Publicado no Jornal O Povo em 24/09/2000
Padre, pastor e psiquiatra não
podem ser psicanalistas no sentido de acumular as duas funções
enquanto terapeuta. Podemos e devemos ter conhecimento dessa ciência,
até mesmo lecionar psicanálise, mas jamais
credenciar alguém, dando-lhe o direito de exercer tal
atividade na qualidade de terapeuta. Aqui não defendo
dogmas e sim uma questão de paradigmas que aliás,
diferenciam nossas profissões.
Nesta semana, um aluno queria saber a
minha opinião sobre a Sociedade Psicanalítica
Ortodoxa do Brasil. Disse-lhe que desconhecia essa nova seita.
Indignado com a minha ignorância, ele fez um breve discrição:
é um movimento conduzido por pastores batistas e
presbiterianos que já formou 1.400 psicanalistas. Um dos
caciques da tribo diferencia uma neurose de uma possessão,
evocando o nome de Jesus. Como a conversa estava mais para
fofoca do que cientificidade, encerrei o assunto com a
afirmativa de que deveria ser coisa do Satanás.
Chegando em casa, com a cabeça mais
fria, passei a refletir sobre o assunto. A psicanálise e
a religião podem ser percebidas antropologicamente como
produtos culturais. A psicanálise começou no mundo
germânico e logo, como fogo de pólvora, espalhou-se
pelo ocidente quase todo. Agora, 100 anos depois, encontra mais
credibilidade no mundo latino e inúmeras escolas ou
associações foram criadas. Na França, J.
Lacan criou duas, o que foi um golpe mortal para a primeira
escola fundada por Freud, cuja sigla é IPA. Os
psicanalistas franceses romperam com o centralismo austríaco,
como os anglicanos em relação à Roma.
Os evangélicos, sob a influência
norte-americana, começaram o seu trabalho de formiguinha,
no Brasil, atuando nas comunidades mais carentes e às
vezes mal assistidas pelo catolicismo. Como símbolo de
modéstia e se opondo à força hegemônica
dos católicos, colocavam no lado de fora das igrejas
cruzes deitadas para um lado e de tamanho modesto. Com o tempo,
capital acumulado e inúmeras escolas, hospitais,
universidades por eles criados, a cruz, símbolo fálico,
psicanaliticamente falando, cresceu, e apontada a sua potência
para cima, onde a religião afirma Jesus se encontrar,
sentado à direita do Deus pai.
A crise social vem se aprofundado cada vez
mais no nosso País e as religiões do aqui e agora
proliferam, tornando-se uma potência inquestionável.
Os neopentencostais invadiram a praia, estão com a bola
toda, entraram nos setores mais importantes da sociedade, política
e meios de comunicação, por exemplo, e o capeta
funciona como o mascote número um. Portanto, fico a
imaginar como deve ser uma neurose transferencial entre um
pastor dessa ala e a sua ``irmã em Cristo''. Pois, um dos
princípios básicos da psicanálise, é
essa neurose que se estabelece no início do tratamento,
caracterizada por uma ``fragilidade'' do paciente e uma dependência
exagerada em relação ao terapeuta . Este ultimo
tem que ter uma boa formação técnica e ética,
caso contrário o capeta vai rolar no divã.
Cleto Brasileiro Pontes é
psiquiatra e professor da Universidade Federal do Ceará
(UFC)
Pensamento:
"O fim da religiosidade não significa acabarmos com
todo o Mal, mas uma coisa é certa: COM religião é
impossível melhora!!!" Marcelo DC.
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