O Enigma da Pir�mide: Por Dentro do Pr�-Vida
Dagmar Serpa

 

Publicado na Revista Marie Claire N. 68, novembro de 1996

"Se voc� j� estiver preparado, uma for�a maior o levar� ao Pr�-Vida"

          A rep�rter Dagmar Serpa foi conferir o que estava por tr�s da frase estampada em adesivos em forma de pir�mide dos carros que circulam pelas ruas de diversas cidades do pa�s. Passando-se por uma publicit�ria, freq�entou durante duas semanas os proclamados cursos de treinamento da mente. N�o encontrou o prometido mundo melhor e sim uma organiza��o interessada em arrebanhar, de prefer�ncia, seguidores financeiramente saud�veis. Levita��o, clarivid�ncia, cobran�a de d�zimos, adultera��o de conceitos cient�ficos. Uma escola de filosofia ou uma vers�o da Igreja Universal para a classe m�dia?

 

O Enigma da Pir�mide

     Vis�o a�rea da nova sede do Pr�-Vida em S�o Paulo: "aulas para os eleitos da Terra".

          Poucas vezes o segredo funcionou t�o bem como a alma de um neg�cio. O Pr�-Vida cerca sua atua��o de mist�rio. Apresenta-se como uma escola filos�fica de desenvolvimento mental, mas n�o divulga m�todos e conte�do dos cursos. Quem quiser saber mais deve literalmente pagar para ver. Ou melhor, ingressar no quadro de alunos. � o que constato no primeiro telefonema, ap�s receber de Marie Claire a miss�o de desvendar os bastidores desse enigm�tico grupo. Quando come�o a freq�entar o curso B�sico, descubro que n�o se trata apenas de uma escola filos�fica �s voltas com as velhas interroga��es do esp�rito humano - quem somos, por que vivemos, para onde iremos. Em muitos pontos, as aulas se assemelham aos cultos da Igreja Universal do Reino de Deus e afins. De maneira mais sutil, o Pr�-Vida tamb�m envolve, incute id�ias, desperta culpas, cobra d�zimos. N�o falta nem mesmo a revela��o da exist�ncia de um para�so na Terra.

          Alguma vez na vida voc� ouviu falar que "um mundo melhor" existe aqui e agora? Para desfrut�-lo, basta entrar para o Pr�-Vida e conviver com os "irm�os" do grupo. E n�o s�o poucos os que fazem essa op��o. Chegam a abandonar outras atividades para marcar presen�a constante nos cursos, prestar trabalho volunt�rio e integrar definitivamente o rebanho de eleitos. A compara��o � quase inevit�vel: o Pr�-Vida atua como uma vers�o mais elaborada da igreja do bispo Edir Macedo. Dirige-se � classe m�dia alta e, portanto, utiliza meios mais complexos de persuas�o. O discurso dos monitores � articulado. No lugar de trechos b�blicos, supostas refer�ncias cient�ficas. De Einstein a Freud e Jung, proliferam cita��es que procuram emprestar credibilidade aos ensinamentos.

          Antes de descobrir esses e outros detalhes, tive de passar por uma entrevista para ser aceita no seleto rebanho. Durante a conversa n�o revelei, claro, minhas inten��es jornal�sticas. Criei uma pequena mentira. Disse ser uma publicit�ria em busca de sucesso profissional. Admito que estava um pouco amedrontada. Se soubessem ler pensamentos, como de fato sugerem, descobririam a farsa. Mas a hist�ria convenceu e fui aprovada com a garantia de que, ao final do curso, teria mudan�as radicais na minha vida. Que tipo de mudan�as? "Voc� ver� os resultados", desconversou uma educada monitora na faixa dos 50 anos.

