Publicado no DIÁRIO DE S. PAULO em
26-10-2001
Judeus ortodoxos vão separar homens
e mulheres no transporte público israelense, em uma
interpretação rígida da lei religiosa. A
decisão tomada pela cooperativa de ônibus Egged,
que deverá inaugurar uma rota especial entre Jerusalém
e Bnei Brak foi criticada pelo partido Shinui. "É
apartheid", disse o líder do partido, Yosef Lapid.
Homens e mulheres vão se sentar separadamente nos ônibus.
A tradição ortodoxa reza que eles não devem
se misturar a menos que sejam parentes. Apenas as mulheres não-religiosas
poderão escolher sentar- se na seção de
homens e poderão reclamar com o motorista em caso de
ofensa.
CARTEIRO CATÓLICO
É ASSASSINADO NA IRLANDA
Publicado no Jornal O ESTADO DE S. PAULO
em 13-01-2002
Um carteiro católico de 20 anos foi
assassinado ontem nas cercanias de Belfast, capital da Irlanda
do Norte. O grupo paramilitar protestante Red Hand Defenders,
nome usado no passado pela Associação de Defesa do
Ulster e pela Força Voluntária, reivindicou a
autoria do ataque. Segundo a polícia, dois homens armados
usando apuzes executaram o crime quando o funcionáriovoltava
para sua residência em Rathcoole, um distrito protestante
ao norte da capital. Carteiros da região fizeram uma
manifestação contra o assassinato. (Reuters) [i]
Original em:
http://www.estado.com.br/editorias/2002/01/13/int004.html
O
risco da crendice
Publicado na Revista VEJA - Edição
1 733 - 9 de janeiro de 2002
Entrevista: Michael Shermer
Diretor de ONG americana que combate as
superstições diz que vivemos uma era de
irracionalismo e que acreditar em tudo pode ser perigoso
Autor: Daniel Hessel Teich
"Pode parecer inofensivo acreditar em
espíritos ou telepatia. Não é. Quem
acredita nisso pode acreditar em qualquer coisa" Holly
Freedman
O psicólogo americano Michael
Shermer dedica-se há nove anos ao que considera uma
cruzada: em defesa do pensamento científico, ele combate
superstições, crendices e mitos. Suas armas são
palestras que faz pelos Estados Unidos, cursos no Instituto de
Tecnologia da Califórnia (Caltech), participações
em programas de televisão e de rádio e sete livros
sobre o assunto. O último deles, Fronteiras da Ciência:
onde o que Faz e o que Não Faz Sentido Se Encontram, foi
lançado no ano passado nos Estados Unidos. Shermer é
diretor da Sociedade dos Céticos, uma espécie de
ONG que tem entre os simpatizantes cientistas do calibre do
paleontólogo Stephen Jay Gould, um dos principais
escritores de divulgação científica do
mundo. Colunista da revista Scientific American, ele mantém
um site na internet dedicado a desmascarar charlatães.
Quando não está debatendo com crédulos de
todos os matizes ou escrevendo livros, Shermer se dedica a
outras tarefas não menos desgastantes. É
apaixonado por corridas e enduros de bicicleta e participante
assíduo de competições como a Race Across
America, que cruza os Estados Unidos de ponta a ponta.
Veja - Por que o senhor afirma que estamos
vivendo um momento de irracionalismo?
Shermer - Nós somos menos crédulos
e supersticiosos do que eram as pessoas há 500 anos. A
história é outra se compararmos com 25 anos atrás.
O irracionalismo só tem aumentado. Pesquisas mostram que
cada vez mais se acredita em astrologia, experiências
extra-sensoriais, bruxas, alienígenas e discos voadores,
na existência da Atlântida. Há uma lista
enorme de coisas absurdas. O espantoso é que não são
apenas os lunáticos que crêem nessas coisas. Muita
gente com bom nível de educação também
cai nessa. São crenças pegajosas, que se fixam de
forma muito mais forte do que podemos imaginar.
Veja - Por que isso acontece?
Shermer - O irracionalismo tem aumentado
principalmente por culpa da comunicação de massa e
da internet. As pessoas que vivem da exploração
dessas crenças são hábeis na exploração
desses recursos. Usam técnicas de vendas como
telemarketing, anúncios e promoções. As
religiões tradicionais vêm perdendo muito espaço
nos últimos anos, o que tem deixado um campo aberto para
crenças alternativas como paranormalidade e cultos da
nova era.
Veja - Não é paradoxal que
isso aconteça no momento em que o conhecimento e a ciência
sejam tão difundidos?
Shermer - A explicação é
simples. As pessoas procuram crenças que as consolem,
coisa que a ciência não faz. É mais fácil
acreditar em crendices e superstições que na ciência.
As pessoas querem respostas para questões de cunho moral,
que a ciência não tem como responder. Nós não
devemos esquecer que todos os seres humanos, entre eles os
cientistas e os céticos, querem ter uma vida melhor. Sob
esse ponto de vista, é difícil resistir ao canto
de sereia do misticismo.
Veja - O que o senhor acha do enorme
sucesso no Ocidente de orientalismos como o feng shui, a
doutrina chinesa que propõe o uso da decoração
e da arquitetura para reequilibrar a energia das pessoas?
