Publicado no Jornal O Estado de S�o Paulo em 16 de junho de
2002
Nenhuma fonte celestial confirmou, mas quem mora na vizinhan�a
das igrejas evang�licas da cidade j� est� convencido: se � preciso
fazer cultos t�o barulhentos - com direito a amplificadores,
guitarras e muita gritaria - s� pode ser porque a sa�de de Deus
est� a perigo. Mas s�o os vizinhos que, baixinho, pedem piedade.
� que a t�tica de torcida de futebol dos pastores - quanto mais
gritar, melhor - est� produzindo uma centena de novos neur�ticos
na vizinhan�a dos templos. S�o pessoas que enlouquecem com os
hor�rios pouco ortodoxos dos cultos, a empolga��o das cerim�nias
e a flexibilidade da lei quando o assunto � barulho em igrejas.
O JT passou � frente do Programa de Sil�ncio Urbano (Psiu) e
visitou a vizinhan�a dos templos com um decibel�metro - um aparelho
que mede o "tamanho" do barulho. A medi��o pode n�o ter sido
a mais cient�fica, mas provou: est�o todos gritando - e muito
- pela aten��o divina.
Foi em um domingo � noite, h� cerca de um m�s, que a assistente
social Dora di Giorgi, de 62 anos, desceu do oitavo andar do
seu edif�cio, atravessou a Rua Jo�o Moura, onde mora, e seguiu
em passo determinado at� a igreja evang�lica Renascer em Cristo,
localizada em plena regi�o residencial de Pinheiros, zona oeste,
a poucos metros do pr�dio. N�o gritou, nem esperneou, mas tomou
uma atitude decidida: fechou as portas da igreja, que estavam
escancaradas, deu meia-volta e seguiu para casa.
"Tinha de terminar um trabalho para segunda-feira, mas com
aquele barulho n�o dava para me concentrar", diz. A pastora
que pregava para os cinco fi�is que estavam na igreja reagiu
r�pido: parou a cantoria - "en-sii-na-me/en-sii-na-me a-vi-veer"
-, deixou de lado o microfone, desligou os amplificadores do
templo e alcan�ou a assistente social no meio da rua.
"Ela me pegou pelo bra�o e quis tirar satisfa��es. Eu respondi
que, se ela n�o me soltasse, a gente iria parar na pol�cia",
conta Dora. O "barraco" s� se resolveu porque um funcion�rio
da igreja resolveu acalmar as duas e p�r panos quentes.
O inc�modo da vizinhan�a com o barulho da igreja, por�m, n�o
terminou a�.
Segundo os moradores, a igreja tem cultos noturnos di�rios,
que come�am por volta das 19h30 e n�o terminam antes das 22h.
No domingo, as cerim�nias come�am de manh�. "N�o d� para assistir
� TV, nem dormir", diz Dora.
O JT foi at� o pr�dio da assistente social e tirou a prova.
Na medi��o feita do meio da rua - regra que vale para bares
e restaurantes, mas n�o para igrejas -, o decibel�metro oscilou
entre 70 e 80 decib�is durante a cantoria. Veredicto: tem gente
rezando alto demais.
S�ndica de um pr�dio da rua, Maria Vita Carneiro n�o precisa
de despertador para acordar no domingo. Quando os fi�is come�am
cantar - "je-sus-cris-to �-sal-va-dor" -, �s 7h, j� sabe, l�
do 3.� andar do pr�dio, que n�o vai mais dormir. "Te deixam
� beira da loucura." Rea��o de louco t�m as sete adolescentes
que dividem um apartamento no pr�dio. "Quando passo na frente
da igreja, paro e ficou cantando", diz a estudante Milena Cardoso.
"Me olham com uma cara..."
