex-assessor de informática, sua participação
e de outros fiscais no esquema de corrupção.
Silveirinha teria pedido a Birman que cuidasse de seus filhos e
de sua família caso algo acontecesse com ele. Birman, que
depõe hoje na CPI, teria telefonado a Sasse para contar
sobre a con-fissão do fiscal.
- Marquei um encontro (dia 4 de janeiro)
com Birman e o atual secretário de Planejamento e
Controle e Gestão, Fernando Lopes, para conversarmos.
Birman nos contou tudo e Fernando Lopes ficou encarregado de
informar o caso à governadora Rosinha Matheus - disse
Sasse.
O ex-secretário afirmou também
que foi Garotinho quem nomeou Silveirinha para o cargo de
subsecretário de Administração Tributária
do Rio. Segundo Sasse, dos quatro fiscais acusados de corrupção,
ele conhecia apenas Lúcio Picanço, que foi seu
chefe de gabinete durante os nove meses em que ficou à
frente da secretaria, em 1999. O ex-secretário disse
ainda que Silveirinha, Carlos Eduardo Ramos e Rômulo Gonçalves
ocuparam cargos na secretaria por causa do bom trabalho durante
a fase de transição do governo Marcello Alencar
para o de Anthony Garotinho.
Garotinho teria feito queima de arquivo
Ao pedir demissão em 1999, depois
de nove meses como secretário de Fazenda de Garotinho,
Carlos Sasse calou-se. Ontem, o ex-secretário disse que
deixou o cargo porque foi impedido pelo então governador
do Rio de continuar a fiscalização de empresas em
Campos, berço político de Anthony Garotinho.
Segundo Sasse, Garotinho protegia empresas sonegadoras.
- Quem protegeu o sonegador foi o
governador, ao suspender a fiscalização. Foi quase
uma queima de arquivo, porque eu queria que as investigações
fossem até o fim.
Garotinho afirmou que destacou Sasse para
apurá-las. Segundo Garotinho, as denúncias foram
confirmadas, mas, como Sasse não tomou providência
alguma, foi demitido.
- Sasse deixou o governo por se recusar a
demitir fiscais acusados de extorsão - diz a nota do
ex-governador.
Ligações perigosas
Fiscal teria sido alertado em casa por
Garotinho
Uma ligação telefônica
pode desmentir a alegação do ex-governador Anthony
Garotinho de que não conhecia Rodrigo Silveirinha quando
surgiram as denúncias de que o fiscal teria mais de US$ 8
milhões em uma conta na Suíça. Segundo
depoimento do ex-secretário de Fazenda de Garotinho, o
ex-governador teria telefonado para a casa de Silveirinha no dia
em que soube dos fatos.
- Alguém que não conheça
intimamente a pessoa teria o telefone de sua casa? Eu não
tenho o telefone de Silveirinha - alfinetou Sasse.
Na nota oficial divulgada por Garotinho, não
foi feita menção específica a essa acusação
do ex-secretário. Anthony Garotinho limitou-se a negar
participação no esquema milionário e a
acusar Sasse de contradição.
A CPI que investiga corrupção
na Fazenda decidirá, até segunda-feira, se vai
convocar Garotinho para depor. Também não está
descartada a possibilidade de serem ouvidos pela comissão
três deputados estaduais acusados pelo ex-secretário
estadual de Fazenda de indicar pessoas para assumir cargos nas
inspetorias de Fazenda.
Fonte:
http://www.jb.com.br/jb/papel/cidade/2003/02/20/jorcid20030220001.html
Garotinho era íntimo de
Silveirinha, dizem secretários
Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo
em 21/02/2003
Dois ex-secretários de Fazenda do
Rio - Carlos Sasse e Fernando Lopes - acusaram ontem o
ex-governador Anthony Garotinho (PSB) de envolvimento com os
funcionários investigados por corrupção e
remessa ilegal de US$ 33,4 milhões para contas na Suíça.
Sasse disse que Garotinho era íntimo do ex-subsecretário
Rodrigo Silveirinha, principal suspeito do desvio do dinheiro, e
tinha até mesmo o telefone de sua casa.
Já Lopes afirmou que Silveirinha
despachava com o ex-governador freqüentemente. O ex-secretário
confirmou que esteve com Garotinho e com Silveirinha em várias
reuniões. As declarações, feitas em
depoimentos à CPI dos Fiscais na Assembléia do
Rio, complicam a situação de Garotinho, que negava
ter envolvimento com os acusados. Agora, ele poderá ser
convocado para depor.
Sasse também afirmou que Garotinho
protegeu empresários sonegadores e fiscais corruptos de
Campos (RJ), suspendendo a fiscalização do comércio
da cidade, à sua revelia, para acobertá-los. O
ex-secretário contou que se demitiu do governo em 99, por
não concordar com a atitude.
