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Biografias


Lev Davidovich Landau

  

 (1908 - 1968)

No dia 7 de janeiro de 1962, chegou ao hospital de Moscou uma vítima de um desastre automobilístico. Ela perdera bastante sangue, sofrera onze fraturas e dezessete lesões graves no coração, pulmões, cérebro, rins e sistema nervoso central. Parecia haver pouca esperança, mas os melhores médicos da União Soviética se empenharam em salvar o que lhe restava de vida.

Durante vários dias, Lev Landau, na época um dos maiores físicos teóricos do mundo, permaneceu em estado de coma, e remia-se que não tivesse possibilidade de recobrar suas faculdades mentais. A notícia logo se espalhou, e a consternação invadiu os círculos científicos de todo o mundo; cartas e telegramas chegavam a Moscou às centenas, pedindo informações e manifestando desejos de restabelecimento do acidentado.

Além de o estado geral ser muito ruim, seu organismo não respondia ao tratamento dos antibióticos aplicados que ele estava habituado a tomar. Assim, foi preciso buscar medicamentos no exterior: um avião britânico especialmente fretado transportou a Copenhague um novo tipo de antibiótico, que podia combater a infecção que se alastrava; de lá, o remédio foi levado a Moscou. Mas outros problemas dificultavam o restabelecimento do paciente: o número de fraturas era muito grande, e qualquer tentativa de colocar os ossos na posição correta poderia piorar as coisas. Os médicos, então, deixaram que os ossos se soldassem nas posições em que estavam, com o intuito de, mais tarde, corrigir a situação.

Quando o pior da crise passou, Landau estava cego, surdo, mudo e paralítico; não se sabia se suas faculdades mentais estavam intatas. No entanto, uma assistência constante permitiu-lhe reaprender a utilizar os sentidos, a falar e a movimentar-se; a memória também foi pouco a pouco voltando. Com isso, verificou-se que seu raciocínio estava perfeito. Os muitos amigos que iam visitá-lo distraíam-no com conversas que, para ele, eram muito agradáveis, mas que os médicos e enfermeiras não compreendiam - eram discussões sobre problemas de física avançada.

Lev Davidovich Landau nasceu a 22 de janeiro de 1908 na cidade de Baku, às margens do mar Cáspio. Sua mãe era médica, e seu pai, engenheiro; a isso se deveu, provavelmente, o interesse muito precoce de Landau pela matemática.

Seus estudos secundários foram muito rápidos, e aos catorze anos ele conseguiu entrar na Universidade de Baku. Dois anos depois transferiu-se para a Universidade de Leningrado; formou-se aos dezenove anos, em 1927, sendo já autor de quatro trabalhos publicados.

Completado o curso, Landau permaneceu em Leningrado por dois anos. Nessa época, as bases da mecânica quântica já se tinham firmado, e o estudo desse campo interessou-o profundamente. Em pouquíssimo tempo conseguiu dominar o assunto, e, antes de completar vinte anos, publicou um artigo em que introduzia novos contatos para a descrição dos fenômenos quânticos; as concepções que criou são ainda hoje largamente empregadas pelos físicos.

Concomitantemente, Landau estudou eletrodinâmica quântica. Assim, mal saído da escola, Landau já se projetava como um cientista promissor.

No entanto, a formação de Landau não estava completa. Faltava-lhe um contato com físicos de alto gabarito, cuja influência é insubstituível no preparo de um novo cientista. Muito importante para isso foi uma série de viagens que ele fez, entre 1929 e 1932, à Dinamarca, à Alemanha, à Suíça e à Inglaterra.

Em Copenhague, ele entrou em contato com Niels Bohr e seu grupo, de quem recebeu enorme influência; ele sempre se considerou um discípulo de Bohr. A atmosfera que impregnava esse grupo era de colaboração, entusiasmo e amizade; alguns anos mais tarde, Landau estabeleceria à sua volta, na Rússia, um clima idêntico.

Durante a época das viagens, a orientação de Landau se definiu. Aos 22 anos de idade, em 1930, desenvolveu a teoria atualmente denominada "diamagnetismo de Landau", dos metais. Tal teoria explicaria, alguns anos mais tarde, fenômenos ainda desconhecidos em 1930.

Esse é um exemplo do tipo de trabalho desenvolvido por ele. Acreditando que a mecânica quântica estava fundamentalmente correta Landau não se preocupava com os fundamentos da física; ele procurava aplicar as teorias existentes a problemas particulares, principalmente na tentativa de explicar, em termos de fenômenos atômicos e subatômicos, as propriedades macroscópicas da matéria. As questões que Landau estudava eram geralmente muito complexas; para resolvê-las, ele empregava sua grande capacidade matemática e sua intuição física, que lhe permitiam formular novos conceitos e mesmo realizar previsões acertadas. Nisso a obra de Landau é bem distinta da dos físicos teóricos mais famosos; eles se tornaram conhecidos pela realização de uma síntese - ou por imaginar alguma idéia, geral, que é depois aplicada com sucesso. Em cada um de seus trabalhos, por sua vez, Landau produzia muitas idéias importantes, que eram mais tarde desenvolvidas e aplicadas; mas essas inovações eram muito específicas, ligadas a problemas particulares muito complicados. É, por isso, difícil descrever suas descobertas em nível elementar.