Shermer - As pessoas estão tentando
dar sentido às coisas a sua volta. Querem botar ordem num
caos que não conseguem compreender. Coisa parecida
acontece entre as tribos animistas da Amazônia. Os índios
crêem que o mundo está repleto de espíritos
e forças que ajudam a arrumar esse caos e tratam de invocá-los
como podem. É claro que os brasileiros que vivem nas
grandes cidades não levam a sério o animismo dos
ianomâmis e provavelmente ririam dos pajés se os
vissem tentando arrancar os encantamentos e os espíritos
que eles acreditam ser a causa das doenças. Na verdade,
essas crenças dos povos primitivos têm tanto
fundamento científico quanto as bobagens oferecidas pelos
pajés do feng shui.
Veja - O senhor poderia enumerar algumas
dessas crenças que foram moda nos últimos anos e
logo depois abandonadas como charlatanices?
Shermer - Todos se lembram dos famosos
biorritmos, aquela história de que era possível
usar os ciclos do corpo que se repetem em ritmos regulares para
traçar previsões sobre a carreira, a vida amorosa
e o futuro financeiro de uma pessoa. Muita gente ganhou fortunas
com isso e hoje ninguém mais toca no assunto. Outra
bobagem foi o Triângulo das Bermudas. Dizia-se que era um
lugar onde navios e aviões desapareciam misteriosamente.
Há ainda o poder das pirâmides, que se acreditava
capaz de conservar comida, afiar facas e até aumentar a
potência sexual. É bobagem pura, que ninguém
mais leva em consideração. Há também
as cirurgias psíquicas nas Filipinas e na América
do Sul, mas já são menos freqüentes. Foram
desmoralizadas depois que mágicos demonstraram a
facilidade com que se produzem os truques ditos paranormais.
Veja - O que o senhor pensa de quem
acredita em duendes e bruxas?
Shermer - Adultos crêem nisso pela
mesma razão por que acreditam no feng shui. O ser humano é
um bicho que se senta em torno da fogueira e conta histórias.
E com isso adquire experiência para enfrentar o mundo. É
assim desde os tempos das cavernas. Ocorre que, com a
diversidade de culturas, os povos fazem isso numa miríade
de formas, chamando as forças animistas de diferentes
nomes. Duendes e bruxas são dois entre milhares deles. O
que importa é que por baixo de todos esses nomes está
a crença nas superstições e a necessidade
de explicar o mundo de forma mágica.
Veja - Como o senhor justifica a vantagem
do pensamento científico sobre o obscurantismo?
Shermer - A ciência é o único
campo do conhecimento humano com característica
progressista. Não digo isso tomando o termo progresso
como uma coisa boa, mas sim como um fato. O mesmo não
ocorre na arte, por exemplo. Os artistas não melhoram o
estilo de seus antecessores, eles simplesmente o mudam. Na
religião, padres, rabinos e pastores não pretendem
melhorar as pregações de seus mestres. Eles as
imitam, interpretam e repetem aos discípulos. Astrólogos,
médiuns e místicos não corrigem os erros de
seus predecessores, eles os perpetuam. A ciência, não.
Tem características de autocorreção que
operam como a seleção natural. Para avançar,
a ciência se livra dos erros e teorias obsoletas com
enorme facilidade. Como a natureza, é capaz de preservar
os ganhos e erradicar os erros para continuar a existir.
Veja - Acreditar em superstições
é um comportamento de risco?
Shermer - A maior parte das pessoas pensa
que acreditar em espíritos ou telepatia é
inofensivo. Não é. Por uma razão simples:
quem acredita em coisas para as quais não existe nenhuma
evidência pode acreditar em tudo. Da mesma forma que o
consumo de maconha pode levar à heroína, crenças
simplórias em fantasmas e discos voadores podem levar a
outras mais perigosas.
Veja - Como é possível
separar o que é ciência do que é pseudociência?
Shermer - É uma tarefa complexa. Eu
adoto um modelo para definir, de um lado, a ciência
consagrada e, de outro, a pseudociência. Entre ambas há
uma zona cinza, fronteiriça. Nessa região ficam
linhas de pesquisas feitas por profissionais sérios,
perscrutadas por publicações científicas de
prestígio, mas que têm objetos de estudo um tanto
quanto exóticos. Podem, de um momento para outro, cair
tanto para o lado da ciência quanto para o da crendice. Na
área cinzenta estão a busca de vida fora da Terra,
a acupuntura e teorias econômicas, como o socialismo. Na área
da não-ciência estão a astrologia, a negação
do holocausto e a ufologia.
Veja - A exploração de
crendices é um grande negócio. O senhor tem como
avaliar o dinheiro que isso movimenta?
Shermer - Ninguém sabe exatamente
quanto se movimenta nesse mercado que envolve milhares de formas
de ganhar dinheiro. Só os medicamentos alternativos
rendem dezenas de bilhões de dólares por ano.
Assim, se considerarmos todas as categorias juntas, eu
calcularia o lucro da pseudociência em 1 trilhão de
dólares por ano. Temos de lembrar ainda que essa fonte de
ganho se torna ainda mais tentadora quando se trata de religiões
e seitas isentas de impostos.
