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Biografias


Tycho Brahe

  

 (1546 - 1601)

Que um artista como Benvenuto Cellini ou Van Gogh tenha sua biografia tumultuada por violência e paixão, considera-se normal. Mas a figura estereotipada de um cientista geralmente pressupõe disciplina, método, dedicação exclusiva ou prioritária aos estudos. Não foi assim Tycho Brabe.

Durante os 55 anos de sua vida, Tycho Brahe viveu como astrônomo revolucionário e matemático, mas numa existência repassada de romance, aventura, astrologia, alquimia, fanfarronadas e charlatanice. Ainda assim, sua contribuição para o progresso da Ciência, em seu tempo, iria influenciar os trabalhos mercantes de Galileu e Kepler. Tão acuradas foram suas observações astronômicas que, ainda hoje, com todos os modernos recursos ópticos e computadores, os astrônomos consultam suas Tábuas Rudolfinas para saber qual teria sido a posição de Marte em determinada época. Foi Tycho Brahe, também, o primeiro astrônomo a levar em conta a refração atmosférica na determinação das posições dos astros, numa época em que não se dispunha sequer do telescópio.

Primogênito numa prole de dez irmãos, Tycho Brahe não poderia divisar largos horizontes na obscura província dinamarquesa de Schonen (Scania), onde nasceu. O pai, um advogado que exercia o cargo de governador de um departamento, desfrutava de posição mais honorífica que rendosa. Mesmo os recursos do tio abastado e sem filhos, que assumiu sua tutela, só prometiam a Tycho a esterilidade de uma carreira sem emoções: o tio insistia para que ele se dedicasse ao estudo das leis.

Com tão pobres perspectivas, Tycho Brahe não se sentia motivado. Não era assíduo, nem pontual na escola; não se interessava pela companhia dos colegas de estudo, que julgava tediosa; e nem derivava sua agilidade mental para nenhuma atividade específica. Mas sua personalidade emotiva iria encontrar vocação num espetáculo que o surpreendeu e deslumbrou. Em outubro de 1560, um eclipse do Sol despertou no adolescente o fascínio da astronomia, tanto pela forte emoção estética do momento, como pela admiração ante a sabedoria dos astrônomos que o haviam previsto. E assim nasceu sua obstinada decisão de tornar-se, também, um astrônomo.

E a obstinação foi necessária. O tio tutor não via proveito algum na astronomia e impunha ao preceptor do sobrinho que não lhe desse tréguas no estudo de latim e de leis. Para Tycho Brahe não havia alternativa, durante o dia, senão passar o tempo com o nariz enfiado nos livros de Direito. Mas a noite eram as estrelas e os livros de matemática e astronomia, sua paixão secreta. Mais tarde ele revelaria que, nesse período, era capaz de reduzir a duas horas seu regime de sono, para cumprir o programa duplo de estudo: o seu e o que o tutor exigia.

Aos dezessete anos, seus conhecimentos já lhe permitiam observações próprias que o levaram a uma estimulante descoberta: a conjunção de Júpiter e Saturno não correspondia à posição que os astrônomos da época haviam estabelecido!

(O universo de Tycho Brahe)

O jovem astrônomo começava a superar o ambiente científico de seu tempo, contradizendo a autoridade dos "donos da sabedoria"

Nessa época, Copérnico já havia formulado sua teoria heliocêntrica, segundo a qual os astros do sistema solar giravam em torno do Sol. Mas a teoria era rejeitada pelas facções conservadoras e tratada como heresia pelos setores religiosos, que adotavam oficialmente a teoria ptolemaica, segundo a qual todo o Universo girava obedientemente em torno da Terra.

A controvérsia entre os adeptos do sistema heliocêntrico e os do sistema geocêntrico, portanto, não era apenas uma polêmica científica, mas um debate que envolvia questões teológicas e metafísicas. Só no século seguinte, equipados com lunetas, Galileu e outros astrônomos demonstraram a existência de satélites em Júpiter, as fases de Vênus e outros fenômenos que contradiziam a base do sistema de Ptolomeu.

Logo depois de haver falecido o tio, quando Tycho Brahe chegava aos dezenove anos, o jovem astrônomo pôde esquecer as leis jurídicas para dedicar-se às leis que regem os movimentos dos astros. Tornado rico pela herança deixada pelo tutor, transferiu-se logo para Rostock, onde passou a estudar astronomia na universidade local.

Seu cérebro jovem fervia de excitação e transbordava de idéias. Mas, com menos de vinte anos ainda, o melhor julgamento que conseguiu entre os astrônomos de Rostock era o de uma complacente atenção superficial. Tycho Brahe? Ah, sim, um estudante promissor. A obscuridade em que era marginalizado exasperava o turbulento cientista. E, para sair do anonimato, tentou um golpe de publicidade, adiantando-se alguns séculos sobre sua própria época.

Sabedor de que um sultão morrera recentemente na Turquia, e ciente de que a notícia era ignorada pela maioria das pessoas, o astrônomo assumiu o papel fraudulento de astrólogo e "previu" que um eclipse iminente causaria a morte de um sultão turco. 0 eclipse ocorreu, de fato, e a morte do sultão foi confirmada pelos que se dispuseram a verificá-la. Só depois de Tycho Brahe haver recebido homenagens e caído no foco da atenção pública é que a discrepância das datas entre os dois acontecimentos pôs o logro a descoberto. Foi um escândalo. Dos debates em que se viu envolvido, acabou por resultar um duelo com outros estudantes. Conseqüência final da farsa: Tycho Brahe perdeu o nariz, decepado pelo rival mais afeito às armas.

