Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 26/09/94
Uma ex-integrante do Santo Daime acusa a
seita de ser responsável pela fuga de sua filha de casa.
Ela diz que a seita fez "lavagem cerebral" em Verônica,
17.
A astróloga Alicia Castilla, 50,
participou por dez anos de um dos braços da seita
religiosa -o Céu da Montanha, em Visconde de Mauá,
distrito de Resende (RJ).
Castilla diz que a filha tinha problemas
de relacionamento na escola e com outras pessoas, mas não
com ela. As terapias tradicionais não funcionariam com a
filha.
Participante do Daime -que usa em
trabalhos espirituais a bebida ayuasca, um liberador natural do
insconsciente-, ela procurou o então líder da
seita no país, Sebastião de Melo, já morto.
Melo a teria convencido a levar a filha
para Mauá, diagnosticando "sério problema
espiritual".
Castilla diz que acreditava no Daime e que
entrou na seita pelas mãos de Alex Polaris -fundador há
dez anos do Céu da Montanha.
Mas a partir do trabalho com Verônica,
iniciado há sete anos, diz ter percebido outro lado da
seita, com atos de fanatismo e pessoas com surtos psicóticos.
Hoje, a astróloga faz críticas.
Para ela, o Daime ministra uma beberagem alucinógena em
pessoas que, eventualmente, podem possuir graves distúrbios
mentais.
Segundo ela, a filha virou alcoólatra
aos 15 anos, começou a ficar grosseira e, numa discussão,
lhe deu uma surra "em nome de Jesus Cristo e do Santo Daime".
Mãe solteira, Castilla iniciou uma
batalha judicial em Resende para tirar a filha do Daime. Em
novembro de 91, obteve um mandado de busca e apreensão,
retirando Verônica do Céu da Montanha.
Mas a garota teria se recusado a morar com
a mãe e só em novembro de 93 voltou para casa.
A mãe diz que, em janeiro de 94,
Verônica reencontrou adeptos do Daime e fugiu para a Colônia
Cinco Mil, em Rio Branco (AC).
Castilla diz que a seita entrou então
no Juizado de Menores de Rio Branco com uma queixa-crime,
alegando que a fuga fora motivada por maus-tratos da mãe.
Um líder da seita no local,
Raimundo Nonato, teria conseguido a guarda provisória de
Verônica.
Castilla obteve agora, na Justiça
de Resende, a expedição de novo mandado de busca e
apreensão da filha. Oficiais de Justiça deverão
ir ao Acre em semanas.
Seita exploraria
doentes, afirma astróloga
Publicado em 26/09/94
Autor: RONI LIMA
O quadro do Santo Daime descrito pela
astróloga Alicia Castilla mistura um assassinato, exploração
de doentes terminais e até o suicídio de um
adolescente, que se jogou numa fogueira.
Castilla afirma que vários membros
da seita já lhe relataram um crime comandado pelo chefe
da Colônia Cinco Mil, no Acre, Raimundo Nonato -o mesmo
que tem a guarda provisória da filha.
Com a ajuda de outras pessoas, ele teria
cortado o pênis de um integrante da seita, que tentara
seduzir mulheres da colônia. Com uma forte hemorragia,
teria morrido.
Dentre os casos de suicídios de
pessoas com problemas mentais, ela cita o de um amigo da filha,
Jambo Veloso de Freitas.
Após "lavagens cerebrais"
no Céu da Montanha, em Mauá, ele foi para o Céu
do Mapiá, no Amazonas -sede mundial da seita-, e acabou
se jogando numa fogueira.
A partir do Céu do Mapiá,
Castilla diz que a seita se transformou "numa multinacional",
com comunidades em cidades do Brasil, América do Sul, EUA
e Europa.
Ela afirma que o atual líder do Céu
da Montanha, o médico José Rosas, cobra até
US$ 10 mil para receber excursões de americanos com câncer
e Aids, que vêm em busca de tratamento.