Quando os cultos come�am, a casa p�ra
Faz sentido passar a noite em um hotel quando se tem uma casa
confort�vel na mesma cidade? Se a casa fica ao lado da igreja
Nova Alian�a em Cristo, a resposta � sim. Pelo menos � o que
garante a fam�lia do m�dico N�lson e da professora Joelza Rodrigues,
vizinhos do templo, que fica em uma rua residencial da Vila
Mascote, zona sul.
Quando as cerim�nias come�am, a casa p�ra. "N�o d� para ouvir
nem os nossos pensamentos", diz Joelza. Durante os seus dias
de plant�o, Nelson precisa madrugar. S� que para quem � vizinho
da igreja, dormir antes das 23h � tarefa imposs�vel. "Por isso
j� cogitamos ir para o hotel", diz a professora.
A fam�lia tentou resolver o problema na conversa, mas n�o deu
certo. "O pastor disse que n�o podia parar o culto por minha
causa. Fiquei assustada com a agressividade", diz Joelza. Um
outro vizinho at� chamou o Psiu. N�o adiantou: no dia da medi��o,
a igreja estava misteriosamente silenciosa.
Apesar de morar h� dez anos na casa - que agora fica sempre
com as portas e janelas fechadas -, o casal j� pensou em abandon�-la
. "A casa est� desvalorizada. O vizinho do outro lado da igreja
tenta vender a sua h� um ano e n�o consegue." Mariane, de 16
anos, a filha do casal, j� sabe que tem de estudar na segunda
e na ter�a-feira, porque a partir de quarta fica imposs�vel.
"Come�am os cultos e n�o d� mais para se concentrar, � assustador."
At� a reportagem se impressionou. Quando entrou na sala da
casa, �s 21h30 de uma sexta-feira, a trilha sonora era um inflamado
canto de louvor. Mas n�o deu tempo de medir o barulho: um seguran�a
da igreja viu a chegada do carro da reportagem e correu para
avisar que era hora de p�r fim ao culto. "S�o espertos", diz
Joelza.
Shhh! A festa est� atrapalhando o culto
Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo em 16 de junho de
2002-06-17
A sala ampla do apartamento da publicit�ria Tha�s Bianco, no
quarto andar de um edif�cio no Morumbi, j� estava cheia de convidados
para o anivers�rio de 13 anos das g�meas Fernanda e Beatriz,
suas filhas, quando a cantoria come�ou.
S� que a m�sica n�o vinha de dentro, mas de fora do apartamento
- mais precisamente, da igreja pentecostal Deus � Amor, instalada
em um barraco que fica a duas quadras do pr�dio, j� no in�cio
da Favela Parais�polis. Aos poucos, os convidados foram se calando.
"N�o dava para conversar."
Quando a m�sica parou e come�aram os gritos de exorcismo, ela
n�o ag�entou:
fechou as portas e janelas. Mas era janeiro e logo o calor
tomou conta da sala. Ent�o abriu a janela ("sai, Satan�s!").
Fechou outra vez. Mais calor.
Abriu de novo ("gl�ria, gl�ria, gl�ria..."). Fechou novamente
e perdeu a calma de vez. "Se tivesse uma bomba, acho que jogaria",
brinca.
Bomba ela nunca jogou, mas j� tentou se vingar. "Coloquei as
caixas de som na sacada e liguei a m�sica no �ltimo volume.
Mas acho que n�o adiantou nada."
O barulho da igreja perturba os moradores do pr�dio na Rua
Ant�nio Julio dos Santos j� h� mais de um ano. Os cultos acontecem
todos os dias, das 19h30 �s 22h, e seguem sempre o mesmo ritual.
"Cantam, gritam e batem palmas. Depois come�a o exorcismo e
ficam repetindo a mesma palavra uma centena de vezes", diz.
TV ligada, mas com o som da Igreja
O juiz Francisco Ant�nio Bianco Neto, marido de Tha�s, tentou
resolver o problema pelas vias legais: ligou para o Psiu e agendou
uma visita. Os t�cnicos foram at� l� e (surpresa!) n�o houve
culto no dia. "Acho que algu�m avisou."