O ex-governador, que sempre negou ter ligação
com Silveirinha, reagiu divulgando nota, acusando Sasse de ter
se recusado a demitir fiscais sob suspeita. Garotinho afirma que
nunca "compactuou, acobertou ou foi conivente com corrupção".
Segundo ele, "o ex-secretário deixou o governo por
se recusar a demitir fiscais do município de Campos
acusados de extorsão". "Jamais compactuei com
qualquer prática que fere a lei", diz a nota.
DEPUTADO PROPÕE LEI PARA
'RECUPERAR' GAYS
Publicado no Jornal O ESTADO DE S. PAULO
em 05-09-2003
Militantes gays planejam "acampar"
na Assembléia Legislativa do Rio para protestar contra o
projeto de lei do deputado e pastor Édino Fonseca
(Prona), que propõe a criação de programas
de auxílio às pessoas que "voluntariamente
optarem pela mudança da homossexualidade para a
heterossexualidade".
Pelo projeto, o poder público terá
de financiar iniciativas para a "prevenção,
apoio e/ou possibilidade de reorientação sexual
das pessoas que vivenciam a homossexualidade". Na prática,
disse o deputado, o governo seria obrigado a manter programas em
organizações não-governamentais (ONGs) e
igrejas, como os já existentes na Assembléia de
Deus, da qual Fonseca é pastor.
Para representantes das ONGs Rede
Internacional de Cultura Gay, Arco- Íris e Atobá,
o projeto contribuiu para aumentar o preconceito contra os
homossexuais. Eles vão tentar barrar a tramitação
da proposta - apresentada na terça-feira e ainda sem data
para ser votada - antes mesmo de ela ir ao plenário. Caso
não consigam, pretendem levar centenas de gays às
galerias da Assembléia para evitar a aprovação
do texto.
"Esse projeto é um desserviço.
O que ele quer é o repasse de dinheiro público
para igrejas evangélicas", criticou Claudio
Nascimento, coordenador do Arco-Íris. "Além
disso, ele dá legalidade à perseguição
de gays."
O deputado, pastor há 35 anos,
mostrou-se surpreso com a reação ao projeto e
negou ter preconceito contra homossexuais. "Na igreja,
sempre recebi pessoas em conflito que não tinham a quem
recorrer quando decidiam deixar de ser gays. Esse é um
problema que existe e que deve ser assumido pelo Estado."
Ele também negou que o projeto
beneficie a Assembléia de Deus. "Esse tipo de
trabalho não é feito só pelas igrejas evangélicas,
mas por várias religiões e organizações."
A produtora gráfica Carla Pinheiro,
do grupo cristão Exodus (que "recupera" gays),
disse que foi lésbica durante 17 anos, mas conseguiu "resolver
problemas emocionais" e voltar a ter parceiros homens. "Nunca
deixei de ser heterossexual. Eu estava homossexual e acho que
isso aconteceu porque sofri abusos emocionais na infância",
disse Carla, de 41 anos.
Luiz Carlos Raposo, de 35 anos, disse ter
deixado de ser gay aos 19 "Não sabia o que estava
fazendo, mas procurei ajuda na igreja e acabei me apaixonando
por minha mulher." Hoje, trabalha aconselhando pessoas que
querem "se transformar". Raposo disse que já
foi vítima de violência de grupos homossexuais. "Eles
é que têm preconceito. Já fui atacado na rua
por fazer o que faço." Como teme novos ataques, ele
não divulga o nome do grupo ao qual pertence. [e]
Fonte:
http://www.estado.com.br/editorias/2003/09/05/ger015.html
O jogo evangélico cresce
perigosamente, com uma política de massas conduzida por
aprendizes de Hitler.
Por José Arbex Jr.
"Não quero que meus netos se
eduquem em uma sociedade materialista, em que o bem-estar da
população é medido pelo PIB. Quero um mundo
onde a qualidade de vida seja medida pela presença de
Jesus no coração (...) Nosso Senhor Jesus sempre
me ensinou que a verdadeira religião é o amor a
Deus. Feliz é a nação cujo Deus é o
Senhor."
Duvido que você descubra quem é
o autor deste trecho. Pois é ninguém menos que
Paulo Salim Maluf, candidato pelo PPB ao governo de São
Paulo. Quando? Numa quinta-feira, 25 de junho. Onde? Em Osasco,
reduto eleitoral do pedetista Francisco Rossi, durante a
inauguração do primeiro comitê evangélico
de apoio à candidatura malufista. Por quê? Uma das
razões é óbvia: Maluf deseja capturar votos
do evangélico Rossi, conhecido por usar em suas campanhas
o refrão "segura na mão de Deus". Mas o
mais importante - e também preocupante, como veremos - é
que os evangélicos já são uma força
política na conjuntura nacional, e contam com uma
impressionante capacidade de mobilização (há
cerca de 22.000 igrejas evangélicas no Estado de São
Paulo, 8.000 só na capital).
