Psiu! D� pra rezar mais baixo?

Publicado no Jornal O Estado de S�o Paulo em 16 de junho de 2002

Nenhuma fonte celestial confirmou, mas quem mora na vizinhan�a das igrejas evang�licas da cidade j� est� convencido: se � preciso fazer cultos t�o barulhentos - com direito a amplificadores, guitarras e muita gritaria - s� pode ser porque a sa�de de Deus est� a perigo. Mas s�o os vizinhos que, baixinho, pedem piedade. � que a t�tica de torcida de futebol dos pastores - quanto mais gritar, melhor - est� produzindo uma centena de novos neur�ticos na vizinhan�a dos templos. S�o pessoas que enlouquecem com os hor�rios pouco ortodoxos dos cultos, a empolga��o das cerim�nias e a flexibilidade da lei quando o assunto � barulho em igrejas. O JT passou � frente do Programa de Sil�ncio Urbano (Psiu) e visitou a vizinhan�a dos templos com um decibel�metro - um aparelho que mede o "tamanho" do barulho. A medi��o pode n�o ter sido a mais cient�fica, mas provou: est�o todos gritando - e muito - pela aten��o divina.

Foi em um domingo � noite, h� cerca de um m�s, que a assistente social Dora di Giorgi, de 62 anos, desceu do oitavo andar do seu edif�cio, atravessou a Rua Jo�o Moura, onde mora, e seguiu em passo determinado at� a igreja evang�lica Renascer em Cristo, localizada em plena regi�o residencial de Pinheiros, zona oeste, a poucos metros do pr�dio. N�o gritou, nem esperneou, mas tomou uma atitude decidida: fechou as portas da igreja, que estavam escancaradas, deu meia-volta e seguiu para casa.

"Tinha de terminar um trabalho para segunda-feira, mas com aquele barulho n�o dava para me concentrar", diz. A pastora que pregava para os cinco fi�is que estavam na igreja reagiu r�pido: parou a cantoria - "en-sii-na-me/en-sii-na-me a-vi-veer" -, deixou de lado o microfone, desligou os amplificadores do templo e alcan�ou a assistente social no meio da rua.

"Ela me pegou pelo bra�o e quis tirar satisfa��es. Eu respondi que, se ela n�o me soltasse, a gente iria parar na pol�cia", conta Dora. O "barraco" s� se resolveu porque um funcion�rio da igreja resolveu acalmar as duas e p�r panos quentes.

O inc�modo da vizinhan�a com o barulho da igreja, por�m, n�o terminou a�.

Segundo os moradores, a igreja tem cultos noturnos di�rios, que come�am por volta das 19h30 e n�o terminam antes das 22h. No domingo, as cerim�nias come�am de manh�. "N�o d� para assistir � TV, nem dormir", diz Dora.

O JT foi at� o pr�dio da assistente social e tirou a prova. Na medi��o feita do meio da rua - regra que vale para bares e restaurantes, mas n�o para igrejas -, o decibel�metro oscilou entre 70 e 80 decib�is durante a cantoria. Veredicto: tem gente rezando alto demais.

S�ndica de um pr�dio da rua, Maria Vita Carneiro n�o precisa de despertador para acordar no domingo. Quando os fi�is come�am cantar - "je-sus-cris-to �-sal-va-dor" -, �s 7h, j� sabe, l� do 3.� andar do pr�dio, que n�o vai mais dormir. "Te deixam � beira da loucura." Rea��o de louco t�m as sete adolescentes que dividem um apartamento no pr�dio. "Quando passo na frente da igreja, paro e ficou cantando", diz a estudante Milena Cardoso. "Me olham com uma cara..."

Quando os cultos come�am, a casa p�ra

Faz sentido passar a noite em um hotel quando se tem uma casa confort�vel na mesma cidade? Se a casa fica ao lado da igreja Nova Alian�a em Cristo, a resposta � sim. Pelo menos � o que garante a fam�lia do m�dico N�lson e da professora Joelza Rodrigues, vizinhos do templo, que fica em uma rua residencial da Vila Mascote, zona sul.

Quando as cerim�nias come�am, a casa p�ra. "N�o d� para ouvir nem os nossos pensamentos", diz Joelza. Durante os seus dias de plant�o, Nelson precisa madrugar. S� que para quem � vizinho da igreja, dormir antes das 23h � tarefa imposs�vel. "Por isso j� cogitamos ir para o hotel", diz a professora.