Para casos como esse, a cirurgia plástica da época era mais um problema de ourivesaria que de medicina: enxertaram-lhe um nariz de ouro e prata. Mas tão desacreditado estava o jovem cientista que todos se referiam ao "nariz de cobre de Tycho Brahe". Apesar dessa desmoralização, as tendências supersticiosas da época permitiam-lhe um crédito de mito, que ele explorava com audácia, sarcasmo, refinamento e inteligência. As bebidas que formulava durante seus experimentos de alquimista logo lhe restabeleceram uma notoriedade favorável: Tycho Brahe passou a ser encarado como um discutido e misterioso sábio, condição grata a seu temperamento dominador e turbulento.

Em 1572, quando o astrônomo-astrólogo-alquimista contava 26 anos, um fenômeno celeste encheu de admiração e medo a Europa. Uma pequena estrela surgiu no céu e começou a crescer. Com o passar de dias e semanas, a luminosidade do astro superou a de todas as outras estrelas, a de todos os planetas, inclusive Vênus e, finalmente, clareava a noite quase tanto quanto a lua cheia. Era a explosão de uma estrela, uma supernova, fenômeno raríssimo. Durante os meses de ansiedade vividos com o fenômeno, Tycho Brahe não era mais o fanfarrão inconseqüente, mas o cientista objetivo, que estudava a posição relativa do astro e suas variações de luminosidade. Tão precisas foram suas observações que o rei da Dinamarca concordou em financiar sua publicação.

Essa consagração viria acompanhada de importantes alterações no comportamento de Tycho Brahe. Casou, abandonou a alquimia e as polêmicas, vendeu as propriedades que possuía e passou a dedicar-se com seriedade quase exclusiva aos estudos astronômicos. Não que perdesse todas as características de excentricidade do temperamento, mas já não permitia que a personalidade irrequieta se dispersasse no trabalho. E foi assim que, em 1574, chegou a ser nomeado professor da Universidade de Copenhague, por ato do mesmo Rei Frederico. Tinha 28 anos de idade.

(Observatório de Uraniborg, que Tycho Brahe construiu em 1576 na ilha de Hvee,
com estimulo e amparo financeiro do Rei Frederico da Dinamarca)

Frederico acreditava em Tycho Brahe e foi generoso na concessão de estímulos ao jovem gênio. Financiou-lhe a construção de um observatório astronômico na ilha de Hveen, em 1576, longe de influências dispersadoras e da ofuscação das luzes da capital. Ali, tranqüilizado por uma generosa pensão, Tycho Brahe pôde dedicar-se ao estudo do movimento dos planetas.

Os "telescópios" da época não eram aparelhados com lentes, mas sim com instrumentos de mira e goniômetro para determinação e posição dos astros. Os relógios, instrumentos básicos de cálculo, também ofereciam precária precisão. Tycho Brahe aperfeiçoou todo o equipamento do observatório, construído sob especificações rigorosas. Tão meticuloso e sério foi seu trabalho que as determinações do observatório de Hveen foram não apenas mais exatas que a de todos os antecessores, como também de seus sucessores, durante mais de um século. Hveen era o observatório mais moderno já construído até a época.

(Instrumentos utilizados por Tycho Brahe)

Tycho Brahe não participou da controvérsia entre os adeptos de Ptolomeu e Copérnico. Para ele, interessava sobretudo observar, calcular e prever os movimentos dos astros. Sob esse aspecto, as duas teorias diferiam muito pouco, pois a posição dos astros, observada da Terra a olho nu, não dependia de interpretações científicas.

Mas, ainda que involuntariamente, as observações exatas de Tycho Brahe permitiram comprovar a teoria de Copérnico, embora com correções, pois indicavam que a órbita de Marte se descreve elipticamente (e não circularmente, como supunha Copérnico). Foi com base nessas observações que Kepler viria a formular mais tarde suas famosas leis sobre os movimentos dos planetas.

Durante vinte anos passados em Uraniborg, como era chamado o observatório da ilha de Hveen, Tycho Brahe assumiu a posição incontestada de maior astrônomo de sua época.

Enquanto era vivo o Rei Frederico, Tycho Brahe podia descarregar impunemente sua impaciência sobre os burocratas da corte. Mas depois que Frederico foi sucedido por Cristiano IV, as relações entre o astrônomo e a casa real se deterioraram precipitadamente. Em pouco tempo, o cientista perdeu sua pensão, o cargo no observatório e, acusado de heresia, viu-se forçado a buscar asilo na Boêmia, atual Checoslováquia.

(Tycho Brahe com o Rei Rodolfo II)

Ali, o Imperador Rodolfo II o recebeu com homenagens, uma pensão e um castelo, onde Tycho Brahe instalou instrumentos menores, a partir de 1599. Nos dois últimos anos de vida, ainda sofreria o desapontamento de saber que Galileu não se interessava por suas idéias, durante uma tentativa de contato com o colega italiano. Mas, por outro lado, desfrutou do convívio de Kepler, seu hóspede durante esse período, e continuador genial de sua obra. 

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