O coordenador da vertente bíblica
da campanha de Maluf é um certo Estevam Hernandes,
presidente da Igreja Renascer em Cristo. Desde 1993, a Renascer
e outras denominações evangélicas
organizam, uma vez por ano, sempre em maio, uma certa Marcha
para Jesus, que atrai, invariavelmente, centenas de milhares de
pessoas, a maioria jovens. A marcha, que em São Paulo é
tradicionalmente realizada na zona norte, faz parte de uma
estratégia de mobilização internacional, e
ocorre simultaneamente em vários países. Segundo
Hernandes, o ato de 1993, em São Paulo, reuniu 300.000
pessoas. O último, realizado em 30 de maio, atraiu o
dobro. Maluf foi o único político sem cargo público
convidado ao evento. A explicação dada por
Hernandes: "Ele (Maluf foi o responsável pela inclusão
da marcha no calendário oficial da cidade".
Maluf e Rossi estão muito longe de
ser os únicos políticos a flertar com o poder
evangélico. Também o presidente Fernando Henrique
Cardoso, que em 1985 perdeu votos por se dizer agnóstico,
aderiu à ala dos recém-convertidos. Em setembro de
1997, FHC encerrou o 2º Congresso Mundial das Assembléias
de Deus, no Campo de Marte (São Paulo), com a saudação
dos crentes: "Aleluia!" Dias depois, levou a família
para receber a bênção do papa João
Paulo II. Nada mau para um sociólogo da Sorbonne...
Instalou-se no Brasil, de fato, uma florescente indústria
de apoio de pastores evangélicos a candidatos a cargos
eletivos. E quem o afirma não pode ser acusado de
antievangelismo: Ronaldo Didini, ex-braço direito de Edir
Macedo (chefe da Igreja Universal do Reino de Deus), agora
pastor da Assembléia de Deus Nipo-Brasileira e candidato
do PPB a deputado estadual. Segundo Didini, o apoio político
de um pastor evangélico pode ser comprado por até
100.000 reais na época das eleições (Folha
de S. Paulo, 7/6/98, página 1-17).
"Sei que um microcandidato pagou
cerca de 100.000 vivos (em dinheiro) a um pastor da Assembléia
de Deus, que iria fazer a campanha dele. Não teve um voto
naquela região. O candidato perdeu a eleição
e o pastor está para perder a igreja dele", disse
Didini. "Não quero falar quem é para não
criar polêmica. Mas são várias as denominações
que fazem isso." E o pastor, certamente, sabe o que diz,
depois de doze anos fazendo campanhas pelos candidatos de Edir
Macedo. "Há negociação financeira.
Algumas lideranças recebem dinheiro para que determinados
candidatos se apresentem nas igrejas. Aí ele vai lá,
fala e vai embora. Na outra semana vai outro, de um partido
diferente, dá dinheiro e fala. Os votos (dos fiéis)
são vendidos descaradamente por falsos pastores, que
cobram fortunas dos políticos."
Curiosamente, em julho de 1996, às
vésperas das eleições municipais, a Associação
Beneficente Cristã (ABC), entidade ligada à
Universal, e então presidida pelo "verdadeiro pastor"
Didini, recebeu 800.000 da Prefeitura de São Paulo. Mais
curioso, ainda: a política partidária foi uma das
principais causas da ruptura de Didini com Edir Macedo, em
agosto de 1997. A discordância foi publicamente revelada
em 1996, quando Didini, que apresentava o programa 25ª Hora
da TV Record, decidiu apoiar o então candidato a prefeito
de São Paulo, Celso Pitta (PPB). Edir Macedo era favorável
a José Serra (PSDB), por razões estratégicas.
Em agosto de 1996, a imprensa denunciou, amplamente, um acordo
entre o ex-ministro das Comunicações Sérgio
Motta e a Igreja Universal. O acordo previa a regularização
de concessões de TVs e a suspensão das investigações
da Receita Federal sobre a igreja. Maluf entrou com recurso no
TRE, pedindo abertura de sindicância para investigar a
relação entre tucanos e bispos da Universal O
governo, é claro, negou tudo. Em quem você
acredita?