Veja - Por que esse é um negócio
para o qual parece não existir fronteiras?
Shermer - As pessoas gostam de acreditar
que as coisas não acontecem por si mesmas, mas por alguma
razão ou motivo. Uma pesquisa mostra que um dos motivos
de as pessoas acreditarem em Deus é o fato de que o mundo
é tão bonito e o universo segue mecanismos tão
delicados que seria impossível não existir um
criador para tudo isso. Esse é, de certa forma, um
pensamento baseado em conhecimento científico, nas relações
de causa e efeito. Precisamos levar em conta que nem sempre há
motivos ou explicações para tudo o que queremos.
Veja - Alguns cientistas tentam entender o
poder da fé e das orações na cura de doenças.
O que o senhor acha desses estudos?
Shermer - Eles são falhos por três
razões primárias. A primeira: não há
como comprovar cientificamente se as pessoas estudadas têm
fé ou se estão rezando. Elas dizem que têm,
e ponto final. Segunda: muitos desses estudos não avaliam
variáveis importantes como idade, sexo, situação
socioeconômica, condições físicas,
fatores que poderiam contribuir para outros resultados. E, por último,
a maioria dos resultados de um estudo desses não pode ser
repetida. As variáveis de análise são tão
subjetivas que um estudo jamais terá o resultado
semelhante ao de outro. Ou seja, essas pesquisas não são
nem um pouco confiáveis.
Veja - Por que uma das mais populares práticas
místicas gira em torno de pessoas que se propõem a
conversar com os mortos ou realizar curas com a ajuda deles?
Shermer - Porque a morte é um
problema crucial para o homem. Todos nós queremos
acreditar que depois dela continuaremos a existir, seja na forma
que for. Os médiuns que convencem as pessoas de sua
capacidade de falar com os mortos validam as crenças de
que de fato há vida após a morte. Também
oferecem um alento em meio à tristeza da perda de uma
pessoa amada. É confortante crer que o falecido está
em um lugar acessível com a ajuda da mediunidade.
Veja - O fato de ajudar as pessoas a
superar a dor da perda não valida essas práticas?
Shermer - Aqueles que exploram a dita
mediunidade não estão ajudando ninguém. São
oportunistas que se aproveitam da emoção de
pessoas fragilizadas. A melhor forma de superar a morte é
encará-la de cabeça erguida. A morte é uma
parte da vida, e fingir que o morto pode falar em estúdios
de TV ou salas escuras por intermédio de pessoas que
cobram por seus serviços é um insulto à
inteligência dos que estão vivos.
Veja - O senhor acha possível
acreditar no sobrenatural e ao mesmo tempo estar a salvo de
charlatães?
Shermer - O problema de acreditar em
superstições é que a maioria das pessoas
que crê em uma delas acredita também em todas as
outras. As crendices estão fortemente relacionadas. Se
você abandona a capacidade crítica de pensar
cientificamente, pode acreditar em absolutamente tudo.
Veja - Mas há pessoas que acreditam
em astrologia e também na teoria da evolução
proposta por Charles Darwin.
Shermer - A maioria das pessoas tem um
modo de raciocínio em que mantém as crenças
de forma isolada. Seria como se o cérebro fosse composto
de uma série de compartimentos a vácuo, com cada
uma dessas coisas guardada de maneira a não se misturar.
Veja - O senhor acha que as pessoas que
acreditam em coisas estranhas são propensas ao fanatismo
religioso?
Shermer - Não acho que seja assim.
As pessoas crédulas acreditam em muitas coisas, isso para
não dizer que crêem em qualquer coisa. Para ser fanático
é preciso uma crença fortíssima em uma única
coisa.
Veja - O que o senhor diz a uma pessoa que
acredita em vida após a morte quando ela lhe pergunta se
isso é verdade?
Shermer - Nós temos a obrigação
de falar a verdade em todas as ocasiões, a todas as
pessoas, sejam elas adultos ou crianças. Não há
nenhuma evidência de que exista de fato vida após a
morte. A questão é falar isso de uma forma amigável
e ponderada e mostrar que é possível levar a vida
em plenitude. Elas irão entender que não há
grandes problemas em ser cético.
Veja - O que levou o senhor a se envolver
numa cruzada contra as crendices?
Shermer - É simples. Eu sou um
homem que acredita na ciência. Meu sonho é ver
nossa espécie sobreviver a nossas limitações
e sair deste planeta, procurar outras estrelas parecidas com o
Sol e partir para outras galáxias. O obscurantismo limita
nossa capacidade de ousar e de superar nossas limitações.
Sem a ciência não existe crescimento cultural ou
material de uma sociedade.
Veja - O senhor tem algum tipo de crença
religiosa?
Shermer - Eu me defino como um agnóstico,
uma pessoa que acredita naquilo que pode ser comprovado. Citando
o biólogo Thomas Huxley, parceiro de Darwin e pai do
agnosticismo, sou daqueles que acreditam em Deus como um
problema insolúvel.
