Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 22/05/94
"Aí, galera, vamos dar uma bênção
para os de casa?" É o pastor-DJ começando o
culto-show da Igreja Renascer, do alto de um palco num velho
cinema da Aclimação. Cerca de 3.000 jovens se
levantam do chão de cimento que abriga até 8.000
pessoas nas férias. São 20h.
"Estamos inaugurando um superpoint na
zona leste", diz ele, sobre um novo templo. "Eu já
falei, vou repetir, é Jesus Cristo quem comanda por aqui",
responde a fiel. Entra a banda Katsbarnéa, de hard rock. "Prostituta,
travesti, Jesus te Ama!", berra a letra. Aí, ele
chega.
De jeans surrados, jogando camisetas para
a platéia, o pastor Estevam Hernandes Filho (foto) sobe
ao palco. Barriga saliente, ele lembra o Fred Flintstone, usa
franja e tem tiques. "Vou ler uma história da 'Bíblia'
extremamente chocante", começa.
Gritos. "Você já tentou
cocaína, baseado, e furou. Jesus não fura com você."
A moçada delira. Estevam pede que cigarros e baseados
sejam jogados no palco. É obedecido. Seu auxiliar pisa
furiosamente nos objetos (e guarda-os numa sacolinha).
"Senhor, eu oro em nome dessa moçada
incrível. Amém. Uma super-salva de palmas para
Jesus!" Grand finale, entra a banda Oficina G3, cujo
pastor-líder-vocalista faz evoluções ao
skate.
Gospel aqui está longe do canto
religioso criado por negros norte-americanos no final do século
passado. Cabe tudo. "Rock, reggae, pagode, samba, balada,
thrash", ensina Sônia.
Há ainda a Gospel Wear, de roupas.
A Editora Renascer, de livros. A Rede Gospel de Comunicação,
produtora de vídeo. O marido de Sônia, Estevam, e o
sócio (e também pastor) Antônio Carlos
Abbud, 33, registraram e detêm o nome "gospel"
no Brasil. Mais de 20 empresas foram licenciadas.
No boletim da fundação e nos
intervalos dos programas encontram-se anúncios assim:
Romez, "a sua empresa gospel de informática".
Ou Brother Simion Confecção: "Você quer
aumentar a sua renda e ainda evangelizar e ganhar vidas para
Jesus? Vem pra bênção você também.
Amém!". E empresas de turismo, convênio médico,
imóveis, restaurantes etc.
Em pelo menos dois dos 30 templos, há
uma lojinha. Camisetas (10 URVs) com a inscrição "Se
você se sente jogado pelas ondas, deixe que o mestre seja
a quilha da sua prancha e surfe em paz". Bandanas com o
nome "Jesus". CDs, broches. Aceitam-se cartões.
Sem acréscimo.
Por fim, dois disque-900, com mensagens de
fé, que recebem 4.000 chamadas por mês (CR$ 1.750
cada). E o S.O.S da Vida, ou Gospel Line, ao vivo, espécie
de "CVV de Cristo", com 3.000 ligações
por mês. O CVV recebe 1.500.
O shopping da fé parece não
abalar a pastora. "Jesus ficava maus com o comércio
no templo." Está rica? Ela sorri, mostra sua sala na
Igreja e responde: "Só se for espiritualmente".
É verdade, o lugar não
surpreende exatamente pelo luxo. Com chão de pedras
pretas e divisórias Eucatex, o principal é uma
mesa de vidro fumê. Sobre ela, uma "Bíblia"
aberta em S. Mateus 11 ("Não se escandalize com as
coisas de Deus"), um celular, uma agenda com o adesivo "Jesus:
Este nome tem poder". E um porta-papel com a inscrição:
"Shalom" (paz, em hebraico), a mesma do capacho. Ao
lado, um menorá, castiçal judeu de cerimônias.
"Não tem nada a ver, mas amo Israel", diz. "Afinal,
tudo rolou lá."
De seu, Sônia diz ter um terreno. "Doamos
tudo para a fundação": dois imóveis e
dois carros. Mora num sobrado "alugado" e guia uma
Saveiro 90. Ah, e a BMW.
A BMW tem uma história curiosa. A
fundação realizou um sorteio com 20 números.
O ganhador levaria uma BMW 318 azul, ano 93, no valor de US$ 60
mil. Sônia e Estevam compraram um número. Adivinhe
quem ganhou? "Mas eu tenho prova da veracidade do sorteio",
responde Sônia. "Pô, acham que a nossa pregação
não dá certo para a gente?".