Quando o JT visitou a fam�lia Bianco, por�m, os religiosos
estavam com os pulm�es em plena forma: a oscila��o do decibel�metro
ficou entre 75 e 85, com picos que chegavam a 90 decib�is.
"Sentar na sacada ou ler um livro na cama depois das 19h30
� imposs�vel", diz Tha�s. "O jeito � aumentar o volume da TV."
Bianco Neto j� decidiu apelar � Justi�a.
"J� organizamos at� um abaixo-assinado para enviar ao Minist�rio
P�blico." A mulher n�o se conforma: "N�o precisa gritar para
falar com Deus."
Opa! Marta Suplicy no coro das igrejas?
Nenhuma igreja foi multada pelo Programa de Sil�ncio Urbano
(Psiu) desde o in�cio do ano. Com os outros estabelecimentos,
por�m, n�o houve piedade: at� abril, 1.564 foram notificados,
94 multados e tr�s fechados.
N�o se trata de b�n��o - o que dificulta a fiscaliza��o s�o
as regras especiais para o barulho nas igrejas criadas por um
projeto do vereador Carlos Apolin�rio (PGT), ligado � Assembl�ia
de Deus, sancionado pela prefeita Marta Suplicy em janeiro.
"� que igreja n�o tem fins lucrativos", explica o vereador.
"S�o regras diferentes para coisas diferentes."
Regras bem diferentes, ali�s: pela lei, as multas para estabelecimentos
comerciais variam de R$ 2.874 a R$ 17.247 (de acordo com a capacidade
do lugar; a multa � mais alta para quem n�o tem licen�a de funcionamento).
J� os templos t�m 90 dias para adaptar o pr�dio depois que
o Psiu comprova o excesso de barulho - e ainda podem pedir aumento
indeterminado do prazo.
Durante o per�odo, ningu�m � multado. O valor? As multas come�am
em R$ 500 e chegam, no m�ximo, com ou sem licen�a, a R$ 8 mil.
"Come�amos a aplicar as regras depois de fevereiro. Assim,
s� agora v�o come�ar a vencer os prazos das igrejas notificadas.",
diz Sueli Dem�trio, diretora da Divis�o T�cnica de Fiscaliza��o
do Psiu. Mesmo assim, s�o apenas quatro as igrejas notificadas.
O milagre da multiplica��o das vantagens
Depois, nas infra��es seguintes, a multa para os "laicos" cresce
em um ter�o, podendo chegar a R$ 22.926. Na terceira notifica��o,
o local � fechado e tem 60 dias para que sejam feitas as adapta��es.
Para as igrejas, milagre: valem as mesmas regras da primeira
autua��o B�n��o maior � outro projeto de Apolin�rio, em tramita��o
na C�mara, que isenta os templos do pagamentos das multas aplicadas
antes das mudan�as.
Apolin�rio vem com mais uma explica��o: ele alega que a medi��o
feita da rua era irregular. "Tem que ser da casa do reclamante".
O primeiro projeto foi aprovado gra�as a uma forcinha da prefeita,
que prometeu facilitar a vota��o em troca dos votos da bancada
evang�lica na C�mara em um pacote de projetos.
At� vereadores do PT se indignaram. "A lei � inconstitucional
porque elimina o princ�pio de igualdade", diz o vereador petista
Nabil Bonduki. "Torna a fiscaliza��o in�cua".
EI! VOC�S EST�O OUVINDO A� NO FUNDO?
O som s� � alto para que as pessoas que sentam no fundo dos
templos possam ouvir. A explica��o � do pastor Rubens Mattos,
que comanda os cultos da igreja Deus � Amor de Pirituba, na
zona oeste. "Quando voc� fala para 50 pessoas, n�o precisa fazer
barulho. Mas, quando s�o 500, em um espa�o de 1000 m�, tem de
falar alto", diz o pastor, se referindo � igreja da foto acima,
pouco maior do que a garagem de uma casa - e respons�vel pelos
80 decib�is de barulho medidos pelo JT da porta da casa do vizinho.