Mas esse microcosmo de relações
entre as correntes evangélicas e os políticos
apenas reflete um fenômeno muito mais profundo: a
crescente influência que o movimento exerce sobre a população
brasileira. Claro, o Brasil ainda é o maior país
católico do mundo (83 por cento dos brasileiros se dizem
católicos). Mas é visível o fato de que a
Igreja já não tem a capacidade de manter a
completa hegemonia sobre a vida espiritual, exercida durante
quase quinhentos anos de história. A nova visita de João
Paulo II ao Brasil, em outubro de 1997, foi a confissão
disso. Consciente do significado dessa visita, aliás,
Edir Macedo organizou um ato que reuniu 140.000 crentes da
Universal, no estádio do Mineirão, Belo Horizonte,
no mesmo momento em que o papa se despedia do Brasil. O ato,
intitulado Concentração de Fé - a Família
ao Pé da Cruz, pretendeu discutir os valores da família,
exatamente como fez João Paulo II. Mas, ao contrário
do papa, Edir Macedo manifestou apoio ao aborto quando a mãe
corre risco de vida ou é vítima de estupro. E -
supremo cinismo - também garantiu que foi casual a
coincidência das datas dos dois eventos.
Uma pesquisa realizada no Rio, em 1996,
pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), mostrou que
a cada ano 100.000 pessoas se convertem aos grupos evangélicos.
A maior parte delas (61 por cento) é originária da
Igreja Católica. O restante vem da umbanda e do candomblé
(16 por cento) e do kardecismo (6 por cento). O estudo durou
cerca de um ano e abrangeu 53 denominações evangélicas
diferentes, reunidas em seis grupos: Assembléia de Deus,
Igreja Batista, Igreja Universal do Reino de Deus, Igrejas Históricas
(como a anglicana e a luterana), Outras Igrejas Pentecostais e
Renovadas. Foram visitados 40.172 domicílios. Na etapa
final, 1.322 pessoas, selecionadas por amostragem estatística,
responderam a longos questionários, que abordavam temas
como participação dos fiéis na vida da
igreja, família e vida política.
O estudo indicou que apenas na região
metropolitana do Rio existiam, então, cerca de 1,5 milhão
de crentes (15 por cento da população) de todos os
ramos do protestantismo.
Significativamente, as denominações
que mais crescem - a Igreja Universal e a Assembléia de
Deus - são também as que abrigam os fiéis
mais pobres. Na Universal, segundo o Iser, 63 por cento dos
seguidores ganham menos de dois salários mínimos,
50 por cento têm menos de quatro anos de escolaridade e 70
por cento são negros e mulatos. Na Assembléia, 62
por cento ganham até dois salários mínimos.
Calcula-se que a Universal e a Assembléia tenham, hoje,
algo em torno de 3 milhões de adeptos cada. O número
de convertidos já é significativo o suficiente
para provocar mudanças no comportamento da população.
Um exemplo é a redução da taxa de
natalidade, já que as famílias de evangélicos
têm, em média, 25 por cento menos filhos do que
seus vizinhos pertencentes a outras religiões. Isso também
contribui para o envelhecimento da população. O
Rio é a capital que, segundo o IBGE, concentra o maior índice
de velhos do país: 12 por cento dos habitantes têm
mais de sessenta anos.
Mas esse crescimento não ocorre sem
disputas internas. Segundo o Iser, a Universal é campeã
em rejeição no próprio meio evangélico.
Quando se pediu aos entrevistados que dessem notas a outras
igrejas, a do bispo Macedo ficou com a pior média: 6,7.
Os protestantes conseguem rivalizar com a esquerda quando o
assunto é divisão causada por divergências
doutrinárias. Há três grandes blocos evangélicos:
os históricos (igrejas Luterana, Batista e Metodista); os
pentecostais (Congregação Cristã no Brasil,
Assembléia de Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular);
e, a partir dos anos 70, os neopentecostais (O Brasil para
Cristo, Deus É Amor, Universal etc.). De acordo com a Bíblia,
no Pentecostes (o qüinquagésimo dia após a
ressurreição de Cristo), o Espírito Santo,
manifesto sob a forma de línguas de fogo, concedeu aos apóstolos
dons como o de falar línguas estranhas (glossolalia) e o
de curar. As seitas pentecostais utilizam aquilo que alegam ser
dons do Espírito Santo para atrair fiéis. Atraem
também as críticas dos evangélicos
tradicionais, que desconfiam daqueles que transformam os templos
em supermercados de cura.
A pobreza ofende Deus
As promessas pentecostais explicam boa
parte do crescimento do movimento evangélico. Sem fazer,
aqui, qualquer tratado de sociologia, basta notar aquilo que é
mais evidente. Aos pobres, os pastores - todos muito bem
treinados na arte da retórica - dizem que enriquecer não
é pecado, mas que, ao contrário, a pobreza é
uma ofensa aos olhos de Deus; para enriquecer, basta ter fé,
freqüentar o templo e... pagar o dízimo...
Trata-se de uma mensagem que,
essencialmente, em nada difere dos livros de auto-ajuda de
autores como Lair Ribeiro. Aos doentes, aos drogados, aos casais
em crise, aos que têm sua vida destruída por
problemas familiares e profissionais, os pastores garantem a
solução, com rituais catárticos de
exorcismo do Satã, o grande inimigo, aquele que está
por trás de todos os problemas, de todas as dúvidas
e angústias. Aos solitários, os pastores propiciam
o ingresso em uma comunidade que compartilha os mesmos valores.