          A manuten��o do suspense tem finalidade. O Pr�-Vida funciona como um grupo "inici�tico", segundo a classifica��o do antrop�logo Jos� Guilherme Magnani, professor da Universidade de S�o Paulo. "� a mesma estrutura de sociedades como a ma�onaria e a rosa-cruz", ele compara. "Nessas organiza��es, h� sempre um segredo mantido pela lealdade dos adeptos. � preciso passar por etapas para ter acesso a certas dimens�es do grupo". Quer dizer, para conhecer o referido "segredo", � necess�rio prosseguir na inicia��o - o que no Pr�-Vida significa pagar mais e mais cursos. Como a meta � conquistar adeptos selecionados, de prefer�ncia os financeiramente saud�veis, a propaganda � dirigida. O Pr�-Vida mant�m uma p�gina na Internet e promove divulga��o boca-a-boca - alunos de cursos avan�ados levam parentes, amigos e conhecidos. Outra ferramenta publicit�ria � um adesivo para ser colado no vidro do carro. O an�ncio traz uma frase que confirma o teor enigm�tico utilizado pelo grupo: "Se voc� j� estiver preparado, uma for�a maior o levar� ao Pr�-Vida". Quem ler - e n�o conseguir segurar a curiosidade - ir� telefonar.

          Logo no primeiro dia, percebo que o marketing do mist�rio funciona. Cerca de 60 pessoas desembolsaram R$ 350,00 para "aprender a utilizar melhor o c�rebro". A procura � tamanha que a organiza��o promove de dois a quatro cursos iguais a este por m�s - n�o s� em S�o Paulo, mas tamb�m em v�rias cidades do pa�s e em Buenos Aires, na Argentina. Fa�o uma conta r�pida, considerando a presen�a m�nima de 50 alunos em cada um deles, e constato que o Pr�-Vida deve faturar pelo menos de R$ 35 mil a R$ 70 mil reais por m�s s� com essa fonte. E os cursos n�o s�o a �nica forma de ganhar dinheiro. O clube de Campo, situado em Arai�oiaba da Serra, no interior de S�o Paulo, � outro neg�cio bastante rent�vel.

 

� Proibido Anotar

     O adesivo de propaganda e o crach� de identifica��o da rep�rter no curso: promessas de um mundo melhor.

         Uma nova sede do Pr�-Vida em S�o Paulo est� funcionando desde agosto. Erguido nas imedia��es da Marginal Pinheiros, o pr�dio ostenta uma vistosa pir�mide em sua fachada e abriga os cursos ministrados na capital paulista. Substituiu outras duas sedes, situadas nos bairros de Moema e Vila Ol�mpia. Fiz o B�sico na casa da Alameda dos Nhambiquaras, em Moema, pouco tempo antes da inaugura��o do pr�dio da Marginal. No primeiro dia, uma segunda-feira, chego 30 minutos antes do hor�rio estipulado. A aula estava marcada para come�ar �s 20:30. Procuro um lugar vago entre as cadeiras enfileiradas, que  acomodam homens e mulheres com idades e profiss�es variadas. H� m�dicos, engenheiros, professores, estudantes, publicit�rios, empres�rios, donas de casa. E tamb�m crian�as e adolescentes (maiores de 9 anos podem freq�entar o curso).

          Enquanto espero, converso com uma colega. Ela namora um "avan�ado" do Pr�-Vida e est� l� por insist�ncia dele. Tem 24 anos e � muito falante. A aula come�a com atraso - o que se repete todos os dias. A monitora fala longamente sobre as agruras do mundo moderno, as guerras, as doen�as, as drogas. Fico olhando os rostos atentos e percebo que tr�s alunos avan�ados est�o sentados em posi��o estrat�gica para assistir a plat�ia. Sinto-me vigiada. Tento decifrar o que estariam observando. Nessa primeira aula, a monitora garante que aquela semana mudar� a nossa vida e promete algo do tipo: satisfa��o "garantida ou seu dinheiro de volta".

          Durante a minha maratona de "desenvolvimento mental", ouvi ensinamentos sobre o funcionamento do c�rebro, sono, poderes das pir�mides, energia, aura e fen�menos de levita��o e materializa��o. Participei de sess�es de relaxamento e pratiquei exerc�cios comandados pela monitora. Mas, nesses tempos de farta literatura esot�rica, cursos de auto-ajuda aos borbot�es e familiaridade com anjos, achei que nada poderia ser visto como novidade.