Tamb�m � uma quest�o de estilo. "As igrejas tradicionais usam
piano. As renovadoras preferem bandas completas."
Pastor quase mata aluno por indisciplina em aula nos EUA
da Reuters, em Austin (EUA)
Publicado no Jornal Folha de S�o Paulo em 09/07/2002
A pol�cia do Texas procurava ontem um pastor batista e seu
irm�o g�meo depois que eles usaram um galho de �rvore para espancar
um garoto de 11 anos e quase mat�-lo porque ele n�o se comportou
numa aula de religi�o.
Investigadores procuravam Joshua Thompson, 23, e seu irm�o
Caleb Thompson pelo incidente de 3 de julho, que levou Louie
Guerrero � UTI por quatro dias ap�s o rompimento de veias ter
prejudicado o funcionamento de seus rins.
Os dois homens foram acusados pelo grave delito, de acordo
com um depoimento juramentado apresentado na segunda-feira (8).
Segundo depoimentos ao tribunal, Joshua Thompson teria dito
ao padrasto do garoto que os 90 minutos de espancamento serviram
para que Guerrero n�o mentisse mais.
Joshua Thompson � pastor da Igreja Batista da Capital. Caleb
Thompson ajuda nos servi�os da igreja.
A crian�a era aluna de um programa de estudos da B�blia e
estava na aula quando deixou Joshua Thompson enfurecido. O menino
foi retirado da sala de aulas e levado para a casa de Caleb,
onde foi espancado. Para que os vizinhos n�o escutassem os gritos
da crian�a, os dois homens aumentaram o volume do r�dio.
Os dois homens levaram ent�o a crian�a de volta para sua casa,
onde disseram ao padrasto que ele deveria continuar batendo
no menino por mais duas horas para que ele aprendesse a li��o.
Depois que os irm�os Thompson sa�ram, a m�e de Guerrero verificou
contus�es e cortes nas costas, cabe�a e pernas do menino.
"Eles me bateram", disse Guerrero � m�e, acrescentando que
Caleb Thompson o segurou na cama enquanto Joshua batia nele
com o galho de �rvore por uma hora e meia.
Original em: http://www.uol.com.br/folha/reuters/ult112u18372.shl
S� o pop salva
Publicado na Revista Bravo! Em junho de 2002
Programas religiosos trocam a histeria milagrosa por um credo
mais sutil e menos eficiente, que s� entrega promessas em troca
da doa��o polpuda
Por Lu�s Ant�nio Giron
O gal� da hora atende pelo codinome de Esp�rito Santo. Ele
resplende nos programas dos canais religiosos do Brasil. � a
santidade mais apropriada � cultura do espet�culo: ES pula,
dan�a e berra como um DJ ou um corista de gospel. Representa
a epifania, a apari��o sens�vel da divindade, prova da exist�ncia
de Jav� e da ressurrei��o do Ungido nos tubos de TV. Se Deus
era "dez" sete anos atr�s nas redes religiosas, agora o Esp�rito
Santo � "tudo". S� que sua carreira pode ser curta.
Os carism�ticos cat�licos e os fi�is pentecostais, confiss�es
dominantes na TV brasileira, cultuam ES at� porque ele se encontra
no �ngulo mais fraco da Trindade. O faro permite a explora��o
da ambig�idade de suas emana��es. Do lado cat�lico, padres Marcelo
e Mac�rio, da Rede Vida, devotam-se, de B�blia em punho e olhar
� Virgem, a salmodias encantat�rias. Na banda pentecostal, postam-se,
em linha, o bispo Edir Macedo e disc�pulos, da Igreja Universal
e Rede Record, e o casal S�nia e Estevam Hernandez, respectivamente
bispa e ap�stolo, propriet�rios da Igreja Renascer e da Rede
Gospel.