A todos, propõem a substituição das dúvidas
por uma fé intransigente na Bíblia, a inquestionável
palavra impressa de Deus. Para passar sua mensagem, usam ao máximo
os poderes da televisão, desenvolvendo no Brasil o mesmo
televangelismo já tão consagrado nos Estados
Unidos.
A intensa participação da
juventude nesse processo é visível a olho nu,
dispensa qualquer estudo estatístico. Basta presenciar as
tais Marchas para Jesus de Estevan Hernandes, ou os festivais de
rock gospel, em que grupos de cabeludos, barbudos e moças
de minissaia ou roupa de couro, que bem poderiam ser confundidos
com gente que estava em Woodstock, cantam letras religiosas ao
som de guitarras pesadas. Ou basta acompanhar, ainda que pela
televisão, os cultos evangélicos. Os jovens estão
lá, em massa. Marcham, com entusiasmo, empunhando nas
ruas bandeiras e faixas que anunciam a volta de Cristo; choram,
emocionados, quando o pastor fala da restauração
da família e do amor bíblico; condenam as drogas e
o "amor livre" como "coisa do demônio";
pagam o dízimo, mesmo quando ganham muito pouco;
acreditam no exorcismo de Satã e no poder milagroso da
cura pela fé; e acham que enriquecer é uma forma
de prestar homenagem a Deus.
Isso talvez ajude a explicar a razão
pela qual gente como Mara Maravilha, Gretchen, Jece Valadão
e Monique Evans tenham resolvido aderir ao movimento evangélico.
Se até Maluf e FHC podem posar de evangélicos...
A Igreja Católica reage com a
agilidade de um paquiderme reumático. Atada ao
fundamentalismo conservador de João Paulo II, a Igreja se
vê impotente quando se trata de dar algum conforto aos fiéis
pobres, a uma classe média perplexa e aos jovens cada vez
mais sem perspectivas. Uma das alternativas é proposta
pela Renovação Carismática Católica
(RCC), movimento conservador surgido no interior da Igreja, nos
Estados Unidos, há três décadas, e que é
seguido por 4 por cento da população brasileira.
Avessos à Teologia da Libertação
e às denominações evangélicas, os
carismáticos adotam práticas que se assemelham às
dos grupos pentecostais que pretendem combater. Acreditam que os
carismas (nove, ao todo) são dádivas de Deus que
devem ser usadas pelos bem-aventurados: os dons da glossolalia,
das interpretações e das profecias; dons do poder
(fé, cura, milagre); dons das revelações
(sabedoria, ciência e discernimento). Ao contrário
de se interessar por problemas sociais e políticos,
preocupam-se com a vida íntima, com o controle moral da
família, dos costumes e da sexualidade.
O totalitarismo
O maior e mais barulhento ícone do
extraordinário crescimento dos evangélicos é,
certamente, a Igreja Universal, e a TV Record é, de
longe, sua vitrine mais visível. A emissora, que antes
pertencia ao apresentador Sílvio Santos e ao empresário
Paulo Machado de Carvalho, foi adquirida por 45 milhões
de dólares, em 1990, pelo bispo Edir Macedo, segundo
circunstâncias até hoje um pouco obscuras.
Conforme Carlos Magno de Miranda,
ex-pastor da Universal, a compra da rede teve participação
direta do então presidente Fernando Collor de Mello e de
seu tesoureiro de campanha, PC Faria. Collor e PC, de acordo com
o pastor, foram "fiadores" do bispo e garantiram as "facilidades"
para o fechamento do negócio. Pela primeira vez na história
do Brasil, uma denominação religiosa não
controlada pela Igreja Católica assumiu o controle de sua
própria rede nacional de televisão. O fato
contribuiu para acirrar os ânimos entre evangélicos
e católicos, e pôs rapidamente à prova o tão
propalado mito da "tolerância religiosa"
brasileira.
O sinal de franca hostilidade foi dado, em
outubro de 1995, pelo famoso chute de Sérgio von Helde
Luiz, bispo da Universal, na imagem de Nossa Senhora Aparecida,
diante das câmaras da TV Record. Helde foi condenado a
dois anos e dois meses de prisão, por crimes de
discriminação religiosa e vilipêndio de
imagem. Mas o contra-ataque foi dado, de fato, pela Globo (que
assumiu, não por acaso, o papel de porta-voz do
establishment católico), que passou a fazer uma campanha
direta contra a Universal (incluindo a divulgação
de uma fita de vídeo, em que Macedo e seus bispos, de
quatro, e entre gestos obscenos, contavam uma montanha de
dinheiro ofertado por crentes). A Universal respondeu, por
intermédio da Record. E assim, durante um certo tempo, o
Brasil viveu uma verdadeira "guerra santa" mediática,
só encerrada mediante a intervenção direta
do governo federal (os podres que vinham à tona, de ambos
os lados, ameaçavam comprometer muita gente acima de
qualquer suspeita).
