Publicado no jornal folha de São
Paulo em 30/07/2001
Pastores evangélicos decidiram
recomendar a seus fiéis o voto no governador do Rio de
Janeiro, Anthony Garotinho (PSB), para presidente da República
em 2002.
Lideranças de denominações
evangélicas ouvidas pela Folha afirmaram que estão
apoiando a candidatura de Garotinho, que é presbiteriano,
e que pedirão votos para ele em suas pregações.
O coordenador-geral da Omeb (Ordem dos
Ministros Evangélicos do Brasil, com 12 mil filiados) e
presidente da Missão Evangélica Veredas de Esperança,
reverendo Edésio de Oliveira Chequer, disse que os líderes
evangélicos estão "empenhados nessa cruzada".
Para ele, é coerente recomendar o
voto em Garotinho, que é "um dos nossos, um evangélico,
postulando democraticamente a Presidência da República".
Segundo Chequer, os líderes
recomendarão o voto, mas não vão obrigar
ninguém a votar. Ele disse que chegou a recomendar o voto
em Fernando Henrique Cardoso em sua primeira eleição,
em 1994.
"Não só eu [vou
recomendar o voto], como os pastores no Brasil inteiro. As
principais lideranças têm apoiado: a Assembléia
de Deus, os batistas, os principais líderes de convenções.
O apoio é de 90%", diz o pastor Samuel Gonçalves,
da Assembléia de Deus.
Gonçalves, 29, viaja pelo país
a convite da Adhonep (Associação de Homens de Negócios
do Evangelho Pleno) para fazer pregações.
A Adhonep, entidade com 50 mil associados
no Brasil, paga viagens de Garotinho em pregações
religiosas e lançou nota de apoio ao governador em sua
convenção nacional, encerrada no último
final de semana no Rio.
Para Gonçalves, o Brasil é
marcado por "três maldições": o "pajerismo"
(força religiosa do pajé) indígena, a
religião africana e a "disputa pelo ouro".
Diante disso, a candidatura de Garotinho é "uma bênção",
avalia o pastor.
"A gente não pode apoiar político
que vá contra as igrejas, que seja comunista. Não
pode apoiar um político como o Lula, que é
totalmente contra as igrejas", diz.
O pastor Manoel Ferreira, presidente da
Conamad (Convenção Nacional das Assembléias
de Deus no Brasil), afirma que, embora ainda não haja uma
posição oficial da entidade, a tendência é
que Garotinho seja o candidato apoiado pela entidade.
"É bem possível que a
entidade decida recomendar o nome dele, orientando os fiéis
e dizendo que ele é o candidato que mais se identifica
com o segmento evangélico", diz. Segundo Ferreira, a
Conamad (uma das duas entidades nacionais da Assembléia
de Deus) tem 22 mil igrejas filiadas e 7 milhões de fiéis.
A Igreja Universal do Reino de Deus só
deve anunciar sua posição oficial depois do
Carnaval.
No entanto, se depender do empenho de seu
coordenador político, o deputado federal Bispo Rodrigues
(PL-RJ), a denominação deverá apoiar e
recomendar o voto em Garotinho.
"Temos a obrigação de
orientar o nosso povo sobre o que é melhor. A Igreja Católica
sempre fez isso. Já fizemos isso com o [Fernando] Collor
e com o Fernando Henrique. Por que não com o Garotinho?",
questiona.
Segundo Rodrigues, a Universal conseguiu 2
milhões de votos para seus candidatos na última
eleição presidencial.
O reverendo Guilhermino Cunha, presidente
do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil (da
qual Garotinho é membro), disse que não vê
problema na recomendação de voto dos pastores. "Se
você acredita num projeto político, não há
mistura."
O pastor batista Nilson do Amaral Fanini
declara que apoiará Garotinho e que o governador, por ser
evangélico, terá o voto de muitos "irmãos
de fé".
Fanini afirma, porém, que os
batistas, embora orem pelo Brasil, não citam nomes de
candidatos nas igrejas. "Os batistas não têm
voto de cabresto", diz.
ESPECIALISTAS VÊEM USO ELEITORAL
DA RELIGIÃO
A utilização do discurso
religioso pelo governador do Rio, Anthony Garotinho (PSB), tem
claros objetivos eleitorais, segundo especialistas ouvidos pela
Folha.
Nas últimas semanas, o governador e
pré-candidato do PSB à Presidência tem
intensificado o uso de imagens bíblicas e também
da idéia de que vem sendo perseguido por ser evangélico.
A antropóloga Regina Novaes e o
cientista político Antônio Carlos Peixoto avaliam
que Garotinho quer fazer dos evangélicos a base para a
nacionalização de sua candidatura no ano que vem.
Para Novaes, pesquisadora do Instituto de
Estudos da Religião e professora da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro), é inédito o uso do púlpito
numa campanha presidencial, mas religião e política
nunca estiveram totalmente separadas no Brasil.
