O lado sombrio da Renascer
Edna Dantas

Publicado na Edição 209 da Revista Época em 20/05/2002

Golpes, contratos irregulares e processos fazem parte do dia-a-dia de uma das igrejas que mais crescem no Brasil

A Igreja Renascer em Cristo tem um lado cada vez mais visível em todo o país. É representado pela face familiar de seus líderes, o apóstolo Estevam Hernandes Filho, de 48 anos, e sua mulher, a bispa Sonia, de 43. Eles estão diariamente em seu canal de TV, a Rede Gospel, e em 17 emissoras de rádio controladas por sua família. Organizam todo ano a Marcha para Jesus, evento que em 2001 reuniu 400 mil evangélicos em São Paulo, e comandam projetos de ajuda a idosos, crianças carentes e dependentes de drogas. Suas pregações dão esperança a milhares de fiéis, que se amparam nos discursos otimistas do apóstolo e da bispa para ter forças para enfrentar o cotidiano. Com uma mensagem moderna que comove a classe média, a igreja viu seu rebanho crescer 100% em três anos - cinco vezes mais que a média das denominações evangélicas. O que poucos conhecem, porém, é o lado oculto da Renascer. Sob uma fachada de luxo e glamour, o apóstolo e a bispa levam uma vida enroladíssima, deixando pelo caminho um rastro de pessoas lesadas - entre as quais muitos fiéis da própria igreja. As irregularidades vão de pequenas malandragens a atividades que, segundo cinco juristas que examinaram os casos a pedido de ÉPOCA, podem ser enquadradas no Código Penal, em artigos que tratam de crimes como falsidade ideológica, estelionato, fraude fiscal e até formação de quadrilha.

O lado sombrio da Renascer se revela a pessoas como a professora Maria Margarida Pinto Coelho, de 62 anos, de Brasília. Criada na Igreja Batista, ela conheceu a pregação dos Hernandes em 1998 e passou a freqüentar seus cultos. Fazia doações e até dava aulas como voluntária numa escola da igreja. No ano seguinte, um bispo a procurou para pedir-lhe um favor. A instituição necessitava de dois fiadores para alugar um cinema, onde instalaria um templo. "Eles precisavam de gente que tivesse imóveis em seu nome", diz ela. Depois de muita insistência, Maria Margarida e outra fiel aceitaram de boa-fé. A professora só estranhou um pouco quando o bispo pediu que não contasse nada a ninguém, "nem para a própria família", recorda. Em maio do ano passado ela descobriu que estava numa encrenca. Um oficial de Justiça bateu a sua porta para notificá-la de que a igreja não pagara os aluguéis. Ela, como fiadora, teria de honrar o contrato.A pendura estava em R$ 71 mil. Há alguns dias, a professora recebeu a visita de outro oficial. Ele comunicou que Maria Margarida tinha 24 horas para pagar a dívida - agora já somando R$ 260 mil -, ou perderia o apartamento. Pela lei brasileira, a casa de uma pessoa não pode ser confiscada como pagamento de dívida. A não ser quando ela é fiadora de um contrato. "Foi um choque. Nunca imaginei que minha fé pudesse ser explorada dessa maneira", diz a professora. Érica Vieira, advogada de Maria Margarida e de outra fiel que pode ficar sem casa, recorreu da decisão e abriu uma representação criminal contra a Renascer, por estelionato. "Isso não é uma igreja, é uma quadrilha", acusa.

Casos como o de Margarida se multiplicam. A dona-de-casa paulistana Antonieta Hakimian se arrepende até hoje do dia em que alugou um galpão para a igreja. Foi há seis anos. Os inquilinos pagaram os dois primeiros aluguéis. "Depois, nunca mais vi dinheiro algum", conta ela. "Falavam que o dízimo não estava dando, mas acho estranho porque eles têm muito dinheiro." Após três anos sem receber, ela foi à sede da Renascer procurar a bispa Sonia. "Ela chegou num carro importado e nem se dignou a considerar nosso caso, ignorando o fato de meu marido estar doente e vendo a gente passar necessidade", queixa-se. Antonieta tem R$ 25 mil a receber. ÉPOCA localizou outras 19 pessoas vítimas do mesmo tipo de golpe, algumas das quais se dispuseram a dar seu depoimento à reportagem.