A fam�lia tentou resolver o problema na conversa, mas n�o deu certo. "O pastor disse que n�o podia parar o culto por minha causa. Fiquei assustada com a agressividade", diz Joelza. Um outro vizinho at� chamou o Psiu. N�o adiantou: no dia da medi��o, a igreja estava misteriosamente silenciosa.

Apesar de morar h� dez anos na casa - que agora fica sempre com as portas e janelas fechadas -, o casal j� pensou em abandon�-la . "A casa est� desvalorizada. O vizinho do outro lado da igreja tenta vender a sua h� um ano e n�o consegue." Mariane, de 16 anos, a filha do casal, j� sabe que tem de estudar na segunda e na ter�a-feira, porque a partir de quarta fica imposs�vel. "Come�am os cultos e n�o d� mais para se concentrar, � assustador."

At� a reportagem se impressionou. Quando entrou na sala da casa, �s 21h30 de uma sexta-feira, a trilha sonora era um inflamado canto de louvor. Mas n�o deu tempo de medir o barulho: um seguran�a da igreja viu a chegada do carro da reportagem e correu para avisar que era hora de p�r fim ao culto. "S�o espertos", diz Joelza.

Shhh! A festa est� atrapalhando o culto

Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo em 16 de junho de 2002-06-17

A sala ampla do apartamento da publicit�ria Tha�s Bianco, no quarto andar de um edif�cio no Morumbi, j� estava cheia de convidados para o anivers�rio de 13 anos das g�meas Fernanda e Beatriz, suas filhas, quando a cantoria come�ou.

S� que a m�sica n�o vinha de dentro, mas de fora do apartamento - mais precisamente, da igreja pentecostal Deus � Amor, instalada em um barraco que fica a duas quadras do pr�dio, j� no in�cio da Favela Parais�polis. Aos poucos, os convidados foram se calando. "N�o dava para conversar."

Quando a m�sica parou e come�aram os gritos de exorcismo, ela n�o ag�entou:

fechou as portas e janelas. Mas era janeiro e logo o calor tomou conta da sala. Ent�o abriu a janela ("sai, Satan�s!"). Fechou outra vez. Mais calor.

Abriu de novo ("gl�ria, gl�ria, gl�ria..."). Fechou novamente e perdeu a calma de vez. "Se tivesse uma bomba, acho que jogaria", brinca.

Bomba ela nunca jogou, mas j� tentou se vingar. "Coloquei as caixas de som na sacada e liguei a m�sica no �ltimo volume. Mas acho que n�o adiantou nada."

O barulho da igreja perturba os moradores do pr�dio na Rua Ant�nio Julio dos Santos j� h� mais de um ano. Os cultos acontecem todos os dias, das 19h30 �s 22h, e seguem sempre o mesmo ritual. "Cantam, gritam e batem palmas. Depois come�a o exorcismo e ficam repetindo a mesma palavra uma centena de vezes", diz.

TV ligada, mas com o som da Igreja

O juiz Francisco Ant�nio Bianco Neto, marido de Tha�s, tentou resolver o problema pelas vias legais: ligou para o Psiu e agendou uma visita. Os t�cnicos foram at� l� e (surpresa!) n�o houve culto no dia. "Acho que algu�m avisou."

Quando o JT visitou a fam�lia Bianco, por�m, os religiosos estavam com os pulm�es em plena forma: a oscila��o do decibel�metro ficou entre 75 e 85, com picos que chegavam a 90 decib�is.

"Sentar na sacada ou ler um livro na cama depois das 19h30 � imposs�vel", diz Tha�s. "O jeito � aumentar o volume da TV." Bianco Neto j� decidiu apelar � Justi�a.

"J� organizamos at� um abaixo-assinado para enviar ao Minist�rio P�blico." A mulher n�o se conforma: "N�o precisa gritar para falar com Deus."

Opa! Marta Suplicy no coro das igrejas?

Nenhuma igreja foi multada pelo Programa de Sil�ncio Urbano (Psiu) desde o in�cio do ano. Com os outros estabelecimentos, por�m, n�o houve piedade: at� abril, 1.564 foram notificados, 94 multados e tr�s fechados.

N�o se trata de b�n��o - o que dificulta a fiscaliza��o s�o as regras especiais para o barulho nas igrejas criadas por um projeto do vereador Carlos Apolin�rio (PGT), ligado � Assembl�ia de Deus, sancionado pela prefeita Marta Suplicy em janeiro. "� que igreja n�o tem fins lucrativos", explica o vereador. "S�o regras diferentes para coisas diferentes."

