Publicado no Jornal O Povo em 15/07/2001
Palestinos são treinados para
atingir alvos israelenses, com promessas de estabilidade
financeira para suas famílias, veneração
como mártires e sexo ilimitado na "vida pós-morte".
Os Hotaris estão preparando uma
festa em Zarca, Jordânia, para comemorar a morte de 21
israelenses causada este mês por seu filho, um assassino
suicida. Vizinhos penduram nas árvores fotografias de
Saeed Hotari segurando sete bananas de dinamite. Em seus muros
escrevem com spray "21 e contando". E fazem arranjos
de flores na forma de um coração e uma bomba para
exibir à porta de casa. "Estou muito feliz e
orgulhoso pelo que meu filho fez e, francamente, com um pouco ciúme",
disse Hassan Hotari, 54, pai do jovem responsável pelo
ataque de 1° de junho fora de uma discoteca em Tel Aviv.
Foi o pior bombardeio suicida em Israel em aproximadamente
quatro anos. "Eu gostaria de ter feito (o atentado). Meu
filho cumpriu os desejos do Profeta (Maomé). Ele se
tornou um herói. Diga-me, o que mais um pai pode querer?"
Em mais de uma dúzia de entrevistas
com antigos e atuais militantes do grupo Hamas e com oficiais de
segurança israelenses que os perseguem, o "USA Today"
conseguiu flagrantes raros do universo fechado e aterrorizador
dos bombardeadores suicidas e da cultura que os cria.
Atraídos por promessas de
estabilidade financeira para suas famílias, veneração
como mártires e sexo ilimitado na vida futura, dúzias
de militantes palestinos como Hotari sonham explodir a si próprios,
dizem oficiais israelenses e palestinos. Seu objetivo: matar ou
ferir o maior número possível de judeus na esperança
de que Israel se retire de Gaza e da Cisjordânia. Israel
capturou o território em 1967.
Os lançamentos de bombas, que
espalharam medo e desespero entre os israelenses, provaram ser a
arma mais mortal do arsenal palestino durante a atual intifada
ou rebelião. A intifada causou mais de 600 mortes, a
maioria de palestinos, desde setembro.
"Mesmo se não alcançamos
o objetivo do fim da ocupação, estamos causando
perdas ao inimigo", diz Abdel Aziz Rantissi, porta-voz do
Hamas. O grupo assumiu a responsabilidade pela maioria dos
bombardeios suicidas. "Israelenses não terão
estabilidade e segurança até o fim da ocupação".
Desde 1993, pelo menos 190 pessoas foram
mortas e milhares feridas em 28 ataques suicidas em Israel. Três
bombardeios ocorreram desde março. Um frágil
cessar-fogo entre israelenses e palestinos foi acertado há
mais ou menos um mês, mas oficiais do Hamas alertam para
mais dois bombardeios no "futuro próximo".
"Quando ando na rua, jovens
(palestinos) e crianças me abordam e dizem "lidere
outro bombardeio para nos deixar felizes, sheik", diz o
sheik Hasan Yosef, 45, o decano dos líderes do Hamas na
Cisjordânia. "Não posso desaponta-los. Eles não
terão que esperar muito".
Treinamento desde o jardim da infância
A qualquer momento, oficiais israelenses
acreditam, o Hamas tem de cinco a 20 homens, de 18 a 23 anos, à
espera de ordem para desencadear ataques suicidas. O grupo também
anuncia ter "dezenas de milhares" de jovens prontos
para seguir seus passos. "Gostamos de criá-los",
diz Yosef. "Do jardim de infância à
universidade".
Nos jardins de infância do Hamas,
cartazes nas paredes dizem que "as crianças do
jardim de infância são os shaheeds (santos mártires)
de amanhã". Avisos nas salas de aula da Universidade
Al-Najah, na Faixa Ocidental, e na Universidade Islâmica
de Gaza dizem "Israel tem bombas nucleares, nós
temos bombas humanas".
Numa escola islâmica em Gaza,
dirigida pelo Hamas, o ar franzino e o sorriso infantil de
Ahmed, estudante palestino de 11 anos, são enganadores.
Eles mascaram uma determinação de matar a qualquer
custo. "Farei do meu corpo uma bomba que explodirá a
carne dos sionistas, os filhos de porcos e macacos", diz
Ahmed. "Cortarei seus corpos em pequenos pedaços e
os farei sentir mais dor do que jamais imaginaram".
Allahu Akbar, seus colegas de classe
gritam em resposta. "Deus é grande".
"Que as virgens lhe dêem prazer",
seu professor berra, se referindo a uma das recompensas que
esperam os mártires no paraíso. Até o
reitor sorri e acena com a cabeça aprovando.
"Você não começa
a educar um shaheed aos 22 anos", diz Roni Shaked, um
especialista em terrorismo e aposentado do serviço
secreto israelense. "Você começa no jardim de
infância para que aos 22 ele esteja ansioso por uma
oportunidade para sacrificar a vida".
Recrutas se deitam sobre túmulos
"Sei que minha vida é pobre
comparada à América e à Europa, mas tenho
alguma coisa à minha espera que faz todo o sofrimento
valer a pena", diz Bassam Khalifi, 16, jovem líder
do Hamas no campo de refugiados de Bureij, em Gaza.
"A maioria dos rapazes não
consegue parar de pensar sobre as virgens".
Mas no fim, diz Shaked, o israelense
especialista em terrorismo, muitos dos bombardeadores não
procuram o martírio por causa da promessa do sexo
ilimitado. "Eles se alistam por sua absoluta devoção
a Deus e o desejo de morrer com sangue judeu nas mãos",
diz ele.
Um futuro bombardeador é
selecionado apenas alguns dias, às vezes horas, antes da
missão, dizem oficiais israelenses. Como parte da preparação,
o recruta é levado a um cemitério, onde é
orientado a se preparar para a morte passando horas deitado
entre túmulos. Ele veste mortalha branca com capuz, usada
para cobrir corpos em enterros.
![Darwin Magazine](http://www.strbrasil.com.br/pics/darwin.gif)