Após o movimento revolucionário de 14 de
Janeiro de 1934, são fechados os sindicatos operários do Barreiro e os
anos seguintes são de repressão.
Esses anos de 1935-36 repetem os
conflitos sociais e políticos, dinamizados por sindicalistas e
intelectuais como Miguel Correia, Alfredo Carvalho, António José Piloto,
Joaquim Figueiredo, Joaquim Venâncio, Manuel Cabanas, Manuel José Hartley,
Artur José Parreira, Madeira, Adão, Calapés, etc, etc. As oficinas gerais
da CP no Barreiro paralisam totalmente. O mecânico José Francisco é preso
pela PIDE no local de trabalho que pretendia levá-lo para Lisboa a bordo
do vapor Évora. Operários e populares tentam impedir a saída do Évora, mas
os pides respondem a tiro, baleando algumas pessoas, inclusive o chefe da
estação, senhor Amaro. Nos dias imediatos são presos muitos dos envolvidos
nos distúrbios, denunciados pelo secretário da Câmara Municipal do
Barreiro, senhor Fernandes, segundo o testemunho do sub chefe da polícia,
capitão Catela. Quatro dos perseguidos conseguiram fugir, a saber:
Reinaldo de Castro, Manuel Firmo, Manuel António Ferro e Manuel António
Boto, auxiliados por Manuel Cajica que os escondeu e depois levou de
automóvel até Vendas Novas.
Em Alhos Vedros as fábricas de cortiça
ardiam com frequência invulgar. Os operários eram despedidos ou
castigados, ou seja, trabalhando sem receber, por qualquer acidente, mesmo
sendo vítima do acidente, como fosse caírem, aleijarem-se, cortarem-se,
etc.
Nesse ano de 1936, Eulálio Tarouca, de
23 anos, proprietário de uma camioneta que fazia o transporte de cortiça,
da estação para as fábricas e destas para o cais, dispara um tiro no peito
e outro na cabeça de Sousa Correia, de 38 anos, sócio da fábrica Corchera
Portuguesa e chefe dos legionários na vila, por este se recusar a dar-lhe
trabalho na sua fábrica. Socorrido pelos doutores Falcão e Alexandre
Sequeira foi enviado para S. José em auto maca falecendo pouco depois. O
Tarouca fugiu e nunca voltou a Alhos Vedros nem deu notícias, todavia o
barreirense Manuel Boto, exilado político e amigo pessoal de Ernest
Heminghwy, contactou-o diversas vezes, afirmando que ambos participaram na
guerra civil de Espanha pelos republicanos e que Tarouca tirou nesses anos
um curso de piloto na União Soviética, sendo o seu avião abatido em França
perto de Lyon.
Os anos de 1935 / 36 foram vividos
intensamente de Alhos Vedros.
Os alhosvedrenses trabalhavam nas
fábricas de cortiça, de velas e de vidro ou nos fornos de cal, indústrias
servidas pelo porto de mar e estação da C.P. de que era chefe o senhor
Grade. Parte da população dedicava-se à actividade marítima, agricultura
pesca, e salicultura. A maioria, no entanto, deslocava-se para o Barreiro
para trabalhar na CUF, oficinas gerais da C.P. e outras fábricas sobretudo
cortiças.
O comércio local era diminuto. Algumas
lojas e mercearias com destaque para a do ti Viegas que tinha de tudo e
vendia bacalhau fiado depois de molhado, mas onde a limpeza andava em
guerra com a água e o sabão. Diversas tabernas, as mais afamadas eram as
do malagueta e a do ti Fulgêncio, de alcunha o papa-ratos, onde se vendia
bom vinho feito de uvas e água quanto baste, se jogava às cartas e havia
constantes desordens que só acabavam com a intervenção a porrete do
regedor e seus dois cabos de ordem. Quatro padarias, sendo a maior e mais
conhecida a do senhor João Pinto em frente ao coreto. Havia também três
sapateiros não especificados, uma agência de seguros do senhor João
Pingoxo e a farmácia do senhor Ezequiel.