Regras bem diferentes, ali�s: pela lei, as multas para estabelecimentos comerciais variam de R$ 2.874 a R$ 17.247 (de acordo com a capacidade do lugar; a multa � mais alta para quem n�o tem licen�a de funcionamento).

J� os templos t�m 90 dias para adaptar o pr�dio depois que o Psiu comprova o excesso de barulho - e ainda podem pedir aumento indeterminado do prazo.

Durante o per�odo, ningu�m � multado. O valor? As multas come�am em R$ 500 e chegam, no m�ximo, com ou sem licen�a, a R$ 8 mil.

"Come�amos a aplicar as regras depois de fevereiro. Assim, s� agora v�o come�ar a vencer os prazos das igrejas notificadas.", diz Sueli Dem�trio, diretora da Divis�o T�cnica de Fiscaliza��o do Psiu. Mesmo assim, s�o apenas quatro as igrejas notificadas.

O milagre da multiplica��o das vantagens

Depois, nas infra��es seguintes, a multa para os "laicos" cresce em um ter�o, podendo chegar a R$ 22.926. Na terceira notifica��o, o local � fechado e tem 60 dias para que sejam feitas as adapta��es.

Para as igrejas, milagre: valem as mesmas regras da primeira autua��o B�n��o maior � outro projeto de Apolin�rio, em tramita��o na C�mara, que isenta os templos do pagamentos das multas aplicadas antes das mudan�as.

Apolin�rio vem com mais uma explica��o: ele alega que a medi��o feita da rua era irregular. "Tem que ser da casa do reclamante".

O primeiro projeto foi aprovado gra�as a uma forcinha da prefeita, que prometeu facilitar a vota��o em troca dos votos da bancada evang�lica na C�mara em um pacote de projetos.

At� vereadores do PT se indignaram. "A lei � inconstitucional porque elimina o princ�pio de igualdade", diz o vereador petista Nabil Bonduki. "Torna a fiscaliza��o in�cua".

EI! VOC�S EST�O OUVINDO A� NO FUNDO?

O som s� � alto para que as pessoas que sentam no fundo dos templos possam ouvir. A explica��o � do pastor Rubens Mattos, que comanda os cultos da igreja Deus � Amor de Pirituba, na zona oeste. "Quando voc� fala para 50 pessoas, n�o precisa fazer barulho. Mas, quando s�o 500, em um espa�o de 1000 m�, tem de falar alto", diz o pastor, se referindo � igreja da foto acima, pouco maior do que a garagem de uma casa - e respons�vel pelos 80 decib�is de barulho medidos pelo JT da porta da casa do vizinho. Tamb�m � uma quest�o de estilo. "As igrejas tradicionais usam piano. As renovadoras preferem bandas completas."

Pastor quase mata aluno por indisciplina em aula nos EUA da Reuters, em Austin (EUA)

Publicado no Jornal Folha de S�o Paulo em 09/07/2002

A pol�cia do Texas procurava ontem um pastor batista e seu irm�o g�meo depois que eles usaram um galho de �rvore para espancar um garoto de 11 anos e quase mat�-lo porque ele n�o se comportou numa aula de religi�o.

Investigadores procuravam Joshua Thompson, 23, e seu irm�o Caleb Thompson pelo incidente de 3 de julho, que levou Louie Guerrero � UTI por quatro dias ap�s o rompimento de veias ter prejudicado o funcionamento de seus rins.

Os dois homens foram acusados pelo grave delito, de acordo com um depoimento juramentado apresentado na segunda-feira (8).

Segundo depoimentos ao tribunal, Joshua Thompson teria dito ao padrasto do garoto que os 90 minutos de espancamento serviram para que Guerrero n�o mentisse mais.

Joshua Thompson � pastor da Igreja Batista da Capital. Caleb Thompson ajuda nos servi�os da igreja.

A crian�a era aluna de um programa de estudos da B�blia e estava na aula quando deixou Joshua Thompson enfurecido. O menino foi retirado da sala de aulas e levado para a casa de Caleb, onde foi espancado. Para que os vizinhos n�o escutassem os gritos da crian�a, os dois homens aumentaram o volume do r�dio.