Ao voltar de suas viagens, Landau retornou a Leningrado, onde, porém, ficou muito pouco tempo. Logo passou para o Instituto Físico-Técnico de Kharkov, tornando-se diretor da seção teórica desse centro; permaneceu na, posição de 1932 a 1937.

Foi nessa época que sua versatilidade começou a florescer: nenhum problema lhe era estranho; publicava vários trabalhos por ano, freqüentemente sobre assuntos completamente distintos. A constituição das estrelas, a dispersão do som, as propriedades de metais a baixas temperaturas, a transferência de energia em colisões foram alguns assuntos que o interessaram.

Essa versatilidade provinha da visão de conjunto que Landau tinha da física. Baseado em sua própria experiência, ele acreditava que todo trabalho independente, criativo, em qualquer ramo da física teórica, deve começar com um domínio profundo de todos os campos. Procurando transmitir essa visão a seus alunos, organiza um programa especial de estudos; mais tarde, ainda em Kharkov, utilizou-se o projeto em uma série de tratados de física teórica, escritos em associação com seu discípulo E. Lifchitz. Tais livros são hoje amplamente utilizados como texto em cursos de física avançada em todo o mando. Em 1962, Landau e Lifchitz receberam o prêmio Lênin pela autoria desse curso.

Landau preocupou-se, nessa época, com a formação de um círculo de pesquisadores a seu redor. Graças a sua influência, formou-se a atual geração de importantes físicos teóricos soviéticos. Talvez, se considerada a longo prazo, essa tenha sido a maior contribuição que ele deu à física: educar um grande grupo de cientistas.

Em 1937, Landau foi chamado a dirigir o setor teórico do Instituto de Problemas Físicos de Moscou, onde permaneceu até o acidente de 1962. Os estudos experimentais que lá estavam sendo realizados por Kapitza lhe chamaram a atenção, e ele logo começou a tentar explicar os fenômenos que eram observados.

No estudo da física das baixas temperaturas, descobriram-se muitos fenômenos estranhos, como a superfluidez do hélio líquido. Essa propriedade faz com que o hélio suba pelas paredes dos recipientes em que é colocado, e acabe por derramar totalmente se o frasco não é fechado.

Landau atacou com vigor o problema da física das baixas temperaturas, e em 1941 tinha resolvido os problemas básicos mais importantes. Ele explicou a superfluidez supondo a existência de um novo tipo de entidades, certos movimentos coletivos de partículas; trata-se de excitações elementares, ou quase-partículas. Ele as chamou de rótons, e mostrou que elas só podem existir no estado de equilíbrio em certas condições energéticas especiais. Com isso, pôde explicar os fenômenos do hélio no estado líquido.

Como conseqüência de sua interpretação da superfluidez, Landau foi capaz de prever a existência de um tipo de propagação vibratória no hélio líquido distinto do som ordinário. Ele o denominou segundo som. Estudando as colisões dos rótons com os fónons - tipo de ondas que transmitem o calor -, Landau pôde também prever a maneira como o segundo som iria se atenuando à medida que se propagasse.

As deduções utilizadas eram tão complicadas, e exigiam tais acrobacias matemáticas, que muitos duvidavam dos resultados alcançados. Em 1944, o segundo som foi observado experimentalmente, e as previsões de Landau confirmaram-se.

Cerca de dez anos mais tarde, ele estudou um novo tipo de onda, no hélio 3, a que deu o nome de som zero. Essa teoria é considerada uma das maiores contribuições de Landau ao campo das baixas temperaturas.

Até o dia em que sofreu o acidente automobilístico, Landau trabalhou em Moscou, pesquisando e participando de seminários; discutia com seus discípulos todo tipo de problemas, desde a física das partículas elementares até a física nuclear.

No entanto, como conseqüência do acidente, foi obrigado a permanecer no hospital por dois anos; foi lá, ainda em 1962, que recebeu a notícia de que a Academia Sueca de Ciências tinha-lhe conferido o prêmio Nobel de física, por seus trabalhos sobre o hélio líquido e sua hipótese das quase-partículas. Nessa época, sua saúde ainda oscilava e seu coração já tinha parado por quatro vezes, e fora reanimado artificialmente.

No fim de 1963 recebeu alta e pôde retornar parcialmente a suas atividades. Mas não estava totalmente recuperado: a 2 de abril de 1968, seu coração parou pela quinta vez. Era a última. 

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