Ninguém está livre de ficar sem dinheiro e atrasar uma conta. Essa situação ocorre com pessoas de bem e também com empresas sólidas, de patrimônio imenso. O que surpreende, na Renascer, é a freqüência metódica com que isso acontece, sempre seguindo um padrão. Primeiro, a igreja pára de pagar as contas. Então os credores têm dificuldade para cobrar porque os endereços fornecidos pelos Hernandes são de lugares onde eles já não moram - em alguns casos, há mais de seis anos. Quando alguém tenta pedir o arresto de bens para garantir o pagamento das dívidas, descobre que nada está em nome do casal. "Comprovado, esse comportamento pode caracterizar falsidade ideológica, estelionato e fraude fiscal", diz o criminalista Luiz Flávio Gomes. "A habitualidade na prática de não pagar é um indicativo da intenção, que caracteriza o crime de estelionato", afirma o jurista Arnaldo Malheiros Filho, um dos mais respeitados do país.

Vítimas da boa-fé

Nesta página e nas seguintes, o que dizem algumas das 21 pessoas ouvidas por ÉPOCA

MARIA MARGARIDA PINTO COELHO, PROFESSORA, EM BRASÍLIA, 62 ANOS
"O bispo de Brasília e a mulher dele me pressionaram tanto que aceitei ser fiadora no aluguel de um antigo cinema. Depois, disseram para eu não contar nada a minha família. Agora estou quase perdendo meu apartamento, comprado com o resultado de 25 anos de economias. Nunca imaginei que minha fé seria explorada dessa maneira."

MARCO ANTONIO LOPES DOS SANTOS, EX-BISPO DA RENASCER, PAULISTA, 40 ANOS
"Fui avalista da igreja no aluguel de quatro imóveis. Em todos tive problemas. A todo momento recebo intimações e meu nome ficou sujo na praça. Deixei a Renascer por causa dessas confusões. Tentei negociar com o apóstolo Estevam. No começo ele até retornava meus telefonemas, mas agora nem dá mais satisfações. Espero que a Justiça resolva."

ANTONIO FONTANA ROSA, APOSENTADO, ITALIANO, 74 ANOS
"Os líderes da Renascer vivem à custa de pessoas humildes como eu. Eles não pagaram o aluguel do meu imóvel, um salão de festas, que é minha principal fonte de renda e foi construído com muito sacrifício. E ainda quebraram o piso, tiraram o forro do telhado, arrancaram o palco e entupiram os banheiros. Tive um prejuízo enorme."

Um levantamento parcial mostra que só na cidade de São Paulo existem 47 processos contra a Renascer. No Distrito Federal há outros quatro. A maioria é de cobrança ou de despejo. Numa ação cobra-se um calote de R$ 800 mil em aluguéis de um sítio em Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo. Outra, movida pela gráfica Bloch, cobra R$ 7 milhões. Mas há também processos de outra natureza. Um deles, por uso indevido de marca, foi movido pelos Gideões, uma instituição mantida por empresários protestantes que distribuem exemplares do Novo Testamento a hotéis do mundo inteiro. A Renascer fez uma campanha para arrecadar dinheiro com carnês batizados de Desafio dos Gideões. A instituição considera que a igreja está se aproveitando de seu nome para obter contribuições de incautos.

