Publicado no Jornal O Dia na Quarta, 14 de
julho de 1999
Com 6 deputados, bancada da Igreja
Universal exige espaço na área social Não
bastassem as pressões que sofre dos partidos da base
aliada, que luta por mais espaço dentro do governo, o
governador Anthony Garotinho está tendo que administrar
as exigências da chamada "bancada da Universal"
da Assembléia Legislativa. Para garantir o apoio dos seis
deputados ligados à igreja do bispo Edir Macedo,
Garotinho precisará atender às reivindicações
do grupo. E elas não são modestas. "Não
estamos atrás de emprego", avisa o porta-voz da
Universal, bispo Carlos Rodrigues, deputado federal pelo PL. "Queremos
as áreas que lidem com os carentes, com a massa. Pode ser
a Secretaria de Trabalho ou a área social. O que temos
hoje é pouco", diz Rodrigues. Ele teve uma reunião,
domingo, com Garotinho, na qual entregou uma lista com 36
reivindicações. "Conversamos para ver se o
governador terá apoio dos meus deputados ou não.
Para ser governo, queremos participar dele". O desejo dos
evangélicos da Universal ameaça irmãos de
outras igrejas, como a vice-governadora Benedita da Silva. Ela é
da mesma igreja de Garotinho, coordena a área social do
governo e, como Rodrigues, é pré-candidata a
prefeita do Rio. Também se sente atingido o secretário
estadual de Habitação, deputado federal Francisco
Silva (PPB), líder da Congregação Cristã
do Brasil. Mas o secretário confia em seu taco. "Estão
querendo me fritar, mas eu sou infritável. Tenho com o
governador a solidez de uma amizade que surgiu nos palanques,
tomando muita chuva. Ele (o bispo Rodrigues) não tem
pudor para pedir coisas", critica Francisco Silva, aliado
de primeira hora de Garotinho. Já o petista Gilberto
Palmares, secretário de Trabalho, não goza da
mesma sorte. Palmares não é de igreja alguma, mas
sua pasta foi um reduto da Universal. No governo Marcello
Alencar, o cargo foi ocupado pelo pastor Adir Cabral, ligado ao
bispo Macedo. A bancada da Universal na Assembléia
Legislativa é composta hoje pelos deputados Eraldo
Macedo, Pastor Divino (PMDB), Pastor Armando, Magaly Machado, Mário
Luiz (PFL) e Laprovita Vieira (PPB). Trata-se de votos
importantes para que o governo obtenha maioria no Legislativo.
Publicado no Jornal Folha de São
paulo
POPULISMO TEOCRÁTICO
O Rio vem se constituindo em laboratório
de fórmulas tão inéditas quanto perigosas
NELSON ROJAS DE CARVALHO
Se a criatividade representa uma das
marcas características da população do Rio
de Janeiro, é hora de separarmos o joio do trigo, de
distinguirmos as manifestações criativas
originadas nos segmentos populares das inventivas bizarras e
perigosas das nossas elites (refiro-me aqui em especial às
nossas elites políticas). Ora, no que se refere às
últimas, o Rio infelizmente vem se constituindo em
laboratório de fórmulas políticas tão
inéditas quanto perigosas, sem nenhuma referência
nos dicionários especializados, fórmulas que
demandam preocupação e atenção dos
analistas de boa-fé.
Certamente, para aqueles que olharam de
forma crítica o experimento do socialismo de tintas
morenas no início dos anos 80, a coalizão evangélica
que hoje governa o Estado traz uma fórmula de maior
gravidade: como nos Estados teocráticos, assistimos à
despolitização do espaço público;
vivemos um retrocesso em nossa experiência republicana de
separação entre o Estado e a Igreja; vemo-nos
diante de uma liderança inimputável por seus atos
administrativos, já que é porta-voz da palavra de
Deus. O socialismo moreno dos anos 80 deve, certamente, ser
localizado -sob pena de injustiça- analítica no
rol dos governos populistas de esquerda. Da sua liderança
maior, o então governador Leonel Brizola, podia-se
claramente identificar a opção preferencial pela
comunicação direta com as massas -característica
comum a todas as lideranças populistas- e o desconforto
diante de instâncias da sociedade dotadas de organização
autônoma -como aquelas agrupadas em torno da Faferj
(Federação das Associações de
Favelas do Estado do Rio) e da Famerj (Federação
das Associações do Moradores do Estado do Rio)-,
associações que não por acaso sucumbiram
durante o primeiro governo do PDT.
Vale a ressalva, no entanto, de que o
conteúdo do apelo populista de então era de
natureza política, e ademais de esquerda: acenava-se,
pelo menos no plano retórico, para a incorporação
da periferia social ao centro, por meio da educação,
do programa dos Cieps.
Se o programa social do primeiro PDT,
centrado na incorporação pela educação,
mostrou-se extremamente limitado no plano objetivo, na dimensão
discursiva esse programa ocupou lugar central e decisivo
-representou, e de alguma maneira ainda representa, a marca da
liderança de Leonel Brizola.
A coalizão evangélica hoje
no poder, agrupando segmentos do PDT e do PT, aprofundou a
dimensão populista da primeira gestão do partido
no governo do Rio: ao lado da centralização de
todas as assessorias de comunicação no gabinete do
chefe do Executivo, a comunicação direta com as
massas assumiu a forma mais moderna de "governo radiofônico".
Decreta-se, demite-se, nomeia-se, enfim, governa-se pelo rádio,
veículo hoje caro às lideranças populistas.
Perdeu, contudo, o adjetivo de esquerda: é impossível
localizar um programa de inclusão social -marca da
esquerda- que caracterize o atual governo, nem mesmo no plano
discursivo.
O populismo de esquerda transmutou-se numa
experiência absolutamente inédita em nossa história
política: aparece como um populismo teocrático.
Nova, por paradoxal que pareça, na gravidade de seu
anacronismo: numa fusão de fato entre governo e religião.
Da posse do governador, embalada por um culto evangélico,
aos seus programas de invocação religiosa no rádio,
não se pode deixar de concluir que se vive essa
modalidade bizarra de populismo no Estado do Rio. Modalidade que
despolitiza a arena pública e a representação;
que funda um espaço em que o chefe do Executivo é
inimputável por seus atos, já que porta-voz de
Deus. Aí reside a chave do paradoxo de um governo que, de
acordo com as pesquisas, ao mesmo tempo em que ostenta altos índices
de popularidade é reprovado em todas as suas políticas
setoriais: saúde, educação, segurança,
emprego.
Se a oposição
direita-esquerda hoje para muitos parece anacrônica, hoje
no Rio de Janeiro vivemos uma situação política
que fere nossa tradição republicana e nos conduz a
um passado ainda mais distante do daquela disjuntiva, passado
que parecia superado pelo processo civilizatório. No que
se refere ao governo do Estado, vivemos uma situação
em que estamos de fato não para além, mas para aquém
da esquerda e da direita. De forma totalmente inédita e
infeliz voltamos a um período anterior à Idade do
Esclarecimento, período em que a política se
confundia com a religião.
Nelson Rojas de Carvalho, 37, cientista
político, é doutorando pelo Iuperj (Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e
professor-assistente da Universidade Candido Mendes.