          O entusiasmo dos meus colegas, no entanto, confirmou n�o ser essa a opini�o da maioria. Boa parte parecia estarrecida. Mas ser� o conte�do que conquista os alunos ou a forma como ele � transmitido? Para se ter uma id�ia, somos instru�dos a "sentir" o que est� sendo falado. N�o temos autoriza��o de fazer qualquer anota��o. O professor do Departamento de Psicologia Social da Universidade de S�o Paulo, Esdras Guerreiro Vasconcellos, explica por que esse detalhe � t�o importante, "O ensinamento da primeira noite � internalizado no n�vel da consci�ncia, mas uma parte se perde. Na noite seguinte, outra leva de conhecimentos � internalizada da mesma forma e s� uma parte fica - e assim sucessivamente", afirma. Como nossa mem�ria possui capacidade limitada, segundo o professor, a internaliza��o torna-se um processo inconsciente. Com um agravante: o curso compacto n�o oferece tempo para elaborar o aprendizado. Conclus�o: "A pessoa guarda essencialmente aquilo que tem valor emocional". Em conversas durante os intervalos, percebo que muitos chegam ao Pr�-Vida em busca do gen�rico "algo mais". Ou est�o embalados por crises conjugais, dificuldades profissionais, estresse acumulado.

          A aula de ter�a-feira trata do sono e sonhos. Freud e Jung, os mais badalados estudiosos do tema, n�o s�o esquecidos. O b�-a-b� das teorias de ambos faz parte do menu de ensinamentos do dia. Depois, aprendemos a programar nosso c�rebro para acordar no hor�rio desejado, lembrar dos sonhos ou ter um sono revitalizante. Basta, antes de adormecer, em estado de relaxamento, emitir uma ordem objetiva para ele. Assim, se eu ordenar que "quero acordar �s 7 horas", despertarei. Se s� possuo quatro horas dispon�veis para dormir, devo apenas dizer com firmeza a meu c�rebro que acordarei disposta e descansada. E ponto final.

 

Contrabando de Einstein

          A aula de quarta-feira � anunciada como especial e ansiosamente aguardada por todos. No encerramento da noite anterior, somos avisados de que teremos um grande dia. Receberemos um ensinamento, cunhado de "chave de prata", que nos ajudar� a abrir portas da felicidade. Durante a explica��o, descobrimos que a "chave" em quest�o leva o nome pomposo de "Verdade Suprema e Absoluta ao n�vel da Consci�ncia Humana". Mas rapidamente verifico que o resumo da �pera � menos sofisticado e equivale � difundida id�ia de que a energia do pensamento tem poderosa for�a. Todos s�o instru�dos a fazer "tela mental" para o que quiserem. Em outras palavras, quem almeja um carro novo precisa, em primeiro lugar, determinar marca, cor e detalhes. Depois, imaginar-se desfrutando da superm�quina, no velho estilo Lair Ribeiro. Se conseguir "eliminar conflitos" - do tipo "ser� que mere�o?"-, vai obter o que pretende. Para convencer sobre a veracidade dessa sabedoria, a aula inclui exemplos de pessoas que alcan�aram o desejado. At� mesmo a equa��o de Einstein - E=mc� - entra na dan�a, numa tentativa de provar que a energia do pensamento � capaz de materializar desejos.

          Naquele momento, suspeito que a teoria de Einstein foi retirada de seu contexto. O professor do Instituto de F�sica da USP Luiz Carlos de Menezes confirma minhas suspeitas. "� uma interpreta��o rastaq�era da ci�ncia", critica o f�sico. Ele explica que � poss�vel transformar mat�ria em energia e vice-versa, desde que sejam observadas "determinadas leis de conserva��o". E conclui: "N�o desprezo outras formas de conhecimento que n�o sejam a dos cientistas. Mas tenho grande desconfian�a desse contrabando de conceitos. Voc� pode usar a f�rmula de Einstein at� para vender pasta de dentes".

          A noite da grande apoteose � marcada para sexta-feira. Teremos demonstra��es de cura. Alunos avan�ados promovem uma sess�o r�pida de imposi��o de m�os. No melhor estilo Doril, a dor de cabe�a de um colega simplesmente sumiu. Outro garante que se livrou do inc�modo no est�mago e uma terceira sente a inflama��o na garganta aliviada. Lembro novamente dos cultos da Universal com suas curas, mas o pior ainda est� por vir. Chegou a hora e a vez de despertar culpas e induzir todos a fazerem uma auto-avalia��o. "Classifique-se", ordena a monitora. Ela sugere que cada um fa�a uma auto-avalia��o do seu est�gio de evolu��o. A "evolu��o" pregada pelo Pr�-Vida, grosso modo, significa migrar do reino "mineral", formado pelas pessoas menos evolu�das, passar pelo intermedi�rio mundo "vegetal" e atingir o grupo dos "animais superiores". Esses �ltimos, segundo eles, s�o aqueles que praticam "a ajuda verdadeira" e tratam os outros como "irm�os".