Tinha a vila duas colectividades, CRI e
Velhinha que organizavam bailes nos seus salões, abrilhantadas por uma das
populares Orquestras Jazz do Barreiro ou pela banda local onde se
destacavam o flautista Abílio de S. António, os clarinetes Bonzão e Manuel
da Velha, mas sobretudo o cornetim e operário caldeireiro Alfredo Estrela,
todos pertencentes à banda dos Franceses, ou ainda pela Orquestra de
Virgílio Pereira, formada pelo dito e respectivos filhos. O CRI mantinha
uma aula de instrução primária oficial onde leccionavam os professores
Gusmão e Maria de Assis. Realizavam ainda espectáculos teatrais, sempre
com os mesmos actores, ou seja, o Paixão, os irmãos Luís e João Gameiro e
o cómico João Valverde. Elvira Guedes, cançonetista de Lisboa,
representava todos os papéis femininos, pois as jovens locais não
participavam por receio de serem caluniadas pelas mulheres que no rio dos
Paus lavavam a roupa de vestir e a outra. O que se dizia de Elvira Guedes
no rio dos Paus, tabernas e em toda a vila era de modo a afastar do palco
qualquer corajosa. Em 1936, a Velhinha organizou as festas de Alhos Vedros
com arraial, quermesse, bandas, cavalhadas, feira de gado e sem programa
religioso. O CRI organizou bailes e um jogo de ping-pong contra o Império,
campeão do Barreiro, e perdeu por 9 a 0. Pelo CRI jogaram: Balseiro;
Valagão e Humberto, e pelo Império Ferreira, Florêncio e Gil.
Nesse ano o Carnaval passa sem
novidades, carroças metidas em charcos, viveiros e marinhas, banhos aos
passantes desprevenidos atirados de janelas, portas e esquinas.
A misericórdia local, sob o impulso do
provedor Francisco Estaca Júnior, construía e inaugurava em 1935 o asilo
hospital, que deu motivo a uma festa como há muito não se via em Alhos
Vedros. Logo depois é inaugurada a maternidade, que fechou à poucos anos,
e para a qual um grupo de senhoras organizou festas, sorteios, recolheu
donativos, tendo obtido mais de metade da verba necessária para o seu
funcionamento.
A Junta de Freguesia comprava o
mobiliário para a estação de telefone e telégrafo que se inaugurou no dia
seguinte. Correio já existia, sendo funcionário o ti Pedro,
simultaneamente carteiro, que mandava a filha avisar as pessoas que tinham
correspondência.
A igreja estava fechada ao culto desde
1910 e era o velho Ricardo, ateu e republicano, que desde a pneumónica que
vitimou famílias inteiras, tocava o sino.
A vila na sua pacatez mobilizava-se
rapidamente para assistir ou participar nos eventos que se realizavam,
como seja a participação no Grande Prémio do Barreiro em ciclismo em que
as pessoas se cotizavam para colocar metas na estrada. O povo vibrava com
as vedetas: Trindade, que ganhou em 1935 em representação dos Leões de
Ferreira do Alentejo, Nicolau, César Fernandes, Manuel e Joaquim de Sousa,
Assunção e Silva, José Pontes Narciso, Carlos da Silva Branco, Diamantino
Cordeiro, etc…
Inicialmente formou-se dois clubes na
vila, o Graça e o Internacional, que apesar do nome mais pomposo era mais
fraco e pobre, mais tarde surgiu o União Sporting. As suas sedes eram
barracos, só utilizados para reuniões de direcção que acabam quase sempre
com uma paulada no gasómetro a carbureto. Nestes clubes os jogadores
pagavam uma quota mensal para poderem jogar.
É neste contexto que a Junta de
Freguesia, juntamente com o União Sporting, decide construir o parque
desportivo da Bela Rosa. Até aí era utilizado para a prática do futebol o
largo da Graça, pouco próprio em virtude de ter duas oliveiras a servir de
defesa central e um poço como ponta de lança, e o largo do mercado, também
pouco próprio por não ser plano, não ter área suficiente e uma das linhas
laterais ser um muro que os jogadores utilizavam como tabela para fintar
os adversários.
