JORNAL O
D I A
Domingo,
23 de julho de 2000.
Pastor vira guia de compras
Todos os dias úteis, às
7h30, os funcionários da empresa de cosméticos Ignis
se reúnem antes de começar o expediente para orar.
Os diretores da empresa foram convertidos ao evangelho há
dois anos e, desde então, o ritual se tornou obrigatório
na fábrica, em Nova Iguaçu. Foi criada uma linha de óleos
e xampus para atender o novo público, os evangélicos,
que foi batizada de Aroma Gospel.
Como
na Avon, um exército de evangélicos-representantes,
espalhado por todo o país, oferece o produto que, com 700
mil frascos vendidos por mês, representa 20% do
faturamento da companhia. A fórmula do sucesso, segundo o
coordenador geral da Ignis, Luiz Guimarães, é o
trabalho de base com os pastores. O povo evangélico
segue a tendência das lideranças, assegura
Guimarães.
É
com essa mesma estratégia de marketing que trabalha a agência
de viagens Atlântica Turismo, de um batista. Os pacotes
mais vendidos são para Israel - 60% para evangélicos.
Todo nosso material de divulgação é
feito com o nome do pastor da igreja, para que se consiga mais
viajantes, conta Alesandro Freire, gerente comercial da
Atlântica. Ele não tem dúvidas de que o
mercado é bom. A cada dia uma igreja nova é
criada. Mas os evangélicos são exigentes. Por
isso, é preciso oferecer um bom serviço.
O
DIA _ Segunda, 24 de julho de 2000.
A FÉ QUE MOVE MILHÕES
PARTE II
Evangélicos
F.C.
Os convertidos ao Evangelho são
uma potência esportiva no Brasil. Chamados de atletas de
Cristo, eles atuam em várias áreas, entre elas o
futebol. Por causa dos bons salários, um jogador acaba
sendo um bom negócio para as igrejas
Marcos
Almeida e Rachel Vita
Faltam poucos minutos para acabar o jogo
da final da Copa do Brasil. O atacante Geovani, do Cruzeiro, se
prepara para bater uma falta próxima à área
do São Paulo. Müller (pregando na foto), que havia
acabado de entrar no time, cochicha no ouvido do companheiro e
pede para bater forte. Geovani faz um gesto que cala o Mineirão:
se ajoelha no campo e reza. Como no milagre de Moisés,
que abriu as águas no Mar Vermelho, o chute do atacante
fura a barreira e a bola passa por debaixo das pernas do adversário
Carlos Miguel. O gol de Geovani decidiu o jogo: o 2x1 fez do
Cruzeiro o campeão do torneio.
Antes
do jogo, pedi a Deus para ser abençoado e que me desse um
sinal. Recebi uma carta de um cozinheiro, logo depois. Dizia que
eu nunca iria esquecer esse jogo. Na hora da falta, achei que
era o momento e pedi que Deus desse a direção à
bola, lembra o atacante. Revelação do
Cruzeiro aos 20 anos, Geovani é um dos 10 mil atletas de
Cristo do Brasil, o país com maior número de
jogadores cristãos. Ele integra um time de irmãos
no Cruzeiro: são seis no total.
O
grupo inclui até um pastor: Müller abriu há
dois meses uma igreja em BH, no bairro Dona Clara, onde nasceu
sua mulher, Jussara, ex-chacrete que já posou nua duas
vezes. Antes de ser atleta de Cristo, Müller não era
santo. Deixou de freqüentar concentrações,
recebeu punições e quase foi expulso do Cruzeiro.
Com Jussara, viveu uma relação conturbada. Mas
agora acredita que Jesus mudou sua vida.
Müller
se transforma como pastor em sua igreja
A
Igreja Pentecostal Vida Com Deus tem capacidade para 1,2 mil
pessoas e segue doutrina rigorosa. Müller defende a saia até
o tornozelo e cabelos compridos regras que não são
seguidas por sua mulher. O problema é dela com
Deus. Não existe Evangelho com jeitinho brasileiro,
lembra.
Müller
se transforma quando sobe ao púlpito. O homem calmo dá
lugar a um pastor que grita e gesticula. Na hora das ofertas,
ele fala da importância do dízimo. Quando
contribuímos, fechamos as portas para o inferno,
justifica o pastor, com terno sob medida. Nos corredores, os
obreiros passam a sacolinha.
No
time do Cruzeiro, Marcos Paulo, Wendel, Cristian e Cléber
também são evangélicos.
O
DIA - Terça, 25 de julho de 2000.