Os religiosos de TV invocam o Esp�rito Santo e combatem Satan�s
com a espada da convic��o. Por intercess�o de suas magias, Esp�rito
Santo acende a aura que falta a um mundo c�nico contagiado por
ondas eletromagn�ticas, reprodu��es, simulacros, clones, dengue,
hantav�rus. Ante as c�meras, os showmen sacros menos espalham
id�ias edificantes do que se ocupam em praticar exorcismos,
simular milagres e levar o espectador a um estado de transe
dionis�aco. Hierofantes cat�licos e pentecostais convertem o
fundamento crist�o em chanchada grossa.
O espet�culo da f� arrebanha telespectadores, submete fi�is
e, claro, fatura com a ingenuidade da nova massa. Diferentemente
das hordas penitentes imemoriais, adeptas da catequese, a prociss�o
p�s-cultural anseia por dan�ar e se encharcar na �gua benta
que o padre Marcelo lhes joga, aos baldes, enquanto dan�a o
Tecno do Senhor. S� o pop salva. A congrega��o quer chorar com
o funk crist�o Restitui��o, em interpreta��o da bispa, no estilo
de James Brown. Arrebatados pela rave do Cordeiro de Deus, turbas
de empres�rios arruinados acorrem � Igreja Universal a fim de
fazer um sacrif�cio de fome que vara a noite. Pastores dos embalos
de s�bado � noite da Record ensinam como evitar as noites do
sab� das "casas de macumbaria": exibem trabalhos dos terreiros
em detalhes e entrevistam pessoas afetadas por um mau-olhado
ou um trabalho de Exu. O encosto � extra�do com uma simples
visita ao templo mais pr�ximo. � vista de um d�zimo, ES deixa
qualquer um "sarado" (sem trocadilho). Ele ministra um curso
de pai-de-santo gr�tis pela TV, mesmo que ad absurdum.
A penit�ncia n�o acha hora para acabar. A bispa aben�oa cartas
e e-mails no programa De bem com a Vida. Atira-se sobre a mesa
cheia de pap�is e, acompanhada de duas carpideiras, urra por
Jesus, exortando-o a separar o joio do trigo e trazer poder,
for�a e dinheiro, al�m de "carros importados", aos Gide�es,
Josu�s e Dizimistas - membros da igreja que pagam seus carn�s
em dia. A bispa conversa com Carlos, gay arrependido que confessa
as "pervers�es" passadas, declara que Jesus o salvou e at� mesmo
o fez se casar com mulher. "Aleluia! Agora estou feliz, bispa!"
Ela escancara o sorriso: "Am�m! Voc� conseguiu se livrar desses...
desejos passados? Voc� agora leva uma vida normal!?". Sem embargo
da apar�ncia de modernidade, a Renascer enxerga um dem�nio embutido
em cada GLS.
H�, por�m, jovens que fornecem cara clubber � emissora. No
programa di�rio Escola de Profetas, o jovem pastor G�, com visual
moderno, inicia os incautos na interpreta��o literal do Apocalipse.
A jeremiada n�o p�ra. Ao longo da programa��o de maio, os fi�is
tagarelaram e defenderam seus l�deres das reportagens da revista
�poca (que denunciou um suposto desvio dos d�zimos dos membros
da igreja para o patrim�nio do casal Hernandez). "Vale a pena
abandonar pai e m�e em nome de Jesus, aleluia!", diz uma garota
muito jovem. O programa Jejum da F�, da TV Gospel, lembra a
Maratona dos Empres�rios, da Record. A diferen�a � que os degredados
filhos de Eva do primeiro canal jejuam e atiram moedas ao palco
para obter uma reviravolta s�bita na cota��o de suas almas na
Bolsa do Senhor. Os da Record cursam um MBA com li��es de neuroling��stica
e direito tribut�rio. A histeria talib� da Gospel contrasta
com o racionalismo do exorcismo light da Universal.