A Fé, a Crença
e o Irracional
Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo
em 09/01/2002
Autor: Sérgio Santoro
Um artigo publicado no Jornal da USP
mostra uma discussão entre um engenheiro e um jornalista
sobre previsões de escrituras sagradas. Fala-se
basicamente sobre a fé em "Coisas Mágicas".
A magnitude deste tema é muito maior do que usualmente se
crê e mudanças neste âmbito poderiam mudar
profundamente o mundo. Num primeiro artigo, o jornalista fala de
previsões realizadas em escrituras sagradas, que segundo
ele, se confirmaram e assim aceitava a veracidade de idéias
místicas. O engenheiro refutou essas idéias de
modo linear e límpido, lembrando Carl Sagan no seu livro "Mundo
assombrado pelos demônios". Valoriza a ciência
e a lógica e afirma que aquilo que não podemos
explicar hoje, pode ser explicado ainda assim. Refuta a magia.
Declara que aquilo que parece magia é apenas a ciência
ainda não atingida. Parece discussão antiga.
Na tréplica, o jornalista afirma
que para sermos "culturalmente mais ricos" devemos "abrirmo-nos
para o todo" para conhecer inclusive aquilo que a lógica
não pode explicar, e apela para o universalismo do
conhecimento e sugere que a universidade deva ser assim. De
minha parte, acredito que a universidade e a ciência
deveriam estudar fenômenos como Iemanjá, o Corão
e o Livro de Jó, na medida em que são manifestações
culturais fortes, que trazem magníficos conhecimentos de
ordem histórica, sociológica, antropológica
e etc. Mas, não é possível que a
universidade não combata o irracional. Aceitar a
irracionalidade é negar o que move a Ciência e a
Universidade. Uma coisa é estudar e compilar dados acerca
do fenômeno biológico, social e histórico de
crenças. Outra coisa é alguém pertencente à
universidade aceitar que as flores jogadas ao mar serão
coletadas por uma mulher ou pelo seu espírito e isto mude
o destino dos fatos. A universidade precisa dizer claramente um
não. Se não o fizer, deixará de cumprir o
seu intento primeiro e fundamental que é a difusão
do conhecimento, da ciência, da lógica e passa a
ser cúmplice de pensamentos e atos irracionais que
atravancam o progresso da ciência e das civilizações.
O engenheiro afirma que a aceitação
do que é "mágico", especialmente por
gente de universidade, "pode prejudicar muita gente".
E ele está obviamente certo. O acadêmico se
acovarda no momento de enfrentar a ignorância, o
misticismo. Galileu recuou uma vez diante do poder da Igreja e,
como ele, continuamos a não querer enfrentar o místico.
Alguém pode achar que isto faz pouca diferença e
que a universidade não precisa enfrentar a crendice. Que
se pode conviver em paz sem prejuízos. Engana-se. Quando
a universidade não faz seu papel, combatendo o ilógico,
difundindo a ciência e o pensamento racional, o que se vê
é triste. Não são apenas oferendas a Iemanjá.
Não são apenas jogadores que entram em campo com
três pulos no pé direito ou com galhos de arruda na
orelha. Não são apenas pessoas colocando roupa
branca e cueca amarela no Reveillon, na esperança de um
ano melhor. São crianças usando terno e chapéu
de feltro preto em pleno verão. São médicos
usando patuás. São empresários que tomam
decisões (que afetam empregos e produção)
após consultar os búzios. São doentes com
leucemia consultando a benzedeira. São pessoas subindo
escadarias de joelho carregando uma cruz em busca de uma cura. São
pessoas que se deprimem (ou se suicidam) diante da visão
pecaminosa da própria sexualidade. São que pessoas
beijam muros travando guerras infindáveis com outros que
se ajoelham voltados para Meca. São mulheres proibidas de
ir à escola, usando burka, enquanto outros pilotam aviões
contra prédios, esperando por setenta virgens no paraíso.
No Ocidente comenta-se a irracionalidade
que há no Oriente, como se não estivéssemos
cercados de irracionalidade por aqui. A irracionalidade atinge a
todas as áreas. As propagandas de produtos às
vezes não se referem à qualidade nem ao preço,
mas colocam uma família feliz consumindo-o ou uma mulher
seminua. Publicitários contam com nossa irracionalidade.
Até rouba-se por irracionalidade. A razão
claramente mostra que a atitude honesta e solidária rende
mais vantagens individuais do que a atitude egoísta (as
nações mais solidárias são mais
desenvolvidas - ou vice versa?). O preço do desprezo à
racionalidade é incalculável. Custa milhões
de dólares, milhões de vidas; custa sofrimento e
dor. Claramente, a ciência e o planejamento racional,
aliados ao respeito à vida e ao planeta podem abrandar
imensamente o sofrimento desta e de próximas gerações.
A universidade ainda se acovarda diante do místico e não
tem a coragem de levantar-se e negá-lo de pé.
Permitir que um menino na escola aceite a Teoria Creacionista,
ao invés de negá-la firmemente não é
respeitar a sua Fé, mas é comprometer seu raciocínio
e atrapalhar seu futuro.
A universidade ainda teme a força
das religiões e por não combater abertamente as
irracionalidades que delas emanam (por covardia e não por
falta de convicção) permitem que o mundo se
submeta a um rol infinito de martírios. A universidade,
em todo o mundo, está como Galileu. Recuada e com medo.