Ela diz que a linguagem de Garotinho,
ainda que deslocada da política, tem respaldo no meio
evangélico, onde é comum que os fiéis,
independentemente de sua posição na hierarquia da
igreja, dêem seus "testemunhos de fé".
"A legitimidade da tática de
Garotinho tem de ser pensada não na República dos
nossos sonhos, mas na do Brasil real. Que outras estratégias
são usadas para tratar de política? Não é
uma estratégia menos legítima que outras. Temo que
haja um certo preconceito quanto ao estilo evangélico."
Peixoto, da Uerj (Universidade do Estado
do Rio de Janeiro), diz que, se Garotinho conseguir agregar o
voto evangélico e levar para fora do Estado a sua
popularidade, seu nome será viável em 2002.
Para ele, o risco de Garotinho é
estabelecer um acoplamento entre Estado e religião. "Temo
uma clivagem [divisão] no quadro eleitoral, criando uma
tensão com outros sistemas confessionais. É um
risco que tem de correr. Toda estratégia tem um flanco
aberto, não há estratégia perfeita."
Na avaliação do sociólogo
Ricardo Mariano, autor de "Neopentecostais: Sociologia do
Novo Pentecostalismo no Brasil", a tática político-religiosa
de Garotinho inclui ainda o caráter persecutório típico
do discurso evangélico.
"O tom discriminatório que ele
usa é esperto e fundamental, porque corresponde ao ideário
dos evangélicos, que se sentem e se dizem discriminados
pela imprensa, pelos católicos e pelos protestantes
tradicionais. Com isso, Garotinho pretende mobilizar pastores e
fiéis para que o apóiem."
Flávio Pierucci, sociólogo
especialista no estudo da religião, concorda. "Essa
vitimização é ótima para anular as
acusações que vem sofrendo", disse,
referindo-se ao fato de Garotinho estar sendo investigado pela
Receita Federal por supostas irregularidades.
Os dois sociólogos avaliam,
entretanto, que essa tática pode ser eficiente apenas
para a disputa do primeiro turno da eleição. "Enquanto
no primeiro turno a proximidade com os evangélicos pode
ser eleitoralmente importante, no segundo isso atrapalha porque
vira sectarismo", disse Mariano.
Inauguração a jato de
obras suspeitas
Publicado no Jornal do Brasil em
30/08/2001
Com a anuência do estado, prefeitura
de Nova Iguaçu dribla Lei 8.666 para fugir à
fiscalização do Tribunal de Contas
Não são apenas os postes
fincados no meio da pista que estão fora do lugar nas
obras de pavimentação, saneamento, iluminação
e drenagem, no valor de R$ 104 milhões, em Nova Iguaçu,
realizadas com dinheiro do governo do estado. A pressa do
governador Anthony Garotinho (PSB) para inaugurar a maior parte
delas até abril de 2002 resultou em 77 licitações
irregulares, com a anuência do estado, com preços
superiores aos valores de mercado.
Enquanto o preço médio do
quilômetro pavimentado, com drenagem e saneamento, varia
de R$ 300 mil a R$ 500 mil - segundo levantamento feito pelo
Jornal do Brasil junto a empresas públicas e privadas,
alguns trechos das obras licitadas em Nova Iguaçu chegam
a custar R$ 1,246 milhão. O prefeito do município,
Nelson Bornier (PL), não acha caro. ''Poderia até
fazer por R$ 400 mil, mas seria para inglês ver. Essas
obras são de primeiro mundo'', justifica.
Apenas três empresas ganharam 59 das
77 licitações, o que corresponde a 76,5% do total.
A Delta Construções ficou com 30 lotes (38,9% do
total); a EBTE (Empresa Brasileira de Terraplanagem), com 17
(22%); e a Oriente Construção Civil Ltda., com 12
(15,6%). Coincidentemente, Delta e Oriente são as campeãs
em contratos com o DER, órgão do estado responsável
também pela fiscalização das obras em Nova
Iguaçu. Juntas, as duas empresas têm cerca de R$
300 milhões em contratos de obras e de fornecimento de
insumos para o DER.
Ex-adversário político de
Anthony Garotinho, com quem viveu às turras até se
reeleger prefeito, no ano passado, Bornier agora é
aliado. Em 16 de março, os dois firmaram um convênio
através do qual o estado se comprometeu a repassar, por
meio do DER, R$ 104 milhões para obras em 645 ruas de 77
bairros, num total de 175,2 quilômetros de extensão.
A contratação da obra ficou a cargo da prefeitura,
mas R$ 99 milhões dos R$ 104 milhões são
pagos pelo estado. As irregularidades começaram antes da
assinatura do convênio.
Carnaval - O edital de licitação
foi publicado em 24 de fevereiro - antes mesmo, portanto, da
assinatura do convênio, o que viola o artigo 4°, parágrafo
2°, da Lei 8.666/ 93, que trata das licitações,
segundo o qual uma licitação só pode ser
feita se houver previsão de recursos para o pagamento das
obras e serviços a serem executados, o que ainda não
havia.