Até 1996, a Record amargava o mais
baixo índice do Ibope. Sua programação era
carregada de programas evangélicos, em que pastores que
davam shows de exorcismo e o demônio eram as grandes
estrelas. Em 1998, as coisas mudaram. O combate a Satã
foi relegado às madrugadas e manhãs, permitindo
que a emissora assumisse um tom comercial em seu horário
nobre. A rede recebeu injeção de 100 milhões
de dólares da Universal, e seus diretores passaram a
adotar uma programação que, ironicamente, espelha
a da Globo - e o fizeram com tanta competência que, em
certos momentos, chega a rivalizar, em audiência, com a vênus
do Jardim Botânico. Atualmente, a Record investe em
telejornalismo (com a contratação de Boris Casoy),
programas de auditório (seu carro-chefe é o
indecente Ratinho Livre), novela (Estrela de Fogo, versão
algo bizarra da global Rei do Gado), alguns bons filmes (como O
Paciente Inglês) e seriados norte-americanos (como Arquivo
X e Chicago Hope). Se em 1997 a Record faturou 70 milhões
de dólares (o que significou um prejuízo de 50
milhões de dólares), este ano o faturamento
previsto é de 130 milhões de dólares.
Atualmente, a rede é formada por dezessete emissoras e
mais de cem afiliadas. No mercado externo, a Universal possui um
canal de televisão na África do Sul, com programação
local, e pretende montar uma emissora em Portugal.
O quadro que emerge é triste, dramático
e perigoso. Triste por ser o sintoma de uma época. As
ruas de São Paulo, Rio e outras cidades, que nos anos 60,
70 e 80 serviram de palco à luta de jovens e
trabalhadores pela democracia, hoje ecoam cânticos
religiosos entoados por jovens e trabalhadores que preferem
depositar sua confiança e energia em Deus, identificando
como inimigo o igualmente abstrato Satã. A guerra santa
substitui a luta de classes, a fé ocupa o lugar da
explicação. Dramático, porque o jogo evangélico
expõe milhões e milhões de vidas à
influência de denominações que se atiram à
mais sórdida politicagem, incluindo compra e venda de
votos, negociando a genuína fé dos crentes.
Perigoso, porque a mensagem dos pastores é
autoritária: exige total subserviência a um Deus
que promete recompensa aos fiéis e castigos terríveis
aos inimigos - isto é, a todos os que não rezam
pela mesma cartilha. É a prática de uma política
de massas que abomina a política, a interlocução,
o pluralismo, que promete a execução do outro no
Juízo Final. Numa palavra, é o totalitarismo.
Exagero? Dificilmente. Basta participar de
uma das marchas e observar os grupos de jovens "seguranças"
bem disciplinados e em formação paramilitar, ou as
faixas que proclamam a volta de Jesus (isto é, de um ser
transcendental, extraterreno) com uma convicção
absoluta, ou ainda o entusiasmo de uma multidão que
enfrenta, durante horas, sol e chuva para ouvir intermináveis
discursos de pastores que condenam às chamas o "inimigo".
E, se não for suficiente, ouça os depoimentos
ultra-emocionados, em geral cheios de lágrimas, daqueles
que se dizem "salvos" por Cristo do perverso mundo das
drogas, do sexo e do rock'n'roll (profano, não gospel).
Ou basta ler os jornais e verificar que,
quando necessário - por exemplo, no final de abril -,
pastores abandonam as preocupações com o outro
mundo e mobilizam suas tropas de choque para defender, se necessário
fisicamente, terráqueos como o prefeito de São
Paulo, Celso Pitta, cujo impeachment estava então sendo
pedido por sindicatos, associações de professores
e estudantes e partidos de esquerda. É um quadro por
demais preocupante, ainda mais quando se considera que, em
certas circunstâncias históricas, mesmo um medíocre
pintor fracassado pode, com o discurso radicalizado, mobilizar
massas desesperadas em busca de garantias.
A Igreja Católica é responsável
por esse quadro. Autoritária, arrogante, corrupta,
distante dos pobres e tradicional aliada ao poder financeiro e
político, a Igreja jogou na lama a fé nela
depositada, durante quinhentos anos, pela imensa maioria da nação.
Não que os teólogos da libertação
fossem mais tolerantes, democráticos e pluralistas que os
evangélicos: também eles impunham a escolha
totalitária entre céu e inferno, também
eles tinham como pressuposto salvacionista a fé em Cristo
e nos poderes sobrenaturais (definitivamente, a mistura entre
religião e política é sempre, e em qualquer
hipótese, grávida de tragédias).