Os dois homens levaram ent�o a crian�a de volta para sua casa, onde disseram ao padrasto que ele deveria continuar batendo no menino por mais duas horas para que ele aprendesse a li��o.

Depois que os irm�os Thompson sa�ram, a m�e de Guerrero verificou contus�es e cortes nas costas, cabe�a e pernas do menino.

"Eles me bateram", disse Guerrero � m�e, acrescentando que Caleb Thompson o segurou na cama enquanto Joshua batia nele com o galho de �rvore por uma hora e meia.

Original em: http://www.uol.com.br/folha/reuters/ult112u18372.shl

  S� o pop salva

Publicado na Revista Bravo! Em junho de 2002

Programas religiosos trocam a histeria milagrosa por um credo mais sutil e menos eficiente, que s� entrega promessas em troca da doa��o polpuda

Por Lu�s Ant�nio Giron

O gal� da hora atende pelo codinome de Esp�rito Santo. Ele resplende nos programas dos canais religiosos do Brasil. � a santidade mais apropriada � cultura do espet�culo: ES pula, dan�a e berra como um DJ ou um corista de gospel. Representa a epifania, a apari��o sens�vel da divindade, prova da exist�ncia de Jav� e da ressurrei��o do Ungido nos tubos de TV. Se Deus era "dez" sete anos atr�s nas redes religiosas, agora o Esp�rito Santo � "tudo". S� que sua carreira pode ser curta.

Os carism�ticos cat�licos e os fi�is pentecostais, confiss�es dominantes na TV brasileira, cultuam ES at� porque ele se encontra no �ngulo mais fraco da Trindade. O faro permite a explora��o da ambig�idade de suas emana��es. Do lado cat�lico, padres Marcelo e Mac�rio, da Rede Vida, devotam-se, de B�blia em punho e olhar � Virgem, a salmodias encantat�rias. Na banda pentecostal, postam-se, em linha, o bispo Edir Macedo e disc�pulos, da Igreja Universal e Rede Record, e o casal S�nia e Estevam Hernandez, respectivamente bispa e ap�stolo, propriet�rios da Igreja Renascer e da Rede Gospel.

Os religiosos de TV invocam o Esp�rito Santo e combatem Satan�s com a espada da convic��o. Por intercess�o de suas magias, Esp�rito Santo acende a aura que falta a um mundo c�nico contagiado por ondas eletromagn�ticas, reprodu��es, simulacros, clones, dengue, hantav�rus. Ante as c�meras, os showmen sacros menos espalham id�ias edificantes do que se ocupam em praticar exorcismos, simular milagres e levar o espectador a um estado de transe dionis�aco. Hierofantes cat�licos e pentecostais convertem o fundamento crist�o em chanchada grossa.

O espet�culo da f� arrebanha telespectadores, submete fi�is e, claro, fatura com a ingenuidade da nova massa. Diferentemente das hordas penitentes imemoriais, adeptas da catequese, a prociss�o p�s-cultural anseia por dan�ar e se encharcar na �gua benta que o padre Marcelo lhes joga, aos baldes, enquanto dan�a o Tecno do Senhor. S� o pop salva. A congrega��o quer chorar com o funk crist�o Restitui��o, em interpreta��o da bispa, no estilo de James Brown. Arrebatados pela rave do Cordeiro de Deus, turbas de empres�rios arruinados acorrem � Igreja Universal a fim de fazer um sacrif�cio de fome que vara a noite. Pastores dos embalos de s�bado � noite da Record ensinam como evitar as noites do sab� das "casas de macumbaria": exibem trabalhos dos terreiros em detalhes e entrevistam pessoas afetadas por um mau-olhado ou um trabalho de Exu. O encosto � extra�do com uma simples visita ao templo mais pr�ximo. � vista de um d�zimo, ES deixa qualquer um "sarado" (sem trocadilho). Ele ministra um curso de pai-de-santo gr�tis pela TV, mesmo que ad absurdum.

A penit�ncia n�o acha hora para acabar. A bispa aben�oa cartas e e-mails no programa De bem com a Vida. Atira-se sobre a mesa cheia de pap�is e, acompanhada de duas carpideiras, urra por Jesus, exortando-o a separar o joio do trigo e trazer poder, for�a e dinheiro, al�m de "carros importados", aos Gide�es, Josu�s e Dizimistas - membros da igreja que pagam seus carn�s em dia. A bispa conversa com Carlos, gay arrependido que confessa as "pervers�es" passadas, declara que Jesus o salvou e at� mesmo o fez se casar com mulher. "Aleluia! Agora estou feliz, bispa!" Ela escancara o sorriso: "Am�m! Voc� conseguiu se livrar desses... desejos passados? Voc� agora leva uma vida normal!?". Sem embargo da apar�ncia de modernidade, a Renascer enxerga um dem�nio embutido em cada GLS.