Os cartórios da capital paulista apontam também 17 títulos protestados, que ainda não chegaram à Justiça. As confusões aparecem até quando a igreja se propõe a acertar as dívidas. No ano passado, a Renascer ofereceu um lote de esmeraldas como pagamento de uma ação trabalhista. As pedras, segundo a igreja, somariam 520 quilates e valeriam R$ 208 mil. O juiz não aceitou a oferta, por julgar que elas não poderiam ser facilmente vendidas. Descobriu-se mais tarde que o laudo de avaliação era assinado por Dimitri Paraskevopulos, um perito malvisto no mercado de pedras preciosas e réu num processo por emissão de laudos fraudulentos. "Ninguém encomenda um laudo desses ingenuamente. Quem o procura quer armar alguma picaretagem", diz um agente que investiga o perito. O inquérito da PF constatou que se tentou avaliar por R$ 500 mil um punhado de cascalhos de esmeralda que mal valia R$ 2 mil. "Há muitos casos semelhantes envolvendo esse cidadão. Se for comprovado que os líderes da igreja agiram de má-fé, eles podem ser indiciados por estelionato", diz o delegado Francisco Moura Velho, responsável pelo caso. Em pelo menos mais um episódio a Renascer tentou pagar dívidas com as tais esmeraldas.

Na estrutura montada pelos Hernandes, a Fundação Renascer é o braço responsável pelos projetos sociais. Com certificado de filantropia federal, ela desenvolve ações com crianças carentes, idosos e dependentes de drogas - e, por conta disso, é isenta de pagar impostos. Aproveitando-se desse benefício, também se aventura em outras atividades, não necessariamente benemerentes. Em agosto do ano passado, comprou em Avon Park, na Flórida, um terreno onde pretende construir o projeto Renascer World. Formalmente, é um centro de treinamento de missionários. Nos panfletos distribuídos aos fiéis, é um resort a duas horas de distância da Disney. Na prática, é um sistema de reservas antecipadas em hotéis, conhecido como time sharing. Quem pagar R$ 7 mil, em 24 prestações, tem direito a se hospedar uma semana por ano em hotéis da rede Interval. A taxa anual de manutenção do título é de US$ 300. O que títulos de time sharing têm a ver com os objetivos filantrópicos da fundação? Aparentemente, nada. "Isso precisa ser investigado. Fundações beneficentes não podem praticar atos que visem ao lucro", diz o promotor Edson José Rafael, da curadoria de fundações do Ministério Público paulista. Ele lembra inclusive que a entidade não entregou a prestação de contas de 2001. O prazo final venceu em abril.

Instituição sem fins lucrativos, a fundação tem relações íntimas com uma empresa lucrativíssima, a agência de publicidade Abbud Comunicação, que fatura R$ 2,6 milhões por ano. Registrada em nome de um bispo, Antônio Carlos Abbud, a empresa anda usando o CNPJ da Fundação Renascer, em lugar do próprio número do cadastro. Confusões como essa algumas vezes ä acontecem por equívoco. Outras vezes, ocorrem quando uma empresa quer esconder o crédito sujo na praça, usando o CNPJ alheio. "Isso pode caracterizar crime de falsidade ideológica", diz o advogado Adriano Salles Vanni, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Nos cartórios de São Paulo, há quatro cobranças em nome da Abbud com o CNPJ da Fundação Renascer.

O poderoso império da Renascer

Em três anos, a igreja cresceu 100%, cinco vezes mais que a média das outras denominações evangélicas

Publicações Gamaliel
Uma das fontes de renda da família Hernandes, vende seus produtos - CDs, DVDs e livros - nos quiosques existentes na maioria dos templos da Renascer

Colégio Gamaliel
Empresa do apóstolo, a escola atende crianças a partir dos 3 anos de idade. A mensalidade média é R$ 300

Igreja Renascer
Acumula templos - já são 400 - e processos na Justiça, só em São Paulo, capital, são 47 ações. Na Justiça do Trabalho, ofereceu como garantia de uma dívida esmeraldas que valeriam R$ 208 mil. A avaliação foi feita por um perito indiciado pela Polícia Federal como autor de laudos falsos