Nos finais do ano de 1935 realizaram-se
alguns jogos no novo campo, apesar de ainda estar em obras, o que fazia um
lago. Em Março de 1936, realizou-se um jogo amigável entre o Sporting
local e os Leões do Barreiro, a convite dos primeiros e que era uma
espécie de pré inauguração. O jogo não chegou ao fim e os intervenientes
não chegaram a acordo quanto ao resultado final. Os barreirenses chegaram
ao intervalo a ganhar por 2 a 0 com golos de Wenceslau e Cardoso, após
excelentes jogadas de Francisco Almeida. Na segunda parte os locais fazem
2 a 1 em off-side e poucos minutos antes do jogo acabar, no dizer dos
Leões, legalmente e aos trinta minutos na opinião dos sportinguistas. Aos
43 minutos, ou muito para além do tempo regulamentar, segundo as duas
versões, o árbitro assinalou penalidade contra os barreirenses. Por jogada
rija, dizem uns, por carga desleal, afirmam outros. Os ânimos exaltaram-se
e o defesa esquerdo dos Leões, Henrique Dias, que havia cometido a falta é
agredido por um popular, ou houve tentativa de agressão como reconheceu o
presidente do clube local. Entretanto no intervalo, o árbitro, senhor
Vitorino de Almeida foi substituído a pedido dos directores e jogadores
locais, segundo os barreirenses, enquanto para os alhosvedrenses, foi de
comum acordo entre os capitães, pois o capitão forasteiro não protestou o
que era sinal evidente de acordo. Para os Leões, na segunda parte foi
escandaloso o esforço do novo árbitro, que desconhecia as leis do jogo,
para que este terminasse empatado, pelo que decidiram abandonar o campo,
que entretanto havia sido invadido. Houve tentativas para recomeçar o
jogo, mas os jogadores dos Leões já se estavam a lavar e temendo ser
agredidos não voltaram. Os sportinguistas acusam que foi para evitar a
marcação do penalti, o que é entendido como uma falta de consideração, por
isso deliberaram não pagar aos Leões as despesas de deslocação, para que
não tomem igual atitude quando os jogos não lhe correrem de feição.
Em Maio, inaugurou-se o campo com a
disputa da taça Junta de Freguesia, num quadrangular entre o Spoprting
local e três equipas do Barreiro. Nas eliminatórias para a final os Unidos
batem a equipa da casa por 1 a 0, mas o resultado não traduz o que se
passou em campo, pois os locais tiveram mais ocasiões de golo e dominaram
territorialmente. A vitória dos Unidos deveu-se ao árbitro senhor José
Inácio Nobre, do S. L. Benfica, que lhes poupou várias penalidades que
decerto modificariam o resultado. No segundo jogo os Celtas derrotaram o
União por 4 a 1, numa vitória justa embora contra a expectativa geral,
atendendo a que os Celtas jogaram com menos um jogador e com um
guarda-redes improvisado, sem experiência nem estatura.
Nas finais, o União volta a perder por 4
a 1 com o Sporting e os Celtas vencem os Unidos por 2 a 0 conquistando o
troféu. Os Unidos eram favoritos mas sentiram o amargo da derrota, que os
não honrou, pois não a souberam aceitar com galhardia e correcção. Na
opinião do jornalista presente, levaram quase todo o jogo a gritar,
gesticular e mimosear os adversários, com entradas em falta. Os Celtas
aproveitaram a desorientação dos adversários e conseguem obter um golo que
lhes dava uma superioridade que estava longe de corresponder à realidade e
que só as espectaculares defesas do guarda-redes titular dos Celtas
assegurava. No declinar do jogo o árbitro assinalou penalti, um pouco
forçado, a favor dos Celtas que aproveitaram para elevar o resultado para
2 a 0 a seu favor. A partir de então os jogadores dos Unidos tornaram-se
agressivos para os adversários e aos 80 minutos a claque dos Celtas e
alguns populares invadiram o campo, acabando o jogo num arraial de
pancadaria e cenas de pugilato que só terminaram com a intervenção de
algumas pessoas mais conciliadoras.
Uma semana depois os Celtas voltaram a
Alhos Vedros para receber a taça, ganha tão brilhantemente, no dizer do
presidente da Junta de Freguesia, senhor Ezequiel Fernandes. No seu
discurso enalteceu também o valor desportivo, correcção e lealdade dos
visitantes, motivo por que gozam especiais simpatias em Alhos Vedros. Após
a entrega dos troféus, os Celtas ofertaram às entidades locais galhardetes
com as suas cores e iniciais, o que foi ovacionado pela assistência. Em
final de festa houve jogo amigável entre a equipa organizadora e a
vencedora do torneio, tendo a Dona Laurinda Costa dado o pontapé de saída.
Jornal do Barreiro. 22.12.1995.