A atmosfera da Rede Vida prefere o arca�smo: o ritual se sobrep�e
� doutrina, numa repeti��o estupefaciente de frases feitas e
distribui��o de santinhos, imagens e rel�quias virtuais. O programa
Santo do Dia conscientiza a gente para as semelhan�as entre
santinhos e bulas de rem�dio, ensinando para que serve cada
m�rtir da Igreja Cat�lica. Um jovem efebo com fei��es de Heliog�balo
e as enormes orelhas adornadas de brincos de argola reza a Ave
Maria mil vezes para beatas autom�ticas sonolentas. Chega a
hora da b�n��o noturna; padre Marcelo repete dez mist�rios por
dez vezes, narcotizando os espectadores com ladainhas tipo "Esp�rito
Santo, aben�oe os meus antepassados. Esp�rito Santo, aben�oe
os meus antepassados". Assim at� levar o cat�lico a um torpor
de indiferen�a.
Apesar das distin��es de fundamentos te�ricos e televisivos,
uma ora��o une as igrejas: o Pai Nosso. Cada uma, por�m, reza-a
do seu jeito. Padre Marcelo: "Perdoai as nossas ofensas". "Perdoa
nossas d�vidas!", suplica a bispa. Ambos sabem que o Pai significa
a g�nese; o Filho, o amor. O Esp�rito Santo encena o teatro
do milagre. Eis o arcano com que os programas de TV professam
a nova alian�a p�s-ut�pica: a montagem do auto da f� para a
patul�ia dos desesperados e descrentes, famintos de uma s� palavra
redentora, do show pop que os tire da letargia.
Em tais espet�culos, por�m, n�o comparecem mais aqueles tetrapl�gicos
de faroeste que infestavam os programas do bispo Macedo - que,
a uma b�n��o, libertavam-se das muletas e corriam ao altar com
uma c�dula gra�da, dando gra�as ao pastor. A "teotev�" atual
tornou a cena mais sutil. Agora, o circo da crendice oferece
somente esperan�a em troca da esmola polpuda. � como encomendar
produtos num canal de compras sem que este o entregue jamais:
o carro importado, a vit�ria e a recupera��o das finan�as, casamento
ou da sa�de solicitadas. Se nada � dado em troca, muitos crentes
v�em-se tra�dos pelas promessas v�s. O resultado s� pode ser
um: a convers�o �s avessas. Ironicamente, os programas religiosos
podem estar induzindo os telespectadores ao niilismo. E enchendo
o inferno de ateus.
Falsa ju�za, j� presa, se infiltrava em igrejas
e aplicava golpes em fi�is
Publicado no Jornal O Globo em 16/07/2002
Autor: Dimmi Amora
Rosania Elygiara, de 50 anos, se apresentava como ju�za federal
corregedora. Dizia-se tamb�m evang�lica e, em v�rios templos
da cidade, dava seu testemunho de f� e oferecia ajuda jur�dica
aos fi�is. Mostrava autoridade e chegava a determinar a PMs
que o tr�nsito na rua fosse interrompido para sua sa�da. Sua
identidade verdadeira, no entanto, acabou sendo descoberta:
seu nome � Rosania Gomes Maranh�o e ela � uma estelionat�ria
j� condenada. Presa pela Pol�cia Federal (PF), j� foi reconhecida
por mais de 15 v�timas. Somados, os valores de seus golpes j�
chegam a R$ 500 mil.
O delegado Agildo Soares, da PF de Nova Igua�u, acredita que
Rosania possa ter lesado mais de cem pessoas nos �ltimos dois
anos. Para o delegado, ela � a ponta de uma quadrilha especializada
em dar golpes por toda a cidade, que inclui advogados e parentes
de Rosania, entre eles seu marido, Jos� Bonif�cio de Paula,
que est� sendo procurado. Rosania morava no pr�dio n�mero 120
da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde tamb�m teria aplicado
v�rios golpes, e tem um forte sotaque nordestino.