Segundo ela, alguns doentes terminais já
morreram no local, em pleno ritual religioso. Castilla critica
também a cobrança de ingressos e mensalidades dos
participantes.
Ela denuncia que ONGs (Organizações
Não-Governamentais) européias estão sendo
enganadas a fazer doações de até US$ 40 mil
à seita no Brasil, para projetos de preservação
da Amazônia.
A astróloga garante que os adeptos
do Santo Daime estão destruindo partes da floresta à
cata do cipó jagube -base de produção da
bebida ayuasca.
Ela afirma não ser contra a
beberagem, que faz parte da cultura milenar de índios da
Amazônia, mas ao seu uso indiscriminado.
CRONOLOGIA
13.03.85 - A Divisão de Fiscalização
Médica do Ministério da Saúde decide
colocar a ayahuasca no índex das substâncias
proscritas do país, como maconha ou LSD.
04.02.86 - Com base em parecer dos
psiquiatras Isac Karniol e Sérgio Seibel, o Conselho
Federal de Entorpecentes (Confen) aprova a suspensão
provisória da ayahuasca da lista de substâncias
proibidas.
Março de 86 - O presidente do
Confen, Técio Lins e Silva, encarrega o conselheiro
Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá de dar um novo
parecer sobre o tema.
Setembro de 87 - Com base em parecer
assinado por Silva Sá, já ex-integrante do Confen,
o órgão torna definitiva a decisão
anterior, descriminalizando a ayahuasca.
Março de 89 - Com base numa denúncia
anônima, Laércio Pellegrino, então
presidente do Confen, decide reexaminar a questão.
Pellegrino encarrega o conselheiro Alberto Furtado Rahde de
avaliar o caso. Entre outras acusações, a denúncia
diz que os dirigentes do Daime misturam o chá com outras
drogas, como LSD, e que Silva Sá é integrante da
seita
1990 - O advogado Silva Sá volta a
ser conselheiro do Confen, agora sob a presidência de
Ester Kosovski. A presidente encarrega Silva Sá de
analisar tanto a denúncia anônima quanto o parecer
do ex-conselheiro Rahde e dar um novo parecer sobre o assunto.
Final de 91/início de 92 - Para "atualização
dos dados dos relatórios anteriores", Silva Sá
visita oito centros de seitas de usuários da ayahuasca no
Rio, Acre e Amazonas. Em seu relatório, Silva Sá
informa que foi ao Acre em companhia da mulher e dos filhos,
custeando a viagem de seu próprio bolso. Nessas visitas,
seus filhos tomam o chá alucinógeno.
1994 - A astróloga Alicia Castilla
envia dossiê ao Confen com denúncias sobre "lavagem
cerebral" que sua filha teria sofrido.
Junho de 95 - O psiquiatra José
Costa Sobrinho, encarregado de analisar o caso, conclui que a
denúncia de Castilla deve ser enviada à Justiça
e que o Confen deve criar uma comissão para estabelecer
formas de controle do uso do chá entre os seguidores da
seita, para impedir o consumo por menores e portadores de distúrbios
mentais. O conselheiro Silva Sá é nomeado
integrante da comissão.
Advogado diz que família não
influi
Publicado em 22/10/95
O advogado Domingos Bernardo Gialluisi da
Silva Sá, 54, afirma que jamais tomou alguma decisão
referente ao Santo Daime influenciado por seus filhos.
"Não foi porque os meus filhos
fazem parte do Daime ou porque tivessem qualquer experiência
com a ayahuasca que eu dei um parecer favorável. Foi
porque eu dei um parecer favorável é que os meus
filhos tiveram um dia participação ou se
aproximaram ou chegaram a fazer algum tipo de experiência",
disse Silva Sá à Folha na última
sexta-feira.
Segundo ele, sua posição
sobre a utilização do chá, "longamente
refletida e meticulosamente examinada", foi tomada em 1986,
quando ainda "não tinha f