Mas creiam, a Terra se movia e ainda se move.
Movimento Hare Krishna
deve pedir falência nos EUA
Autor: PETER POPHAM do "The
Independent"
É um movimento religioso que tem raízes
profundas no hinduísmo, que celebra o amor divino e o
render-se à vontade divina. Ela fascinou George Harrison
quando ele ainda era um dos Beatles e teve nele um de seus mais
fiéis seguidores, até o dia de sua morte.
Mas a Sociedade Internacional para a
Consciência de Krishna, mais conhecida como Movimento Hare
Krishna, também possui um passado violento que voltou
para assombrá-la, ameaçando-a com a derrocada
financeira. Ontem, em Nova York, o diretor de comunicações
da organização, Anuttama Dasa, anunciou que o
movimento está prestes a falir.
Em junho de 2000 ela se tornou alvo de um
processo judicial que pede indenização de US$ 400
milhões, alegando abuso sexual e emocional em escala
imensa. Líderes do movimento dizem que o valor pedido
excede em muito o de todos os templos do Hare Krishna nos
Estados Unidos, juntos.
Mesmo que eles ganhassem a ação,
diz Dasa, os custos legais os levariam à falência,
de qualquer maneira. Dasa disse que espera que as comunidades
Hare Krishna consigam criar um fundo ''para ajudar jovens que
possam ter sido vítimas de abuso''.
Entre os seguidores de movimentos
religiosos orientais no Ocidente, os do Hare Krishna são
os que mais frequentemente se tornam alvo de ridicularização,
enquanto avançam em longas formações por
ruas comerciais, com os olhos semicerrados em expressão
de êxtase religioso, suas sobrancelhas marcadas com cinzas
sagradas, pratinhos tinindo e vestes alaranjadas balançando
ao vento. No entanto essa fachada de religiosidade esconde atos
terríveis que foram cometidos ao longo de muitos anos.
Conflito interno
As raízes do Movimento Hare Krishna
remetem praticamente às origens do próprio hinduísmo.
É o culto a Krishna, suprema personalidade de Deus,
retratado como um menino que rouba manteiga da cozinha de sua mãe
ou como um rapaz que toca flauta para conduzir seu rebanho de
vacas. No entanto foram os filhos dos devotos de Krishna que
sofreram, como a própria organização já
admitiu, com franqueza. Abusos sexuais, torturas físicas
e mentais e o terror imposto de maneira sistemática a
crianças, algumas de apenas três anos de idade
_essas eram práticas rotineiras em muitas das escolas do
movimento.
Fundado em 1966 nos EUA, o Hare Krishna
passou a viver conflitos internos já nos anos 70. Do lado
de fora, tudo era felicidade, devoção e harmonia.
Mas, enquanto seus devotos se balançavam ao som de música
etérea e pregavam suas idéias, nos ''gurukula''
_os internatos do movimento, erguidos dentro de seus
''ashrams'', ou centros de meditação e ensino_,
abusos horrendos eram cometidos contra os filhos dos próprios
devotos.
Segundo especialistas, até 75% dos
alunos dessas escolas teriam sofrido alguma forma de abuso entre
o final dos anos 1970 e início da década de 1980.
De acordo com a ação aberta
em junho de 2000, em Dallas (Texas), por 44 ex-alunos dessas
escolas, as crianças eram espancadas, violentadas e
obrigadas a ficar em pé, durante horas, em armários
escuros. Em alguns casos, diz o processo, palha de aço
foi esfregada nas crianças até que sangrassem.
Um dos queixosos, Greg Luczyk, contou que
era espancado cinco vezes por dia, todos os dias, com tábuas
de madeira, quando era aluno na Índia.
A escola em Dallas, primeira a ser aberta,
em 1971, foi fechada pelas autoridades americanas em 1976, e, até
1986, todas as escolas existentes em ''ashrams'' em todo o império
do movimento _que afirma ter 300 templos em 71 países, além
de 10 mil membros ligados a seus templos em todo o mundo_ foram
fechadas, encerrando um dos capítulos mais repugnantes da
hipocrisia religiosa nos tempos recentes.
Mas por que isso tudo aconteceu? Segundo o
professor de sociologia E. Burke Rochford Jr., do Middlebury
College, em Vermont, que estudou o problema, a explicação
é que se esperava que os devotos do movimento colocassem
a prática espiritual em primeiro lugar. ''O casamento e a
vida familiar acabaram sendo interpretados como símbolo
do fracasso espiritual, e as crianças, como produto
sexual desse fracasso.''
Rabinos admitem que v�rias hist�rias da B�blia s�o falsas
Publicado no Jornal N Y Times em 11/03/02
Autor: Michael Massing
Abra�o, o patriarca judeu, provavelmente nunca existiu. Nem Mois�s. Toda a hist�ria do �xodo, como � contada na B�blia, provavelmente nunca ocorreu. O mesmo � verdade para a queda dos muros de Jeric�. E Davi, longe de ser o rei destemido que fez de Jerusal�m uma capital imponente, estava mais para um l�der provinciano, cuja reputa��o, mais tarde, foi modificada para prover um ponto de encontro para uma na��o em fuga.