Independentemente disso, foi no abismo entre a Igreja Católica
e a nação brasileira que vicejaram a Universal, a
Renascer e outras denominações que sabem mobilizar
a juventude e os trabalhadores para atingir seus próprios
fins políticos, financeiros e econômicos. A
mensagem absolutamente reacionária, intolerante e
obsoleta de João Paulo II só joga fogo na fogueira
evangélica.
Se é certo que a extrema-direita
procura "cavalgar" o movimento evangélico, como
é o caso de Paulo Salim Maluf, os políticos
tradicionais, de FHC a Francisco Rossi, passando por arrivistas
como Fernando Collor, têm sua parcela de responsabilidade
por um quadro social que estimula o seu crescimento. Em primeiro
lugar, porque eles negociam com os evangélicos a compra e
a venda de votos e influência (a longa entrevista-comício
que FHC concedeu a Boris Casoy, em junho, foi um significativo
aceno da presidência a Edir Macedo). Mas também -
talvez principalmente - porque sua maneira de praticar política
ajudou a afastar dos partidos e das instituições
representativas milhões de jovens e trabalhadores, todos
decepcionados com os escândalos de corrupção
e com o descaso com que os três poderes tratam a questão
social. Os evangélicos dão respostas, quando os
políticos só oferecem evasivas; conclamam à
ação, quando os políticos propõem a
paralisia; oferecem conforto espiritual e saídas para a
crise, quando os políticos multiplicam os impostos,
cortam os gastos com educação e saúde,
desprezam os anseios e esperanças dos mais pobres.
As organizações de esquerda,
incluindo o PT, o PCdoB, a CUT e tantas outras, são também
responsáveis, claro que em outra escala, por esse quadro
Perplexas e impotentes diante das reviravoltas do mundo após
a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, as organizações
de esquerda jamais encontraram algo de realmente novo e
significativo para dizer aos jovens e trabalhadores que querem
encontrar respostas no mundo tecnológico dos anos 90. A
tradicional retórica escatológica da esquerda,
sempre adiando para o futuro a resolução dos
problemas sentidos hoje pelos excluídos ("amanhã
será o paraíso na Terra", "um dia a
justiça prevalecerá"), não pode mais
concorrer com a escatologia evangélica, especialmente
porque nada conseguirá colocar à prova o etéreo
paraíso divino, ao passo que a vida destruiu a experiência
socialista quando confrontada ao mundo real.
Desprovidas de utopias, as organizações
de esquerda passaram a adotar, com alarmante freqüência,
o pior tipo de "pragmatismo" - aquele que, em política,
não passa de puro oportunismo carreirista -, deixando-se
envolver pelo jogo político e eleitoral dos partidos
tradicionais, muitas vezes com eles se confundindo e mesclando.
Resta o desafio de encontrar um caminho
sem escatologias nem oportunismos, mas capaz de oferecer
perspectivas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) oferece indícios do que pode ser uma ação
sistemática, de massas, por uma vida digna. O MST
recuperou o sentido da atividade política, recriou o espaço
público, onde a prática da solidariedade faz parte
do cotidiano, de um certo modo de vida. Atribuiu, finalmente,
nova eficácia a um discurso que se cola à ação
prática, eliminando o abismo entre um e outra, tão
característico da vida de nossos homens públicos.
E é sobretudo significativo o fato de que o MST se impôs
como movimento de esquerda, não por assim se proclamar,
mas por força de uma prática social e política
que desmonta o sólido edifício oligárquico
brasileiro, construído por quinhentos anos de vigência
do latifúndio. O MST, em síntese, transmite um
legado que pode servir de antídoto à ação
corrosiva e estupefaciente dos pastores evangélicos e da
extrema-direita mobilizada: ação solidária,
não-ideológica, imediata, em benefício dos
excluídos, dos marginalizados, dos homens de boa-fé.
O problema está posto: milhões
de jovens e trabalhadores são mobilizados por aprendizes
de Hitler, enquanto o Brasil caminha a passos largos para uma
imensa crise social, cujo pano de fundo é o desemprego. Há
alternativas, desde que a esquerda saiba delas se apropriar. É
isso ou a tragédia. A história - desnecessário
dizê-lo - é riquíssima em exemplos.
Benedita vai a encontro evangélico
na Argentina com dinheiro público
Rodrigo Rangel
BRASÍLIA. Em mais uma das várias
viagens que tem feito ao exterior desde o início do
governo Lula, a ministra da Assistência Social, Benedita
da Silva, embarcou ontem à noite para Buenos Aires. Só
que, desta vez, para participar de um encontro evangélico
às custas dos cofres públicos brasileiros.
Como é praxe em casos de
deslocamentos internacionais de servidores, a autorização
para a viagem de Benedita foi publicada no Diário Oficial
da União. O despacho do presidente da República em
exercício, José Alencar, autoriza a ministra, que é
evangélica, a se afastar do país a fim de
participar do "12 Desayuno Anual de Oración".