A FÉ QUE MOVE MILHÕES-PARTE
III
República
dos evangélicos
Até 2002, lideranças das
igrejas querem ter um um irmão na cadeira de presidente da
República e apontam o nome de Garotinho.Domínio do
Congresso não pára de crescer
A Igreja Evangélica aprendeu o
milagre da multiplicação do poder. Com 45 deputados
federais, três senadores, um governador de estado e milhares
de deputados estaduais e vereadores espalhados pelo Brasil, os
crentes querem o o Palácio do Planalto. Pretendem, já
na eleição de 2002, colocar o governador Anthony
Garotinho em Brasília.
Ao
contrário do que anunciou, Garotinho não sepultou
seu projeto presidencial. Cumpre agenda de candidato nacional:
este ano já pregou em 40 cultos e reuniões de
empresários crentes por todo o país. A dedicação
rende frutos: líderes evangélicos asseguram que
Garotinho terá 90% dos votos dos irmãos.
Garotinho
tem 27 milhões de cabos eleitorais sem gastar um centavo,
garante o deputado federal Magno Malta (PTB-ES), presidente da
CPI do Narcotráfico.
Em
1986, apenas a Igreja Assembléia de Deus tinha um punhado
de representantes no Congresso Nacional, eleitos para combater
um factóide de que o Catolicismo seria religião
oficial do país. Para o bispo Carlos Rodrigues, deputado
federal e principal articulador político da Igreja
Universal do Reino de Deus em Brasília, faltam alguns
caminhos. Ainda não temos ministro nem
vice-presidente evangélicos, diz.
Bancada
mostra força contra o governo federal
Hoje,
os protestantes são a quarta maior bancada, capaz de
emperrar negociações do governo federal na Câmara.
Quando o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei
sobre os crimes contra o meio ambiente. Ameaçados pela
lei, que previa duras penas para as igrejas barulhentas, os
evangélicos se uniram para votar contra os projetos do
governo. Saíram vencedores e ainda fizeram o ateu FHC
dizer aleluia.
Deus
não precisa da política. A igreja, sim, para que
seja respeitada. Os políticos sempre foram às
igrejas pedir votos. Mas na hora que a gente ia bater na porta,
não podia entrar, constata o pastor Everaldo Dias
Pereira, subsecretário do Gabinete Civil de Garotinho.
Quarta,
26 de julho de 2000.
A FÉ QUE MOVE MILHÕES
Conversão
nos presídios
Nos presídios, os evangélicos
orgulham-se de ter retirado do inferno bandidos
perigosos como José Carlos Gregório, o Gordo. Um dos
líderes do crime organizado no Rio, Gordo participou da
audaciosa fuga do bandido José Carlos do Reis Encina, o
Escadinha. Bandidos convertidos a fé evangélica não
são exceção, e na contabilidade dos evangélicos
eles são regra(na foto a conversão de um preso, no
ritual da Igreja Universal, celebrado na 35º DP, em Camopo
Grande).
Pela
opinião pública, o ator Guilherme de Pádua,
que matou a atriz Daniela Perez, está condenado a ser
eternamente um criminoso. Para os evangélicos, no
entanto, ele recebeu o perdão divino ao ser converter.
A
antropóloga Regina Novaes constatou, em pesquisa, que os
protestantes atraem jovens das favelas como meio de fuga do
recrutamento dos traficantes. Para a pesquisadora do Instituto
de Estudos da Religião (Iser), a fé evangélica
é tão forte que não pode mais ser
desconsiderada em assuntos ligados ao combate à
criminalidade e à segurança pública.
Terça,
25 de julho de 2000.
A FÉ QUE MOVE MILHÕES
Cheque-cidadão
não sai da memória
O pastor Everaldo Dias, presidente do
comitê Evangélico que apóia Benedita e
sub-secretário do Gabinete Civil do governo do estado, é
mais lembrado pelas denúncias envolvendo o programa de
Cheque-cidadão que estavasob sua responsabilidade e paga R$
100 reais para 30 mil famílias carentes. São
investidos R$ 30 milhões no programa.
Foram
mais de 100 denúncias, desde o privilégio dado aos
evangélicos até a filiação obrigatória
no PT para recebê-los.Nossa atuação é
a mais exemplar possível, diz o pastor.
Finalmente
o governo reconhece que as instituições religiosas
fazem as maiores ações sociais. São elas
que estão mais próximo das comunidades carentes.
O pastor rebate a crítica de que há privilégios:
Está provado que 70% dos esolhidos não são
evangélicos. Algumas igrejas não filiaram neum um
evangélico entre os escolhidos.
Terça,
25 de julho de 2000.
A FÉ QUE MOVE MILHÕES
Preferência
por rádio e TV
Uma vez no Congresso Nacional, os
parlamentares evangélicos ocupam comissões estratégicas.
Segundo estudo do Departamento Intersindical de Avaliação
Parlamentar (Diap), a maior parte deles está concentrada na
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação
e Informática. Essa tendência se explica porque
muitos são detentores de concessões de rádio
e televisão, explica o Diap.