Tais proposi��es intrigantes -produto das descobertas de arque�logos que escavaram a regi�o de Israel nos �ltimos 25 anos- receberam ampla aceita��o entre os rabinos n�o ortodoxos. Mas n�o houve tentativas de disseminar essas id�ias ou discuti-las com os leigos. Pelo menos at� agora.
A Sinagoga Unida do Juda�smo Conservador, que representa 1,5 milh�o de judeus conservadores nos EUA, acaba de publicar uma nova Tor� comentada, a primeira em mais de 60 anos para os conservadores. Chamada "Etz Hayim" ("�rvore da Vida", em hebraico), oferece uma interpreta��o que incorpora as �ltimas descobertas nos campos da arqueologia, filologia, antropologia e estudo de culturas antigas. Para os editores que trabalharam no livro, ele representa um dos esfor�os mais corajosos de introduzir ao p�blico religioso em geral uma vis�o da B�blia como um documento humano e n�o divino.
"Quando era menino no Brooklyn, os fi�is n�o eram sofisticados em rela��o a nada", disse o rabino Harold Kushner, autor de "Quando coisas ruins acontecem para pessoas boas" e co-editor do novo livro. "Hoje, eles s�o muito sofisticados e l�em sobre psicologia, literatura e hist�ria, mas est�o confinados a uma vis�o infantil da B�blia".
"Etz Hayim", compilado por David Lieber, da Universidade de Juda�smo de Los Angeles, procura mudar isso. Al�m do texto tradicional em hebraico, traz uma tradu��o em ingl�s, coment�rios peri�dicos sobre a pr�tica judia e, no final, 41 ensaios de estudiosos e rabinos proeminentes sobre assuntos que v�o do pergaminho da Tor� e leis alimentares a ecologia e escatologia.
Esses ensaios, lidos durante serm�es pouco inspirados, sem d�vida surpreender�o muitos membros da congrega��o. Por exemplo, um ensaio sobre "Mitologia antiga do Oriente Pr�ximo", de Robert Wexler, presidente da Universidade de Juda�smo de Los Angeles, afirma que, com base na vis�o acad�mica moderna, parece pouco prov�vel que a hist�ria do G�nesis tenha se originado na Palestina. Mais provavelmente, diz Wexler, surgiu na Mesopot�mia, cuja influ�ncia � mais aparente na hist�ria do Dil�vio, que provavelmente nasceu do alagamento peri�dico dos rios Tigre e Eufrates. A hist�ria de No�, acrescenta Wexler, provavelmente foi emprestada do �pico Gilgamesh da Mesopot�mia.
Igualmente chocante para muitos leitores ser� o ensaio "Arqueologia B�blica", de Lee Levine, professor da Universidade Hebraica em Jerusal�m. "N�o h� refer�ncias a fontes eg�pcias para a estada de Israel naquele pa�s", escreve, "e a evid�ncia que existe � desprez�vel e indireta". As poucas evid�ncias indiretas, como o uso dos nomes eg�pcios, "est�o longe de adequadas para corroborar a veracidade hist�rica do relato b�blico", conclui.
Similarmente amb�guas, escreve Levine, s�o as evid�ncias da conquista e estabelecimento em Cana�, nome antigo da �rea que inclui Israel. Escava��es mostrando que Jeric� n�o era habitada e n�o tinha muros, disse, "claramente parecem contradizer a conquista violenta retratada no Livro de Josu�". Al�m disso, diz ele, existe "quase total aus�ncia de evid�ncia arqueol�gica" que sustente as descri��es b�blicas de Jerusal�m de Davi e Salom�o.
Antes da introdu��o de "Etz Hayim", o movimento conservador baseava-se no coment�rio da Tor� de Joseph Hertz, rabino superior do Reino Unido. Em 1936, quando foi publicada, a B�blia hebraica passou por an�lise intensa de acad�micos como Julius Wellhausen da Alemanha, que levantou muitas quest�es sobre a autoria e precis�o do texto. Hertz, trabalhando em uma �poca em que grassava o anti-semitismo e os esfor�os crist�os para demonstrar a inferioridade do "Velho" Testamento em rela��o ao "Novo", refutava todos questionamentos sobre a integridade do texto.
Argumentando que nenhum povo teria inventado para si um passado t�o "cheio de desgra�as", como a escraviza��o em terras estrangeiras, ele escreveu que "de todas as cr�nicas orientais, s� os anais b�blicos merecem o nome de hist�ria".
A abordagem de Hertz teve pouca competi��o at� 1981, quando a Uni�o de Congrega��es Hebraicas Americanas, bra�o oficial do movimento Reform Judaism, publicou seu pr�prio coment�rio da Tor�. Editado pelo rabino Gunther Plaut, levou em considera��o o corpo crescente de evid�ncias arqueol�gicas e textuais que questionavam o relato b�blico. Dizia claramente que as "est�rias" do G�nese eram uma mistura de "mito, lenda, mem�ria distante e busca pelas origens, reunidas em torno de um conceito teol�gico central". Mas o �xodo, insistia, "pertencia � hist�ria". O coment�rio observava que alguns acad�micos consideravam o �xodo como "lenda folcl�rica", mas eram minoria.