          Os �ltimos momentos da aula reservam mais surpresas. Faremos um exerc�cio para sentir a chamada "harmonia universal". Estamos relaxados quando a monitora come�a a ler um texto escrito pelo fundador do Pr�-Vida, o m�dico Celso Charuri. O texto descreve o ser evolu�do como aquele que "conhece-se a si mesmo, tal qual �, e conhece a Deus". Enquanto isso, uma fita mal gravada, com chiados de fundo, embala a catarse com a vers�o instrumental do tema da Disneyl�ndia - "Para ser feliz � preciso ver / Este c�u azul na imensid�o... / H� um mundo bem melhor" etc. Muitos n�o seguram as l�grimas.

          O s�bado promove mais catarse. A monitora nos conduz a um castelo imagin�rio, onde encontraremos o chamado "guardi�o" ou o "eu maior". Cada um pode enxergar a imagem que bem quiser. Durante o "encontro", alguns choram e posso ouvir os solu�os. No final, todos os alunos contam o que viram. O campe�o absoluto das cita��es � Jesus Cristo. houve at� quem mantivesse contatos imediatos com "um monge", "um oriental" ou "um hindu". Da minha parte, confesso que n�o vi nada.

          Na manh� de domingo, estou esgotada. Na reta final da maratona, somos orientados a praticar tudo o que aprendemos nas aulas. Fazemos exerc�cios "parapsicol�gicos" em duplas. Imaginem, por exemplo, que meu companheiro far� minha m�o levitar. Depois, eu repetirei a dose com a m�o dele. Na hora, abro discretamente um dos olhos para conferir se meu colega j� eliminou a for�a gravitacional. Vejo que sim e vou suspendendo vagarosamente minha m�o para que ele se sinta feliz e satisfeito.

          O destaque da manh� � a sess�o de clarivid�ncia. Funciona mais ou menos assim: uma das partes da dupla entra em alfa (pratica o relaxamento) e a outra cochicha o nome de algu�m de seu rol de amigos, acompanhado de idade e endere�o. Quem ouviu n�o conhece a pessoa, mas deve visit�-la mentalmente e descrev�-la - e, quem sabe, falar algo sobre sua personalidade. Torci para que, pelo menos isso, desse certo. Tive uma clarivid�ncia? Claro que n�o. Quase todos, entretanto, garantem que obtiveram �xito. E quem errou a descri��o contou com o apoio do companheiro e da monitora para arriscar uma adapta��o convincente do que "viu". Exemplo: se a "clarividente" enxergou uma morena, e ela � loira, chutavam: mas ser� que ela n�o pintou o cabelo? Pior: mas ser� que n�o pensa em mudar a cor? E assim por diante. Cada um relata sua hist�ria, os outros batem palmas e d�o nota dez.

          Um m�s mais tarde, tenho a oportunidade de repetir o B�sico. Os interessados em prosseguir na "inicia��o" necessitam cumprir esse procedimento. Precisam assistir de novo �s sete aulas e registrar oficialmente a presen�a. Desta vez, contabilizo mais de cem novatos, al�m de cerca de 200 "repetentes". Desde o primeiro momento, percebo que o discurso � igualzinho. Mudou o monitor, mas as aulas continuam as mesmas. Como no primeiro B�sico, muitas perguntas ficam sem resposta porque s�o assunto de cursos mais avan�ados. Um colega pergunta por que a pir�mide azul � mais indicada para auxiliar curas. A resposta: "Isso voc� vai saber no Avan�ado 1". Nem todos, por�m, chegar�o l�. No terceiro dia de repeti��o, constato a desist�ncia da jovem publicit�ria, que foi minha colega na primeira vez e era uma das mais entusiasmadas. Ao mesmo tempo, outro colega, um empres�rio de 33 anos, confidencia que n�o tem certeza se prosseguir�. Passou a fase da empolga��o. Um dia, at� brincou comigo que estava se sentindo "na igreja do Edir Macedo".