Fundação Renascer
Braço social da igreja, a instituição tem promovido atividades comerciais, como a venda de títulos de um resort nos Estados Unidos. Isso fere a lei das fundações

Fundação Trindade
Presidida por Felippe Hernandes, filho do apóstolo Estevam e da bispa Sonia, a instituição é a verdadeira dona da concessão da Rede Gospel, o canal de TV educativa que serve de púlpito eletrônico para a Renascer

Campanha antidrogas
Promete construir 25 centros de recuperação de dependentes. Apenas um está pronto

Marcha para Jesus
Organizada pela Renascer, a marcha não tem o apoio de lideranças evangélicas tradicionais

Renascer World
Com a justificativa de construir o centro missionário Renascer World, a fundação está vendendo por R$ 7 mil títulos do Resort Las Palmas, em Avon Park, na Flórida

Abbud Comunicação
Ao usar o CNPJ da Fundação Renascer, a empresa do bispo Antônio Carlos Abbud pode, por exemplo, esconder débitos antigos para contrair novo crédito

Rede Gospel
Por se tratar de uma TV educativa, a emissora não poderia vender publicidade nem horários para empresas comerciais. No entanto, anunciam no canal empresas de jóias e consórcios de carros

RGC Produções
Atolada em dívidas, a empresa foi transferida para um "laranja", mas continua emprestando seu patrimônio aos Hernandes, os antigos proprietários

FH Produções
A empresa substituiu a RGC na criação dos programas da TV Gospel. Seus donos são Felippe e Fernanda, filhos dos líderes da Renascer

No panteão da igreja, Abbud está sentado à direita do apóstolo. Ele fundou com Hernandes a RGC Produções, empresa usada para tentar comprar a falida TV Manchete. Quando a transação deu errado, os dois saíram da sociedade, cedendo lugar à bispa e ao filho do casal, Felippe, de 23 anos. Em 1999, esposa e herdeiro passaram a empresa, afogada em dívidas, para o pastor Marcelo Meleiro Amorim. Só com uma editora a firma tem um protesto de R$ 5 milhões. Quatro especialistas em direito empresarial ouvidos por ÉPOCA dizem que a saída de Abbud e dos Hernandes sugere aquele tipo de operação na qual os donos, para se livrar de possíveis condenações, passam a empresa para o nome de um "laranja". Um ano após a saída dos Hernandes da firma, descobriu-se que Felippe costumava usar uma picape importada Dodge Durango. O boletim de ocorrência mostra que o veículo estava em nome da RGC - com a qual, teoricamente, ele não tinha mais relação. Coisa parecida acontece com Estevam. O Omega no qual circula, com suas iniciais e idade gravadas na chapa (EHF-0048), foi emplacado em Campinas, em nome de uma bispa da Renascer que não é da família. Pode ser pura coincidência, é claro. Mas peritos fiscais lembram que deixar bens em nome de terceiros evita que sejam apreendidos como cobrança de dívidas. E os esconde do Imposto de Renda.

A olhos mais condescendentes alguns desses rolos financeiros podem parecer recursos não propriamente legítimos, mas aceitáveis num país com leis tão complicadas e cotidiano econômico tão incerto. No Brasil muitas empresas têm caixa dois, empurram as dívidas ao limite e, aqui e ali, tentam driblar a lei. A diferença é que a Renascer não é uma empresa. É uma igreja e, como tal, exibe uma imagem de integridade, honestidade, correção. Um dos temas favoritos da bispa Sonia, em suas pregações aos fiéis, consiste em condenar o farisaísmo. Apesar disso, sua igreja não funciona como as denominações evangélicas tradicionais. Estas são gerenciadas pela comunidade. Como num condomínio, elege-se um tesoureiro para cuidar dos recursos. Ele paga o salário ao pastor. O valor é determinado pelos fiéis. Há fiscalização e controle das verbas. É assim nas igrejas batistas, presbiterianas, metodistas ou episcopais, entre outras. Na Renascer é diferente. Na sede da fundação, em São Paulo, o apóstolo e seu time juntam o dinheiro arrecadado, contam a bolada e definem como ela será usada. ÉPOCA entrevistou duas pessoas que testemunharam essas cenas. "É impressionante. Os malotes de dinheiro chegam e aqueles homens se transformam. Contam o dinheiro totalmente compenetrados, separam as notas em pequenos montes e, no final, oram de mãos dadas", diz uma delas.