O
presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia é
o deputado federal Arolde de Oliveira (PFL-RJ). Evangélico
da Primeira Igreja Batista de Niterói, do pastor Nilson
do Amaral Fanini, Arolde, que é dono de uma rádio
evangélica no Rio e da maior gravadora gospel, a MK
Publicitá, está no quinto mandato. E acha que os
evangélicos estariam melhor representados se o número
de parlamentares fosse de 120 a 150 deputados federais. Isso
vai acontecer quando os evangélicos forem 50% da população,
profetiza.
Domingo,
23 de julho de 2000.
A FÉ QUE MOVE MILHÕES
O reino de Deus na rede dos homens
Igreja - Várias denominações
evangélicas aderiram à Internet como meio de divulgação
e evangelismo.
Bíblia
- Há softwares das Sagradas Escrituras que podem ser
comprados em livrarias e programas gratuitos que podem ser
baixados pela Internet: http://biblia.net.
Bate-papo
- Na grande rede há chats só para evangélicos,
como o http://www.amizadegospel.cjb.net/
e http://www.gd.com.br/evangelicos/index.htm.
Música
- Além dos sites das gravadoras evangélicas, há
uma infinidade de home pages de cantores e outros endereços
com músicas em MP3 para serem baixadas gratuitamente.
Pastor
- No site http://www.pastoronline.com.br,
líderes evangélicos têm à mão
o noticiário evangélico, eventos e outras notícias.
Livrarias
- A maioria das grandes editoras já possuem um site na
Internet.
Casamentos
- Também há agências de encontros para evangélicos
na grande rede. O site http://www.tecnogospel.com.br/
é um deles.
Informações
- O site http://www.gnn.com.br/
tem notícias e entretenimentos exclusivo para evangélicos
Terça,
25 de julho de 2000.
A FÉ QUE MOVE MILHÕES
Universal do
Reino de Deus não se contenta com pouco
A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD)
ainda não está satisfeita em ter a maioria dos
deputados federais como seus representantes. Dos 45
parlamentares evangélicos, 15 foram eleitos com a bênção
do bispo Edir Macedo, líder da IURD. Não
acho que a gente está com essa força toda. Estamos
caminhando para isso. Mas falta muita coisa ainda. Só há
um governador evangélico no Brasil, queixa-se o
bispo Carlos Rodrigues (foto), deputado federal e
vice-presidente do Partido Liberal (PL), no Rio.
Na
eleição deste ano, o bispo Rodrigues, como é
conhecido em Brasília e no resto do país, diz que
a Igreja Universal virá com 100 candidatos a vereador só
no Rio. A igreja do bispo Edir Macedo já tem, segundo
Rodrigues, 45 deputados estaduais e cerca de 80 vereadores
espalhados pelo Brasil.
Mas
para o bispo Rodrigues, muitos parlamentares evangélicos
estão em partidos que não os deixam crescer na política.
A gente só se reúne para defender projetos
de ordem moral ou que atentem contra a liberdade religiosa
individual, argumenta o bispo. Para a prefeitura do Rio, o
bispo disfarça e diz que não há ainda
acordos.
Domingo,
23 de julho de 2000.
A FÉ QUE MOVE MILHÕES
Crescimento é um fenômeno
A taxa de crescimento dos evangélicos
no maior país católico do mundo, 5,18% ao ano,
contra 2,5% do restante da população, segundo o
IBGE, começou a atrair a atenção de sociólogos
e cientistas sociais no início da década de 80. Esse
fenômeno de crescimento dos evangélicos ainda é
recente. Eles ingressaram na política para valer a partir
de 1986, com a Constituinte, e estão se expandindo,
analisa o sociólogo Ricardo Mariano, da Universidade de São
Paulo (USP), que escreveu uma tese sobre o assunto.
Para
o pastor Ariovaldo Ramos, presidente da Associação
Evangélica Brasileira (AEVB), esse crescimento dos evangélicos
é resultado da ação do Espírito
Santo. Tem a ver com a crise econômica na década
de 80. A mensagem do Evangelho trazia esperança em meio à
crise, analisa. Para o pastor, os evangélicos só
se deram conta do potencial de mercado no início dos anos
90, com a divulgação de pesquisas pela mídia.
É
nesse ponto que mora o temor do pastor. Essa coisa do
consumismo é contra a pregação do
Evangelho. Quando isso acontece dentro do arraial cristão
é mais perigoso ainda, porque tudo o que é
transformado em mercado acaba sendo desviado dos princípios
de fé, virando um fim em si mesmo, acredita. No
plano econômico o número de evangélicos é
irrelevante. Geralmente são formados por pequenas
empresas. A maioria dos evangélicos está na base
da pirâmide social, analisa Ricardo Mariano.