- Estamos no in�cio da opera��o e muita coisa ainda vai aparecer.
Vamos prender muita gente ainda - prometeu o delegado.
Empres�ria perdeu R$ 180 mil para golpista
As v�timas de Rosania tinham perfis distintos. Numa empres�ria
da cidade, que pediu para n�o ser identificada, ela conseguiu
dar um golpe de R$ 180 mil para agilizar um processo. De uma
dona-de-casa da Cidade de Deus, levou mais de R$ 21 mil a t�tulo
de consultoria jur�dica. Rosania foi presa em flagrante na semana
passada quando tentava levar R$ 16 mil de um sargento da Marinha.
- Ela � muito abusada. Na hora em que lhe dei voz de pris�o,
ela disse que era ju�za federal e n�o ia se identificar para
mim - contou o delegado Marcelo Bertolucci, tamb�m da PF de
Nova Igua�u.
Segundo a pol�cia, Rosania se infiltrou como fiel em tr�s
igrejas: a Universal do Reino de Deus da Avenida Princesa Isabel,
no Leme; a Deus � Amor da Rua Senador Pompeu, no Centro; e a
Nova Vida da Rua General Polidoro, em Botafogo. De acordo com
uma fiel da Nova Vida, por�m, o pastor proibiu Rosania de falar
nos cultos:
- Ela tentou me dar um golpe dizendo que tinha j�ias valiosas
para vender e me perguntando se eu queria compr�-las. Mas percebi
que era golpe e ela se afastou da nossa igreja h� algum tempo.
Percebi que ela n�o tinha linguajar de uma pessoa que fez direito
- disse a fiel.
Menos sorte tiveram os fi�is da Igreja Universal. Rosania
teve livre acesso � igreja e, em seus testemunhos, se identificava
como ju�za e dizia que podia prestar aux�lio aos fi�is. Era
no Leme que ela costumava determinar aos policiais da regi�o
que fechassem a Avenida Princesa Isabel para que sa�sse com
carros de luxo.
- Faziam fila para falar com ela. Eu mesma cheguei a pagar
R$ 18 mil a ela dentro da igreja. Esta mulher � a pr�pria encarna��o
do diabo - contou a empres�ria que perdeu R$ 180 mil para agilizar,
na Justi�a federal, uma causa contra uma empresa p�blica.
A dona-de-casa Maria das Dores de Oliveira conheceu Rosania
por interm�dio de um parente da falsa ju�za, em abril de 2001.
Maria precisava de aux�lio num processo de pens�o de seu pai.
Ela contou que juntou dinheiro com amigos e parentes e conseguiu
a quantia de R$ 21 mil pedida por Rosania. At� hoje, n�o tem
qualquer documento referente ao processo.
- Sou uma pessoa simples e acabei sendo enganada por esta
mulher, mesmo conhecendo parentes dela - reclamou.
Condena��es chegam a 11 anos de pris�o
De acordo com o delegado Agildo Soares, Rosania se beneficiou
da boa-f� das pessoas que acreditavam que ela poderia auxiliar
nos processos parados na Justi�a. Por isso, segundo ele, n�o
h� motivos para indiciar as v�timas por tentativa de corrup��o:
- Ela agia com outras pessoas, inclusive advogados, num grande
esquema para lesar as v�timas. N�o podemos condenar quem estava
querendo agilizar os processos.
Rosania passou mal a caminho da delegacia e est� internada,
sob cust�dia, no Hospital da Posse, em Nova Igua�u. Ela tem
36 anota��es em sua ficha criminal, sendo quatro condena��es.
Todas por estelionato que, somadas, chegam a quase 11 anos de
pris�o.