A arrecadação não é menos impressionante. "Era comum os pastores dizerem para oferecermos nossos limites no cheque especial", diz a professora Maria Margarida, de Brasília, agora ameaçada de perder sua casa. Ela mesma chegou a entregar cinco cheques pré-datados de R$ 2 mil à igreja. Depois, descobriria que os cheques dos fiéis eram vendidos pelos pastores a empresas de factoring da cidade. Muitas delas depositavam os pré-datados antes do prazo, e os fiéis se complicavam com a Justiça porque não tinham saldo em conta. Para as vítimas da Renascer, não adianta se queixar ao bispo.

Eles sabem viver bem

Os Hernandes exibem glamour em casas bacanas, carrões, festas, jóias e roupas de grife. Só seus credores não estão felizes

Em 16 anos o apóstolo Estevam Hernandes e sua mulher, a bispa Sonia, trocaram uma pequena casa alugada no bairro paulistano da Vila Mariana, típica região de classe média, por um apartamento de quatro suítes e quatro vagas na garagem na exclusiva Chácara Klabin. Sonia era comerciante, dona de uma pequena butique, e comprava roupas em bancas de camelô no Rio de Janeiro para revendê-las em São Paulo. Estevam fez carreira como gerente de marketing em empresas como Xerox e Itaútec.

Hoje o casal leva uma vida folgada. Sonia usa peças de grife como a do estilista Cacau Brasil, que cria vestidos de noite de R$ 12 mil. Gosta de desfilar brincos caros e colares de pedras preciosas. Algumas das peças que usa em seu programa diário na TV são emprestadas pela H.Stern. Outras foram compradas. Estevam coleciona relógios de luxo e adora carros importados. O casal passa temporadas num condomínio em Boca Ratón, a cidade mais cara do litoral da Flórida, nos Estados Unidos. O estilo glamouroso ganhou as páginas das revistas de celebridades. O casamento da filha Fernanda, de 20 anos, com o modelo Douglas Rasmussen, de 30, no ano passado, mereceu cobertura especial. No coquetel, serviram-se escargô, patê de coelho e caviar. No jantar, salmão e ravióli de faisão.

Ao se mudar para o apartamento em que vivem hoje, os Hernandes deixaram uma mansão de 1.000 metros quadrados a poucas quadras de distância. Numa cena que repete o comportamento da Renascer em Cristo com seus fiéis, também deixaram dívidas. Eles respondem a uma ação de despejo impetrada pela dona do imóvel, a viúva Ana do Carmo Vieira Dalpré, de 64 anos. Ela reclama do não-pagamento de três meses de aluguel, além de IPTU, água e luz, e do desaparecimento de um bar de madeira nobre avaliado em R$ 15 mil. Aos amigos, Estevam e Sonia disseram que o motivo da mudança foi o medo de seqüestros. Numa cidade como São Paulo, onde esse crime se transformou em tragédia, o temor é legítimo. Nas antigas casas ocupadas por eles, porém, quem vive à espreita são oficiais de Justiça. “Não pára de chegar gente aqui atrás deles para entregar intimações”, conta o representante de vendas Alcides Bravo, que sucedeu aos Hernandes como inquilino de uma casa no Jardim Glória.

