Herbert Eustáquio de Carvalho
*14/12/46 Belo Horizonte - MG
+29/03/92 Rio de Janeiro - RJ
Para definir Herbert Daniel, segue uma transcrição de um pequeno
texto, uma breve e bem humorada auto definição escrita pelo próprio Herbert
Daniel, publicada originariamente na contracapa de seu primeiro livro
autobiográfico "Passagem para o próximo sonho"
(você pode puxar para seu computador o livro na íntegra) que define um
resumo superficial de sua vida. Considerando a dificuldade de narrar a
complexidade das experiências vivenciadas pelo Herbert Daniel e sua
contribuição à sociedade e a história do Brasil nesta página, este pequeno
perfil há de ser um bom começo para instigar sua curiosidade para assim
conhecer a totalidade de sua obra, conhecer a vida repleta de passagens e
reflexões sobre o período político da ditadura brasileira, cidadania, amor,
sexo, amizade, invariavelmente sensíveis e temperadas com seu característico
humor, sua percepção humanista, de amor pátrio, seus medos, seus casos de
amor, seus anseios de liberdade e justiça...e mais! Seus livros contam também
diversos de seus casos fantásticos de fugas de cercos militares, sua
resistência ao governo ditatorial que fizeram a história contemporanêa de um
Brasil que pouco mudou em dignidade. Segue a simples minuta de um ser humano, um
contador de "causos" que acreditou em suas utopias e gravou suas reflexões
críticas e desarmadas em suas obras...
O referido texto transcrito da contracapa foi elaborado em um momento
da vida de Herbert Daniel em que ele já tinha vivenciado três etapas, das
quatro fases, quatro exílios em que usamos como recurso, subdivisão para
melhor compreensão dos combates vivenciados por ele. A experiência do último
e derradeiro exílio, o da aids, não foi citado pois o livro data de 1982:
"Herbert, nome de pia e registro; Daniel, nome de guerra que pegou.
Estudante de Medicina na UFMG; 1,64m; crítico de cinema no rádio, Belô;
dispensado do exército (regular) por insuficiência física (miopia? pé-chato?);
autor de teatro estudantil; cabelos muito enrolados, olhos castanhos e
semicerrados, chato nariz; vice-presidente do DCE da UFMG; gordinho; militante
sucessivamente da Polop, Colina, Var-Palmares e VPR; clandestino durante seis
anos, sem nunca ter sido preso; homossexual, já não mais clandestino;
assaltante de banco, puxador de carro, planejador de sabotagem, guerrilheiro
em Ribeira, seqüestrador de embaixador (em número de dois), remanescente;
leitor, sempre, sempre; escritor de panfletos, aprendiz de ginasta; tímido não
dançarino; jornalista em Portugal, em revista feminina; em Lisboa, estudante
de Medicina reincidente; casado com homem, claro, homossexual; calça 39,
usa 40; massagista, garçom, caixa, leão-de-chácara, gerente, porteiro de saunas de
pegação de viados, em Paris, capitale de France, voilà; discurseiro, falador
trilingüe inveterado, pensante tanto quanto, com sotaque - não se nasce em
Minas impunemente. Descoberta de saber fazer quase nada de quase tudo:
ocupação de vagabundo. Penúltimo exilado em Paris: escapou da "anistia".
Sem indulto (escapou por insulto), foi prescrito : reparou em vida alheia.
Escritor."
O texto nos apresenta o resumo até o momento em que Herbert Daniel
consegue a permissão do governo brasileiro para retornar ao Brasil. Após este
longo período de exílio pátrio imposto pelo regime militar, Herbert Daniel
desenvolveu projetos políticos, ministrando palestras sobre a questão
homossexual e cidadania baseadas em sua vivência na clandestinidade política e exílio. Suas reflexões políticas e seu conjunto de propostas
vanguardistas abordaram temáticas tabus, dando início ao debate sobre as
relações políticas até então consideradas "menos importantes", como a
homossexualidade e o machismo. Uma de suas propostas foi a inclusão da
temática homossexual como pasta de discussões nos partidos de oposição que
se organizavam após a abertura política. Avaliou a possibilidade de um
diálogo político sobre a homossexualidade, homofobia e suas sequelas como
suicídio e solidão. A questão do reconhecer a diferença, cimento básico da
democracia, até então à parte da política vigente.
Em 1986, candidatou-se a deputado estadual pelo PT do Rio de Janeiro,
não obtendo votação suficiente para sua eleição. Participou da formação do
Partido Verde junto Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis e outros ex militantes
e exilados do período da ditadura militar.
Logo quando surgiram as primeiras manchetes sobre uma terrível doença que estava
ceifando a vida de diversos gays norte americanos, Herbert Daniel
precocemente identificou o fenômeno social acerca do novo vírus: a
dissiminação da linguagem preconceituosa, discriminatória e alarmista,
prenúncio da dissiminação de um outro vírus ideológico muito mais funesto
que o próprio vírus biológico da aids, fenômeno social que Herbert Daniel
intitulou como a terceira epidemia. Sua obra literária começou a abordar este
aspecto temático antes mesmo de Herbert Daniel descobrir que era portador
do vírus HIV. Seu romance "Alegres e Irresponsáveis
Abacaxis Americanos" apresenta como trama do enredo personagens que sofrem
discriminação por serem portadores do vírus da aids.
Apesar do anacrônismo de seu enfoque acerca das nuances sociais da
doença, o marco para o quarto exílio vivenciado por Herbert Daniel inicia-se
no momento em que descobre que estava contaminado pelo vírus da aids. Esta
terrível constatação veio através de uma consulta com um médico acadêmica e
humanamente despreparado a dar o resultado de sua soropositividade. Sua
determinacão e sua força para lutar por cidadania em prol dos portadores do
HIV advieram dos quarenta segundos de perplexidade após esta consulta. Esta
crônica relatando sua reflexão sobre esta passagem foi relatada
reflexivamente por Herbert Daniel em dois de seus livros e o levou a fundar
o Grupo pela VIDDA - Valorização, Integração e Dignidade do Doente de Aids.
O legado recente que Herbert Daniel deixou para a humanidade foi sua
luta para desarmar e entender o pânico e, às vezes, a violência causada pela
complexidade cultural da linguagem distorcida associada à aids. Herbert
Daniel imaginou outras possibilidades mais lúcidas e humanas sobre a relações
sociais, médicas e trabalhistas. Sugeriu respostas solidárias para
o desafio do convívio da humanidade com mais um vírus mortal, sobre viver
com aids. Imaginou poder difundir outras vertentes de se vivenciar a aids, de se
promover a participação social e política em prol do redirecionamento da
concepção ideológica do estigma e do desterro, da necessidade de se difundir
a informação da prevenção e da responsabilidade da participação governamental
defronte a uma epidemia que coloca em risco a vida de milhares de brasileiros.
Seu discurso era também sua imagem. Usou sua coragem como poucos para
mostrar seu rosto e dizer através dos meios de comunicação que ser portador
do vírus da aids, não significa necessariamente a morte civil.
Seus últimos três livros abordam estas concepções solidárias por novas
reflexões acerca da aids.
Herbert Daniel participou como diretor da ABIA - Associação Brasileira
Interdisciplinar de Aids, associação fundada por Herbert de Souza,
e foi presidente do grupo pela VIDDA, com núcleos atuantes em diversos
estados do país.