Mais: 24 de fevereiro foi um sábado
de Carnaval, dia em que dificilmente empresas comprariam o
Jornal de Hoje - diário de circulação
municipal dentro do qual o Diário Oficial de Nova Iguaçu
é encartado - para ver se havia algum edital publicado. A
menos que fossem informadas disso, o que contrariaria o artigo 3°
da Lei de Licitações, segundo o qual ''os atos de
convocação licitatória não podem
restringir ou frustrar o caráter competitivo da concorrência''.
Houve ainda uma terceira irregularidade. A
prefeitura dividiu as obras em 77 licitações, de
modo que nenhuma ultrapassasse R$ 1,5 milhão, valor a
partir do qual é necessário fazer concorrência
pública - modalidade de licitação que exige
fiscalização, prazo, publicidade e níveis
de exigência maiores. Fracionando os lotes, foram feitas
''tomadas de preço'', modalidade destinada a gastos públicos
de R$ 150 mil a R$ 1,5 milhão. Diferentemente das concorrências
públicas, as tomadas de preço não precisam
ter seu editais previamente analisados pelo Tribunal de Contas
do Estado (TCE), que só avalia a obra depois de executada
e paga. Em geral, isso acontece no ano seguinte, junto com a
prestação de contas anual do município.
A intenção de driblar a lei
no caso de Nova Iguaçu foi tão flagrante que, das
77 tomadas de preço, 55 têm valores acima de R$ 1,4
milhão - das quais 40 variam de R$ 1,490 milhão e
R$ 1,499 milhão.
Atraso- O prefeito Bornier admitiu ter
evitado as concorrências para acelerar as obras. ''Uma
concorrência, hoje, no TCE, não sai com menos de um
ano. Fica emperrada lá dentro. A tomada de preços é
um modo mais rápido. Evitei ultrapassar os 4 km por
bairro para contemplar todos os bairros e para não
ultrapassar R$ 1,5 milhão'', diz. Todas as licitações
já foram realizadas, e os contratos assinados, embora só
33 estejam programadas para o exercício de 2001.
Advogados consultados pelo Jornal do
Brasil foram unânimes em afirmar realizar 77 tomadas de
preço para áreas próximas é
irregular porque infringe os parágrafos 1° e 2°
do artigo 23 da lei de licitações. ''Isso é
fraude'', acusou o advogado Luiz Paulo Viveiros de Castro. A lei
diz que ''é vedada a utilização da
modalidade convite ou tomada de preço (...) para parcelas
de uma mesma obra ou serviço de mesma natureza que possam
ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório
de seus valores caracterizar o caso de tomada de preço ou
concorrência (...)''. Para que haja divisão em
parcelas na mesma obra é necessário ter demonstração
técnica de que é inteiramente impossível e
economicamente vantajoso. Bornier não respondeu se existe
esse estudo.
Mas a julgar pelo o que diz o secretário
estadual da Baixada, Ernani Boldrim, o convênio firmado
com a prefeitura já tinha mesmo como objetivo a acelaração
das obras. Boldrim explica que o governador Garotinho tem pressa
para inaugurar até 6 de abril - data a partir da qual
candidatos a cargos executivos não podem mais participar
de inaugurações. ''O governador quer ver se
acelara o máximo'', disse Boldrim. ''Se não faz
dessa forma, não tinha nenhum bairro feito, nem começado.
Essas concorrências grandes, com mais de R$ 1,5 milhão,
é uma burocracia danada porque o Tribunal de Contas tem
que fiscalizar antes. Essas com menos de R$ 1,5 é outro
sistema. É a tomada de preço. Só fiscaliza
depois de feito'', explica.
A lista de irregularidades
Os preços médios por quilômetro
de pavimentação, saneamento e drenagem ficam entre
R$ 300 mil e R$ 500 mil. Nas obras em Nova Iguaçu, a
maior parte delas supera os R$ 500 mil, chegando a R$ 1,246 milhão.
Três empresas - Delta Construções
S.A., Empresa Brasileira de Terraplanagem e Oriente Construção
Civil - venceram 59 das 77 licitações.
Os editais de licitação
foram publicados no dia 24 de fevereiro, sábado de
Carnaval.
As obras foram divididas em 77 ''tomadas
de preço'', para evitar as ''concorrências públicas'',
que exigem maior fiscalização, publicidade e
prazos. Obras só podem ser divididas se houver estudo técnico
que demonstre ser economicamente vantajoso fazer a pulverização.
Ainda assim, seria preciso fazer concorrências públicas.
Todos os contratos da prefeitura de Nova
Iguaçu com empresas que venceram as licitações
já foram assinados, embora muitas dessas obras só
estejam programadas para começar no ano que vem.
Das 77 licitações, 55 têm
valores que vão de R$ 1,4 milhão a R$ 1,499 milhão.
Dessas 55, 40 são de obras cujo valor varia de R$ 1,490 a
R$ 1,499.
Em algumas obras, postes de iluminação
podem ser vistos nas pistas de rolamento, e não nas calçadas.
Um deles, que ficava depois de uma curva na rua Dr. Renato,
causou dois acidentes.
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