Vinte anos depois, o peso das evid�ncias acad�micas questionando a narrativa do �xodo havia se tornado t�o grande que a opini�o da minoria passou a ser da maioria.
N�o entre os judeus ortodoxos, no entanto. Eles continuam a ver a Tor� como a palavra divina e imut�vel de Deus. O coment�rio da Tor� que mais usam, chamado Stone Edition (1993), declara em sua introdu��o "que cada letra e palavra da Tor� foi dada a Mois�s por Deus".
Lawrence Schiffman, professor da Universidade de Nova York e judeu ortodoxo, disse que "Etz Hayim" vai t�o longe ao aceitar a vis�o acad�mica moderna que, sem se dar conta, acaba sendo "oposi��o niilista" ao que os judeus conservadores defendem. Ele observou, no entanto, que a maior parte das quest�es sobre a precis�o da B�blia vinham, discretamente, no final do livro. "O freq�entador comum de sinagoga nunca vai procurar l�", disse.
Tradu��o: Deborah Weinberg
O nome do problema � Deus
Publicado no Jornal Folha de S�o Paulo em 17 de mar�o de 2002
ARTIGO
Para Salman Rushdie, explica��es sobre os massacres na
�ndia n�o tocam no ponto principal, o papel danoso da
religi�o em geral
Autor: SALMAN RUSHDIE
A imagem mais marcante da semana foi, para mim, a de uma
pequena m�o de crian�a, enegrecida e queimada, com seus
min�sculos dedinhos apertados formando um punho e
esticando-se para fora do que restou de uma fogueira humana em
Ahmedabad, Gujarat, na �ndia. O assassinato de crian�as � uma
especialidade indiana, por assim dizer. Os assassinatos cotidianos
de beb�s indesejados do sexo feminino, o massacre de inocentes
em Nellie, Assam, na d�cada de 80, quando povoados se
voltaram contra povoados vizinhos, o massacre de crian�as sikhs
em Nova D�li, durante as pavorosas chacinas de repres�lia que se
seguiram ao assassinato de Indira Gandhi: todos esses casos s�o
testemunhos de nosso dom especial, que sempre se evidencia com
mais brilho em �pocas de agita��o religiosa, para encharcar
nossas crian�as de querosene e lhes atear fogo, ou para cortar
seus pesco�os, sufoc�-las ou simplesmente mat�-las a golpes de
um bom peda�o de pau.
Se digo "nossas", � porque escrevo na condi��o de indiano,
homem nascido e criado na �ndia, que ama a �ndia profundamente
e sabe que o que um de n�s faz hoje qualquer um de n�s �
potencialmente capaz de fazer amanh�. Se me orgulho dos pontos
fortes da �ndia, ent�o seus pecados tamb�m devem ser meus.
Ser� que s�o irado? Que bom. Envergonhado e enojado? Espero
que sim. Porque neste momento, em que a �ndia passa pela maior
orgia de derramamento de sangue indo-mu�ulmano em mais de
uma d�cada, muitas pessoas est�o muito longe de soar revoltadas,
envergonhadas ou enojadas em grau suficiente. Chefes de pol�cia
v�m desculpando a pouca disposi��o manifestada por seus
homens em defender os cidad�os da �ndia, sem levar em conta
sua religi�o, dizendo que esses homens tamb�m t�m sentimentos e
est�o sujeitos aos mesmos sentimentos que o pa�s como um todo.
Enquanto isso, os mestres pol�ticos da �ndia tentam p�r panos
quentes e repetir as mesmas mentiras tranquilizadoras de sempre,
dizendo que a situa��o est� sendo controlada. (Ningu�m deve ter
deixado de observar que o partido governista, o Bharatiya Janata
Party, e o extremista Vishwa Hindu Parishad, ou CMH, Conselho
Mundial Hindu, s�o organiza��es irm�s, sa�das do mesmo ventre.)
Mesmo alguns comentaristas internacionais -como, por exemplo,
o jornal brit�nico "The Independent"- nos exortam a "evitar o
pessimismo excessivo".
A verdade pavorosa sobre as chacinas comunit�rias na �ndia �
que j� nos acostumamos a elas. Acontecem de quando em
quando e depois se acalmam e somem. A vida � assim mesmo,
pessoal. Durante a maior parte do tempo a �ndia � a maior
democracia secular do mundo. Se, de quando em quando, ela
coloca para fora um pouco de fel religioso louco, n�o devemos
permitir que isso distor�a o quadro maior.
� claro que h� explica��es pol�ticas. Desde dezembro de 1992,
quando uma horda descontrolada do CMH demoliu uma mesquita
mu�ulmana erguida 400 anos antes, a mesquita de Babri Masjid,
em Ayodhya, afirmando que ela tinha sido constru�da no local
sagrado em que nasceu o deus Rama, fan�ticos hindus v�m
procurando por essa briga. O mais triste em tudo isso � que
alguns mu�ulmanos estavam dispostos a lhes dar o que eles
queriam. O criminoso ataque desferido por eles contra um trem
repleto de ativistas do CMH em Godhra (trazendo horrendos
ecos at�vicos dos massacres de hindus e mu�ulmanos que lotavam
trens durante os tumultos que marcaram a partilha da �ndia e do
Paquist�o, em 1947) serviu com precis�o aos objetivos dos
extremistas hindus.