De modo geral, é preciso muito esforço para resolver uma pendência financeira com os Hernandes. Aquela grande festa de casamento da filha Fernanda, por exemplo, foi paga com nove cheques borrachudos. O bufê Rosa Rosarum, um dos mais concorridos da capital paulista, teve de mobilizar seu departamento financeiro para receber uma a uma as parcelas referentes ao pagamento de R$ 35 mil. Várias vezes os cheques do casal voltaram por falta de fundos – e os cobradores tinham de ligar para a Renascer, acertando novas datas para reapresentá-los. O bufê teve ainda de conter os ânimos: a festa seria para 350 convidados, mas apareceram, na hora, 500.

As várias pessoas ouvidas por ÉPOCA são unânimes em afirmar que Estevam e Sonia Hernandes inspiram muita confiança e, por isso, não se imagina a encrenca que pode surgir nos negócios fechados com eles. Estevam tem ainda uma experiência profissional que aprimorou seu talento para convencer pessoas. Em cursos internos, em que investe na formação de pastores, ele adota uma apostila intitulada A Igreja Usando o Marketing como Arma Espiritual. Como nas empresas, os pastores têm metas a cumprir, como uma quantidade a atingir de novos templos.

Foi assim que sua igreja conseguiu atrair o público de classe média com eficiência muito maior que a das concorrentes. A Universal, por exemplo, sustenta sua popularidade com cultos nos quais o ponto alto é o exorcismo. Já a Renascer é descolada, freqüentada por jovens que vão ao templo como quem vai a um show. A linguagem utilizada é a mesma dos astros de rock. “Jesus era um cara muito pirado. Não morreu. Apenas deu um tempo”, prega a bispa. “Deus é uma coisa muito quentinha e gostosinha”, diz ela, em outro de seus sermões. A Renascer também enfatiza a alegria de viver e o consumo sem culpa. “Eles apresentam uma teologia espúria, que não é condizente com os preceitos de Jesus Cristo e não encontra respaldo na reforma protestante”, afirma o pastor batista Ariovaldo Ramos, da Associação Evangélica Brasileira, que congrega 32 igrejas históricas, como a presbiteriana, a metodista e a luterana.

Para falar sobre esses assuntos e esclarecer todas as acusações que pesam sobre a Renascer, o apóstolo Estevam, a bispa Sonia e também o bispo Antônio Carlos Abbud foram procurados por ÉPOCA na semana passada. A revista insistiu num pedido de entrevista desde a terça-feira até o fechamento desta edição. Muitos recados foram deixados com o assessor de imprensa Vladimir Alves, com a secretária Márcia Cristina e com a assistente do apóstolo, a pastora Nilda Souza. E-mails foram enviados. Às 14h30 da quinta-feira, por telefone, Estevam garantiu: “Não tenho nada para esconder. Nem eu, nem a igreja. Aqui tudo é transparente. Posso até mostrar minha declaração de Imposto de Renda”. Prometeu ligar em 40 minutos para acertar hora e local para uma entrevista. Não voltou a fazer contato. ÉPOCA continuou insistindo e designou repórteres para fazer plantão na Rede Gospel, na Fundação Renascer, no templo-sede da igreja e na Abbud Comunicação. Na tarde da sexta-feira o apóstolo enviou à redação uma nota não assinada, mas identificada como de sua autoria, na qual argumenta: “O prazo que nos foi dado pela revista nos impede de atender ao pedido porque estamos com nossa agenda totalmente comprometida com a organização da Marcha para Jesus”.

Esse comportamento esquivo apenas deixa claro que os líderes da Renascer em Cristo não queriam prestar nenhum esclarecimento sobre os processos que pesam sobre eles. Também se colocaram acima das queixas de fiéis, que, iludidos, entregaram o patrimônio duramente acumulado ao longo da vida inteira para a igreja e agora podem perder tudo em função de calotes que ninguém entende. Assim como não atendem os telefonemas de várias de suas vítimas, os líderes da Renascer evitam contatos com jornalistas.

Voltar
Hosted by www.Geocities.ws

1