H�, por�m, jovens que fornecem cara clubber � emissora. No programa di�rio Escola de Profetas, o jovem pastor G�, com visual moderno, inicia os incautos na interpreta��o literal do Apocalipse. A jeremiada n�o p�ra. Ao longo da programa��o de maio, os fi�is tagarelaram e defenderam seus l�deres das reportagens da revista �poca (que denunciou um suposto desvio dos d�zimos dos membros da igreja para o patrim�nio do casal Hernandez). "Vale a pena abandonar pai e m�e em nome de Jesus, aleluia!", diz uma garota muito jovem. O programa Jejum da F�, da TV Gospel, lembra a Maratona dos Empres�rios, da Record. A diferen�a � que os degredados filhos de Eva do primeiro canal jejuam e atiram moedas ao palco para obter uma reviravolta s�bita na cota��o de suas almas na Bolsa do Senhor. Os da Record cursam um MBA com li��es de neuroling��stica e direito tribut�rio. A histeria talib� da Gospel contrasta com o racionalismo do exorcismo light da Universal.

A atmosfera da Rede Vida prefere o arca�smo: o ritual se sobrep�e � doutrina, numa repeti��o estupefaciente de frases feitas e distribui��o de santinhos, imagens e rel�quias virtuais. O programa Santo do Dia conscientiza a gente para as semelhan�as entre santinhos e bulas de rem�dio, ensinando para que serve cada m�rtir da Igreja Cat�lica. Um jovem efebo com fei��es de Heliog�balo e as enormes orelhas adornadas de brincos de argola reza a Ave Maria mil vezes para beatas autom�ticas sonolentas. Chega a hora da b�n��o noturna; padre Marcelo repete dez mist�rios por dez vezes, narcotizando os espectadores com ladainhas tipo "Esp�rito Santo, aben�oe os meus antepassados. Esp�rito Santo, aben�oe os meus antepassados". Assim at� levar o cat�lico a um torpor de indiferen�a.

Apesar das distin��es de fundamentos te�ricos e televisivos, uma ora��o une as igrejas: o Pai Nosso. Cada uma, por�m, reza-a do seu jeito. Padre Marcelo: "Perdoai as nossas ofensas". "Perdoa nossas d�vidas!", suplica a bispa. Ambos sabem que o Pai significa a g�nese; o Filho, o amor. O Esp�rito Santo encena o teatro do milagre. Eis o arcano com que os programas de TV professam a nova alian�a p�s-ut�pica: a montagem do auto da f� para a patul�ia dos desesperados e descrentes, famintos de uma s� palavra redentora, do show pop que os tire da letargia.

Em tais espet�culos, por�m, n�o comparecem mais aqueles tetrapl�gicos de faroeste que infestavam os programas do bispo Macedo - que, a uma b�n��o, libertavam-se das muletas e corriam ao altar com uma c�dula gra�da, dando gra�as ao pastor. A "teotev�" atual tornou a cena mais sutil. Agora, o circo da crendice oferece somente esperan�a em troca da esmola polpuda. � como encomendar produtos num canal de compras sem que este o entregue jamais: o carro importado, a vit�ria e a recupera��o das finan�as, casamento ou da sa�de solicitadas. Se nada � dado em troca, muitos crentes v�em-se tra�dos pelas promessas v�s. O resultado s� pode ser um: a convers�o �s avessas. Ironicamente, os programas religiosos podem estar induzindo os telespectadores ao niilismo. E enchendo o inferno de ateus.

Falsa ju�za, j� presa, se infiltrava em igrejas e aplicava golpes em fi�is

Publicado no Jornal O Globo em 16/07/2002

Autor: Dimmi Amora

Rosania Elygiara, de 50 anos, se apresentava como ju�za federal corregedora. Dizia-se tamb�m evang�lica e, em v�rios templos da cidade, dava seu testemunho de f� e oferecia ajuda jur�dica aos fi�is. Mostrava autoridade e chegava a determinar a PMs que o tr�nsito na rua fosse interrompido para sua sa�da. Sua identidade verdadeira, no entanto, acabou sendo descoberta: seu nome � Rosania Gomes Maranh�o e ela � uma estelionat�ria j� condenada. Presa pela Pol�cia Federal (PF), j� foi reconhecida por mais de 15 v�timas. Somados, os valores de seus golpes j� chegam a R$ 500 mil.