Est� claro que o CMH j� se cansou do que v� como sendo os
equ�vocos e o radicalismo insuficiente do governo do BJP. O
primeiro-ministro Atal Behari Vajpayee � mais moderado do que
seu partido; al�m disso, lidera um governo de coaliz�o e, para
conseguir manter a coaliz�o unida, tem sido obrigado a abandonar
boa parte da ret�rica nacionalista hindu mais extrema de seu
partido. Mas a coaliz�o n�o est� mais funcionando. Em elei��es
estaduais realizadas em todo o pa�s, o BJP est� sendo
massacrado. Para os incendi�rios do CMH, isso pode ser a gota
d'�gua. Por que deveriam tolerar a trai��o de sua agenda fascista
pelo governo, quando ela nem sequer resulta em vit�ria eleitoral?
Assim, o fracasso eleitoral do BJP (usado pela turma do
n�o-vamos-nos-deixar-levar para mostrar que a �ndia est� se
afastando da pol�tica calcada nas comunidades religiosas) ter�
provavelmente sido a fa�sca que ateou o fogo. O CMH est�
decidido a erguer um templo hindu no local onde ficava a
demolida mesquita de Ayodhya -era dali que estavam vindo os
mortos de Godhra- e, numa realidade idiota, repreens�vel e
tr�gica, h� mu�ulmanos na �ndia igualmente decididos a opor
resist�ncia a eles. O primeiro-ministro vem insistindo que s�o os
tribunais indianos, notoriamente lentos, que devem decidir o que �
certo ou errado no caso de Ayodhya. Mas o CMH j� se cansou
de esperar.
Em carta enviada ao presidente da �ndia, K.R. Arayanan, a
respeitada escritora indiana Mahasveta Devi culpa o governo de
Gujarat (liderado por um pol�tico de linha dura do BJP), sem falar
no governo central, por fazer "muito pouco, tarde demais". Ela
atribui a culpa pelos fatos �s "a��es motivadas, bem planejadas e
provocantes" dos nacionalistas hindus. Entretanto outro escritor, o
Pr�mio Nobel de Literatura V.S. Naipaul, falando na �ndia apenas
uma semana antes da erup��o de viol�ncia, denunciou os
mu�ulmanos do pa�s e elogiou o movimento nacionalista.
Os assassinos de Godhra precisam, sim, ser denunciados. Em sua
carta, Mahasveta Devi exige que sejam adotadas "medidas legais
r�gidas" contra eles. Mas o CMH e sua outra organiza��o
correlata, a igualmente sinistra Rashtriya Swyamsevak Sangh, ou
Associa��o de Volunt�rios Nacionais, na qual se inspiram tanto o
BJP quanto o CMH, est�o determinados a destruir essa
democracia secular da qual a �ndia tanto se orgulha, publicamente,
e que ela faz t�o pouco para proteger. Ao apoi�-los, V.S. Naipaul
se transforma em colega viajante do fascismo e motivo de
vergonha para o Pr�mio Nobel.
O discurso pol�tico importa, sim, e explica muita coisa. Mas existe
algo por baixo dele, alguma coisa que n�o queremos olhar
diretamente na cara: o fato de que, na �ndia, assim como em
outras partes de nosso mundo cada vez mais sombrio, a religi�o �
um veneno que est� intoxicando nosso sangue. Onde a religi�o
interv�m, a mera inoc�ncia n�o constitui desculpa.
Entretanto continuamos a evitar a discuss�o do assunto, falando
da religi�o na linguagem moderna e em voga que � a linguagem do
"respeito". O que h� para se respeitar nesses ou em quaisquer
outros crimes que quase diariamente s�o cometidos pelo mundo
afora em nome dessa for�a temida que � a religi�o? Qu�o bem a
religi�o erige totens, com que resultados fatais, e com que
facilidade n�s nos dispomos a matar por eles! E, depois que o
tivermos feito suficientes vezes, o entorpecimento resultante
tornar� mais f�cil faz�-lo ainda outras.
Assim, o problema da �ndia acaba revelando ser o problema do
mundo. O que aconteceu na �ndia aconteceu em nome de Deus.
O nome do problema � Deus.
Salman Rushdie, 54, escritor brit�nico de origem indiana, � autor de
"Os
Versos Sat�nicos", "Fury: a Novel" e da colet�nea de ensaios "Step
Across This Line", ainda in�dita.
Tradu��o de Clara Allain
PERGUNTAR NÃO OFENDE
Publicado no Jornal O Pasquim 21 em 26/02/2002
O Dalai Lama teve um piriri na Índia, foi internado às
pressas num hospital alopático e tomou quilos de antibióticos
de última geração. Ué, por que o
Guru-Mor não se medicou com a sábia e milenar
medicina natural tibetana, à base de ervas, pedras e
magia, capazes de obliterar o Terceiro Olho? |
![Ciencialist](http://www.geocities.com/airsmither/cienn.gif)