Em português: "café da manhã anual de
oração", um evento religioso promovido por
igrejas evangélicas argentinas.
Gabinete se esforça para justificar
a viagem
O despacho publicado no Diário
Oficial provocou constrangimento entre os funcionários do
gabinete de Benedita, que se esforçaram para justificar a
viagem. Até o início da tarde, perguntados sobre a
agenda de hoje da ministra, assessores diziam apenas que ela
estaria em Buenos Aires, sem detalhes. Depois, informaram que a
ministra se encontraria com ministros argentinos para tratar da
implantação do Instituto Social Brasil-Argentina,
entidade que servirá para que os dois países
troquem experiências em programas sociais.
Perguntados sobre o encontro religioso, os
funcionários do gabinete disseram desconhecer esse item
da agenda. Em seguida, a assessoria da ministra alegou que,
durante o café da manhã religioso, Benedita se
encontraria com representantes do governo argentino responsáveis
pelo acordo bilateral que permitirá a instalação
do instituto.
- Há pessoas que vão neste
encontro que fazem parte das negociações para
implantação do Instituto Social Brasil-Argentina -
disse a assessora de imprensa da ministra.
No meio da tarde, funcionários do
Ministério do Desenvolvimento Social da Argentina
informaram que desconheciam qualquer encontro entre Benedita e a
titular da pasta, a ministra Alicia Kirchner, irmã do
presidente Néstor Kirchner. Só mais tarde o
encontro foi confirmado pelo governo argentino.
Benedita é um dos ministros de Lula
que mais viajam para o exterior. Na semana passada, esteve nos
Estados Unidos. Antes, já tinha ido à Argentina e
também à África do Sul. Apesar de pouco
interferir nas decisões do governo, a ministra demonstra
ter prestígio junto ao presidente Luiz Inácio Lula
da Silva. Desde o início do governo, nomeou 37 aliados
políticos para ocupar cargos na administração
federal. Entre os beneficiados estão ex-companheiros que
integraram o governo do Rio nos nove meses em que ela esteve no
comando, ano passado.
Benedita embarcou ontem à noite em
Brasília num vôo comercial com destino a Buenos
Aires e retorna ainda hoje. As passagens foram pagas pelo erário.
COLABORARAM Lisandra Paraguassú
(Brasília) e Janaína Figueiredo (Buenos Aires)
LEI BRASILEIRA N�O PERMITE PESQUISA SIMILAR
Publicado no Jornal O ESTADO DE S. PAULO em 15-02-2004
Enquanto outros pa�ses avan�am na pesquisa com c�lulas-tronco
embrion�rias (CTE), cientistas brasileiros lutam pela libera��o dos
estudos no Pa�s. A pesquisa requer a destrui��o de embri�es, o que �
proibido pela atual Lei de Biosseguran�a e pelo Conselho Federal de
Medicina. Por for�a da bancada evang�lica, a proibi��o foi mantida no
texto atual do novo projeto de lei para o setor, considerado um
retrocesso por especialistas da �rea.
"� a pior coisa que poderia acontecer", resumiu o pesquisador Antonio
Carlos Campos de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e do Instituto do Mil�nio de Bioengenharia Tecidual. Ele
trabalha desde 2000 com o uso de c�lulas-tronco adultas - extra�das
de tecidos do organismo j� desenvolvido - para o tratamento de
doen�as card�acas. E, apesar dos resultados positivos, considera o
estudo das c�lulas embrion�rias indispens�vel.
As CTEs, explica Carvalho, s�o as �nicas reconhecidamente
pluripotentes - ou seja, que podem dar origem a qualquer tecido do
organismo. J� as c�lulas-tronco adultas s�o, a princ�pio,
multipotentes - podem dar origem a apenas alguns tipos de tecido -
apesar de alguns experimentos j� terem indicado sua
pluripot�ncia. "S�o estudos que est�o sendo duramente questionados",
disse Carvalho. "Dentro desse cen�rio, acho desastroso n�o poder
utilizar as c�lulas embrion�rias."
A principal quest�o sobre o uso dos embri�es gira em torno da
defini��o do in�cio da vida. Ser� que um blastocisto - est�gio
inicial do embri�o, do qual as c�lulas-tronco s�o extra�das -
representa um indiv�duo? "A defini��o do in�cio da vida �
absolutamente aleat�ria; voc� pode colocar onde quiser", argumenta
Marco Segre, especialista em �tica m�dica da Faculdade de Medicina da
Universidade de S�o Paulo (USP).
Para muitos pesquisadores, o tema deveria ser tratado em uma lei
espec�fica. "N�o d� para misturar soja transg�nica com embri�o",
disse Carvalho. [i]
Fonte: http://txt.estado.com.br/editorias/2004/02/13/ger011.html