O delegado Agildo Soares, da PF de Nova Igua�u, acredita que Rosania possa ter lesado mais de cem pessoas nos �ltimos dois anos. Para o delegado, ela � a ponta de uma quadrilha especializada em dar golpes por toda a cidade, que inclui advogados e parentes de Rosania, entre eles seu marido, Jos� Bonif�cio de Paula, que est� sendo procurado. Rosania morava no pr�dio n�mero 120 da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde tamb�m teria aplicado v�rios golpes, e tem um forte sotaque nordestino.

- Estamos no in�cio da opera��o e muita coisa ainda vai aparecer. Vamos prender muita gente ainda - prometeu o delegado.

Empres�ria perdeu R$ 180 mil para golpista

As v�timas de Rosania tinham perfis distintos. Numa empres�ria da cidade, que pediu para n�o ser identificada, ela conseguiu dar um golpe de R$ 180 mil para agilizar um processo. De uma dona-de-casa da Cidade de Deus, levou mais de R$ 21 mil a t�tulo de consultoria jur�dica. Rosania foi presa em flagrante na semana passada quando tentava levar R$ 16 mil de um sargento da Marinha.

- Ela � muito abusada. Na hora em que lhe dei voz de pris�o, ela disse que era ju�za federal e n�o ia se identificar para mim - contou o delegado Marcelo Bertolucci, tamb�m da PF de Nova Igua�u.

Segundo a pol�cia, Rosania se infiltrou como fiel em tr�s igrejas: a Universal do Reino de Deus da Avenida Princesa Isabel, no Leme; a Deus � Amor da Rua Senador Pompeu, no Centro; e a Nova Vida da Rua General Polidoro, em Botafogo. De acordo com uma fiel da Nova Vida, por�m, o pastor proibiu Rosania de falar nos cultos:

- Ela tentou me dar um golpe dizendo que tinha j�ias valiosas para vender e me perguntando se eu queria compr�-las. Mas percebi que era golpe e ela se afastou da nossa igreja h� algum tempo. Percebi que ela n�o tinha linguajar de uma pessoa que fez direito - disse a fiel.

Menos sorte tiveram os fi�is da Igreja Universal. Rosania teve livre acesso � igreja e, em seus testemunhos, se identificava como ju�za e dizia que podia prestar aux�lio aos fi�is. Era no Leme que ela costumava determinar aos policiais da regi�o que fechassem a Avenida Princesa Isabel para que sa�sse com carros de luxo.

- Faziam fila para falar com ela. Eu mesma cheguei a pagar R$ 18 mil a ela dentro da igreja. Esta mulher � a pr�pria encarna��o do diabo - contou a empres�ria que perdeu R$ 180 mil para agilizar, na Justi�a federal, uma causa contra uma empresa p�blica.

A dona-de-casa Maria das Dores de Oliveira conheceu Rosania por interm�dio de um parente da falsa ju�za, em abril de 2001. Maria precisava de aux�lio num processo de pens�o de seu pai. Ela contou que juntou dinheiro com amigos e parentes e conseguiu a quantia de R$ 21 mil pedida por Rosania. At� hoje, n�o tem qualquer documento referente ao processo.

- Sou uma pessoa simples e acabei sendo enganada por esta mulher, mesmo conhecendo parentes dela - reclamou.

Condena��es chegam a 11 anos de pris�o

De acordo com o delegado Agildo Soares, Rosania se beneficiou da boa-f� das pessoas que acreditavam que ela poderia auxiliar nos processos parados na Justi�a. Por isso, segundo ele, n�o h� motivos para indiciar as v�timas por tentativa de corrup��o:

- Ela agia com outras pessoas, inclusive advogados, num grande esquema para lesar as v�timas. N�o podemos condenar quem estava querendo agilizar os processos.

Rosania passou mal a caminho da delegacia e est� internada, sob cust�dia, no Hospital da Posse, em Nova Igua�u. Ela tem 36 anota��es em sua ficha criminal, sendo quatro condena��es. Todas por estelionato que, somadas, chegam a quase 11 anos de pris�o.

Voltar
Hosted by www.Geocities.ws

1