 

D�zimos Para Treinar o C�rebro

     Detalhe da placa do departamento de recolhimento de d�zimos.

          Aqueles que resistem � prova��o de assistir a todas as aulas novamente - e permanecem entusiasmados - est�o fisgados e prontos para se matricular no Avan�ado 1. E, a�, o c�u pode n�o ser o limite. "Desde o B�sico, o aluno vai sendo envolvido aula ap�s aula. Colocam em sua cabe�a que harmonia e amigos s� se encontram ali. Voc� acaba se convencendo de que � mais do que os outros", explica a ex-integrante Elza Aparecida de Castro. Conforme informa��es de ex-adeptos do grupo, depois do Avan�ado 1, vem o curso Introdu��o. Ambos custam igualmente R$ 350 e s�o seguidos dos Avan�ados 2 ao 7. Para ser promovido, � preciso passar por uma esp�cie de comiss�o julgadora, que escolhe os "eleitos". Por isso, muitos adeptos permanecem anos no mesmo curso e n�o s�o autorizados a seguir adiante. Os que atingem os tr�s �ltimos n�veis s�o identificados por um crach� com o s�mbolo "4/", que significa "avan�ados quatro e meio". Do seleto grupo fazem parte basicamente diretores, conselheiros e monitores.

          A exemplo de diversas seitas evang�licas, o Pr�-Vida tamb�m recolhe d�zimo. N�o existe uma press�o escancarada para doar dinheiro como nos cultos da Igreja Universal, onde pastores aos berros lembram aos fi�is que "Deus quer dar, mas o dem�nio segura a carteira". O convencimento � sutil. Quem colocar os p�s na escola ser� contemplado por uma frase de pretenso efeito sugestivo: "O privil�gio de ser nas m�os de quem d�". Essa mensagem, assinada pela Central Geral do D�zimo e seguida pelo n�mero de uma conta banc�ria est� estampada nos crach�s recebidos pelos alunos, nas paredes e at� na p�gina da Internet. O lucro, em �ltima an�lise, � o sabor predominante nesse caldeir�o que mistura psican�lise com neuroling��stica, princ�pios de f�sica com jarg�es de auto-ajuda, ret�rica evang�lica com estrutura de ma�onaria, parapsicologia com fic��o cient�fica.


 

Uma Escola de Repetentes

"Fiquei dez anos barrada no mesmo curso. Diziam que faltava pouco para passar para a pr�xima etapa" J�lia P. Oswald, 56 anos

          "Entrei para o Pr�-Vida em 1981. Fui para inscrever meu filho que tinha 15 anos e se interessava por esses assuntos. Acabei me inscrevendo tamb�m e fiz o B�sico, o Avan�ado 1 e a Introdu��o. Fiquei l� durante 11 anos. Por dez, permaneci barrada no mesmo curso. Passava por avalia��es e falavam que ainda n�o estava preparada para seguir adiante. Diziam 'faltou s� um pouquinho'. E eu me culpava: 'O que ser� que ainda n�o enxerguei?' Meu filho n�o continuou. Ele dizia: 'M�e, este � um esquema para manipular as pessoas'.

          Em 1987, adquiri um chal� no Clube de Campo Pr�-Vida. Algumas pessoas vendiam casa, carro, j�ias, tudo para comprar aquele m�dulo. S� com o tempo fui percebendo que estava dentro de uma empresa. Em 1992, passei a freq�entar uma escola de uma ex-disc�pula. Eles descobriram e me expulsaram por isso. Pagaram cerca US$ 5 mil para eu devolver o m�dulo. Mais tarde, soube que ele j� estava vendido para outra pessoa por US$ 25 mil.

          No Pr�-Vida, os alunos se sentem presos. N�o tem gente que vai para umbanda ou para a Igreja Universal do Reino de Deus? Ali, o fanatismo � o mesmo. Os monitores passam a id�ia de que, se voc� se desligar do grupo, voc� se desliga da 'for�a'. Conheci mulheres que deixaram de cuidar dos maridos e dos filhos para viver enfiadas l� dentro. Tive de fazer terapia durante um ano e meio. Foi o que me salvou."

