Jornal do Commercio, Recife, 09 de mar�o de 1998 O amigo dos �ndios A morte recente de Cl�udio Vilas-Boas bastaria para fazer o Brasil lembrar-se dos seus �ndios, hoje reduzidos a pouco mais de 150 mil, que chegaram a se constituir numa popula��o estimada pelo padre Antonio Vieira (s�culo XVII) em torno de dois milh�es. Assim, a decis�o de tr�s desembargadores, em Bras�lia, apoiando a senten�a que ameniza a pena prevista para os jovens brancos que incendiaram um descendente dos Patax�s baianos, levando-o � morte, vem apenas confirmar que ainda hoje, em nosso pa�s, a igualdade de direitos � mais uma aspira��o generosa de alguns, do que uma pr�tica arraigada em nossos costumes. Os irm�os Vilas-Boas - Carlos, Orlando e Leonardo -, disc�pulos do Marechal Rondon, foram respons�veis por duas institui��es a que muito se deve n�o terem os �ndios brasileiros sido exterminados completamente: o Parque Nacional do Xingu e a Funai. Mas, conhecedores da enorme complexidade do problema, sabiam que a luta contra a gan�ncia econ�mica d� pouqu�ssimas chances de vit�ria aos sobreviventes ind�genas, progressivamente acuados pelo garimpo e pela abertura de novas fronteiras agr�colas, trazendo consigo o desmatamento e as estradas por onde circulam os ditos civilizados, com suas m�quinas, produtos qu�micos e armas de fogo. Os rapazes que embeberam um �ndio em �lcool e depois atearam fogo, em Bras�lia, apenas por brincadeira - como dizem seus advogados e admitem magistrados - alegaram em sua defesa que pensaram tratar-se de um pobre. N�o se pode, com efeito, falar entre n�s de um apartaid especificamente racial, mas apenas social. Os que s�o brancos e t�m pais endinheirados, freq�entam escolas particulares e andam de carro, n�o se consideram iguais aos pobres, sejam eles pretos, �ndios ou brancos. Mas, ainda que tivesse conhecimento da nova senten�a judicial, um homem como Cl�udio Vilas-Boas n�o se sentiria derrotado, por se haver dedicado aos mais fracos. Essa luta fez dele um homem forte. O cacique dos Caip�s, Raoni, considerava-o parente de seu povo. Ao saber do seu falecimento, disse que havia morrido "o pai dos �ndios". Quando Cl�udio e seus irm�os anteciparam-se, na d�cada de 60, aos novos conquistadores que iam ao encontro das tribos at� ent�o sem contato com o homem branco, tinham a inten��o de evitar que ali chegassem primeiro os grilheiros e capangas dos poderosos. Eles se prontificaram a constituir uma esp�cie de ponte entre diferentes vis�es do mundo, tornando menos traum�tica para o �ndio o inevit�vel contato com os homens da cidade grande. Admitiam, no seu �ntimo - algumas vezes isso foi revelado -, que preferiam ver esses povos longe da chamada civiliza��o, de que n�o precisavam porque n�o a conheciam, integrados que estavam � sua cultura, mantendo seus deuses primitivos, vivendo em equil�brio com a natureza. Mas, sabiam os tr�s indianistas ser isso imposs�vel, da� terem se dedicado � miss�o escolhida. Os irm�os obtiveram algumas vezes sucessos inesperados, mas em outras reuniram motivos para fundas tristezas e decep��es. Uma das lembran�as tristes � a referente aos contatos com os �ndios Creenhacarore, que n�o queriam aproxima��o com os brancos. Depois de dois anos de tentativas, foram "pacificados", como anunciou o Governo. Mas, j� ent�o, metade da sua popula��o havia sido contaminada por doen�as para eles desconhecidas, levadas pelos brancos que receberam em suas malocas. Foi uma mortandade jamais vista antes naquele trecho de floresta. Cl�udio Vilas-Boas amava "os primeiros brasileiros da nossa Hist�ria", para usar aqui palavras proferidas pelo soci�logo Fernando Henrique Cardoso, e em certo sentido fez a doa��o de sua vida a esses irm�os, o que � a maior prova de amor, como diz o Salmo e repete um conhecido canto religioso. |
Os Irm�os Vilas Boas |
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