 

O Processo de uma Dissidente

"N�o queria mais fazer parte de uma organiza��o que n�o usa com seus semelhantes os princ�pios que prega" Elza Aparecida de Castro, 58 anos

          Madrugada de 10 de outubro de 1992. Elza Aparecida de Castro, hoje com 58 anos, dormia em seu chal� do Clube de Campo Pr�-Vida em Ara�oiaba da Serra, interior de S�o Paulo, onde morava desde novembro de 1998. Acordada por volta das 2h30 com vigorosas batidas na porta, levantou-se assustada. Deparou com tr�s membros do Pr�-Vida - uma conselheira, uma secret�ria e um seguran�a. A comitiva queria arg�i-la sobre seu contato com uma dissidente do grupo, que montou outra escola em moldes semelhantes. O irm�o de Elza, tamb�m integrante do Pr�-Vida, era o autor da den�ncia. Naquela �poca, Elza j� havia descoberto que "o mundo melhor n�o era ali".

          Desde que se matriculou no B�sico, em janeiro de 1982, Elza envolveu-se totalmente com a organiza��o. Afastou-se de amigos que n�o pertenciam ao Pr�-Vida. Depositou mensalmente 10% de tudo que ganhava, como guia de turismo, na conta da Central do D�zimo. Em 1985, adquiriu o t�tulo de 's�cio patrimonial' do Clube de Campo. Estava realizando o sonho de morar mais perto dos "irm�os" do grupo. O custo final do chal�, conclu�do em 1987, foi CZ$ 220 mil, "o equivalente a um Monza zero-km". Ela recebeu as chaves em uma cerim�nia na qual outros 53 "quase" propriet�rios tamb�m tomaram posse de seus respectivos chal�s. "Quase" porque quando recebiam as chaves assinavam um "documento comum de doa��o", com o qual ganhavam apenas o direito de uso. Quem sa�sse do Pr�-Vida deveria devolver o chal�. Em novembro do mesmo ano, Elza foi morar em seu pedacinho de para�so, j� que um filho estava casado e o outro pensava em casar logo.

          Naquela madrugada de 1992, quando foi subitamente acordada, seu para�so ruiu. Elza disse � representante do Pr�-Vida que n�o queria mais fazer parte "de uma organiza��o que n�o usa com seus semelhantes os princ�pios que prega". Ela conta, por exemplo, que precisou descarregar a sua mudan�a sozinha porque n�o deixaram o filho entrar no clube. O motivo: ela n�o podia receber ajuda de quem n�o fosse s�cio. Elza devolveu o crach�, mas recusou-se a assinar um documento de devolu��o da casa. Procurou um advogado e desde ent�o vem brigando na Justi�a para receber, em valores atuais, o correspondente ao chal� e � quantia gasta com a aquisi��o do t�tulo, em torno de US$ 50 mil, segundo o recurso da apela��o. Seu advogado alega no processo que o "documento comum de doa��o" n�o tem valor legal porque n�o foi lavrado em cart�rio. Mesmo de posse de uma medida liminar garantindo o direito de ir e vir a seu chal�. Elza foi impedida de entrar no clube em setembro do ano passado.

          Se ganhar na Justi�a, Elza estar� provando que o clube, criado em 1979 como associa��o sem fins lucrativos, transformou-se em uma galinha dos ovos de ouro. Com suas atuais 622 unidades, ele funciona como uma fonte de rendimentos em progress�o geom�trica, conforme as den�ncias: a diretoria se d� poderes para realizar expuls�es aleat�rias e revender os chal�s por um pre�o at� tr�s vezes superior.

 

          A rep�rter telefonou seis vezes para ser atendida por uma secret�ria do Pr�-Vida, que se apresentou como "Bia". Na �ltima tentativa, a secret�ria afirmou que o grupo n�o iria responder �s acusa��es. A reportagem ainda localizou, pela lista, o telefone da casa de um dos diretores da organiza��o, Jos� Antonio Demargos. "Podem publicar o que quiserem, n�o damos entrevista", encerrou Demargos.

 

 

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